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A função social da propriedade industrial

A função social da propriedade industrial

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Há de se impor limites ao titular do direito de exploração da propriedade industrial, para que esse mecanismo de restrição ao livre direito de concorrência não se transforme em proteção estatal ao abuso do direito de exploração exclusiva da propriedade.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO 2. A PROTEÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE COMO GARANTIA FUNDAMENTAL 3. A TENTATIVA DE DEFINIR PROPRIEDADE 4. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE 4.1. A Constitucionalização do Princípio 4.2. A Função Social como Conceito Jurídico Indeterminado 4.3. A Teoria da Propriedade Como Função Social 4.4. A Propriedade Industrial dos Bens de Produção Dotados de Função Social 4.5. As diferentes funções sociais expressas na Constituição Federal 6. CONCLUSÕES.


1. Introdução

Ao contrário dos animais, que dispõem apenas do que lhes é essencial para a sua própria sobrevivência, os homens têm a necessidade de se apropriar individualmente de outros bens considerados supérfluos, quer por motivos econômicos, seja por motivos de ordem política ou financeira. Defendido pelos jusnaturalistas como um direito inerente à própria condição humana, o direito de propriedade tem sofrido modificações decorrentes da evolução da sociedade e das regras jurídicas que condicionam seu comportamento.

Na sociedade contemporânea, onde o modelo de produção capitalista favorece, e até mesmo incentiva, essa acumulação de bens, a exata compreensão do direito de propriedade e de suas limitações revela a definição do tênue liame que separa o exercício dos direitos inerentes ao proprietário sobre o bem apropriado e a obrigatoriedade de que esse mesmo bem não tenha uma destinação egoística, em descompasso com o interesse coletivo.

Como uma das muitas espécies da propriedade, a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) consagrou a propriedade industrial como um direito fundamental do indivíduo, conferindo-lhe inegável importância no direito brasileiro. Entretanto, na mesma redação do art. 5º, inciso XXIX da CRFB percebe-se claramente que essa proteção diferenciada conferida aos inventos industriais e aos nomes e sinais distintivos do empresário, tem como objetivo o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

No mesmo texto constitucional, desta feita no capítulo que trata dos princípios gerais da atividade econômica, há clara reiteração à consagração do direito à propriedade privada, o que dá à propriedade industrial, uma das espécies daquela, a dúplice importância de direito fundamental e de princípio geral da atividade econômica.

Ao erigir esse direito ao status de norma constitucional, o constituinte brasileiro seguiu a mesma ideologia adotada por quase todos os países capitalistas em suas constituições, partindo da premissa de que a proteção aos bens da propriedade industrial se afigura em importante mecanismo de fomento ao progresso econômico e social do País, uma vez que somente se alcança o investimento necessário à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias mediante o estímulo representado pela concessão de privilégios temporários de utilização exclusiva do bem havido de seus esforços intelectivos, indispensáveis à sua exploração econômica sem concorrência, de forma a recompensar financeiramente tais esforços.

Em que pese não existir grandes controvérsias quanto aos benefícios experimentados pela sociedade com os avanços da ciência, já que estes progressos são responsáveis pela melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, os privilégios da exploração exclusiva destes bens da propriedade industrial, mesmo que temporários, muitas vezes favorecem o abuso do poder econômico por grandes grupos empresariais.

Visando coibir os abusos praticados na exploração desses privilégios temporários, a norma constitucional exige-lhes certa função social, igualmente consagrada na CRFB como princípio geral da atividade econômica.

A compreensão desse delicado equilíbrio entre o direito ao privilégio temporário de exploração exclusiva do bem da propriedade industrial e a destinação social que lhe foi destinada constitucionalmente é o objetivo pretendido neste trabalho.

Num primeiro momento, tratar-se-á da propriedade como instituto jurídico, desde a sua concepção clássica até a sua abordagem atual conforme a Constituição, donde se percebe não constituir-se mais apenas num plexo de direitos, mas, também, em um conjunto de deveres que procura direcionar-lhe a uma finalidade coletiva.

Após, se buscará alcançar o sentido mais exato de função social da propriedade industrial, tendo em vista que a criação deste limitador constitucional ao direito de propriedade como um conceito jurídico indeterminado deu ao intérprete da norma a discricionariedade de completar-lhe o sentido e o conteúdo.


2. A Proteção ao Direito de Propriedade Como Garantia Fundamental

A constatação de que o constituinte originário deu à proteção aos direitos industriais o status de direito fundamental causa certa espécie em razão de sua atipicidade como regra integrante do núcleo de proteção da dignidade da pessoa humana.

Os direitos fundamentais do homem, expressão utilizada por José Afonso da Silva para definir com maior exatidão os princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico[1], devem referir-se às situações jurídicas indispensáveis à realização, à convivência ou à sobrevivência da pessoa humana. Assim, o ponto característico que serviria para definir um direito fundamental seria a intenção de explicitar o princípio da dignidade da pessoa humana[2].

Contra esse raciocínio de que os direitos fundamentais seriam somente aqueles através dos quais se consagraria o princípio da dignidade da pessoa humana, é importante conhecer a crítica de Canotilho, segundo a qual esse raciocínio retira do catálogo material dos direitos todos aqueles que não pressuponham a ideia princípio da dignidade da pessoa humana[3].

Parece-nos, entretanto, que a observação crítica do renomado constitucionalista português reflete com exatidão o verdadeiro sentido que se busca dar ao núcleo fundamental das regras que consagram a dignidade do homem. Segundo observação criteriosa de Pietro de Sanchis, “historicamente, os direitos humanos têm a ver com a vida, a dignidade, a liberdade, a igualdade e a participação política e, por conseguinte, somente estaremos em presença de um direito fundamental quando se possa razoavelmente sustentar que o direito ou instituição serve a algum desses valores.”[4]

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, mesmo sem se aprofundar nessa discussão, chega a afirmar que “os direitos fundamentais referentes à propriedade estão num plano intermediário entre os que concernem à liberdade e os que dizem respeito à segurança, já que ela ao mesmo tempo toca a uma e outra” [5]. Segundo o constitucionalista, os direitos à propriedade são instrumentos da liberdade e garantia de segurança, tendo em vista que possibilita ao indivíduo realizar o que quer, além de resguardá-lo contra a necessidade e a incerteza do amanhã.[6]

Não obstante a classificação dada à proteção dos direitos à propriedade industrial, o mesmo doutrinador reconhece a sua importância para a estrutura econômica sobre a qual se ergue a nossa Constituição, afirmando, finalmente, ser um “indiscutível exagero, porém, incluí-los no rol dos direitos fundamentais.”[7]

É possível afirmar que uma das prováveis causas para que a proteção à propriedade industrial tenha sido tratada na CRFB como direito fundamental do indivíduo tenha sido a influência da ideia absolutista de propriedade consagrada ao longo do tempo, inspirada na visão jusnaturalista que entende ser a propriedade um direito divino, historicamente anterior ao homem, inerente à sua própria condição humana.

Segundo essa concepção individualista da propriedade, que realça a natureza egoística do homem e a sua tendência materialista, um dos meios de afirmação de seu poder e de seu prestígio na vida em sociedade era a acumulação de bens, o que lhe permitia alcançar riqueza pela detenção de maiores e mais numerosos meios de produção. Nasciam, ali, as raízes históricas e os fundamentos do abuso de poder econômico.

 Sobre a evolução da compreensão de propriedade e sua inter-relação com o conceito de riqueza e com as estruturas de prestígio e de poder ao longo do tempo, é importante conhecer a digressão histórica feita por Gladston Mamede:

Mais do que isso, essa relação entre a terra e a riqueza reflete-se na própria estrutura política da sociedade ao longo do tempo, intimamente ligada à propriedade ou posse da terra; são exemplos o clero (χ??ρ?σ, ou seja, kleros) grego, lotes de terras entregues aos cidadãos, como em Esparta, onde a sua exploração por escravos e servos garante a sobrevivência do espartíata, ou seja, do cidadão guerreiro, ocupado com seu treinamento. A mesma estrutura que antes se verificara entre os babilônios e, depois, entre os hititas e assírios. Em Roma, temos o ager; na Idade Média, o feudo. No Brasil, temos as sesmarias e, depois, os engenhos e as fazendas, definindo o domínio econômico e político, identificado com a cana-de-açúcar, o café, a borracha, o gado etc. Somem-se, querendo, as minas.[8]

Não se pode negar, também, que a visão absolutista da propriedade, e que lhe elevou à categoria de direito fundamental do indivíduo, sofreu influência marcante do Código Civil francês, fruto da positivação dos valores burgueses que inauguraram o capitalismo e o liberalismo econômico, tratando a propriedade como um direito absoluto e perpétuo de usar, de gozar e de dispor da coisa.

A propriedade, segundo a ideologia dos Estados liberais, era vista como uma forma de proteger o indivíduo e sua família contra as necessidades materiais, o que inegavelmente lhe emprestava a importante função de meio de subsistência e de promoção da dignidade da pessoa humana. No entanto, contemporaneamente, a propriedade deixou de ser o único, ou o mais eficiente, meio de garantir a subsistência do indivíduo e de sua família, tendo surgido, em seu lugar, outros valores e outras garantias que tornam a garantia de subsistência mais efetiva, a exemplo da garantia de um emprego e de um salário justo, além das prestações sociais devidas ou garantidas pelo Estado, como a educação, a formação profissional, a saúde, a habitação e o lazer.[9]

Percebe-se, então, que as razões que levaram o legislador a adjetivar a proteção à propriedade industrial como direito fundamental do indivíduo não mais subsistem, ou melhor, sequer subsistiam à época da elaboração do texto constitucional vigente, uma vez que já naquela fase histórica, as mudanças experimentadas pela sociedade brasileira já indicavam a superação do conceito de propriedade como paradigma de garantia do sustento próprio e familiar do indivíduo.

Na Itália, desde 1º de janeiro de 1948, quando passou a vigorar a atual Constituição, as disposições relativas à propriedade foram deslocadas do núcleo dos direitos fundamentais. Abandonou-se, naquele País, a concepção jusnaturalista do direito de propriedade como expressão do direito de personalidade, passando a ser tratado, então, como fato econômico[10].

Não obstante a observação crítica de que não faz muito sentido dar à proteção à propriedade industrial o tratamento de direito fundamental, o fato é que, na forma como foi positivada na CRFB, a garantia de proteção à propriedade industrial se deu como norma constitucional de eficácia limitada, uma vez que depende de legislação infraconstitucional ulterior. Hoje, a norma que garante esse direito fundamental é a Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.


3. A Tentativa de Definir Propriedade

Não há uma previsão legal que defina precisamente o instituto jurídico da propriedade, sendo esta comumente explicada por uma intuição decorrente da compreensão de seus principais atributos: o direito de usar, de gozar e de dispor da coisa. Entretanto, a propriedade não pode ser explicada simplesmente segundo as faculdades inerentes ao titular desse direito real.

Por se tratar de matéria típica do Direito Civil, portanto anterior à própria ideia de constituição, convencionou-se, de forma equivocada, a interpretar a Constituição Federal segundo o Código Civil, o que se afigura numa clara e absurda inversão da hierarquia das normas consagrada na “teoria dos degraus” de Hans Kelsen. Por mais que pareça óbvio, é importante ressaltar que a única forma interpretativa correta do direito de propriedade é “segundo a Constituição”, o que revela a indeterminação do conceito de propriedade no direito brasileiro.

Diante do silêncio da norma em conceituar objetivamente o termo “propriedade”, essa tarefa foi incumbida à doutrina que, de uma forma simples entende que se trata do conjunto de todas as coisas e direitos que constituem o patrimônio de alguém. Em apertada síntese, a propriedade tanto pode significar a relação jurídica entre a pessoa e a coisa certa e determinada submetida ao seu poder de forma exclusiva e direta, quanto a própria coisa que é objeto desse direito real por excelência.

Adverte Eros Roberto Grau que a propriedade “não constitui um instituto jurídico, porém um conjunto de institutos jurídicos relacionados a distintos tipos de bens.”[11] Assim, não se de deve falar em propriedade como espécie, mas como gênero do qual derivam várias espécies, a exemplo da propriedade de valores mobiliários, da propriedade literária e artística, da propriedade industrial e da propriedade do solo.

Neste contexto, também se afigura necessária para a compreensão e aprofundamento do tema em discussão a distinção entre propriedade de bens de consumo e propriedade de bens de produção. É que as legislações econômicas de estados modernos consideram a disciplina do direito de propriedade como elemento que se insere no processo produtivo, onde concorrem junto aos interesses do proprietário vários outros. Quanto aos bens de consumo, o ciclo da propriedade se esgota na sua própria fruição, enquanto no que tange aos bens de produção, em face de sua característica dinâmica[12], exatamente porque há a convergência de interesses diversos e muitas vezes antagônicos, é que se pode falar em realização da função social da propriedade.

Não somente isso; as diversas propriedades também devem ser distinguidas entre aquelas dotadas de função individual e aquelas dotadas de função social.[13] A primeira encontra sua justificação na segurança, na garantia que tem todo indivíduo de prover a subsistência e a de sua família; por sua vez, a propriedade dotada de função social tem sua justificação pela sua finalidade, pelos seus serviços.

Observa-se, nesta abordagem, que a caracterização da função social da propriedade dos bens de produção, materiais ou imateriais, não pode ser dissociada da compreensão de aspectos circunstanciais de natureza e de ordem econômica.

Existem diversas teorias que buscam definir e justificar a propriedade, sendo as mais comuns aquelas que se prendem a argumentos filosóficos ou políticos. No entanto, uma das tentativas mais eficientes de definição do direito de propriedade, bastante utilizada na doutrina jurídica estadunidense, segundo Wolfgan Kasper[14], justifica a existência desse direito no argumento econômico da “escassez de recursos” e na forma mais eficiente de alocação desses recursos: é a Tragedy of Commons, teoria apresentada pela primeira vez em 1968 na revista Science como um problema de natureza ambiental.

Para melhor compreensão do problema, é preciso entender que a expressão commons, utilizada na concepção da teoria, faz referência às pastagens de uso comum que existiam na Inglaterra.

A Tragedy of Commons, ou “Tragédia dos Baldios”, explica que para cabeça de gado excedente que pastar num terreno baldio, os benefícios desta sobre-pastagem vão, na sua totalidade, para o dono do animal (internalização dos benefícios), sendo que os custos deste esforço adicional imposto à pastagem são partilhados por todos os outros criadores que também se utilizam daquele terreno baldio (exteriorização dos custos), uma vez que o alimento do pasto consumido em excesso não poderá alimentar os animais dos outros donos de animais.

Seguindo a dinâmica natural destes fatos, caso não houvesse qualquer gestão deste bem comum, o resultado natural seria a destruição do terreno baldio pela utilização excessiva do pasto comum, já que o adensamento de animais acima da capacidade de produção de alimentos daquela pastagem não permitiria a sua recomposição, levando-o ao seu perecimento.

Esse problema posto em teoria demonstra a necessidade de que seja delimitado o uso dos recursos comuns a todos como uma forma de garantir uma maior eficiência de distribuição, cultivo e produção. Por esta razão, seriam os direitos de propriedade necessários, já que teriam surgido exatamente para delimitar o uso desses recursos. No exemplo em discussão, havendo a delimitação de áreas entre os criadores de gado, haverá uma internalização dos benefícios individuais sem que haja a oneração dos terrenos destinados aos outros criadores.

Neste contexto, importante é ressaltar o papel desempenhado pelo Estado na regulação desse direito. Caso não existissem critérios objetivos de aquisição da propriedade, neste mesmo exemplo que se estuda, o critério de divisão dos terrenos baldios geralmente não seria justo, uma vez que beneficiaria o primeiro a tomar posse dessas terras, aquele que conseguisse impor sua propriedade à força, ou até mesmo aquele que argumentasse relações familiares com aquele imóvel.

Com a delimitação da propriedade e o respeito mínimo a esse direito, cada criador (neste exemplo definido como agente econômico) utilizar-se-ia da parte do terreno que lhe coube segundo suas habilidades, sendo que os mais eficientes acumulariam maiores recursos que poderiam ser utilizados na aquisição de mais recursos (mais terrenos) daqueles outros que não souberam explorar com eficiência sua propriedade.

Essa dinâmica seletiva resulta na circunstância de que os mais eficientes irão concentrar cada vez mais propriedades, tornando-se cada vez mais eficientes em virtude da acumulação de maiores meios de produção. Essa é a dinâmica de mercado numa sociedade capitalista como a brasileira.

Mas nem sempre esse critério de eficiência alocativa de recursos é suficiente para justificar de forma convincente o direito à propriedade. A Tragedy of Anti-Commons, ou, “Tragédia dos Anti-Baldios”, problema proposto por Michael Heller[15] em 1997, é o oposto desta situação, mostrando-nos que esse conceito de propriedade não pode ser absolutizado.

Neste outro exemplo econômico, diversos agentes econômicos que têm direitos de propriedade sobre um determinado bem o subutilizam, não explorando todos os recursos que são disponíveis. Neste caso, vê-se que o titular do direito de propriedade de uma pequena área não conseguiria alcançar uma maior eficiência em razão da concentração da maior parte da área nas mãos de outros agentes econômicos menos eficientes, o que implica num prejuízo coletivo pela perda de eficiência nos meios de produção. Essa ineficiência é causa determinante do decréscimo da riqueza, tendo sido ocasionada pela absolutização da propriedade.

Segundo essa teoria que deita raízes em argumentos de ordem econômica, o direito de propriedade é um mecanismo lógico de alocação de riquezas que tende a equilibrar os recursos entre duas tragédias (Tragedy of Commons e Tragedy of Anti-Commons), sendo o papel destinado ao direito o de estabelecer um conjunto de limitações de utilização de modo a permitir que, mediante a mais eficiente alocação de recursos, possa haver o progresso da humanidade por meio de uma organização social mais eficiente e produtiva.

Sob esse prisma econômico, a expressão “função social da propriedade” seria uma redundância, pois não há uma função social da propriedade, já que está já é, em si, uma função social, uma forma de alocação de recursos e de riquezas de forma a maximizar a eficiência de geração de riquezas e desenvolvimento humano.


4. A Função Social da Propriedade

4.1. A Constitucionalização do Princípio

A constitucionalização da função social da propriedade teve origem nas Constituições do México de 1917 e da Alemanha de 1919 (Constituição de Weimar). Segundo a Constituição Mexicana de 17, em seu artigo 27, “A Nação terá a todo o momento o direito de impor à propriedade privada padrões que ditam o interesse público (...)”[16]; por sua vez, a Constituição Alemã de 19 afirmava, no seu artigo 153, que “A propriedade obriga e o seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função no interesse social”[17]. Como se observa, a função social da propriedade é disciplina que está intimamente ligada às Constituições do welfare state, que consagram o bem-estar social.

Tratada expressamente como norma constitucional pela primeira vez no Brasil com a Constituição Federal de 1946 (art. 141, § 16)[18], a função social da propriedade foi mantida em todas as Constituições subsequentes, até aperfeiçoar-se nos moldes atuais em que a CRFB de 1988 dispõe, como direito fundamental do indivíduo, o direito à propriedade, e, como dever, a obediência à sua função social[19].

Como se não fosse suficiente tratar a matéria do direito de propriedade como direito fundamental, o constituinte também a mencionou, no art. 170, inciso II, da CRFB, como princípio geral da atividade econômica, e, numa demonstração de que esse direito não é mais visto como absoluto, exclusivo e perpétuo, como compreendido desde a época do direito romano até o fim da idade média, dispôs, num primeiro momento como dever fundamental e depois como, também, princípio geral da atividade econômica, que essa propriedade deve cumprir certa “função social”.[20]

Verifica-se pela interpretação do texto constitucional que a ordem jurídica brasileira continua assegurando à pessoa o direito de apropriar-se de bens de diferentes espécies e naturezas jurídicas; entretanto, impõe ao proprietário uma limitação de uso desses bens que, muito mais do que representar uma obrigação negativa do indivíduo (a de se abster de uma utilização anti-social da propriedade), implica num verdadeiro dever (uma obrigação positiva) de destinar ao bem de sua propriedade uma finalidade social, que atenda ao interesse coletivo.

No entanto, há inegável dificuldade em encontrar uma definição de “função social” num contexto genérico e abstrato; o que parecer ser uma omissão do constituinte, já que apesar de sua enorme importância não há, em regra, qualquer definição do que venha a ser esse conceito, revela, na verdade, uma escolha proposital por um conceito jurídico vago e indeterminado, o que permite à administração certa discricionariedade em sua interpretação.

4.2. A Função Social como Conceito Jurídico Indeterminado

Segundo doutrina Eros Roberto Grau, “são indeterminados os conceitos cujos termos são ambíguos ou imprecisos – especialmente imprecisos – razão pela qual necessitam ser completados por quem os aplique”.[21]

Por sua vez, Andreas Joachim Krell[22] relata as raízes históricas da teoria ao afirmar que a Teoria dos Conceitos Jurídicos Indeterminados nasceu na Alemanha no final do século XIX, quando o jurista alemão Tezner contrapôs-se à teoria do austríaco Bernatzik.

Segundo este último, autor da Teoria da Multivalência, os conceitos abertos teriam que ser preenchidos pelos órgãos administrativos especializados sem que fosse possível ao Judiciário rever tais decisões. Entendia Bernatzik, criador da Teoria da Univocidade, que a aplicação do direito exigia certa margem de apreciação subjetiva de seu executor e, sendo a Administração uma “perita do interesse público”, caber-lhe-ia determinar, segundo suas próprias convicções, quais eram as medidas necessárias para a realização desse bem comum.

Contrário a esse perigoso subjetivismo na interpretação dos conceitos jurídicos vagos, Tezner defendia um controle objetivo de todos os conceitos normativos das leis que regiam as relações entre a Administração e os cidadãos, inclusive os conceitos vagos.

Essa discussão evoluiu para o entendimento de que os “conceitos jurídicos indeterminados” não mais eram considerados como uma expressão da discricionariedade, mas, conceitos plenamente sindicáveis pelo Judiciário mediante interpretação.[23]

O advento da criação da República Federal da Alemanha no período pós-guerra contribuiu substancialmente para uma ainda maior redução da discricionariedade dos órgãos administrativos na interpretação de tais conceitos vagos, uma vez que a experiência traumática do regime nazista reduziu a confiança dos cidadãos na Administração, tendo sido essa confiança paradoxalmente transferida para o Poder Judiciário daquela nação. Essa confluência de fatores serviu para que, à época, acreditassem os alemães na possibilidade de que as decisões administrativas pudessem ser decifradas pelos tribunais através dos modernos meios da hermenêutica, interpretação teleológica etc.[24]

Essa teoria predominou entre os juristas alemães até alcançar o seu ápice no final da década de 70 do século passado, quando se verificou naquele país um controle judicial quase total dos conceitos legais indeterminados[25]. Desde então, cresce na Alemanha a corrente doutrinária que critica esse controle judicial abrangente sobre tais conceitos vagos, chegando até mesmo a defender que, nesses casos em que o conceito jurídico é indeterminado, o legislador habilita a Administração a completar, no ato da aplicação, a hipótese normativa incompleta ou a concretizar uma norma aberta.

Em precisa definição, João Maurício Adeodato assevera que os conceitos jurídicos indeterminados “são opiniões mais ou menos indefinidas a que, ainda assim ou talvez justamente por isso, a maioria empresta sua adesão, ao mesmo tempo que preenche os inevitáveis pontos escuros e ambíguos com sua própria opinião pessoal (...)”.[26]

Não há, em linhas gerais, uma definição precisa de “função social”, e nem mesmo de “propriedade”, sendo estes alguns dos muitos conceitos jurídicos indeterminados encontrados na CRFB e em toda a legislação infraconstitucional e que, em razão de seu conteúdo vago e indeterminado, acabam por permitir ao aplicador da norma que faça a interpretação de seu conceito e defina a sua extensão, o que implica num exercício amplo de discricionariedade pela Administração pouco, ou quase nunca, sindicável pelo Judiciário brasileiro, já que há uma notável resistência de nossos tribunais em interferir no mérito da decisão administrativa.

Nestes casos, não raras são as vezes em que a interpretação do conceito jurídico indeterminado é questionada, sendo bastante comum que o Poder Judiciário se esquive da sindicância do ato administrativo sob o argumento de que essa interpretação faz parte da discricionariedade da Administração, argumentando, em regra, que “os critérios de conveniência e oportunidade não podem ser discutidos pelo Judiciário, que deve apenas se ater ao controle da legalidade do ato impugnado”.[27]

Certamente a crítica a essa liberdade da Administração em “preencher os vazios” da norma de conteúdo jurídico indeterminado contraria a corrente majoritária da doutrina que entende ser necessária essa discricionariedade; no entanto, numa democracia jovem e que apresenta sérios vícios em todas as suas estruturas de poder, como a brasileira, essa discricionariedade interpretativa leva à insegurança jurídica em razão da possibilidade de que haja uma análise subjetiva do caso concreto.

Discordâncias pontuais à parte, o certo é que a adoção da função social da propriedade como um conceito jurídico indeterminado foi proposital e plenamente justificável. Transferindo ao Judiciário o poder de interpretar o conceito, preenchendo o seu conteúdo, sintoma de uma nova racionalidade jurídica, pretendeu o legislador que esse conceito não fosse estático; ao contrário, a ideia é de um conceito que possa se transmudar em razão dos costumes e das diferentes épocas, não precisando, portanto, que nenhuma norma infraconstitucional venha definir precisamente o seu conteúdo.

E mais; levando-se em consideração que os direitos fundamentais têm aplicação imediata, não dependendo de regulamentação por norma infraconstitucional[28], não se admite que o Poder Judiciário se esquive de interpretar o conteúdo dos conceitos jurídicos indeterminados, dando-lhes a exata extensão que a realidade social requer, sob o argumento de que há imprecisão no conceito. A lógica é exatamente a inversa, já que esse exercício de discricionariedade é necessário como instrumento de legitimação do direito à propriedade.

4.3. A Teoria da Propriedade Como Função Social

Augusto Comte[29], ainda em 1850, já realçava a finalidade social que devia tocar, sobretudo, a propriedade dos bens de produção:

Em todo o estado normal da Humanidade, todo cidadão, qualquer que seja, constitui realmente um funcionário público, cujas atribuições, mais ou menos definidas, determinam ao mesmo tempo obrigações e pretensões. Este princípio universal deve, certamente, estender-se até a propriedade, na qual o Positivismo vê, sobretudo, uma indispensável função social destinada a formar e administrar os capitais com os quais cada geração prepara os trabalhos da seguinte. Sabiamente concebida, esta apreciação normal enobrece a sua possessão sem restringir a sua justa liberdade e até fazendo-a mais respeitável.

Assentadas as bases doutrinárias para a evolução do conceito de propriedade, somente a partir das lições de Léon Duguit, criador da expressão propriedade-função em substituição a direito subjetivo de propriedade, é que se elaborou uma arrojada tese da função social da propriedade. Segundo o renomado constitucionalista, “a propriedade é instituição jurídica que se formou para responder a uma necessidade econômica, como todas as instituições jurídicas, e ela evoluciona no mesmo ritmo das necessidades econômicas; e estas necessidades, transformando-se em necessidades sociais, transformam a propriedade em função social, considerando a interdependência cada vez mais estreita dos elementos sociais”.[30]

Segundo a sua teoria, flagrantemente fundada em argumentos sociológicos e econômicos, as necessidades econômicas e sociais satisfazem-se com a afetação dos bens de produção a uma finalidade produtiva, uma vez que, segundo o doutrinador, somente aqueles que detêm a riqueza podem aumentar a riqueza nacional. Sintetizando a essência de sua teoria afirmou[31]:

Está, pues, obligado socialmente a realizar esta tarea, y no será protegido socialmente más que si la cumple y en la medida que la cumpla. La propriedad no es, pues, El derecho subjetivo del proprietario; es la función social del tenedor de la riqueza.[32]

Tamanha a repercussão da doutrina de Léon Duguit nos debates jurídicos da época que, em 1917, a notável Constituição alemã, consagrou em seu texto a função social da propriedade com a expressão “a propriedade obriga”.

4.4. A Propriedade Industrial dos Bens de Produção Dotados de Função Social

Como se pode observar pelas distinções doutrinárias necessárias à compreensão do direito de propriedade e da função social que lhe foi incumbida, os bens da propriedade industrial classificam-se como bens de produção dotados de uma função social, já que as patentes de invenção e de modelo de utilidade, além das marcas e do desenho industrial, interessam à ordem econômica, sendo incontestável fonte de riquezas e de desenvolvimento social, razão pela qual deles se espera o cumprimento da finalidade de atender ao interesse coletivo.

Essa constatação pode ser feita pela referência expressa que fez a parte final do inciso XXIX, do art. 5º da CRFB às finalidades de que sejam atendidos o “interesse social” e o “desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.

Trata-se, portanto, de um poder-dever em que ao titular desse direito de propriedade se impõe não apenas o a obrigação de abster-se de utilizar estes bens imateriais em prejuízo de outrem, mas o dever de exercê-lo em favor de outrem[33]. A função social deste tipo de propriedade impõe ao titular desse direito um comportamento positivo também de fazer, diferentemente do já superado entendimento de que a função social seria uma vertente do poder de polícia que impõe ao titular de um direito a obrigação de não-fazer.

Feitas estas distinções necessárias, afigura-se bastante razoável acolher a observação de Eros Roberto Grau[34] quanto à duplicidade de tratamento da função social da propriedade na Constituição Federal:

À propriedade dotada de função individual respeita o art. 5º, XXII do texto constitucional; de outra parte, a “propriedade que atenderá a sua função social”, a que fez alusão o inciso seguinte – XXIII – só pode ser aquela que exceda o padrão qualificador da propriedade como dotada de função individual. À propriedade-função social, que diretamente importa à ordem econômica - propriedade dos bens de produção – respeita o princípio inscrito no art. 170, III.

No mais, quanto à inclusão do princípio da garantia da propriedade privada dos bens de produção entre os princípios da ordem econômica, tem o condão de não apenas afetá-los pela função social – conúbio entre os incisos II e III do art. 170 – mas, além disso, de subordinar o exercício dessa propriedade aos ditames da justiça social e de transformar esse mesmo exercício em instrumento para a realização do fim de assegurar a todos existência digna.

A consagração da proteção à propriedade como princípio geral da atividade econômica teve como inspiração o ideal capitalista de preservação da propriedade privada dos bens de produção. Contudo, a sua destinação social, como poder-dever que se impõe ao proprietário, impele o titular desse direito que o exerça tendo em vista os ideais da justiça social e garantia de existência digna para todos.

4.5. As diferentes funções sociais expressas na Constituição Federal

A CRFB faz referências em seu texto a dois outros tipos de propriedades a quem são destinadas funções sociais expressamente definidas. São elas: a propriedade urbana e a propriedade rural. Ao contrário da função social incumbida à propriedade de bens de consumo dotados de função individual, tratada pelo constituinte no inciso XXIII, do art. 5º da CRFB, a função social da propriedade urbana é expressamente definida no §2º, do art. 182 do texto constitucional, como sendo o atendimento das “exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.”

Percebe-se, assim, que o constituinte transferiu para o legislador ordinário a atribuição de definir quais as exigências do plano diretor de cada cidade, levando em consideração, consequentemente, as peculiaridades e as necessidades locais, sendo que o cumprimento da função social deste tipo de propriedade se dá com o atendimento destas exigências. A hipótese é de um uma função social de sentido diferido, já que depende da legislação infraconstitucional para definir o seu conteúdo e a sua extensão.

Por sua vez, a função social da propriedade rural encontra sua exata definição nos próprios termos da CRFB, já que seu art. 186 descreve os critérios de identificação do cumprimento de sua função social. São eles: o aproveitamento racional e adequado, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho, e, finalmente, a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Finalmente, a função social da propriedade dos bens de produção, dentre os quais se inserem os bens da propriedade industrial, encontra seus parâmetros, ainda que pouco delimitados, na parte final do inciso XXIX, do art. 5º da CRFB; diz-se, portanto, que os bens da propriedade industrial cumprem sua função social quando visam “o interesse social” e o “desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.

Não há uma única função social da propriedade porque esta também não é única. Como se observa do texto constitucional, para cada espécie de propriedade, de acordo com sua natureza, o legislador prescreve exigências diferenciadas para o cumprimento de sua função social. Em alguns casos, como o da propriedade urbana e da propriedade rural, o constituinte preferiu definir no próprio texto da CRFB a função social que se lhe impõe. Em outros casos, como na propriedade de bens de consumo dotados de função individual, o legislador restringe-se, apenas, a fazer uso de um conceito jurídico indeterminado amplo, transferindo à Administração a discricionariedade para que complete seu conteúdo.

Já a função social da propriedade industrial, ao que nos parece, recebeu do constituinte um tratamento intermediário. Condicionando o cumprimento de sua função social ao atendimento do interesse social e ao desenvolvimento tecnológico e econômico do País, o constituinte aproveitou-se de conceitos jurídicos também indeterminados, mas de menor grau de abstração e de conteúdo vinculado às suas prescrições, para conferir à Administração a discricionariedade de, através de seu órgão técnico-administrativo, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), definir se aqueles bens de natureza móvel[35] cumprem a finalidade que deles de espera.

Esse mesmo entendimento é defendido por Gustavo Binenbojm em interessante abordagem acerca do direito à proteção das patentes como direito fundamental:

Como se vê, o legislador não dispõe de total liberdade na definição dos contornos do direito à propriedade intelectual, senão que está jungido às finalidades pré-estabelecidas pelo constituinte originário que devem nortear o regime jurídico desse direito. Tais finalidades são, como visto, o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.[36]

É o caso da exigência contida na Lei n.º 9.279/96, em que se deverá observar na análise do pedido procedida pelo INPI, nos casos de patente, se estão caracterizados, como requisitos necessários à patenteabilidade de um invento ou de um modelo de utilidade, a atividade inventiva e a aplicação industrial[37]. Trata-se de exigência técnica destinada a saber se aquele invento ou modelo de utilidade efetivamente se constitui num verdadeiro progresso científico-tecnológico para o País, como, também, se esse avanço se opera em benefício do interesse comum. Fora destes casos, não se deve conceder o privilégio temporário de exploração exclusiva conferido pela patente.

Mesmos que já tenha sido deferido em favor do indivíduo a propriedade de bens da propriedade industrial, uma patente por exemplo, a Lei n.º 9.279/96 define as hipóteses em que, exercidos egoísticamente os direitos que a propriedade industrial confere ao seu titular, de forma a não atender ao interesse coletivo, poderá haver o licenciamento compulsório das patentes de invenção e de modelo de utilidade[38].


6. Conclusões

O novo conceito de propriedade, concebido a partir das transformações sociais ocorridas no último século, principalmente caracterizada pela transição do Estado liberal e sua superada doutrina da propriedade como meio de afirmação do poder e da riqueza do indivíduo e de instrumento de consagração de sua liberdade, para o Estado social e sua visão do direito de propriedade condicionado ao atendimento do interesse social, fez com que o instituto da propriedade industrial passasse a ser interpretado em harmonia com o novo paradigma constitucional da função social da propriedade.

Ao lado do legítimo interesse que tem o Estado de conferir ao titular do bem da propriedade industrial privilégio temporário para a exploração com exclusividade do objeto havido de seu intelecto criativo, uma vez que dos avanços tecnológicos aproveita-se toda a sociedade, há de se impor ao titular desses direitos limites para que esse mecanismo de restrição ao livre direito de concorrência não se transforme em proteção estatal ao abuso do direito de exploração exclusiva da propriedade.

Neste sentido, o constituinte vinculou a proteção do direito da propriedade industrial ao atendimento de condições pré-estabelecidas na norma fundamental como caracterizadoras da função social deste tipo de propriedade, o atendimento do interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Apesar de tratar a matéria como direito fundamental, o que nos parece um resquício da visão absolutista da propriedade consagrada nos ideais revolucionários franceses do final do século XVIII, o constituinte deu-lhe, também, o tratamento de princípio geral da atividade econômica, o que, no caso dos bens da propriedade industrial, representa a sua verdadeira natureza e destinação, o de bens de produção dotados de uma finalidade social.

Ao constatar-se que o texto constitucional diferencia as diversas propriedades e, consequentemente, as também diversas funções sociais que lhes são impostam, há de se observar que a nítida intenção do constituinte foi a de valer-se dos conceitos jurídicos indeterminados “interesse social” e “desenvolvimento tecnológico” para condicionar a discricionariedade da administração na aferição do atendimento a essas exigências.

A função social da propriedade industrial seria, portanto, a finalidade imposta pela norma constitucional de que estes bens imateriais sejam destinados ao atendimento dos interesses coletivos nela descritos, sendo que, ao titular destes direitos que os exerce de forma abusiva, devem ser impostas as penalidade descritas na norma infraconstitucional, a exemplo do licenciamento compulsório de patentes.


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SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.


Notas

[1] SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 56

[2] ANDRADE, Vieira apud MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional. 2ª edição ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 236

[3] CANOTILHO, J. J. Gomes apud op. cit., p. 236

[4] SANCHIS, Pietro apud MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 237

[5] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 31ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 305

[6] op. cit.

[7] op. cit., p. 310

[8] MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro: Empresa e Atuação Empresarial. 2ª ed.. São Paulo: Atlas, 2007, p.228.

[9] COMPARATO, Fábio Konder apud GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10ª ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 234 e 235.

[10] MORAES, José Diniz de. A Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 34.

[11] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10ª ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 225

[12] op. cit., p. 237

[13] op. cit., p. 238

[14] apud MATIAS, João Luis Nogueira. Repensando o Direito de Propriedade. CONPEDI. Disponível em: http://conpedi.org/manaus/arquivos/anais/manaus/reconst_da_dogmatica_joao_luis_matias_e_afonso_rocha.pdf. Acesso em: 24.08.2008.

[15] apud MATIAS, João Luis Nogueira. Repensando o Direito de Propriedade. CONPEDI. Disponível em: http://conpedi.org/manaus/arquivos/anais/manaus/reconst_da_dogmatica_joao_luis_matias_e_afonso_rocha.pdf. Acesso em: 24.08.2008

[16] MÉXICO. Constitución Federal de 1917. Disponível em: http://pdba.georgetown.edu/constitutions/mexico/mexico1917.html. Acesso em : 20.08.2008.

[17] apud MORAES, José Diniz de. A Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999.

[18] BRASIL. Constituição Federal de 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm. Acesso em 20.08.2008.

[19] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (...)

[20] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) II - propriedade privada; III - função social da propriedade; (...)

[21] GRAU, Eros Roberto apud SANTIAGO, Alex Fernandes. A Função Social da Propriedade e a Reserva Legal. Disponível em: www.ammp.org.br/artigos/alexsantiago.doc. Acesso em: 20.08.2008.

[22] KRELL, Andreas J. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. O Controle dos Conceitos Jurídicos Indeterminados e a Competência dos Órgãos Ambientais: um Estudo Comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 29.

[23]op. cit., p. 32.

[24] KRELL, Andreas J. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. O Controle dos Conceitos Jurídicos Indeterminados e a Competência dos Órgãos Ambientais: um Estudo Comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 31

[25] op. cit., p. 31.

[26] ADEODATO, João Maurício. A Discricionariedade Administrativa. Boletim Jurídico. Edição n.º 211. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1674. Acesso em: 24.08.2008.

[27] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança n.º 19590. Recorrente: Gilberto Pinto Fontoura. Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Félix Fischer. Brasília, 02 de fevereiro de 2006. Disponível em: http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200500241465&pv=000000000000. Acesso em: 20.08.2008.

[28] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. . Brasília: Senado Federal, 1988, art. 5º, § 1º.

[29] apud MORAES, José Diniz de. A Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 93

[30] apud MORAES, José Diniz de. A Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 95

[31] op. cit.

[32] Por isso, é socialmente obrigado a executar esta tarefa, e que não será socialmente protegido apenas no caso de o cumprir, e na medida em que satisfaz. A propriedade não é, portanto, o direito subjetivo do proprietário, é a função social do titular da riqueza.

[33] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10ª ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 244

[34] ibidem, p. 247

[35] Art. 5º Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial.

[36] BINENBOJM, Gustavo e GAMA JÚNIOR, Lauro. O Direito à Proteção Patentária como Direito Fundamental: Interpretações Sistemática, Teleológica, Constitucional e Internacional. Direito Federal – Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Campinas, n.º 23, p. 158. 1º semestre, 2005.

[37] Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

[38] Art. 68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial.

§ 1º Ensejam, igualmente, licença compulsória:

I - a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica, quando será admitida a importação; ou

II - a comercialização que não satisfizer às necessidades do mercado.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FALCÃO, Fernando Antônio Jambo Muniz. A função social da propriedade industrial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3875, 9 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26659. Acesso em: 19 abr. 2024.