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Registro de preços de serviços contínuos

Registro de preços de serviços contínuos

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Diz-se de que a sistemática do registro de preços é incompatível com a contratação de serviços de natureza contínua, pois o SRP exige certa imprevisibilidade do quantitativo, consoante previsto em regulamentos. Soma-se o fato de a lei prever que o SRP destina-se a contratações futuras e impregnadas de incerteza, pois não há obrigação de contratar os serviços contínuos.

Em termos legais, a utilização do Sistema de Registro de Preços – SRP não é mais questionada para contratar serviços. Antes restrito às compras, o SRP inclui serviços por expressa previsão na Lei nº 10.520/2002, a Lei do Pregão.[1]

A legalidade foi assentada em norma de caráter nacional,[2] extensível, portanto, a permissibilidade do registro de preços de serviços a todas as esferas de governo e aos poderes Judiciário e Legislativo, embora todos sejam possuidores da prerrogativa de regulamentar suas contratações.[3]

Em termos pragmáticos, eventuais dúvidas também foram superadas, na medida em que o registro de preços de serviços é viável se remunerados por unidade de medida, a exemplo do registro de preços de homem/hora, hora de serviço técnico, etc.

Há, contudo, entendimentos[4] de que a sistemática do registro de preços é incompatível com a contratação de serviços de natureza contínua,[5] pois o SRP exige certa imprevisibilidade do quantitativo, consoante previsto em regulamentos.[6] Soma-se a esse argumento o fato de a lei prever que o SRP destina-se a contratações futuras e impregnadas de incerteza,[7] pois não há obrigação de contratar os serviços contínuos.[8]

Analisando a questão, parece que o maior óbice não é o desatendimento das hipóteses de cabimento do registro de preços, prevista nos regulamentos,[9] mas o fato de a licitação para registro de preços não obrigar a indicação da dotação orçamentária, que somente será exigida para a formalização do contrato ou outro instrumento hábil.

Nas licitações convencionais, a demanda é certa e previsível; logo, por força da norma geral, a previsão orçamentária,[10] verificada na fase interna da licitação, é requisito para validade do certame e exigência que afasta responsabilizações.[11]

Essa previsão legal guarda fundamento de validade na Constituição,[12] que estatui o preceito da legalidade das despesas, ou seja, não se pode realizar despesas ou assumir obrigações que excedam os créditos orçamentários ou adicionais.

Desse modo, pelo rito da norma geral, previamente às licitações é imperioso verificar a suficiência orçamentária, sem adentrar na análise da realização da receita prevista, que invariavelmente enseja limitações de empenho e de movimentação financeira.[13]

No caso do registro de preços, embora sendo contínuos os serviços, não haverá desatendimento do princípio da legalidade da despesa, pois esta somente será executada após regular liquidação, na qual previamente conhece-se a respectiva disponibilidade orçamentária e financeira. Além disso, o ato de contrair obrigação, conforme esclarecedor dispositivo incluído nas leis de diretrizes orçamentárias, efetiva-se quando da celebração do contrato.

Com efeito, embora os serviços sejam contínuos e não detenham imprevisibilidade de consumo, mas constância, sempre haverá a verificação da suficiência orçamentária previamente ao ato de contrair obrigação[14] ou de realizar despesa.

O Tribunal de Contas da União – TCU, por meio do Acórdão nº 1737/2012 – Plenário, ainda na vigência do Decreto nº 3.931/2011, assentou que é possível o registro de preços de serviços contínuos desde que atendidas quaisquer das hipóteses do inc. 2º desse regulamento, atualmente substituído pelo art. 3º do Decreto nº 7.892/2013.

Não há dúvidas, portanto, acerca da plausibilidade jurídica de registrar preços de unidades de medidas de serviços contínuos.


Notas

[1] Lei nº 10.520/2002 – Lei do Pregão, art. 11.

[2] Possuem alcance nacional as normas gerais insertas na Lei nº 8.666/1993 que abrangem todas as esferas de governo e os demais Poderes, ao contrário dos dispositivos de caráter federal dessa norma que apenas obrigam a União.

[3] Lei nº 8.666/1993, arts. 117 e 118.

[4] Nesse sentido: Tribunal de Contas do Estado de Rondônia. Processo nº 92/2012. Decisão nº 154/2012 – 1ª Câmara. “[...] se abstenha de utilizar o Sistema de Registro de Preços quando o objeto da contratação se referir à prestação de serviços continuados, sob pena de aplicação da multa prevista no artigo 55, IV, da Lei Complementar nº 154/96; [...]”.

   Conselho Nacional de Justiça. Auto Circunstanciado de Inspeção Justiça Estadual do Paraná. “[...] 1.1.45 – Registro de preços para serviços contínuos [...] O SRP – Sistema de Registro de Preços, regulamentado pelo Decreto 3931/2001, foi instituído, nos termos do art. 2º e incisos, para: a) quando houver necessidade de contratações freqüentes; b) aquisição de bens com previsão de entregas parceladas; c) quando conveniente o atendimento a mais de uma órgão ou entidade ou a programas de governo; e d) quando não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração. Observa-se, portanto, que o registro de preços é um sistema destinado, em princípio, a contratações que sejam freqüentes – voltado sobretudo para a aquisição de bens -, que não se justificaria a celebração de um contrato para cada evento ocorrido. A contração de serviços previstos no Decreto 2271/1997, que são de natureza continuada, com  vigência que dura até cinco anos, constitui antítese para efeito da previsão contida no Decreto 3931/2001. O Tribunal de Justiça do Paraná, porém, tem feito uso reiterado desse sistema (Registro de Preços) em suas necessidades de mão-de-obra contínua nos setores de limpeza, asseio e conservação. Essa opção, além de não ter amparo em qualquer das hipóteses legais previstas para a utilização do registro de preços, possibilita a adesão ilimitada por outras entidades, com o que se está favorecendo a concentração ou domínio de uma única empresa sobre a gestão dos serviços e a dependência da administração em relação a prestadores específicos. A prática contraria a Instrução Normativa nº 02 do Ministério do Planejamento, normativo que dispõe sobre regras e diretrizes para a contratação de serviços, a qual o CNJ adere e recomenda sua observação. Observe-se, por oportuno, que o Tribunal de Contas da União vem vislumbrando, com cautela, essa praxe como se pode observar no Acórdão 1487/2007, no qual salienta que a ausência de normativo limitando as adesões compromete o princípio da competição e da igualdade de condições entre os competidores, visto que a partir de uma única licitação múltiplos contratos são celebrados e um único fornecedor beneficiado. O próprio TJPR é aderente em duas das licitações em epígrafe, cujas atas são gerenciadas por órgão do executivo estadual e que têm na CDN Limpeza e Conservação e Construção Ltda a empresa dominante. Mais que isso, relatório disponibilizado à equipe de inspeção demonstra que, apenas em 2008 e 2009, foram feitas vinte e seis adesões a atas de registro de preços de outros órgãos, para o fornecimento desse tipo de mão-de-obra a fóruns das comarcas do interior. Não é razoável a utilização dessas adesões porque se tratam de serviços cuja necessidade é específica e peculiar a cada órgão e por isso mesmo não são compatíveis com a prática da adesão. DETERMINAÇÃO: o Tribunal de Justiça do Paraná deve, em futuras licitações, abster-se de utilizar o sistema de registro de preços para contratar a prestação de mão-de-obra de natureza continuada. [...]”.

[5] Lei nº 8.666/1993, art. 57, inc. II.

[6] Conforme previsto no inc. IV do art. 2º do Decreto nº 3.931/2001, prescrição que agora consta no inc. IV do art. 3º do Decreto nº 7.892/2013.

[7] A Instrução Normativa nº 02/2008, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em seu art. 6º, estabeleceu que os serviços continuados são aqueles que apoiam a realização das atividades essenciais ao cumprimento da missão institucional do órgão ou entidade, conforme dispõe o Decreto nº 2.271/1997. O TCU, com acerto, assentou que serviço contínuo deve ser analisado caso a caso: “Em processo próprio, deve a Administração definir e justificar quais outros serviços contínuos necessita para desenvolver as atividades que lhe são peculiares. [...] o que é contínuo para determinado órgão ou entidade pode não ser para outros.” – Licitações & Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU, 4ª ed., p. 722.

[8] Lei nº 8.666/1993, art. 15, § 4º e

[9] Decreto nº 3.931/2001, revogado pelo Decreto nº 7.892/2013.

[10] Lei nº 8.666/1993, art. 7, § 2º, inc. III.

[11] Lei nº 8.666/1993, art. 7º: “§ 6º A infringência do disposto neste artigo implica a nulidade dos atos ou contratos realizados e a responsabilidade de quem lhes tenha dado causa.”

[12] Constituição Federal de 1988, art. 167, inc. II.

[13] Lei Complementar nº 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, arts. 8º e 9º.

[14] Lei nº 12.708, de 17 de agosto de 2012 – Lei de Diretrizes Orçamentárias, art. 119. 


Autor

  • Jaques Reolon

    Economista, consultor e advogado especialista em Direito Administrativo. Vice-Presidente da Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados. Ocupou diversos cargos no poder público, dentre os quais se destacam assessor de conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, assessor-chefe e secretário executivo do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal. Autor de diversos artigos no campo de licitações e contratos.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REOLON, Jaques. Registro de preços de serviços contínuos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3724, 11 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25267. Acesso em: 16 abr. 2024.