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Os reflexos da Emenda Constitucional nº 72 como garantia de novos direitos aos trabalhadores domésticos de Maceió

Os reflexos da Emenda Constitucional nº 72 como garantia de novos direitos aos trabalhadores domésticos de Maceió

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Espera-se o reconhecimento profissional da sociedade e a intervenção da justiça do trabalho como garantidora dos novos direitos previstos na emenda constitucional nº 72 a toda categoria de trabalhadores domésticos em Maceió.

RESUMONos primórdios dos séculos passados, o trabalho humano era utilizado como mão de obra às grandes famílias dominantes daquela determinada época em troca da subsistência de sua família, condicionado ao regime diário de escravidão e péssimas acomodações à sua condição humana e de sua prole. O trabalho doméstico teve sua origem no interior das famílias, onde todos colaboravam na execução das tarefas. Este trabalho possui caráter exploratório-descritivo e a população em estudo foram empregados domésticos que exercem suas atividades laborais em vários bairros de Maceió. A coleta de dados deste estudo se deu através de questionário e observação. Comporam a pesquisa uma amostra de 20 indivíduos, dos quais obteve-se apenas 19 questionários válidos, todos do sexo feminino (100%), faixa etária elevada, onde cerca de 42% das entrevistadas têm idade compreendida entre 26 e 35 anos, 68% têm filhos menores de 14 anos, apenas apenas 58% têm registro na CTPS, 84% têm renda entre 1 e 2 salários-mínimos. Entretanto, apenas 42% fazem anotações de sua jornada de trabalho diária em uma folha/livro de ponto. Sendo assim, destaca-se a importância de políticas governamentais que viabilizem a manutenção e a consecutiva contratação de profissionais domésticos nos lares, que pondere a oneração versus a realidade social, evitando-se desemprego e informalidades. Por fim, espera-se o reconhecimento profissional da sociedade e a intervenção da justiça do trabalho como garantidora dos novos direitos previstos na emenda constitucional nº 72 a toda categoria de trabalhadores domésticos em Maceió.

 

Palavras-chave: trabalho humano, escravidão, empregado doméstico, políticas governamentais e justiça do trabalho.

 

ABSTRACTIn the early days of the past centuries , human labor was used as labor to large ruling families of that particular time in exchange for the livelihood of his family , subject to the daily regime of slavery and accommodation to its poor human condition and their offspring. Domestic work originated within families, where all collaborated in performing the tasks. This paper has an exploratory and descriptive study population were domestic servants who perform their work activities in various neighborhoods of Miami. The data collection for this study was collected through questionnaire and observation. Comporam research a sample of 20 individuals , of which we obtained only 19 valid questionnaires , all female ( 100 % ), higher ages, where about 42 % of the respondents are aged between 26 and 35 years , 68 % have children under 14, only 58% have only record in the CTPS, 84 % have income between 1 and 2 minimum wages. However , only 42 % make notes of his daily working on a sheet / book point. Thus, we highlight the importance of government policies that enable maintenance and consecutive recruitment of professionals in domestic homes, to consider the encumbrance versus social reality, avoiding unemployment and informalities. Finally, it is expected to recognize professional society and the intervention of the labor courts as guarantor of rights under the new constitutional amendment No. 72 to the entire category of domestic workers in Maceió.

 

Keywords: human labor, slavery, domestic servant, government policies and labor justice.


INTRODUÇÃO

Nos primórdios dos séculos passados, mais incisivamente, o trabalho humano era utilizado como mão de obra às grandes famílias dominantes daquela determinada época em troca da subsistência de sua família, condicionado ao regime diário de escravidão e péssimas acomodações à sua condição humana e de sua prole.

A exploração da força laborativa nos tempos remotos no mundo antigo perpassa as grandes manifestações de força pelo poder, a exemplo da guerra, praticada pelos povos vencidos, os quais tornavam-se servos e por longos tempos prestavam serviços àquela classe opressora da sociedade, vendo-se privado da sua liberdade e de qualquer direito.

O homem que, até então, trabalhava em benefício exclusivo do senhor da terra, tirando como proveito próprio a alimentação, o vestuário e a habitação, passara a exercer sua atividade, sua profissão, em forma organizada, se bem que ainda não gozando da inteira liberdade. É que, senhor da disciplina, não só profissional, mas também pessoal do trabalhador, surgia a figura do mestre (SUSSEKIND et al.1984, p.665).

O ideal de liberdade e condições de sobrevida do trabalhador passou a ser insurgido nesse contexto no século XVII, com a atuação da Igreja em busca de melhorias de automação na prestação de serviços desses indivíduos na sociedade em que pertenciam. Assim, Martins (2002, p.17) retrata esse importante momento na história do trabalho doméstico quando diz que:

No século XVII, havia várias pessoas que faziam serviços domésticos, como aias, despenseiros, amas, amas-de-leite, amas secas, cozinheiros, secretários, criados, damas de companhia. Aos poucos, houve um nivelamento entre os homens livres e os servos, surgindo o famulatus. A Igreja começou a se preocupar com a situação do famulatus, de modo que houve melhorias em sua condição, passando a ser considerado um prestador de trabalho, de maneira autônoma.

O escravismo no Brasil é uma consequência inconsequente de um país individualista e partidário, onde os direitos sociais são disponíveis para uns e indisponíveis para outros, embora fale-se de direitos iguais e, para todos, nos dias contemporâneos.

Indubitavelmente, os direitos sociais trazidos à baila no corpo normativo das Constituições da República desde a sua primogênita, retrata uma dívida social e fundamental aos trabalhadores doméstico, mais precisamente, violam o sentido de democracia, de isonomia e de dignidade do trabalhador. Não há bem tão supremo a ser violado que a sua individualidade atingida, inoportunizando o seu desenvolvimento social, profissional e familiar em sociedade, enquanto também sujeito de direitos e partícipes do sistema legislativo da nação que a explora no silêncio dos seus lares.

Assim, por longos anos foi tratado o empregado doméstico no Brasil, em especial em Maceió, capital Alagoana, onde o índice de analfabetismo é o maior nas estatísticas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) (CENSO, 2010). Essa triste realidade faz-nos refletir a atualidade, a nossa comunidade, os lares empregadores de mão de obra doméstica, sobre a importância do cumprimento das garantias normativas que permeiam e disciplinam o profissional doméstico.

De toda sorte, espera-se com a previsão dos novos direitos inseridos no Parágrafo Único do art. 7º da Carta Magna Brasileira corrigir uma injustiça histórica em relação aos empregados domésticos em Maceió.


1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO DOMÉSTICO

O trabalho doméstico teve sua origem no interior das famílias, onde todos colaboravam na execução das tarefas. Na antiguidade, pessoas eram escravizadas por motivos diversos, sendo obrigadas a realizarem as atividades consideradas indignas de serem realizadas pelos homens livres, os cidadãos.

Essa demanda de seres humanos era vista como coisas. Sendo assim, escravos sobrepujados à abomináveis formas de trabalho, submetidos a todos os tipos de abuso de seus senhores. Martins (2004, p. 19) nos diz que: "[...] o trabalho doméstico sempre foi desprestigiado no transcurso do tempo, sendo anteriormente prestado por escravos e servos, principalmente mulheres e crianças."

A própria raiz da palavra ‘trabalho’ está ligada ao sofrimento humano, a punição e castigo. Para os povos antigos, o trabalho era visto como algo desprezível e insignificante, onde, em sua maioria, era exercido por escravos. “Inicialmente o trabalho foi considerado na Bíblia como castigo” (MARTINS, 2010, p. 03).

O início da história do trabalhador doméstico se encontra intimamente ligada à escravidão, uma vez que nas sociedades antigas quem desempenhava as tarefas domésticas eram os escravos. No entanto, “na Antiguidade e na Idade Média não havia o contrato de trabalho doméstico. Havia o escravo ou o servo. O patrão só tinha de mantê-lo para que não morresse. Aos servos domésticos atribuía-se grau superior ao servo rústico” (MIRANDA apud FERRAZ, 2003, p 14.).

O trabalho desempenhado pelos escravos era pesado, sem descanso ou remuneração, para eles não existiam qualquer tipo de direito, recebendo apenas alimentação para a sua subsistência.

No século XVII, havia várias pessoas que faziam serviços domésticos, como aias, despenseiros, amas, amas-de-leite, amas-secas, cozinheiros, secretários, criados, damas de companhia. Aos poucos, houve um nivelamento entre os homens livres e os servos, surgindo o famulatus. A Igreja começou a se preocupar com a situação do famulatus, de modo que houve uma melhoria em sua condição, passando a ser considerado um prestador de trabalho, de maneira autônoma (MARTINS, 2002, p.17).

Com a Revolução Industrial no século XVIII, e sua consolidação no século XIX, a sociedade presenciou um grande avanço da ciência e tecnologias sendo incorporado no processo produtivo, o que provocou o aumento e desenvolvimento do comércio e das indústrias, a mudança do trabalho escravo para o assalariado, a incorporação da mulher no trabalho para atender as demandas da indústria manufatureira. “Daí começam a surgir os conflitos trabalhistas, pois os empregados passam a se associar. O Estado deixa de ser abstencionista e passa a ser intervencionista em matéria de relações do trabalho” (MARTINS, 2005, p.10). Entretanto, mesmo com todas as mudanças conquistadas durante a Revolução Industrial pouca coisa mudou para o trabalhador doméstico.

A primeira Constituição que abordou sobre direitos trabalhistas foi a de 1917, no México, tratando de direitos sociais, trabalhistas e econômicos. Martins (2005), enfatizou que para tratar de assuntos ligados ao trabalho e a previdência o Tratado de Versalhes, em 1919, prenuncia a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que a partir de sua criação, no mesmo ano, passou a despachar convenções e recomendações.

A regulamentação dos direitos e garantias conferidos ao doméstico, decisivamente, deveu-se ao amadurecimento da estrutura social e política de cada país, o que faz com que na Europa, atualmente, lhe sejam concedidos mais direitos, enquanto que, na América Latina, os direitos garantidos pela legislação ainda se mostrem diminutos (FERRAZ e RANGEL, 2010, p.8638).

No Brasil, a história do trabalhador doméstico não foi diferente. Inicialmente, começou com a escravidão quando tanto os índios como os negros trazidos da áfrica eram submetidos ao regime de escravidão para a realização de diversas atividades, tais como, agricultura, artesanato, pecuária e o trabalho doméstico. “Além do trabalho doméstico deitar suas raízes no trabalho escravo e servil, ainda foi historicamente caracterizado pelo trabalho feminino” (FERRAZ e RANGEL, 2010, p.8637).

A atividade doméstica na época colonial era vista como trabalho escravo, realizados por mulheres, homens e crianças negras para os senhores dos engenhos, em seus casarões. “O trabalho doméstico, no Brasil, também se confunde com a própria história da escravidão” (FERRAZ e RANGEL, 2010, p.8638). O trabalho doméstico era sinal de desonra, onde apenas os de cor negra o exercia, com uma jornada de trabalho sempre superior a 18 horas diárias.

Na época colonial não existiam direitos e nem garantias para os trabalhadores domésticos. A dignidade humana não era referenciada, e os trabalhos eram realizados por pessoas que dependiam disso para a sua sobrevivência, local onde se alimentavam e dormiam por poucas horas. Segundo Süssekind (2010, p.31) “a falta de proteção legal aos trabalhadores não gerou, porém, a reação verificada em países industrializados.” As mulheres exerciam, além das atividades domésticas, serviços pessoais e sociais, suportando os mais diversos tipos de exploração, sendo, até mesmo, usadas como objetos sexuais de seus patrões.

Ao final da escravidão, promulgado na Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, os antigos escravos permaneceram nos casarões, pois não tinham terra para cultivar e nem casa para morar, ganhando em troca alimentação e local para ficar. “[...] a abolição dos escravos não surgiu em virtude de um movimento de consciência libertária amplamente forjada no seio social, antes foi um imperativo de ordem econômica” (FERRAZ e RANGEL, 2010, p.8643).

Inicialmente, “com a abolição da escravatura, muitas pessoas que eram escravas continuaram nas fazendas, em troca de local para dormir e comida. Porém estavam na condição de empregados domésticos” (MARTINS, 2004, p.14). Com o passar do tempo, a atividade doméstica passou a ser exercida também por jovens moças: solteiras, pobres, analfabetas, filhas de pequenos agricultores, vindas do interior do Estado, sendo consideradas inadequadas para o trabalho na indústria e no comércio. Essas moças recebiam por seus serviços domésticos apenas pequenos valores, alimentação, vestuário e moradia.

A história do serviço doméstico no Brasil não difere muito da acontecida nos Estados Unidos. Aqui como lá, antes da abolição da escravatura, escravos domésticos eram encarregados das tarefas do lar. Ao longo do século XIX, as famílias tinham além das escravas domésticas a possibilidade de contar com mocinhas para uma espécie de “ajuda contratada”. Essa era uma fonte tradicional de trabalho doméstico que no Brasil e nos Estados Unidos, depois da Abolição,tornou-se a maior fonte de trabalho feminino (MELO, 2008, p.6).

Já na Constituição Republicana de 1891, a mulher passou a ser vista como titular de direito. Em 1916, o código civil (Lei 3.071), passou a disciplinar as relações trabalhistas, inclusive dos empregados domésticos, porém com certas restrições. No Decreto nº 16.107, de 30 de julho de 1923, o código de locação dos serviços domésticos foi aprovado, “regulamentou os serviços domésticos, especificando quais seriam esses trabalhadores” (MARTINS, 2010, p.145), trazendo os dispositivos imprescindíveis para o acolhimento das necessidades e interesses dos trabalhadores domésticos.

A política trabalhista brasileira começa a surgir com Getúlio Vargas em 1930. O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi criado em 1930, passando a expedir decretos, a partir dessa época, sobre profissões, trabalho de mulheres (1932), salário mínimo (1936), Justiça do trabalho (1939) etc (MARTINS, 2005, p.11).

No ano de 1932, o direito do voto é conferido efetivamente à mulher trazendo como consequência uma Legislação Trabalhista que regulamentou a proteção do trabalho feminino, com a criação de clubes, ligas, associações, Comissões Permanentes de Inquérito (CPI) e organizações para suas causas. Fazendo uma simples conceituação dos trabalhadores domésticos, O Decreto-Lei nº 3.078, de 1941:

Tratou do empregado doméstico dizendo que este era o que prestava serviços em residências mediante remuneração. Tinha direito a aviso prévio de oito dias, depois de um período de prova de seis meses. Poderia rescindir o contrato em caso em caso de atentado à sua honra ou integridade física, mora salarial ou falta de cumprimento da obrigação do empregador de proporciona-lhe ambiente higiênico de alimentação e habitação, tendo direito à indenização de oito dias (MARTINS, 2010, p.145).

Na Consolidação das Leis do Trabalho, surgido com o Decreto-Lei de 1943, nada foi conferido aos direitos dos trabalhadores domésticos. Em seu artigo 7º ela expõe que os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: a) Aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não econômica a pessoas ou à família, no âmbito residencial destas.

O emprego doméstico foi expressamente classificado como um trabalho de categoria inferior. A CLT se valeu de uma característica peculiar ao trabalho doméstico, qual seja, a da não-lucratividade dos serviços prestados, como um meio de justificar a sua exclusão jurídica. Demonstra-se claramente a projeção da escravidão nesse momento histórico, ratificando o argumento expendido acima, de que muitos ex-escravos tornaram-se “servos” domésticos (FERRAZ e RANGEL, 2010, p.8644).

Todavia, foi a partir de 1972 que os empregados domésticos passaram a ter alguma proteção, não ficando totalmente submetida às vontades dos patrões, e em 11 de dezembro, do mesmo ano, a Lei nº 5.859 foi editada para dispor sobre a categoria, trazendo novos conceitos e positivando direitos como: benefícios e serviços da previdência social, férias anuais com o adicional de 1/3 a mais que o salário normal e carteira de trabalho. No ano seguinte, 1973, é promulgado o Decreto nº 71.885 que regulamentou a Lei nº 5.859/72.

Passaram-se quase 30 (trinta) anos até o advento da Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, primeiro diploma legal após a CLT a regulamentar o trabalho doméstico. A referida lei, à época de sua edição, possuía proteção bastante limitada, quase inócua. O doméstico, de fato, só veio a ter algum reconhecimento com o advento da nova ordem constitucional, objeto do próximo tópico. (FERRAZ e RANGEL, 2010, p.8645).

A Constituição Federal do Brasil entra em vigor em 1988, e confere aos trabalhadores domésticos e demais profissões, em seu art. 7º, 9 incisos, sendo eles: IV: salário-mínimo;VI: irredutibilidade do salário; VIII: décimo terceiro salário; XV: repouso semanal remunerado; XVII: férias anual mais 1/3 do salário normal; XVIII: licença maternidade por 120 dias; XIX: licença paternidade; XXI: aviso prévio e XXIV: aposentadoria. Com isso, foi-se atribuindo uma maior valorização na sociedade, permitindo a lutar por seus direitos em caso de violação.

É cediço que a atual Lei Maior constituiu um marco histórico na vida política e social do país. Por meio dela, a bandeira dos direitos e garantias fundamentais, em suas múltiplas dimensões, foi fincada no solo do Estado Democrático de Direito. Os excelsos valores da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da valorização social do trabalho, entre muitos outros, foram reverenciados como a espinha dorsal do Estado Brasileiro (FERRAZ e RANGEL, 2010, p.8646).

Em resposta às lutas dos trabalhadores domésticos, outros direitos foram garantidos, sendo promulgadas as Resoluções 253 e 254 de 4 de outubro de 2000, instituindo o consentimento do seguro-desemprego ao empregado doméstico. Posteriormente, a Lei nº. 10.208, no ano de 2001, apresenta dois resguardos facultativos ao empregador doméstico, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o seguro-desemprego, necessitando conformidade com as Resoluções.

Com a promulgação da Lei 10.208, de 23 de março de 2001, tornou-se possível a inclusão do empregado doméstico no regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e seguro-desemprego, em caráter facultativo, a critério do empregador. Entretanto a alteração legal foi praticamente inócua. É que do pequeno universo dos empregos domésticos formais, raríssimos são os empregadores deliberadamente dispostos a onerar a sua folha de pagamento (FERRAZ e RANGEL, 2010, p.8648).

A Lei nº 11.324, de 2006, proporciona mais um resguardo, porém, diferentemente do anterior, obrigatório ao empregador, o direito de estabilidade para a empregada doméstica gestante, também trouxe modificação aos dispositivos de algumas Leis, como na Lei nº 5.859/72, que veda ao empregador doméstico a realização de descontos no salário de seu empregado.

Todavia, o Presidente da República vetou a inserção obrigatória do empregado doméstico no regime de FGTS e seguro-desemprego, por meio da Mensagem nº 577, de 19 de julho de 2006. Argumentou à época que a inclusão do doméstico no regime de FGTS “acaba por onerar de forma demasiada o vínculo de trabalho do doméstico, contribuindo para a informalidade e o desemprego” e que em virtude do elevado nível de fidúcia entre as partes, a extensão da multa fundiária por despedida injusta à essa categoria “acaba por não se coadunar com a natureza jurídica e sociológica do vínculo de trabalho doméstico (FERRAZ e RANGEL, p.8649, 2010).

O Direito do Trabalho sempre deixou em segundo plano o trabalhador doméstico, focando suas atenções nas atividades produtivas de interesse econômico. “a discriminação que persegue o empregado doméstico brasileiro é fruto de uma dinâmica sociocultural que acabou relegando esse labor a uma importância subalterna” (FERRAZ e RANGEL, p.8651, 2010). Atualmente, a sociedade começa a mudar o seu foco e ter um olhar voltado à pessoa do empregado doméstico, ganhando igual tratamento nas convenções internacionais, visando a garantia de um trabalho digno, respeitando os direitos humanos e direitos fundamentais no trabalho.

Na busca do trabalhador doméstico por igualdades de direitos trabalhistas, importa destacar o recente feito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que aprovou em 16 de junho de 2011 a 189ª Convenção e a sua 201ª Recomendação, que determinam a inserção dos trabalhadores domésticos no âmbito de proteção social garantida aos demais trabalhadores. O Brasil estava representado nessa convenção e logo irá ratifica-la (PACHECO, p. 20, 2013)

Em resposta às recomendações feitas pela OIT, o Brasil propõe uma Emenda à Constituição, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 478 de 2010 (Câmara dos Deputados) e posteriormente PEC nº 66 no Senado Federal, que visa estender aos empregados domésticos direitos já garantidos aos trabalhadores em geral, inserindo novas previsões no texto do parágrafo único do seu artigo 7º da Constituição Federal de 1988.


2. OS EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2013

O Direito do Trabalho é fruto dos movimentos observados no século XIX na luta contra a mão de obra explorada dos assalariados por seus empregadores. Nesse mesmo contexto, esses tornaram-se mais ávidos e ricos com a crescente produção nas fábricas e novos mercados. Por sua vez, para Miguel Reale o direito é dinâmico, que se finda de acordo com o desenvolvimento da vida em sociedade:

O surgimento do direito do trabalho deu-se em consequência dos problemas sociais que antecederam a revolução industrial e, de condições que viabilizasse a garantia de dignidade ao trabalhador, assim como, de normas disciplinadoras. Desta feita, o interesse coletivo se sobrepôs ao individual.

(...) a solidariedade humana é, historicamente, um produto do medo resulta da necessidade de defesa contra os inimigos comuns, feras ou homens. Daí vem que, e qualquer sociedade humana, desde que a pressão de um grande perigo social deixe progressivamente de se fazer sentir, as formas objetivas da solidariedade se reduzem, pouco a pouco, e cada vez mais, às expressões redimentares. Paralelamente as formas subjetivas decaem e se vão tornando em simples sentimento de grupo inicial cada vez restrito, tendo a circunscrever-se pequeno ambiente dos sentimentos intrafamiliares (VIANNA, 1987).

Sobreleva notar que, os trabalhadores domésticos em pleno século XXI ainda persistem na luta pela conquista da igualdade de direitos e reconhecimento profissional. O processo de transformação e desenvolvimento social perpassa pela dignidade do indivíduo nas suas relações no grupo em que está inserido no cotidiano.

Nesta perspectiva, abordar os princípios de dignidade e igualdade nas relações de emprego dos empregados domésticos em relação às demais classes de trabalhadores, revela-se a primazia de uma realidade muito diferente do disposto no artigo 5º da Carta Maior, assim como, se sobrepõe aos fundamentos federativos da cidadania, da dignidade humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, referente à discrepância de direitos previstos para os empregados domésticos até março de 2013 pela Constituição Cidadã e pela legislação específica.

Por seu turno, é mister observar que o Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943, no governo de Getúlio Vargas, aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), importante conjunto de disposições trabalhistas e garantias para o trabalhador.

Todavia, a presente consolidação tornou órfã a categoria de homens e mulheres que prestam serviços residenciais no País, ou seja, em seu artigo 7º prevê que os preceitos constantes na citada CLT não se aplica, alínea “a”, aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial.

Por sua vez, para Arraes (2013, p. 23) empregado doméstico “é aquele que presta serviços de natureza rotineira, cujas tarefas não geram lucro para o patrão ou a família dentro da casa deles.” Nesta seara, Martins (2002, p. 12) registra que:

O trabalho doméstico não dispunha de regulamentação específica, aplicando-se certos preceitos do Código Civil, no que diz respeito a locação de serviços, o Decreto nº 16.107, de 30.07.1923, regulou os serviços dos domésticos, especialmente quais seriam esses trabalhadores.

Após 29 anos da edição da CLT, mais precisamente em 11 de dezembro 1972, no regime militar, entrou em vigor a Lei nº 5.859, lei específica, para regular a profissão de empregado doméstico, retirando o caráter informal de mão de obra.

Deveras, a lei supramencionada é composta de apenas oito artigos, conceituando no artigo 1º empregado doméstico, não diferente do texto constitucional, como aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, dispondo o legislador como direito a essa categoria profissional apenas o direito a:

  • férias e o terço constitucional (art.3º/Lei 5859/72);

  • a faculdade do empregador da inclusão do empregado doméstico no FGTS (art.3º-A/Lei 5859/72); e

  • os benefícios da Lei Orgânica da Previdência social na qualidade de segurados obrigatórios (art. 4º/Lei 5859/72), no art. 4º-A da mesma lei veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante quando da confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto e o benefício do seguro desemprego aos trabalhadores que forem dispensados sem justa causa condicionado o pagamento deste benefício ao empregado inscrito no FGTS, o que obviamente inviabilizava a concessão tendo em vista a faculdade do empregador quanto a inscrição do doméstico no fundo de garantia.

Percebe-se a inobservância da Carta Magna sobre os trabalhadores domésticos, diferenciando-os dos demais trabalhadores urbanos e rurais, uma verdadeira contradição na efetivação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e dos objetivos fundamentais da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme previsto no art. 3º, inciso I, da CF/88, ou seja, de igualdade e existência digna sob o prisma da valorização do trabalho humano.

Portanto, ainda sob esse entendimento, Silva (2000, p.775) relata que “a busca do pleno emprego é um princípio diretivo da economia que se opõe às políticas recessivas”, ou seja, o reconhecimento das potencialidades da mão de obra humana, o respeito e observância a direitos iguais oriundos das relações de trabalho e a garantia de condições do trabalho e dignidade do trabalhador.

Nesta oportunidade, registre-se que a Constituição Federal de 88 em seu artigo 7º, caput, utiliza o termo “trabalhadores urbanos e rurais”, ora, não seriam os trabalhadores domésticos também urbanos e rurais? Afinal, tal categoria presta serviços à família ou pessoa nesses segmentos geográficos, são remunerados e desenvolvem atividades de confiança no seio familiar. Contudo, o parágrafo único do mesmo artigo limitou e diferenciou a garantia dos direitos trabalhistas dos trabalhadores domésticos dos demais aos incisos:

Parágrafo Único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos:

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei (ADCT, art. 10, parágrafo primeiro);

XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei (arts. 487 e segs. da CLT);

XXIV – aposentadoria; bem como a sua integração à previdência social.

Observa-se que a regulamentação profissional e a deliberação sobre novos direitos ao trabalhador doméstico configuram-se uma dívida social do Brasil de longos anos e acima de tudo, uma questão de dignidade, desenvolvimento e promoção da realização pessoal através de garantias constitucionais e remuneração justa pelo labor.

Recentemente, em 26 de março de 2013, foi aprovada com 66 votos favoráveis e nenhum contrário, a PEC nº 66/2012 com o objetivo de igualar os direitos entre os trabalhadores que prestam serviços em residências e demais obreiros.

Doravante, com a conversão da PEC da doméstica na Emenda Constitucional nº 72, os empregados domésticos passaram a ter direitos ampliados, mas não igualados aos celetistas, no art. 7º, parágrafo único, da Constituição Federal, já assegurado aos empregados urbanos e rurais, a saber:

VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento a do normal;

XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIV – aposentadoria;

XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

E atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

III – fundo de garantia do tempo de serviço;

IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;

XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; bem como a sua integração à previdência social.

Oportuna é a transcrição do entendimento de Arraes (2013, p.31):

O papel da empregada doméstica é fundamental para a organização das atividades familiares. Seu trabalho vai muito além da limpeza da casa, da alimentação da família, da educação das crianças, do zelo pela casa onde trabalha. Nos dias de hoje, cabe à empregada domestica, além de todas as suas funções básicas, zelar pela preservação da unidade familiar, com base nos princípios morais que envolvem a ética profissional. Essa categoria é essencial para desenvolvimento do País, onde o governo aprovou a proposta de Emenda Constitucional 66/2012, estendendo a essa classe profissional os direitos já existente para as demais classes de trabalhadores.

Assim, importa dizer que dentre esses novos direitos previstos através do dispositivo constitucional, há os de vigência imediata, ou seja:

  • proteção ao salário, constituindo crime a retenção dolosa (inciso X);

  • jornada máxima diária de 8 horas e de 44 horas semanais, facultada compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (inciso XIII);

  • adicional mínimo de 50% para as horas extraordinárias de trabalho (inciso XVI), redução dos riscos inerentes ao trabalho (inciso XXII);

  • reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (inciso XXVI), proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivos discriminatórios – sexo, idade, cor, estado civil (inciso XXX); e

  • proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo, a partir de 14 anos, na condição de aprendiz (inciso XXXIII), registre-se o direito ao vale transporte devido nas condições da Lei nº 7.418/85.

Além destes, e, os que ainda estão dependentes de regulamentação específica para sua efetivação, vejamos quais: seguro-desemprego em caso de desemprego involuntário (inciso II), FGTS (inciso III), remuneração de trabalho noturno superior ao trabalho diurno (inciso IX), salário-família aos dependentes, trabalhador de baixa renda (inciso XII), assistência gratuita as filhos e dependentes desde nascimento até 5 anos de idade em creches ou pré-escolas (inciso XXV), seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador (inciso XXVIII).

Para Arraes (2013, p 07.), a Emenda Constitucional nº 72 surge com um papel social importante na garantia de novos direitos a classe doméstica no século XXI:

(...) é um dos mais importantes avanços do Brasil para garantir os direitos de milhões de trabalhadoras e trabalhadores que atuam no cumprimento das tarefas do lar. Além das empregadas que levam, passam, cozinham e cuidam dos filhos de outras pessoas, a nova lei também beneficia motoristas, jardineiros caseiros e todos que trabalham para famílias ou residências.

Impende destacar que um ponto importante não foi apreciado pelo legislador na oportunidade da avaliação da PEC, a prescrição do inciso XXIX do art. 7º da Carta Maior da República, o que denota a ausência de previsão constitucional e específica, causando inconsistência jurídica, cabendo a análise do judiciário, levando-se em consideração o labor desenvolvido por trabalhador urbano ou rural, ou seja, do doméstico que trabalhe na zona urbana ou zona rural, à luz do princípio da isonomia, da boa-fé, da norma mais favorável, em atenção ao art. 5º da CF que reza sobre a igualdade perante a lei, oportunizando a segurança dos direitos sócias previstos no art. 6º da mesma constituição.

Ao revés, com o advento da Emenda Constitucional (EC) 72, urge a oneração do empregador quanto ao implemento, após a devida regulamentação, do devido pagamento das horas extras excedentes, pagamento e acompanhamento do recolhimento do fundo de garantia, do salário família, da assistência gratuita a filhos até 5 anos, dentre outros, que passarão a fazer parte do rol de contribuições ora não pagas. Um contraponto a receita do empregador doméstico que não detêm a elasticidade financeira paralela para com a atualização do salário mínimo atualizado pelo governo anualmente.

Neste diapasão, necessário é uma política financeira de dedução e incentivo por parte do governo que viabilize o empregador doméstico a efetivação dos direitos trabalhistas sem que haja a substituição do trabalho continuo em trabalho eventual, autônomo, assim como, a oferta de oportunidades de qualificação da mão de obra e, evitar demissões de trabalhadores domésticos.

Desta feita, resta plenamente cabível a ausência da atividade lucrativa do empregador, logo, não é empresas para fins do art. 611, parágrafo primeiro da CLT, ou seja, constituição de sindicatos patronais, dada sua ausência não há que se falar em faculdade de compensação de horários e redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva (inciso XIII, art. 7º, CF/88), conforme previsão trazida pela EC nº 72, se as partes do contrato de trabalho não estiverem providas de representação sindical.

Outro ponto interessante, é a não obrigatoriedade do art. 74, parágrafo segundo da CLT, do controle de jornada aos empregadores que contam com menos de 10 (dez) empregados nos seus estabelecimentos, assim como, caberá ao empregador o ônus de provar a prática da sobrejornada, se o legislador ao prevê todos esses novos direitos ao empregador doméstico o atribuiu de novos deveres, como qualquer estabelecimento, embora desprovido de cunho lucrativo, não há como deixar de acompanhar a jornada diária do seu empregado, se a ele caberá a prova do ônus quanto as horas extras do labor de uma categoria extramente delicada de se gerir devido as suas particularidades domésticas.

Advoga-se a tese de Oliveira (2013, p. 03) sobre as distinções e particularidades que envolvem empregados domésticos:

(...) as relações domésticas, seja no campo ou na cidade, guardam distinções em relação àquelas dos trabalhadores em geral, dado o ambiente familiar, de confiança e informalidade cotidiana que se reveste, ao contrário do ambiente das empresas em que a subordinação e os rituais se estabelecem na cadeia de comando, assim como o diferencial na existência de pessoal por vezes destinado a gerir as próprias folhas de pagamento, algo impensável no ambiente doméstico, em que o patrão deve ter os meios de controlar, por si, todos os pagamentos e recolhimentos a seu cargo, sem maiores burocracias, de modo a não ser desestimulado ao registro de seus empregados domésticos.

Nesta esteira, o Brasil hoje passa por um importante momento social e histórico de transição de uma nova realidade referente a contratação da prestação de serviços domésticos, os contratos de trabalho domésticos precisam ser formalizados, observando cláusulas com direitos e deveres, de reconhecimento da mão de obra doméstica, de empregadores mais exigentes sobre a capacitação dos trabalhadores domésticos e também de desemprego oriundos da oneração constitucional por empregadores que se utilizavam do labor de muitos domésticos sem contrato, pagando valores abaixo do salário mínimo e sem qualquer outro direito e reserva trabalhista.

Os desdobramentos desse novo momento, das novas regras, virão com o decorrer do tempo e com o empenho e observância da justiça do trabalho nas relações de trabalho doméstico no país e, em especial Maceió, capital alagoana.


3. METODOLOGIA

3.1 Tipo de pesquisa

O presente trabalho possui caráter exploratório-descritivo. Então, constitui-se como pesquisa qualitativa.

A pesquisa qualitativa é subjetiva por natureza, ela é descritiva, visto que as descrições dos fenômenos estão impregnadas dos significados que o ambiente lhe oferece, e como aquelas são produtos de uma visão subjetiva. A pesquisa demandou a realização de revisão bibliográfica sobre temas relacionados ao assunto abordado em artigos, livros, revistas e internet.

3.2 universo e amostra

Nesta pesquisa, a população em estudo foram empregados domésticos que exercem suas atividades laborais em vários bairros de Maceió. Nesta ótica, as pesquisas por amostragem provêm algumas vantagens na realização do estudo, o menor custo, os resultados em menor tempo, os objetivos mais amplos e os dados fidedignos. Foram entrevistadas 20 pessoas do sexo feminino, mas apenas 19 questinários foram válidos.

3.3 Coleta de dados

A coleta de dados deste estudo se deu através de questionário (APÊNDICE A) e observação, o qual possibilitou melhor fundamentação nos argumentos e achados para elaboração dessa monografia.

Para Gil (1999), o questionário é uma técnica de investigação composta por um número de questões apresentadas às pessoas, tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, interesses, expectativas e situações vivenciadas. O questionário foi composto por 18 questões, sendo elas dicotômicas, abertas e de múltipla escolha.

3.4 Limitações da pesquisa

No tocante as limitações destacam-se o fato de que os resultados não poderão ser generalizados para um contexto global dos empregados domésticos, ou seja, os resultados nao refletem a opinião dessa classe de trabalho, bem como o fator tempo implicou em uma amostragem maior e que fosse contemplada a opinião desses trabalhadores em todos os bairros de Maceió.


4. A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS DO EMPREGADO DOMÉSTICO EM MACEIÓ

4.1 Perfil dos entrevistados

A caracterização do perfil dos empregados domésticos entrevistados foi baseada nas respostas obtidas através dos questionários aplicados. Comporam a pesquisa uma amostra de 20 indivíduos, dos quais obteve-se apenas 19 questionários válidos, todos do sexo feminino (100%), faixa etária elevada, onde cerca de 42% das entrevistadas têm idade compreendida entre 26 e 35 anos.

FIGURA 1 – Idade

FONTE: Dados da pesquisa

Percebeu-se que a maioria desses profissionais trabalham nos bairros da Serraria (32%), Jatiuca (26%) e Tabuleiro. Tal resultado justifica-se pelo fato de que nessas regiões residem pessoas com maior poder aquisitivo, e que todos os membros da familia trabalham. Daí a necessidade de ter um empregado doméstico para realizar as atividades do lar.

FIGURA 2 – Local de trabalho

FONTE: Dados da pesquisa

Posteriormente, 68% informaram que têm filhos menores de 14 anos. Desse total, cerca de 43% desses filhos têm idade compreendida entre 6 e 10 anos de idade e que encontram-se em período escolar.

Registre-se que o benefício do auxílio-creche está garantido aos trabalhadores domésticos após a edição da EC nº 72. Todavia, aguarda regulamentação do governo referente a sua aplicação e custo, nesse sentido, é o entendimento também, para a concessão do salário-família.

 

Figura 3 – Possui filhos menores de 14 anos

Fonte: Dados da pesquisa

Figura 4 – Idade dos filhos menores de 14 anos

Fonte: Dados da pesquisa

4.2 Atividades domésticas

Quando perguntado o tempo que desenvolve atividades domésticas, percebeu-se que a maioria tem tempo de serviço compreeendido entre 1 e 5 anos (31%), mais de 15 anos (21%), seguido de um empate de 16% em tres níveis temporais: a) 6 à 10 anos; b) 11 à 15 anos; e c) menos de 1 ano.

FIGURA 5 – Tempo de serviço doméstico

FONTE: Dados da pesquisa

Ao indagar se possuía CTPS registrada como empregado doméstico, apenas 58% disseram que sim, e os 42% restantes afirmaram que não. Do total dos que disseram que têm esse tipo de registro (58%), percebeu-se que esse registro é recente, ou seja, uma maioria expressiva (82%) conta com esse benefício entre 1 e 5 anos. Os demais (18%) afirmaram que o registro só foi feito após a implantação da emenda constitucional do trabalhador doméstico.

Por outro lado, houve relatos de que mesmo não tendo CTPS registrada, seus “patrões dão 13º salário, folgas aos domingos e intervalo para lanche e almoço.”

Foram analisados 4 níves de salário mensal, sendo eles: a) de 1 à 2 salários; b) de 3 à 4 salários; c) mais de 4 salários; e d) outro. De acordo com a figura 6, quando foram analisadas as rendas desses empregados, percebeu-se que a maioria (84%) tem salário compreendido entre 1 e 2 salários-mínimos, que atualmente é de R$ 678,00.

Os 16% restantes alegaram receber outro valor salarial que não foi explícito no questionário. Tal valor refere-se à valores inferiores a 1 (um) salário-mínimo, e essas pessoas trabalham nos Bairros do Benedito Bentes e Clima Bom, os quais trabalham na região do Tabuleiro (21%), conforme foi exposto na figura 3.

Outro dado mostra que apenas 16% das entrevistadas trabalham no período noturno e recebem o valor correspondente às horas trabalhadas, e que ainda é feito o registro na folha/livro de ponto. O período noturno é compreendido das 22h à 5h da manhã, o direito ao adicional noturno garantido aos trabalhadores domésticos por força de emenda constitucional aguarda regulamentação para sua efetivação.

Figura 6 – Renda salarial

Fonte: Dados da pesquisa

Observou-se também que após a EC nº 72, os empregadores começaram a buscar formas para registrar a jornada de trabalho diária de seus funcionários, e foi dada 4 opções de resposta: a) ponto eletrônico ; b) cartão eletrônico; c) folha/Livro de ponto; e d) nenhum tipo de registro. Embora a minoria faça anotações de sua jornada de trabalho diária em uma folha/livro de ponto (42%), percebe-se que os que não fazem nenhum tipo de registro (58%) é tido como um índice alto e que pode levar a danos/ações judiciais futuras para ambas as partes, já que não há como comprovar o cumprimento da carga horária do trabalhador.

Quando perguntado se moram na residência que trabalham, todos (100%) afirmaram que ‘não’, embora 1 (uma) das entrevistadas afirmar que quando é solicitado, a mesma dorme no emprego de vez em quando para realizar alguma atividade esporádica , mas que o empregador a consulta para saber da possibilidade ou não no período requerido.

Ainda foi questionado se é realizado algum tipo de desconto no salário, onde apenas 1 (uma) pessoa, ou seja, 5,26% afirmar que o único desconto é relativo ao vale-transporte. Outra questão levantada foi se realizaram algum curso de capacitação na área que atuam, e apenas 10,52% afirmaram e que já foi concluído.

4.3 Percepção dos empregados domésticos sobre a observância contratual dos seus direitos trabalhistas

Foram descritos 15 direitos trabalhistas, os quais devem ser cumpridos pelo empregador por força do contrato de trabalho. Entretanto, apenas 13 itens foram pontuados, e obteve-se os seguintes resultados:

Figura 7 – Direitos trabalhistas

Fonte: Dados da pesquisa

Observa-se que os itens mais destacados foram INSS, jornada de até 44h/semana, férias, 13º salário e aviso prévio.

Por fim, quando perguntou-se o que esperavam com a edição da emenda constitucional do empregado doméstico, obeteve-se algumas afirmações:

“Foi bom porque teremos muitos direitos que antes não tínhamos.” (“W”);

“Os patrões terão que andar na linha.” (“X”);

“Não sei até que ponto nossos patrões irão acatar as leis.” (“C”);

“Agora deixaremos de ser escravos”. (“Y”).

Todavia, quando perguntado como definiriam atualmente a profissão de doméstico, obteve-se as afirmações:

“É uma profissão digna.” (“A”);

“É um trabalho muito difícil, mas não é valorizado.” (“B”);

“Eu gosto do que faço, mas não paga tão bem quanto deveria ser.” (“V”);

“Até que enfim fomos reconhecidos como trabalhadores honestos.” (“Z”).

Ademais, ainda buscou-se saber se os entrevistados entendiam/sabiam que houve mudança nas suas atividades a partir da edição da emenda do empregado doméstico, e apenas 32% afirmaram que sim, mas não souberam descrever que mudanças eram essas.

Por fim, para melhor entender e avaliar as argumentações dos entrevistados, foi perguntado como definiriam o empregador. As respostas foram as mais variáveis possíveis, tais como:

“Uma pessoa honesta e distinta que me trata bem, com respeito.” (“G”);

“É uma pessoa legal, me respeita e não exigem além do que foi acordado.”(“V”);

“Uma pessoa sensata, educada e me ajuda quando preciso.” (“H”);

“É uma arrogante e muito autoritária.”(“K”);

“É uma boa pessoa mas não cumpre as leis trabalhistas.”(“P”);

“É uma desgraçada e pensa que nós domésticos não somos seres humanos.” (“F”).

“É um chato, exigente, autoritário por demais e ainda quer que eu faça as coisas além do horário estipulado.” (“L”).

“Exigente e autoritária demais.” (“U”).

Sendo assim, percebe-se que a maioria está descontente com seu atual emprego, mas como não tem um bom nível de escolaridade, “não tem como arranjar outro trabalho no momento.” Houve relatos de que mesmo sendo uma profissão que pague pouco, sentem-se bem onde trabalham, pois seus ‘patrões são bons, compreensivos, flexíveis e que tratam bem.”


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há muito se esperou do legislador a implementação de políticas de cunho social e trabalhista para a classe trabalhadora dos empregados domésticos. De tal forma, todo o processo escravista vivenciado nos primórdios do século XVII até a criação do direito do trabalho, por seguinte a constitucionalização dos direitos fundamentais e sociais, da consolidação das leis do trabalho, da lei 5.859/72 e das convenções da Organização Internacional do Trabalho, contribuiram, de forma geral, para a segurança jurídica que hoje se discute dos empregados doméstico no Brasil, uma exigência social em pleno século XXI.

Doutro ponto, espera-se com a edição da emenda constitucional nº 72, que reflete diretamente no parágrafo único do artigo 7º da Carta Maior da República, a garantia de novos direitos aos obreiros domésticos que ora laboram em residências no País e, em especial Maceió.

Logo, outro fator importante que merece ser trazido à baila é a efetivação dos direitos trabalhistas do parágrafo único do artigo 7º - CF/88, tendo em vista o regular cumprimento da legislação e o carater isônomico na relação contratual em relação aos demais trabalhadores.

Resta ainda, mencionar a importância da dignidade do trabalhador doméstico face da formulação dos contratos de trabalho e aferimento de novos dispositivos trabalhistas, uma realidade que se busca bem diferente dos últimos anos na vida de tantos domésticos.

À luz desse contexto, pode-se vislumbrar também a partir da efetivação dos novos direitos oriundos da emenda do empregado doméstico o desenvolvimento social das famílias desses trabalhadores, qualidade de vida e a realização pessoal, processo esse de grande avanço para a sociedade.

Todo esse processo legisferante e social pelo qual perpassou a classe doméstica vem contribuir para a conscientização da sociedade e principalmente dos empregadores através do reconhecimento profissional e equiparação de direitos.

Para tanto, é interessante a oferta pelo governo de cursos e oficinas gratuitas, aproveitando esse momento histórico, que possibilitem oportunidades de capacitação, atualização e profissionalização da mão de obra dos trabalhadores domésticos que demanda em muitos casos em trabalhadores com baixo nível de escolaridade e/ou analfabetos, a qualificação da força tarefa desses trabalhadores por certo será por demais exigida pelo empregador.

No tema em comento, vale destacar a importância de políticas governamentais que viabilizem a manutenção e a consecutiva contratação de profissionais domésticos nos lares, que pondere a oneração versus a realidade social, evitando-se desemprego e informalidades.

Sob este pálio é importante também, a intervenção da Justiça do Trabalho nos litígios trabalhistas e principiológicas que envolvam empregador e trabalhador doméstico, com o objetivo de salvaguardar os direitos e equilibrar a demanda entre as partes.

Isto posto, espera-se o equilíbrio social necessário nas relações de trabalho entre empregador e empregado doméstico, o respeito e o tratamento isonômico as normas constitucionais trabalhistas da classe doméstica para com os demais trabalhadores, o reconhecimento profissional da sociedade e a intervenção da justiça do trabalho como garantidora dos novos direitos previstos na emenda constitucional nº 72 a toda categoria de trabalhadores domésticos em Maceió.


REFERÊNCIAS

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