Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/28184
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Fraude de execução e a proteção ao terceiro de boa-fé.

Fraude de execução e a proteção ao terceiro de boa-fé.

Publicado em . Elaborado em .

E possível preservar a típica fraude de execução como prevista no art. 593, II, do CPC, admitindo a caracterização da fraude de execução na pendência de demanda nos precisos termos do art. 263 do CPC

Resumo: Uma análise da fraude de execução em casos de alienação imobiliária - com fundamento no art. 593, II, do CPC, a partir do Código de Processo Civil de 1939, e da repercussão das alterações legislativas na doutrina e jurisprudência, esta última, firmada na proteção aos terceiros adquirentes de boa-fé. A polêmica da Súmula 375-STJ, consolidando o entendimento de que “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente”. Demanda pendente e citação. A insolvência do devedor. Registro e averbação da penhora diante da redação dada ao § 4º do artigo 659 do CPC, pela Lei nº 11.382/2006, no ofício imobiliário, para se estabelecer a “presunção absoluta de conhecimento por terceiros”. O art. 615-A do CPC e a proteção ao terceiro adquirente de boa-fé.

Palavras chave: Fraude, execução, demanda pendente, citação, penhora, registro, boa-fé, terceiro, presunção, “in re ipsa”, insolvência. 


1 - Introdução  

Antes mesmo da primeira reforma do art. 659, § 4º do CPC, a posição do STJ quanto à fraude de execução em casos de alienação imobiliária - com fundamento no art. 593, II, do CPC, estava firmada na proteção aos terceiros adquirentes de boa-fé. São sucessivas as decisões no sentido de que, para se declarar a ineficácia da venda de imóvel, cuja penhora não foi registrada, os exequentes deverão demonstrar, no juízo da execução, que o adquirente tinha condições de saber que o imóvel foi penhorado, ou que o alienante era alvo de ação judicial. Em março de 2009, foi editada a Súmula 375-STJ, consolidando o entendimento de que “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente”, ou seja, contrariando a lei – que considera presumida a existência da fraude se, na data da alienação ou oneração do bem, já estiver em curso ação contra o alienante capaz de reduzi-lo à insolvência; passou-se a exigir, primeiro, a citação do réu/devedor antes da data da alienação do bem; depois, que, além da citação, também a penhora seja realizada e, por fim, diante da redação dada ao § 4º do artigo 659 do CPC pela Lei nº 11.382/2006, que a penhora esteja averbada no ofício imobiliário, para se estabelecer a “presunção absoluta de conhecimento por terceiros”. 

Com o tempo restou abrandado ainda, o entendimento de que no caso de alienações sucessivas, a fraude de execução reconhecida (ineficaz) contamina as demais. Assim, o entendimento então consolidado de que a ineficácia da alienação em fraude de execução, in re ipsa, se estende às que sucessivamente se fizer, no entendimento do STJ esta extensão não ocorrerá, por exemplo, quando não efetuado o respectivo termo de penhora, muito menos a inscrição no respectivo registro imobiliário, nos termos do artigo 659, § 4º, do CPC, viabilizando a aquisição e registro do imóvel pelo terceiro, surpreendido com o prosseguimento da execução em que seu imóvel poderia ser praceado. Dentre as alterações trazidas pela Lei 11.382/2006 está o art. 615-A, que autoriza o exequente, já no momento da propositura da execução, requerer a expedição de uma certidão que ateste a existência da demanda em desfavor do executado, a fim de averbá-la em vários registros públicos, conforme a natureza do bem; por exemplo, tratando-se de imóvel, na respectiva matrícula. Essa formalidade processual tem sido questionada por parte da doutrina, por constituir mais uma proteção ao terceiro adquirente de boa-fé, na medida em que, embora não obrigatória, terminou por representar mais um ônus ao exequente, o de averbar a distribuição da execução sob pena de sua omissão ser interpretada em seu desfavor, com o ônus de comprovar que o terceiro tinha condições de saber da demanda pendente. 

Este trabalho é um breve estudo do instituto processual denominado Fraude de Execução, a partir do Código de Processo Civil de 1939 até o momento, analisando a repercussão das alterações normativas na doutrina e jurisprudência, a aplicação do art. 615-A, inserido por força da Lei nº.11.382/2006, e  a polêmica em relação à Súmula nº.375-STJ, frente ao conceito expresso nos artigos 591 e 593 do CPC, que teve por escopo a efetividade da execução “garantindo a expropriação de bens do devedor”, mas, privilegia a boa-fé do terceiro, alheio à demanda, em detrimento do credor, no interesse de quem a execução se realiza, ou pelo menos deveria se realizar (art. 612 do CPC), descaracterizando a fraude de execução, e a boa-fé do devedor, a quem deveria competir a prova da boa-fé do adquirente.     2 - A Execução em geral.

Antes de adentrarmos ao tema central deste trabalho, não podemos deixar de discorrer sobre o conceito de execução. Executar é dar efetividade e execução é efetivação. Assim, no plano jurídico, executar é dar efetividade a um concreto preceito jurídico, quer ele venha da lei ou do contrato, quer esteja ou não expresso em sentença judicial; destarte, o vocábulo execução é empregado tanto para designar os atos com que o sujeito cumpre por vontade própria e espontânea um dever ou obrigação (a execução dos contratos), como aqueles com que o Estado-juiz lhe impõe os resultados que ele próprio deveria ter produzido e não produziu (execução por sub-rogação)[1].

Para nós interessa a execução por coerção, na qual o Estado, na presença do inadimplemento, invade o patrimônio do devedor para satisfazer o direito material do credor. Para DINAMARCO (2009) execução é o conjunto de medidas com as quais o juiz produz ou propicia a satisfação do direito de uma pessoa à custa do patrimônio de outra, quer com o concurso da vontade desta, quer independentemente ou mesmo contra ela.[2]  

Diante desse conceito, evidenciado está que o patrimônio do devedor responde por suas obrigações, conforme disposto no artigo 591, do Código de Processo Civil: O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Em qualquer de suas modalidades, a execução promovida pelo Estado-juiz visa à satisfação do credor. Toda execução é feita no interesse do credor, dispondo o artigo 612 do CPC: 

Art. 612 - Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (Art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.

Se toda execução é feita no interesse do credor, poderíamos imaginar que dela resultasse sempre a satisfação integral do direito buscado. Não obstante o resultado esperado seja este, há limites à tutela jurisdicional executiva, insculpidos no princípio da efetividade, que será alcançada se houver meios de satisfazer o crédito do credor, através dos bens de propriedade do devedor; na regra da menor onerosidade ditada no art. 620 do CPC[3]; e pela proibição de atingir bens indispensáveis à existência digna do devedor, como a casa residencial do devedor com sua família (Lei n. 8.009, de 29.3.90), os salários, as ferramentas indispensáveis ao trabalho, etc.

É certo limitar os atos executivos. Há necessidade de moderação nos meios processuais a empregar, privilegiando os princípios da justiça e equidade. Mas conforme assinala DINAMARCO (2009) é preciso também muito cuidado para não transformar moderação em descaso a quem tiver um direito insatisfeito. Não é de hoje que as regras processuais são manipuladas para proteger os maus pagadores. É preciso distinguir o devedor infeliz e de boa-fé, que vai ao desastre patrimonial em razão de involuntárias circunstâncias da vida ou dos negócios (Rubens Requião), e o caloteiro chicanista, que se vale das formas do processo executivo e da benevolência dos juízes como instrumento a serviço de suas falcatruas. Infelizmente, essas práticas são cada vez mais frequentes nos dias de hoje, quando raramente se vê uma execução civil chegar ao fim, com a satisfação do credor.


- As fraudes do devedor.

Fraudes do devedor são as condutas com as quais alguém, na pendência de uma obrigação insatisfeita, procura livrar um bem da responsabilidade patrimonial que pesa sobre ele; são condutas do próprio obrigado (devedor) ou, às vezes, também do mero responsável. Essa expressão, não empregada em lei, serve para designar uma categoria ampla de condutas desse teor, na qual se incluem a fraude de execução, a fraude contra credores e a disposição de bem já constrito judicialmente (penhorado, apreendido, depositado). Todas essas três figuras consistem em atos de disposição que, mesmo sendo intrinsecamente perfeitos (válidos), não produzirão o resultado visado pelo obrigado, ou seja, não terão a eficácia de impedir que o bem venha a ser utilizado em via executiva para a satisfação do credor. Os atos fraudulentos não serão oponíveis ao credor, ou seja, não aproveita ao sujeito beneficiado por eles a alegação de que adquiriu o bem, ou de que este lhe fora dado em garantia real por um crédito seu; eles produzem seus efeitos normais, menos esse de subtrair o bem à responsabilidade pelas obrigações do devedor que os alienou ou os gravou com um ônus real (hipoteca, penhor).[4]

Dentre essas condutas, discorreremos sobre fraude de execução, conceito e requisitos previstos no Código de Processo Civil a partir de 1939 até a Lei 11.382/2006, cuja reforma introduziu alterações importantes, municiando a técnica processual com meios mais eficazes e céleres para garantir a satisfação da tutela executiva.


– Fraude de execução.

Conforme Araken de Assis,[5] desnecessário ressaltar a estreita ligação da problemática da fraude de execução com a responsabilidade patrimonial. Do art. 591 do CPC deriva a consequência de que somente os bens do devedor respondem por suas obrigações. E, por outro lado, tão só na execução patrimonial aparece o problema de recuperar os bens subtraídos pelo obrigado à execução. A rigidez dessa regra se esgaça quando ela incide sobre “bens passados, bens que pertenceram ao devedor, mas no momento da execução não lhe pertencem mais”. E dentre tais bens figuram os alienados em fraude contra credores, fraude de execução, bem como os bens hipotecados ao credor e depois alienados a terceiro.

Não obstante a disposição contida no art. 591 do CPC, o devedor conserva a livre disponibilidade de seus bens, incumbindo a seus credores respeitar-lhes os atos negociais, embora seus resultados venham a ser nocivos e até provoquem a insolvência. Quando os atos de disposição do obrigado, ao invés de retratar alteração normal do patrimônio (que por consequência ao longo do tempo está sujeito a modificações por acréscimo ou diminuição de bens e frutos), revela o propósito de frustrar a realização do direito alheio, aparece a pretensão de revogá-los ou desfazê-los.

Assim, se coíbe a redução artificial do patrimônio, restando hígidas as modificações naturais, como se conclui da leitura do art. 164 do CC de 2002, que assim dispõe: “Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família”. Razão pela qual, as hipóteses de fraude, se encontram tipificadas: a fraude contra credores, na lei civil (arts. 158 a 165 do CC-02), e a fraude de execução, no art. 593 do CPC.

A fraude de execução consiste na alienação de bem que afeta determinado processo, atentando contra a dignidade da Justiça.[6]. Portanto, fraude de execução é a alienação de bens, pelo devedor, na pendência de um processo capaz de reduzi-lo à insolvência, frustrando os meios executórios, por não ter reservado bens suficientes para garantia do débito objeto de cobrança.

Trata-se de instituto de direito processual, regulado na lei processual, que não se confunde com a fraude contra credores prevista na legislação civil como defeito do negócio jurídico (CC, arts. 158 a 165). Talvez seja por isso que nossa cultura jurídica se motivou a afirmar de maneira uníssona, que a fraude de execução tem maior gravidade do que a fraude contra credores, pois, além do prejuízo ao credor, atenta contra a dignidade e a administração da justiça, já que tem natureza processual e se verifica na pendência da lide. O objetivo imediato da fraude de execução é, portanto, preservar o resultado do processo, não se admitindo que, na sua pendência, o devedor aliene bens, frustrando o processo e a execução, impedindo a satisfação do credor mediante a expropriação de bens. Na fraude contra credores, o prejudicado direto é o credor, enquanto na fraude à execução o prejudicado imediato é o Estado-juiz.

Em tais casos, porque já iniciado o processo condenatório ou executório, a fraude adquire aspectos de maior gravidade, porque desde logo evidente o intuito de prejudicar os credores; e de prejudicar a própria ação da Justiça que está se desenvolvendo naqueles processos, mediante a subtração do bem sobre o qual deverá incidir a garantia.

Embora situados na idêntica ilicitude do ato que os caracteriza — a fraude —, não há como confundir aquela, que estamos a examinar, com a fraude contra credores.

A ocorrência da fraude contra credores reclama a prova de existência de consilium fraudis e eventos damni, enquanto na fraude de execução a existência da fraude é presumida pela simples alienação. Tradicionalmente, não se exige, na fraude de execução, prova de conduta maliciosa dos que participaram do negócio. Não haverá necessidade de ação autônoma nem de qualquer providência mais formal para aquele que pleiteia a ineficácia do ato havido em fraude de execução, bastando o credor, por simples petição, noticiar a existência da alienação patrimonial que gerou a insolvência do devedor, e que essa alienação foi praticada nas circunstâncias assinaladas no art. 593 do CPC.[7]

Resumidamente, podemos dizer que, visando proteger o credor contra tentativas de o devedor evitar que seu patrimônio seja atingido por pagamento de dívida inadimplida, é que o Código de Processo Civil cuida da fraude de execução. O Código de Processo Civil define o que seja a fraude de execução: a alienação ou oneração de bens, quando sobre eles pender ação fundada em direito real; quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; ou nas demais hipóteses estabelecidas em lei (art. 593).

A fraude contra credores traz esta característica principal: vem constituída de um ato — ou de uma série de atos — capazes de proporcionar prejuízo aos interesses daqueles. Se o devedor responde, no cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens, presentes ou futuros (artigo 591 do Código de Processo Civil) e se, por meio daquele ato — ou atos —, afasta a garantia que tais bens antes ofereciam, estar-se-á violando o princípio da boa-fé, que deverá existir e persistir nas relações jurídicas estabelecidas entre os contraentes, em particular; e entre todas as pessoas que se integram à sociedade, em geral. [8]

Será essa ilicitude no proceder e no agir que irá determinar o fundamento para a ação revocatória ou pauliana, dirigida à declaração de ineficácia daqueles atos e de seus efeitos, quando verificada a presença dos requisitos que a instruem: anterioridade do crédito, no consilium fraudis e no eventus damni.

Assim, o crédito deve pré-existir aos atos de disposição ou oneração dos bens; ainda que possa depender de alguma condição ou liquidação, não podendo se reduzir a mera expectativa de direito, e sim ser crédito real, já existente. E o elemento subjetivo, caracterizado pelo consilium fraudis, que é o propósito, o intuito do devedor, e não necessariamente da ação deste e do terceiro, de prejudicar; e por último o eventus damni, que é a disposição ou oneração do bem ou dos bens capaz de levar o devedor à insolvência.

Nesta espécie de fraude, segundo o entendimento hoje uniforme da doutrina brasileira, os atos de alienação ou de oneração realizados pelo obrigado se ostentam ineficazes. Ensina, este propósito, Theodório Jr.: “O negócio jurídico, que frauda a execução, diversamente do que se passa com o que frauda credores, gera pleno efeito entre alienante e adquirente. Apenas não pode ser oposto ao exequente. Assim, a força da execução continuará a atingir o objeto da alienação ou oneração fraudulenta, como se estas não tivessem ocorrido. O bem será de propriedade do terceiro, num autêntico exemplo de responsabilidade sem débito”. Neste mesmo sentido, assentou a 4ª Turma do STJ: “Na fraude de execução, o ato não é nulo, inválido, mas sim ineficaz em relação ao credor”.[9]  

Ao contrário da fraude contra credores, na qual se exige o consilium fraudis, na fraude de execução este está in re ipsa, o que significa dizer que ele decorre do próprio fato, o que é presumido. Destarte, em regra, em se tratando de fraude de execução, irrelevante a verificação da boa-fé, ou não, do adquirente. É claro que tal regra não é rígida, pois, como salienta Araken de Assis,[10] o assunto é “repleto de casuísmo”, e assim não é vedada a perquirição de possível boa-fé do comprador de imóvel, nas circunstâncias de determinado caso concreto.

Dois requisitos formam a fraude contra o processo executivo: a litispendência e a frustração dos meios executórios.

4.1 - Litispendência como elemento da fraude

O sistema processual civil pátrio estabelece que o devedor responde com todos os seus bens, presentes e futuros, para garantia de suas obrigações (art. 591), considerando fraude de execução (CPC, art.593, II) a alienação ou oneração de bens quando ao tempo da alienação ou oneração corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência.

A litispendência aqui, portanto, se caracteriza na alienação ou oneração de bens pelo devedor na pendência de demanda. Assim, a instauração da relação processual coloca-se como pressuposto indispensável. Se não há demanda, a fraude é contra credores. É a existência de relação processual que serve de divisor para que se reconheça que o ato fraudulento foi levado a efeito tão-só contra o credor ou se restou atingida a própria garantia patrimonial existente em qualquer demanda, a teor do disposto no art. 591 do CPC.[11]  

O art. 617 do CPC reza que a propositura da demanda executória, deferida pelo juiz, interrompe a prescrição. Aduz que, na citação subsequente do executado, observar-se-á o art. 219. Extinguiu o art. 617, portanto, a antiga diferença entre ajuizamento e propositura da ação. A partir da noção de que processo constitui relação jurídica autônoma, o mesmo não depende da relação jurídica litigiosa, feita objeto litigioso, porventura ligando as partes. Era clássica a distinção entre o ajuizamento, que se operava no instante da entrega da inicial e originava, exclusivamente, o vínculo do autor com o Estado-juiz; e a propositura, quando enfim, a relação processual se completava através do chamamento do réu. Nada obstante a tardia resistência de alguns, os arts. 263 e 617 do CPC chancelam solução oposta ao antigo critério. No momento em que o juiz defere a inicial, ou simplesmente ela é distribuída, onde houver mais de uma vara, já há processo, tanto que o ato de rejeição liminar o extinguirá(art.295 c/c art. 267, I).[12]   

ARRUDA Alvim ensina que “a existência da citação, no início de cada processo, seja no de conhecimento, no cautelar e no de execução, prende-se ao princípio da bilateralidade da audiência, sendo uma exigência impostergável para a existência do processo (em relação ao réu) e da sentença. Tanto o autor quanto o réu devem ser ouvidos para terem suas razões sopesadas pelo órgão julgados. Ora, o réu só poderá ser ouvido se tiver ciência da demanda que contra ele é movida, e a forma reconhecida como hábil a tanto, pelo sistema, é a citação, se bem que o comparecimento espontâneo do réu supre a sua falta (art. 214, § 1º), pois, aquele consubstancia a finalidade última da citação”.[13]  

Hoje, predomina em nossos Tribunais, o entendimento de que haverá demanda pendente para fins de fraude de execução, somente quando o réu for citado validamente. Neste sentido, proclamou a 4ª Turma do STJ: “Para que se configure a fraude de execução, não basta o ajuizamento da demanda, mas a citação válida.[14] (4ª T. do STJ, REsp. 2.429-SP, 19.06.1990, Rel. Min. Barros Monteiro, RJSTJ 2(12)/385.)

Diogo Leonardo Machado de Melo (2008) faz uma breve consideração nesse ponto:

não há como negar que o processo existe antes da citação do réu, completando-se a relação jurídica processual com a citação. Aliás, nos termos do art. 285-A (com redação trazida pela Lei 11.277/2006), haverá até mesmo a possibilidade de julgamento de mérito sem necessidade de citação do réu. Ora, se há possibilidade de resultado (negativo) de mérito (consequentemente, coisa julgada material) antes da citação, maiores razões para se acreditar na existência do processo (demanda) desde a distribuição. Nesse caso o “Estado-juiz foi provocado, e manifestou-se (atuou, isto é inegável) e, mais que isto, decidiu (...) Nos casos do artigo 285-A, de forma mais enfática, o Estado juiz age – e o faz, por definição, processualmente – pra dizer que o autor, aquele que rompe com a inércia da jurisdição, não tem o direito que afirma ter; que a lesão ou ameaça a direito que ele narra em sua petição inicial não existe”. Assim, se o art. 593, II, do CPC prescreve “demanda”, não podemos ignorar tais constatações teóricas. A citação do réu deve ser entendida sim como pressuposto de existência do exercício da função jurisdicional, mas somente em relação ao réu.[15]

No mesmo sentido Fredie DIDIER JR, ao afirmar que, tradicionalmente, diz-se que a citação válida do réu induz litispendência, com base no artigo 219 do CPC, ressalvando que para o autor, já há litispendência desde o momento da propositura da demanda (art. 263 do CPC).[16]   

4.2 - Frustração do meio executório como elemento de fraude

À luz do art. 593 do CPC, a ideia de frustração dos meios executórios substitui a de insolvência, que na fraude contra credores, se afigura consequência imediata do negócio suspeito. É que no âmbito da fraude contra a execução, dispensável se revela a investigação do estado de insolvência, bastando a inexistência de bens penhoráveis.  

O devedor só pelo fato da existência da obrigação, ou mesmo de esta já se encontrar sendo cobrada judicialmente, ainda que a dívida esteja em fase de execução, não fica reduzido em sua capacidade jurídica, com possibilidade de exercer os direitos que a propriedade lhe assegura: usar e dispor de seus bens, como lhe aprouver (art. 1.228 do CC).        

Ao vincular-se, porém, a uma obrigação, o devedor não só se sujeita a prestar aquilo que lhe constitui o objeto, como, ao mesmo tempo, assume outra obrigação, de natureza subsidiária, de natural consequência, que é a de não desfalcar o seu patrimônio aquém do nível de equilíbrio entre os seus bens e suas dívidas.

Daí, representando o patrimônio do devedor a garantia de seus credores, aquela faculdade, assim, reconhecida ao proprietário-devedor, encontra limite necessário quando resulta, do ato por ele praticado, uma redução tal de seu patrimônio, que frustraria a garantia e execução dos créditos. [17]  

Esta a razão da regra do art. 592, V, do CPC: se o devedor alienou ou gravou os bens em fraude de execução, os bens alienados ou gravados podem ser penhorados; assim, incide a penhora sobre eles, ainda que em mãos de terceiros, como se a alienação não tivesse sido realizada; a alienação ou a constituição do vínculo real tem-se como ineficaz, ainda que o ato de disposição do devedor-executado tenha sido levado a registro público.

A ineficácia do ato se dá em relação à execução. Conforme já decidiu a 2ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: “O ato em si mesmo, não padece de nenhum vício que o torne inválido entre os contratantes. Apenas deixa de ser eficaz. É como se para o exequente esse ato não tivesse sido realizado. Se, porém, o devedor ou comprador se prontifica a solver a obrigação exigida pelo credor, o ato subsiste, sem qualquer outro efeito. Assim, o prosseguimento da execução. Se ocorrer a arrematação, então, o cancelamento se impõe, em virtude do princípio da continuidade”.[18]


- Momento divisor do reconhecimento da fraude de execução. 

5.1 - Breve histórico da legislação.

No Brasil, como fruto da legislação portuguesa, mais especificamente das Ordenações do Reino: Manuelinas, Afonsinas e Filipinas, essa última com notada aproximação ao que se entende pelo instituto hodiernamente, a fraude de execução só teve sua confirmação como norma processual pelo Regulamento nº 737, conhecido como Decreto Imperial nº 737, de 25 de novembro de 1850.

Os resquícios histórico-legais desse instituto remontam a disposições específicas, presentes no Livro III, Título LXXXVI, das Ordenações Filipinas, quando era proibido, por exemplo, a alienação de bens de raiz, durante a demanda judicial, consoante expressão literal do § 14º (“Dos agravos e das sentenças definitivas”). Esse capítulo retratava uma espécie de hipoteca judiciária sobre os bens do condenado ao pagamento de soma pecuniária, ao prever que “... o que tiver bens de raiz, que não valham o contido na condenação, não os poderá alhear, durante a demanda, mas logo ficarão hipotecados por esse mesmo feito e por esta Ordenação para pagamento da condenação.”[19]

A partir do Decreto 763, de 19.09.1890, do governo republicano, o Regulamento 737, que até então regia somente o processo comercial, também passou a ser aplicado às causas processuais cíveis, ficando, desta forma, revogadas as Ordenações Filipinas. 

O Regulamento 737 já disciplinava a fraude de execução dispondo no § 6º, do art. 492 que “é competente execução contra”:

§ 6º. O comprador ou possuidor de bens hipotecados, segurados ou alienados, em fraude de execução (art. 494); e em geral contra todos os que recebem causa do vencido, como comprador da herança. [20]

E o art. 494 assim definia fraude de execução: 

“Art. 494. Considerar-se-ão alienados em fraude de execução os bens do executado: 

1º – Quando são litigiosos, ou sobre eles penda demanda; 

2º – Quando a alienação é feita depois da penhora, ou proximamente a ela; 

3º – Quando o possuidor dos bens tinha razão para saber que pendia demanda, e outros bens não tinha o executado por onde pudesse pagar”. 

O Regulamento 737 dispunha, ainda, em seu art. 574 que o devedor que fraudou a execução seria preso por um ano, podendo, no entanto, ser solto antes, se pagasse a dívida. 

Com a promulgação da Constituição da República, em 24.02.1891, a competência para legislar sobre matéria processual foi transferida aos Estados-Membros, que somente passaram a legislar a partir de 1905, quando o Estado do Pará tomou a iniciativa, sendo o primeiro a elaborar seu estatuto processual civil. Seguiram o mesmo caminho os demais Estados, tendo sido São Paulo um dos últimos a promulgar sua lei processual. 

Os Códigos de Processo estaduais foram elaborados com fundamento no Regulamento 737, e trouxeram poucas inovações à execução, em especial, em relação ao instituto da fraude de execução, pois, praticamente se limitaram a repetir o art. 494 do Regulamento 737, podendo ser destacado nessa ocasião, o desaparecimento da prisão civil como meio executório, seja como sanção pela recusa em colaborar com a Justiça ou pelo não cumprimento do dever de lealdade. 

A partir da Constituição Federal de 1934, foi restabelecida a forma de unidade do processo para todo o país, tendo-se retirado a competência dos Estados-Membros, que passaram a ter somente competência supletiva para elaborar leis processuais. Como resultado dessa unidade processual, entrou em vigor um novo Código de Processo Civil, através do Dec.-lei 1.608, de 18.09.1939, que inseriu dispositivo regulando a fraude à execução no art. 895, que continha a seguinte redação: “a alienação de bens considerar-se-á em fraude de execução: I – Quando sobre eles for movida ação real ou reipersecutória. II – Quando, ao tempo da alienação já pendia contra o alienante demanda capaz de alterar-lhe o patrimônio, reduzindo-o à insolvência. III – Quando transcrita a alienação depois de decretada a falência.IV – Nos casos expressos em lei”.

Esse breve histórico da legislação deixa evidenciado que o ‘elemento subjetivo’ sempre foi irrelevante para a configuração da fraude de execução, e ainda, que o Código de 1973 exerceu inegável influência sobre o que o legislador considerava “proposta a ação” ou “demanda pendente”.

5.2 – Demanda pendente e citação.

Enquanto o sistema de 1939 considerava proposta a ação e iniciado o processo somente quando feita a citação do réu, o código de 1973 evoluiu em relação à matéria, prevendo em seus artigos 262 e 263, que se considerava proposta a ação desde o despacho liminar do juiz na petição inicial ou de sua simples distribuição onde houver mais de uma vara.

Apesar da posição isolada na doutrina de Mário Aguiar Moura, para quem, mesmo que já aparelhado se ache o processo pela distribuição ou despacho, em linha de princípio, a alienação, que se efetiva nesse interregno e antes da citação, não enseja a arguição de fraude de execução. Poderá favorecer a verificação da fraude contra credores [21] . Vinha a jurisprudência paulista, de forma majoritária, fixando-se na data da citação,[22]ou na da penhora[23] o marco caracterizador da fraude de execução.[24]

  Outras decisões, porém, já antecipam o marco para o momento da instauração da relação processual admitindo que a alienação do imóvel quando já existia demanda ajuizada, caracteriza fraude à execução, com base no artigo 593, II, do Código de Processo Civil, que não exige a citação do réu (ou devedor, como no caso vertente).[25]

No mesmo sentido é o acórdão da lavra do Relator Ernani de Paiva da 6ª Câmara de Direito Privado-SP., na Apelação Cível n° 066.056.4/2-00 -  da Comarca de Santo AndréSP.[26], onde ressalta: 

“(...) Com efeito, "demanda capaz de causar a insolvência é aquela que provoca, no caso de procedência do pedido, obrigação de o devedor pagar quantia certa. As alienações ou onerações que ele fizer, reduzindo a garantia patrimonial para a referida causa, se consideram fraudatórias da execução e ineficazes com relação a ela. Não há mister nenhuma inscrição no Registro de Imóveis ou no Registro de Títulos e Documentos, para caracterizar-se a fraude de execução, quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência, em que pesem valiosas opiniões contrárias. Parte da doutrina entende que, se houver inscrição, há presunção absoluta de fraude; se não houver, há presunção relativa, cabendo ao credor provar o "consilium fraudis". A participação consciente do adquirente ou de quem onera o bem, no entanto, é dispensável, pois a fraude, na realidade, quando nela presente terceiro de boa-fé, é praticada contra ele e não contra a atividade jurisdicional. O Estado, na sua expressão de soberania, nãopode ser vítima de fraude"

(ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS,Manual de Direito Processual Civil, 4a Edição, vol. 2, págs. 81/82).

"É ineficaz em relação ao credor a alienação do bem feita na pendência de ação capaz de reduzi-lo à insolvência, por que praticada em fraude à execução, conforme dispõem os arts. 592, V, e 593, II, do Código de Processo Civil" (R.T. 584/91, 593/169, 609/107, 613/118 e 139, 617/118, 638/105, 684/98, 687/105, 709/100 e 729/211; RJTJESP Lex 140/62, 143/174 e 173/57).

Segundo ponderações de V. Acórdão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, "a lei não exige, em casos que tais, o registro da penhora para que a mesma seja oposta a terceiro, até porque também o credor, em face dessas sucessivas alienações, se posiciona como terceiro, também de boa fé, fundada em normais legais, que asseguram a garantia de seu crédito e definem como fraudulenta e ineficaz a alienação do bem que o garanta" (Recurso Especial n°34.189-2 - Rel. Min. Dias Trindade - julg. em 14.03.94, in Revista do S.T.J. vol. 58, pág. 353).” (grifos nossos)

Não obstante a posição majoritária da jurisprudência, a postura uniforme da doutrina, sustenta que o melhor entendimento no sentido da configuração da “lide pendente”, é o simples ajuizamento da ação. Nesse sentido, Yussef Cahali diz: “Impõe-se reconhecer, portanto, que se vai consolidando o melhor entendimento no sentido da configuração da “lide pendente”, para os efeitos do art. 593, II, do CPC, com o “simples ajuizamento da ação”, ainda que a citação não tenha sido efetivada: o CPC vigente clareou ainda mais o entendimento, quando, no art. 263, considera proposta a ação tanto que a petição inicial seja despachada pelo Juiz ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma Vara, sendo irrelevante o fato de a citação ainda não ter sido realizada para que se caracterize a alienação em fraude de execução”.[27]  

Nesse sentido, Fredie Didier Jr., Leonardo J. C. Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira: “Tradicionalmente, dize-se que a citação válida do réu induz litispendência, com base no artigo 219 do CPC. Ressalte-se que já há litispendência para o autor desde o momento da propositura da demanda (art. 263 do CPC; (...). A citação do réu/devedor deixa-o ciente da demanda proposta que possa conduzir à sua condenação. A partir daí (citação), atos de diminuição patrimonial que o reduzam ou possam reduzi-lo à insolvência serão considerados fraudulentos.[28]

A divergência jurisprudencial e doutrinária está fundamentada na lei processual vigente, que fixa, em seu art. 263, o momento que se instaura a relação jurídica processual: “considera-se proposta a ação tanto que a petição inicial seja despachada pelo Juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara”. Estabelecendo o seu art. 593 como pressuposto para comprovar a fraude de execução, a existência de “demanda”, não há respaldo legal, para relegar esse momento para a citação.

Yussef Said Cahali[29], interpretando a mens legislatori, afirma:

Não nos parece que, no exato elastério do art. 593, II, do CPC, ao ser considerada em fraude de execução a alienação de bens, ‘quando, ao tempo da alienação ou oneração corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência’, tenha o legislador pretendido que a existência da demanda em curso esteja condicionada à citação do devedor, como se não bastasse o simples ajuizamento da ação contra aquele.

Luiz Fux30, pela simples distribuição ou mesmo do despacho inicial, sustenta:

Em nosso entender, à luz do texto, é fraudulenta a alienação depois da propositura da ação e antes da citação, uma vez que a exigência da lei para considerar ineficaz o ato é de que, ao tempo da alienação, corra contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência (...) a jurisprudência, contudo, revela não haver pacificidade quanto ao tema.

É que o legislador em momento algum fala em litispendência. Fala em demanda no sentido de ação proposta, como se percebe da leitura dos artigos 461, § 3º, 1.016, § 2º e 835, todos do CPC, pelo que o Ordenamento Jurídico tem como existente a demanda desde que ação foi proposta e não só quando a relação processual é angularizada (art. 263 do CPC).

Assim, realizada a alienação ou oneração de bens, ocasionando a inexistência ou insuficiência de patrimônio passíveis de ser penhorados como garantia à satisfação da obrigação (insolvência) – lembrando que ocorre a insolvência quando as dívidas excedem a importância dos bens do devedor (CPC, art. 748) – está configurada a fraude de execução, nos termos do inciso II, do artigo 593, do CPC.

Desde que haja ação, não importa se a mesma se rege pelo processo de conhecimento ou pelo processo executivo: desde a propositura, a alienação ou oneração pelo devedor determinarão a fraude de execução. Se é a existência de relação jurídica processual contra o alienante o dado objetivo e prático para detectar a validade ou invalidade dos efeitos da transação, mister que se fixe o momento de seu nascimento, em face do verbo legislativo sem especificidade, eis que o inciso I do artigo 593 do CPC fala em “pender ação” e a norma seguinte em “correr demanda” .31

De acordo ainda com Maria Berenice Dias, o Direito brasileiro desconhece a regra do art.101 do CPC italiano, segundo a qual a deliberação do Juiz sobre a demanda depende do chamamento a juízo do réu, e que, consagrando o princípio do contraditório, induziu os processualistas italianos – Chiovenda e Calamandrei à frente – a verem o processo necessariamente angularizado. Diz Liebman, p.ex., que “a demanda se propõe com o ato de citação”, lição inconciliável com a letra do art. 263, primeira parte, do CPC[32]. Respeitadas, então, as diferenças de sistema, nada impede a relação linear.[33]   

Já para Araken de Assis[34], a fraude à execução pressupõe demanda em curso, ou melhor, litispendência (“lide pendente”). E a litispendência dá-se com a citação (CPC, art. 219). Em tal contexto, para caracterizar a fraude de execução, é necessário que o devedor tenha sido citado, não bastando o ajuizamento da ação. No mesmo sentido é a jurisprudência do STJ.[35] [36]

Todavia  com o passar dos anos, nos casos de alienação onerosa, o próprio STJ e os Tribunais passaram a exigir, para caracterização da fraude à execução, não só a prova do elemento objetivo (dano ao credor em face da insolvência do devedor e demanda “pendente”), mas também um desconhecido e ignorado elemento subjetivo, até então exigido nos casos de fraude contra credores, que deve ser entendido como a ciência efetiva ou presumida, pelo terceiro adquirente, da existência de demanda contra  o alienante, sob pena de prevalecer a boa-fé do terceiro que adquire o bem.


– Penhora e seus efeitos.

A penhora é o ato de apreensão e depósito de bens os quais serão empregados na satisfação do crédito executado. É por intermédio da penhora  que se individualiza o bem que responderá pelo débito executado,  tornando satisfeita a pretensão do credor que pode se dar de forma direta com a adjudicação do bem penhorado, incorporando-se ao seu patrimônio, ou de forma indireta com sua expropriação (alienação), revertendo o produto da venda (dinheiro) ao exequente.

É função da penhora segregar bens do patrimônio do devedor, destinando-os à expropriação. Isso não significa a perda do domínio ou posse do devedor em relação aos mesmos bens. Os direitos do executado permanecem intactos, mas em razão do vínculo processual que os afeta à execução, qualquer ato de disposição será ineficaz em relação ao credor exequente.[37]

Realizada a penhora sobre um bem, isso não impede que outras sobrevenham sobre ele. Mas terá sobre ele preferência, à satisfação de seu crédito, aquele que primeiro a providenciou. Ela se aperfeiçoa, no caso de imóveis, com a apreensão e depósito. Não há necessidade do registro ou averbação da penhora para sua constituição, pois, de acordo com a nova redação do § 4º, do artigo 659, do CPC, o registro, hoje averbação, trata-se de ato necessário apenas à publicidade e oponibilidade a terceiros.

A penhora é tradicionalmente ato do oficial de justiça, o qual após a citação, em não sendo realizado o pagamento vai em busca dos bens passíveis de penhora, ou daqueles dos quais tiver notícia, até mesmo por indicação e auxílio do exequente, e os penhora livremente. Um dos efeitos da penhora é a retirada do bem da posse e administração do executado, entregando-o a depositário nomeado pelo próprio Oficial em cumprimento ao próprio mandado de penhora, lavrando-se um só auto nos termos do art. 664 do CPC.

Decorre ainda do § 4º, do art. 659, que a penhora se realiza mediante “auto” formalizado pelo próprio oficial de justiça, ou ainda por “termo” nos autos em Cartório, mediante a apresentação da certidão da matrícula do imóvel.

6.1 – Registro da penhora.

Na década de 80, mais precisamente em 18 de dezembro de 1985, a Lei nº 7.433, que dispõe sobre os requisitos para a lavratura de escrituras públicas, e dá outras providências, nos arts. 1º e 2º - positivou a diligência já costumeira de busca nos distribuidores forenses por ações pendentes em face do devedor.

No Estado de São Paulo a Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça emitiu parecer concluindo pela facultatividade da apresentação das certidões, podendo o terceiro dispensá-las, assumindo o risco da pendência de ações em face do alienante.[38]  

Não obstante o Decreto nº. 93.240 de 9 de setembro de 1986 que regulamentou a Lei 7.433/1985, tenha restringido a exigência das certidões de  “feitos ajuizados” prevista no art.1º, § 2º da Lei 7.433/1985 em virtude do artigo 1º, IV do Decreto nº.93.240/1986 dispor que a “certidão de ações reais e pessoais reipersecutórias, relativas ao imóvel”, juntamente com a certidão de “ônus reais” seriam expedidas pelo Registro de Imóveis competente, dando ensejo a interpretação que acabava por excluir da incidência da norma as certidões dos cartórios distribuidores forenses, isentando em seu art. 2º, o tabelião da obrigação de manter arquivadas as certidões apresentadas pelas partes, incluindo em contrapartida a obrigação do alienante declarar “sob pena de responsabilidade civil e penal”, a existência “de outras ações reais e pessoais reipersecutórias relativas ao imóvel e de outros ônus reais incidentes sobre o mesmo”, ainda assim, a jurisprudência  interpretou a Lei 7.433/1985, como se ela efetivamente fizesse referência às certidões dos distribuidores forenses.[39]

Como se observa essa legislação já favorecia, naquela época, em que sequer se imaginava o “processo eletrônico” o entendimento que atribuía relevância ao elemento subjetivo na fraude de execução. Sua feição, contudo, ao contrário dos dias de hoje era a má fé do terceiro decorrente do fato de ele poder saber da ação pendente pelas certidões dos distribuidores forenses.

Durante duas décadas, a disciplina da fraude de execução no Código de Processo Civil de 1973 permaneceu inalterada, convivendo com as disposições antes citadas das Leis nºs.6.015/73 e 7.433/85.

No entanto, por sugestão de Décio Antonio Erpen, no VI Encontro de Tribunais de Alçada realizado em Belo Horizonte-MG., em junho de 1983, se fez a primeira das 3 reformas pelas quais passou o artigo 659 do CPC , por força da Lei nº.8.935, de 13 de dezembro de 1994, que incluiu o § 4º do art. 659 do CPC, tornando o registro da penhora até então previsto no art. 266 do Decreto nº.18.542/1928 – repetido nos artigos 280 do Decreto nº.4.857/1939 e 240 da Lei nº6.015/1973 – no lugar de simples publicidade para possibilitar conhecimento por terceiros – verdadeiro elemento constitutivo da penhora.[40]    

A alteração foi aplaudida por pequena parcela da doutrina entre esses, Walter Ceneviva que, comentando os artigos 169 e 240 da Lei de Registros Públicos logo após a reforma do CPC afirmava: “O registro imobiliário é obrigatório (art. 169). A penhora não registrada é inoponível a terceiro que no curso da ação adquire o imóvel penhorado (...) se o credor omite o dever legal de registrar e se mostra desatento ao resguardo do seu direito, sofre as consequências, sendo absurdo transferi-la ao terceiro, inviabilizando a finalidade mesma do sistema registrário. (...) é inaceitável a corrente exegética segundo a qual, feito o negócio pertinente a imóvel, o adquirente tem o dever de obter prévias certidões forenses esclarecedoras da situação do alienante (...) com esse caminho introduz-se uma quebra inaceitável do sistema: afasta-se a predominância do direito real e se dá realce ao pessoal, inerente à penhora não registrada. É interpretação contrária à letra do art. 240. Deste resultado a afirmação positiva de que só o registro da penhora faz prova, quanto à fraude, de transação posterior e de que, ao contrário, inexistente o registro, não se a pode alegar, por força da lei”.[41]      

Esse dispositivo legal foi criticado pela maioria da doutrina, como se vê pela manifestação de Carlos Alberto Carmona: “ao acrescentar o § 4º ao art. 659 do Código de Processo Civil, cometeu o legislador pecado imperdoável. Ouso dizer que, se algum dispositivo legal introduzido pela Lei nº. 8.953/94  merece crítica incisiva, tal dispositivo é exatamente o do parágrafo indigitado. A intenção do reformador foi louvável (...) O remédio encontrado, porém, empregou a fórmula errada.”[42]  

A polêmica gerada em torno do dispositivo levou a que vários autores, valendo-se da exposição de motivos do projeto de lei, o interpretassem contra sua expressão literal, defendendo que o registro representava mera condição de publicidade para terceiros e não elemento integrante da penhora. Nesse sentido, DINAMARCO sustentava que “na justificativa do projeto que se converteu na lei nº. 8.953 (proj. de lei n. 3.810-A, da Câmara dos Deputados) ficou expressamente declarada a intenção com que essa exigência se positivava: “prevenir futuras demandas com alegações de fraude de execução, como tão frequentemente ocorre na prática forense atual.’ Dada a sua finalidade em relação a terceiros, essa exigência não pode ser interpretada como formalidade essencial à existência do ato jurídico penhora. (...) Só poderá não ser eficaz em relação a terceiros. Aí está a grande importância da inovação trazida nesse novo parágrafo: sem ter sido feito o registro, aquele que adquirir o bem presume-se não ter conhecimento da pendência de processo capaz de reduzir o devedor à insolvência.”[43]  

A partir da inserção desse dispositivo ocorreu uma mudança da feição da má-fé do terceiro: não mais se fala da mera existência de razão para saber da ação pendente, mas sim em sua efetiva ciência da pendência da ação, se inexistente o registro da penhora. 

Dessa forma a alteração teve por objetivo proteger o terceiro de boa-fé, que, ao adquirir um imóvel, pode verificar se há ou não penhora, e também dar proteção ao credor, garantindo que seu crédito seja satisfeito, após a realização da hasta pública, sem risco de o bem ser alienado ou onerado por terceiros.[44]

Também defendiam posição análoga Donaldo Armelin (O processo de execução e a reforma do Código de Processo Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.), Reforma do Código de Processo Civil: Saraiva, 1996, p. 708) e Fátima Nancy Andrighi, escrevendo essa última que “o ato do registro da penhora visa a dar conhecimento, a terceiro, de estar aquele bem à disposição da Justiça, pendendo sobre ele gravame. (...) Com a nova regra, fica definida a fraude de execução, pois, conforme o disposto no art. 240 da Lei de Registros Públicos, ‘o registro da penhora faz prova contra qualquer transação posterior’. A adoção do entendimento pretoriano que presume a fraude de execução quando o ato de alienação, ou oneração, ocorra após a penhora, considerando ato atentatório à dignidade da Justiça, por tornar inócuos seus atos, sem tecer maiores questionamentos é passível de causar injustiças, pois, a ausência do registro da penhora, ainda se a alienação ocorreu após o gravame, impossibilita que o adquirente tenha informações seguras a respeito do desembaraço do imóvel.”[45]

A inclusão desse novo § 4º no artigo 659 do Código de Processo Civil também fortaleceu a corrente que, já com base no artigo 240 da Lei de Registros Públicos, sustentava que a ausência do registro acarretava para o credor o ônus de provar que o terceiro tinha ciência da pendência da ação que poderia reduzir o devedor à insolvência para a configuração da fraude de execução.[46]

Luis Carlos de Barros, Juiz do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, em brilhante artigo publicado na Revista da Escola Paulista da Magistratura (2002), defende a desnecessidade do registro da penhora para a concretização da penhora e tipificação da fraude de execução, ante a não revogação do disposto no artigo 593 do Código de Processo Civil, inciso II, que dispõe “considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: quando ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzilo à insolvência”. Portanto, não ocorrendo uma revogação do disposto no art. 593, II, do CPC, se torna necessária uma interpretação sistemática deste dispositivo legal em conjunto com o § 4º do art. 659 do estatuto processual, de forma que os efeitos jurídicos de cada uma das disposições possam ser conciliados e harmonizados.

Ainda, fundamentado em Luis Carlos de Barros, em se tratando de fraude à execução, irrelevante a verificação da boa-fé, ou não, do adquirente. É claro que tal regra não é rígida, pois, como salienta Araken de Assis, o assunto é repleto de casuísmo, e assim não é vedada a perquirição de possível boa-fé do comprador de imóvel, nas circunstâncias de determinado caso concreto.

É que com o advento da Lei nº.7.433/85, regulamentada pelo Decreto nº. 93.240 de 9 de dezembro de 1986, que exige para a lavratura de atos notariais, relativos a imóveis, as certidões de ações reais e pessoais reipersecutórias, coloca o comprador de bem imóvel numa situação difícil, em termos de poder invocar em sua defesa a boa-fé, em caso de fraude de execução, quando, eventualmente, tenha declarado que dispensava as aludidas certidões.

Destarte, partindo do princípio de que para configuração da fraude de execução, basta a existência de demanda pendente; não se requer que, em tal demanda, haja penhora, e muito menos que ela tenha sido inscrita; suficiente a existência da lide pendente e a situação de insolvência do acionado (RJT 58/65, 79/621).   

As reflexões assentadas no art. 659, § 4º, do CPC, giram em torno do inconformismo de pretensa modificação da tipificação da fraude de execução prevista no art. 593, II, cujo pressuposto básico é a existência de lide pendente ao tempo da alienação capaz de reduzir o acionado à insolvência.  Tanto assim, que o reconhecimento da fraude de execução pode ocorrer quando na pendência de uma ação ordinária, antes mesmo da instauração do procedimento de execução.[47]                                                                                                                              

Se o que torna pendente o processo é o seu início, e o próprio legislador, no sistema do código de 1973, desvinculou a propositura da ação do momento de citação do réu, haveria maior razão para fazê-lo no tocante à fraude de execução. Ainda mais porque o código de 1973 também manteve em seu artigo 251, a obrigatoriedade do registro de todos os processos, permitindo sua ciência pelos terceiros.

Destarte, para tipificação da fraude de execução na forma do art. 593, II, do CPC, sequer existe a necessidade da formalização da penhora, e assim muito menos do registro de tal ato constritivo.

Essa inovação processual, que exige o registro da penhora, para Moacyr Lobo da Costa, Cândido Rangel Dinarmarco, Lopes da Costa e outros, não tem qualquer relação com o instituto da fraude à execução, previsto no art. 593.  O registro da penhora não é elemento constitutivo da penhora, mas providência de cunho administrativo realizada posteriormente à penhora. Tanto assim, que o prazo para os embargos do devedor corria da juntada aos autos da prova da intimação da penhora  (art. 738, I do CPC). Nenhum texto de lei diz que o registro da penhora precede à intimação do executado, nem deveria, pois, isso se constituiria inversão da ordem normal do procedimento da penhora, que corre com o mandado em mãos do oficial de justiça até efetivação, com o termo de nomeação ou a intimação, sem interesse registrário, só cogitando do registro da penhora após a efetiva intimação, inclusive, do cônjuge e coproprietários eventualmente existentes.

Ainda no sentido de que o ato registrário não é elemento componente do ato processual da penhora, tem-se o posicionamento de Cândido Rangel Dinamarco[48]:

“Dada sua clara finalidade em relação a terceiros, essa exigência não pode ser interpretada como formalidade essencial à existência do ato jurídico penhora. Sem seu cumprimento, a penhora existe e será válida sempre que atenda às demais exigências formuladas em lei. Só poderá não ser eficaz em relação a terceiros. (...) Não sendo elemento constitutivo da penhora, mas providência destinada a tornála oponível a terceiros, o registro daquela não será necessariamente

feito antes da intimação para embargar, nem a demora em registrar retardará o início do prazo. Penhora-se, intima-se e o prazo flui. Pouco importa, para esse fim, se o registro foi feito de imediato, se está sendo feito paralelamente, se foi retardado ou mesmo se não foi feito.” (grifos nossos)

Moacyr Lobo da Costa[49] leciona o seguinte:

“O registro é um ato complementar, subsequente, mas não integrante da penhora, a qual só pode ser registrada depois de ter sido efetuada. (...) Ao tornar obrigatório o registro da penhora de imóvel, a reforma não modificou o sistema dessa penhora, que permanece o mesmo. Apenas assegurou sua eficácia erga omnes”. (grifos nossos)

No âmbito do Direito Processual, o descumprimento de obrigação corresponde ao risco, enquanto no Direito Material, à ideia de direito, corresponde a de obrigação. Ante o silêncio do legislador, não pode ser criada qualquer consequência, ainda mais que se afaste do âmbito de abrangência do sistema no qual se integra a norma. Descabe, pois, pretender-se que eventual desatendimento a ônus imposto na esfera de lex specialis, sem qualquer consequência expressa, venha a subtrair os resultados da incidência de norma integrante de diverso ramo do Direito, ou afastar presunção jure et de jure, estabelecida em distante estatuto.

O legislador ao normatizar a figura da fraude de execução, nas hipóteses do art. 593 do CPC, em nenhum momento se preocupou com o elemento subjetivo do adquirente do bem, para estabelecer a configuração da ineficácia do ato translativo, perante o credor. Por conseguinte, não se pode criar novo requisito com o único intuito de impor ônus ao desatendimento de formalidade no Registro Imobiliário.

No plano de Direito Processual é impertinente discutir-se o “consilium fraudis”: basta o fato da alienação ou gravame. Às vezes se fala de fraude de execução, mas a fraude, no caso, está in re ipsa. Na fraude de execução não se exige, pois, má-fé ou culpa do adquirente ou possuidor .  

Assentado que o registro não é ato componente da penhora, mas sim exigência legal complementar que visa assegurar a eficácia do ato em relação a terceiros, conclui-se que a inovação processual trouxe, na realidade, duas consequências positivas: a) Criou-se um novo pressuposto para o desenvolvimento válido do processo de execução; b) A eficácia da penhora em relação a terceiros depende do seu registro.

O legislador, ao tornar obrigatório o registro da penhora, instituiu um novo pressuposto para o desenvolvimento válido do processo de execução, evitando que o imóvel seja levado à praça sem o registro, criando uma situação de segurança para a alienação judicial, afastando a geração de incidentes processuais de fraude à execução, visando ao reconhecimento de ineficácia do ato de alienação. É que a penhora devidamente registrada, como ato processual concreto e objetivo, é plenamente oponível a terceiros, por si só, eis que acarreta a absoluta indisponibilidade do bem penhorado, passível de ser reconhecida, apenas com base no fato material da penhora, em mera decisão de natureza interlocutória.

A Ministra Fátima Nancy Andrighi[50], assim se manifestou:

“O registro da penhora atende aos princípios que nortearam a reforma processual. Visou, em primeiro plano, à efetividade da Justiça, pois, não raras vezes, o credor realiza a hasta pública e, somente após a alienação judicial, vem constatar que o bem não mais pertence ao devedor, caso em que, não restando caracterizada a fraude de execução, se torna necessário penhorar outros bens de propriedade do devedor e sobre eles processar novamente toda a arrematação (avaliação e hasta pública), o que redunda em contramarcha do processo. O registro da penhora atende, outrossim, à agilização do processo, evitando o ajuizamento de outra ação, mais especificamente os embargos de terceiro, opostos por aquele que — não sendo parte no processo de execução — sofra turbação ou esbulho na posse de seu bem imóvel, primando, também, por evitar a instalação de incidentes processuais, como o de reconhecimento de ineficácia do ato de alienação, na hipótese do incidente de fraude de execução, ou dos correspondentes recursos cabíveis na espécie”.

“(...)O ato do registro da penhora visa a dar conhecimento, a terceiro, de estar aquele bem à disposição da Justiça, pendendo sobre ele gravame. Convém observar que a exigência imposta no § 4º do artigo 659 há de ser cumprida antes da realização da hasta pública, isto é, da praça, com o fim de evitar que a Justiça se desprestigie procedendo à alienação de bem que não mais pertença ao devedor e evitando, ainda, que terceiros possam vir a alegar boa-fé na aquisição de bem sobre o qual pende gravame de penhora, propiciando seja presumida a fraude de execução iure et iure”.

Evidente que, ao tornar obrigatório o registro da penhora, o legislador visou assegurar a eficácia do ato em relação a terceiros. Este é um ponto importante, que está a merecer algumas considerações.  Na aplicação desse dispositivo, deve-se distinguir a fraude à execução, decorrente da alienação do bem na pendência de ação capaz de reduzir o executado à insolvência (artigo 593, inciso II do Código de Processo Civil), da situação em que o executado aliena bem penhorado.

Na primeira situação, consoante analisado, a fraude à execução decorre do fato de a pendência de uma ação judicial ser capaz de reduzir o executado à insolvência. Na segunda situação, o pressuposto da ineficácia é bem diferente: a ineficácia decorre do fato de ocorrer a alienação de um bem penhorado. Não se cogita aqui, pois, de fraude à execução propriamente dita, nos moldes definidos no artigo 593 do Código de Processo Civil, mas sim de ineficácia do ato em razão da indisponibilidade jurídica do bem apreendido judicialmente, por consequência da penhora e relativamente à execução.[51]

Como bem registrou Lopes da Costa[52], “o efeito da penhora é o de tornar ineficazes em relação ao exequente os atos de disposição praticados pelo executado sobre os bens penhorados. (...) A ineficácia da transferência perante o exequente não decorre, no caso, de uma fraude de execução, de maneira que seu reconhecimento independe de prova ou mesmo da alegação de qualquer prejuízo efetivo sofrido pelo credor. O ato de disposição atenta contra a função jurisdicional que o Estado exerce no processo. Não há que se cogitar nem de má-fé do devedor, nem de boa-fé do adquirente. A transmissão dos bens penhorados, perante a execução será sempre inoperante”. Destarte, o efeito do § 4º do artigo 659 é o de tornar a penhora eficaz em relação terceiros, se registrada. Isto quer dizer que, em razão da inovação legislativa, ocorre a indisponibilidade jurídica do bem penhorado, em relação a terceiros, independentemente da fraude à execução prevista no artigo 593, em razão da penhora registrada.

6.2 – Averbação da penhora.

Quando já prevalecia, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a posição de que o registro não era ato integrativo da penhora de imóveis, e sim, mera condição para a presunção de seu conhecimento por terceiros, o legislador, por meio da Lei nº. 10.444, de 7 de maio de 2002, alterou a redação do § 4º no artigo 659 do Código de Processo Civil, adequando-a a este entendimento:

“Art. 659. Se o devedor não pagar, nem fizer nomeação válida, o oficial de justiça penhorar-lhe-á tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios (...)

§ 4o A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 669), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, o respectivo registro no ofício imobiliário, mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato e independentemente de mandado judicial.”

Sobre tal alteração, assim se manifestou DINAMARCO: “o que há de mais importante no dispositivo é a cláusula para presunção absoluta de conhecimento de terceiros, a qual a um só tempo indica que essa presunção existirá e será absoluta, e também que a finalidade do registro é essa e não outra. Assim, a) feito o registro, a nenhum terceiro será útil alegar desconhecimento da penhora feita, sendo esta oponível erga omnes e portanto fazendo ineficaz eventuais alienações que causem ou agravem a insolvência do executado (fraude de execução – art. 592, inc. V, c/c 593, inc. II); b) não feito o registro, nem por isso fica o adquirente a salvo das consequências da fraude de execução, porque seu conhecimento não é presumido de modo absoluto mas o autor pode sempre prova-lo.”[53]

Nesse mesmo ano, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça reviu seu posicionamento antes fixado no EDREsp 114.415-MG. Assim, no Recurso Especial 442.583/MS, julgado em 27 de novembro de 2002, sob a relatoria do Ministro Aldir Passarinho Júnior, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça passou a entender que o registro da penhora – ou a necessidade de prova pelo credor da ciência do terceiro quanto à pendência da ação – era requisito necessário para a configuração da fraude de execução, ainda que se tratasse de aquisição por terceiros imediatos.[54]

Assim, passou a predominar na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que “inexistindo registro da penhora sobre bem alienado a terceiro, incumbe ao exequente e embargado fazer a prova de que o terceiro tinha conhecimento da ação ou da constrição”, sendo aplicado principalmente em casos de bens alienados antes da penhora, em que o registro da pendência da ação no cartório imobiliário sequer era possível, ensejando críticas por parte da doutrina.

Nesse sentido a manifestação de Araken de Assis: “o termo inicial dos atos ineficazes flui da citação do obrigado, em ‘demanda capaz de reduzi-lo a insolvência’ (art. 593, II), bem antes da penhora, o que revela a insensatez da controvérsia sobre a obrigatoriedade do registro da penhora.”[55]

Em 2006, ocorre a terceira da fase da reforma do processo de execução, o legislador interferiu na disciplina da matéria e, por meio da Lei nº. 11.382, de 6 de dezembro daquele ano, alterou novamente o § 4º do artigo 659 do Código de Processo Civil e inseriu um novo parágrafo (§ 6º) nesse mesmo artigo, passando à seguinte redação:

“Art. 659 A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios. (...)

§ 4º. A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4o), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial. (...)

§ 6º. Obedecidas as normas de segurança que forem instituídas, sob critérios uniformes, pelos Tribunais, a penhora de numerário e as averbações de penhoras de bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meios eletrônicos.”  

A alteração inserida no § 4º se restringiu à substituição do termo “registro” por “averbação”, no intuito de tornar mais simples e menos custosa a publicidade do ato constritivo, tendo em vista que o registro, por vezes não era realizado pelo Oficial, fundamentando sua recusa, na exigência da manutenção da continuidade registraria. Ou seja, caso a penhora recaísse sobre um bem de propriedade do executado, detentor apenas de compromisso de venda e compra quitado, a averbação não poderia ser realizada, a não ser que o credor providenciasse a regularização da Matrícula do imóvel, procedendo ao registro. Falhou, portanto, o legislador em não atentar para a necessidade de alteração da Lei 6.015/73, que permaneceu prevendo a penhora entre os atos passíveis de registro e não de averbação (cf.art. 167, I, 5).56

A norma do novo § 6º possibilitou a averbação da penhora por meios eletrônicos, na linha do que prevê a Lei nº. 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Cabendo lembrar aqui, que o Provimento CG nº 30/2011 - torna obrigatório o uso do sistema da penhora “on line” no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, para averbação, exclusivamente através do sistema denominado ‘penhora on line’, vedada, para esse fim, a expedição de certidões ou mandados em papel.[57]

Ainda, o § 6º ampliou os limites do § 4º, permitindo também a “averbação” da penhora em registros públicos de bens móveis, como veículos automotores, embarcações, cotas ou ações de sociedades, etc.  A opção do legislador pela averbação em registro de bens móveis também é confirmada pela inclusão, pela mesma lei, do artigo 615-A, que será objeto de outro capítulo, e  que assim dispõe:

“Art. 615-A. O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.”

Assim, a averbação prevista no artigo 615-A tem efeito semelhante ao § 4º do artigo 659 do CPC, de fazer presumir, de forma absoluta, a ciência do terceiro quanto à pendência da ação (cf. § 3º do art. 615-A do CPC), não alterando a tipificação da fraude de execução prevista no art. 593, II, do CPC.


– Averbação da distribuição da execução.

7.1 – Art. 615-A do CPC.

O art. 615-A do CPC, também é uma inovação introduzida pela Lei 11.382/2006, e tem o condão de autorizar o exequente, por sua iniciativa, conta e risco, a proceder a averbação da distribuição da demanda à margem da matrícula do imóvel ou imóveis de propriedade do executado. Tal averbação pode ser realizada em vários registros públicos, conforme a natureza do bem. Por exemplo, tratando-se de imóveis à margem da matrícula, se veículos, no DETRAN, etc.

A disposição alude a “ajuizamento”, portanto, por tal deve-se entender a distribuição da pretensão de executar (art. 263), quer se trate de execução de título extrajudicial ou da Justiça por Tribunais que já utilizem o sistema da ‘penhora online’ deverão ser devolvidos ao Juízo de origem com a informação de que o respectivo Tribunal integra referido sistema e que, por conseguinte, a pesquisa ou a solicitação de certidão poderão ser feitas diretamente através de tal sistemática. Publique-se. São Paulo, 15 de dezembro de 2011.(a) MÁRIO DEVIENNE FERRAZ. Corregedor Geral da Justiça em exercício.

judicial, e antes mesmo de qualquer controle do órgão judiciário, ou seja, antes mesmo do juiz dizer se recebe a inicial e se esta preenche os requisitos do art. 282 do CPC.

A averbação da distribuição constitui medida preventiva, colocada à disposição do exequente, portanto é faculdade, não se trata de imposição legal, tanto que em não sendo realizada a averbação nenhum efeito acarretará ao processo executivo. Tem porém o objetivo de, em sendo realizada, impedir a alienação dos bens em fraude de execução, uma vez que a publicidade do ato, tem o condão gerar efeitos erga omnes.   

Para Araken de Assis, a averbação prevista no art. 615-A, tem como principal efeito, caracterizar como fraudulentos os negócios posteriormente realizados, sendo a hipótese de fraude de execução, o que resulta inequívoco da remissão ao art. 593 do CPC. E a presunção mencionada na regra, porque a averbação opera erga omnes, tem natureza absoluta. Por conseguinte , o art. 615-A antecipa efeito que, em princípio, decorreria da penhora averbada (art. 659, § 5º).[58]

Não obstante a averbação da distribuição se equiparar à averbação da penhora prevista no art. 659, § 4º, nenhum outro efeito inerente à penhora fica antecipado. Nenhum impedimento o ato erigirá aos negócios do executado, que continuará a deter a livre administração de seus bens, podendo deles dispor ou onerá-los. O que poderá ocorrer, posteriormente, é a declaração de ineficácia desses atos perante o exequente.

É passível da averbação, somente os bens passíveis de penhora. Ficam excluídos os bens impenhoráveis. Tratando-se de cumprimento de sentença (art. 475-J), o exequente pode requerer a Certidão de Objeto e Pé do processo a fim de proceder a averbação. Da mesma forma, nas demais espécies de execução (entrega de coisa e fazer), na presença de prestações pecuniárias, seja pela conversão da obrigação principal em dinheiro, seja porque há obrigação acessória em dinheiro. 

Assim, por sua iniciativa, conta e risco, de posse da certidão o exequente poderá realizar a averbação que deverá ser limitar a “tantos bens quantos bastem para o pagamento” do crédito (art. 659 caput), se responsabilizando por eventual excesso e prejuízo eventualmente acarretado aos negócios do executado.

Feita a averbação, o exequente deverá comunicar ao juízo a realização das averbações no prazo de 10 dias (art. 615-A, § 1º.), fluindo o prazo da “data da concretização” do ato, ou seja, da data da prenotação do documento (art. 182 da Lei 6.015/73).

O descumprimento do prazo pode gerar os efeitos decorrentes do § 4º, do art. 659, ou seja, a responsabilização por eventual prejuízo ao executado, mantida a eficácia da averbação, principalmente a presunção de fraude. Feita a penhora em bens excluídos da averbação, ou tão só em alguns dos bens envolvidos na averbação, o juiz determinará o cancelamento do excesso, sendo desnecessário nesse caso, a averbação da penhora, tratando-se de imóveis, porque a finalidade do Art. 615-A é a mesma do § 4º, do art. 659 do CPC, já se encontrando o exequente protegido contra eventuais atos fraudulentos.


8 - A Súmula 375-STJ

A preocupação da doutrina e jurisprudência com o terceiro adquirente de boa-fé, atribuindo presunção relativa (juris tantum) da fraude em seu favor, levou o legislador a alterar o § 4º do artigo 659, do CPC, introduzido pela Lei 8.953/94, passando a exigir do credor, a partir da Lei 10.444 de 07.05.2002, para presunção absoluta de conhecimento de terceiros, o registro da penhora no ofício imobiliário, mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato e independentemente de mandado judicial.

Em virtude das dificuldades apresentadas para o registro no ofício imobiliário, por conta da especificidade do registro que tem como princípio, a continuidade registraria, em 2006 por meio da Lei 11.382, de 6 de dezembro, o termo “registro” foi substituído por “averbação”, tornando assim, mais simples sua realização, adequando o termo à realidade pretendida, a  qual nada mais é que “dar publicidade” ao ato constritivo.   

Aos 30 de março de 2009, depois de reiteradas decisões no sentido de que o reconhecimento da fraude de execução só poderia ocorrer após a citação válida, a propósito de venda de bem penhorado - passou a prevalecer no STJ o entendimento de que a alienação do imóvel penhorado só poderia ser declarada ineficaz, quando registrada a penhora ou quando comprova a má-fé do terceiro adquirente, carreando a prova da má-fé para o devedor e para o exequente no caso de embargos de terceiro. 

Referido entendimento resultou na edição da Súmula 375-STJ de 30 de março de 2009, dispondo que "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente."

A Súmula 375-STJ, foi relatada pelo ministro Fernando Gonçalves, fundamentada nos  precedentes (739.388-MG, 865.974-RS, 734.280-RJ, 140.670-GO, 135.228-SP., 186.633-MS e 193.048-PR) que tratavam de situações nas quais os credores buscavam o patrimônio do devedor por execução judicial distribuída antes da alienação do imóvel, porém, não havia penhora registrada quando da aquisição pelo terceiro. 

Dentre os precedentes, o REsp. 739.388-MG., a meu ver, merece destaque especial, razão pela qual faço a transcrição de parte do voto do Ministro LUIZ FUX, ipis literis:

“(...) O dispositivo tido como violado assim determina:

"Artigo 659, § 4º do CPC: "A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 669), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiro, o respectivo registro no ofício imobiliário, mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato e independentemente de mandado judicial."

Deveras, a norma legal acima transcrita reclama o registro da penhora no cartório imobiliário, como requisito para configuração da má-fé dos novos adquirentes do bem penhorado, porquanto presume o conhecimento da constrição em relação a terceiros por meio da sua publicidade.

É cediço que o registro cartorário tem como finalidade social dar conhecimento erga omnes de certos atos, dentre os quais destacase a alienação de imóvel, consoante disposto no artigo 129, § 9º da Lei 6.015/73:

"Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: § 9º Os instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento." Ademais, à luz do art. 530 do Código Civil sobressai claro que a lei reclama o registro dos títulos translativos da propriedade imóvel por ato inter vivos, onerosos ou gratuitos, posto que os negócios jurídicos em nosso ordenamento jurídico, não são hábeis a transferir o domínio do bem. Assim, titular do direito é aquele em cujo nome está transcrita a propriedade imobiliária.

A jurisprudência do STJ, sobrepujando a questão de fundo sobre a questão da forma, como técnica de realização da justiça, vem conferindo interpretação finalística à Lei de Registros Públicos.

Assim é que foi editada a Súmula 84, com a seguinte redação: 

"É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro".

Num dos precedentes que deram origem à mencionada Súmula, afirmou o eminente Ministro Athos Carneiro: 

"Sr. Presidente, ao apreciar este tema impressiono-me, sobremodo, com as consequências, no plano social, dos nossos julgamentos. Sabemos que no nosso país, principalmente nas camadas pobres da população, um grande número de negócios, e até direi, a maior parte dos negócios, é efetuada de maneira menos formal, e até absolutamente informal. Compram-se e vendem-se pequenos terrenos, apartamentos e casas apenas mediante a emissão de recibos, sinais de arras e mesmo de promessas de compra-e-venda ou 'transferências de posse' redigidos de forma singela. E é muitíssimo comum que esses documentos não venham a ser registrados no Registro de Imóveis, inclusive porque com frequência os termos em que estão vazados não permitiriam o registro. Para o registro imobiliário é necessário que o contrato revista determinados requisitos, o que exige, frequentemente, a presença do tabelião ou do profissional do Direito.

Então, com extrema frequência, ocorre na vida judiciária termos alguém que é possuidor do seu terreno ou da sua casa há muitos anos, em inteira boa-fé, que já pagou a totalidade do preço há muitos anos, e de repente é surpreendido por uma penhora, em execução promovida contra aquele que lhe havia 'alienado' o imóvel; nos termos da aludida Súmula (Súmula 612 do STF), irá perder seus direitos à posse e à aquisição da propriedade.

Então vemos aqui os dois pratos da balança: de um lado, temos o direito do credor, direito pessoal; do outro lado o direito, também pessoal, do possuidor e promitente comprador. Geralmente, como no caso dos autos, o possuidor já mantinha o seu direito de posse e os direitos à aquisição decorrentes de sua promessa de compra-evenda desde antes do surgimento do crédito que origina a penhora.

Então se pergunta: entre as duas pretensões, a do credor, direito pessoal, e a do promitente comprador com justa posse, direito também pessoal, qual é aquela que merece maior tutela, maior proteção jurídica?

Tenho a impressão de que levar nosso raciocínio para o terreno do direito registral importará inclusive na aplicação das normas jurídicas dentre de um, digamos assim, tecnicismo exagerado. É certo que, num plano puramente registral, o domínio do imóvel penhorado ainda, tecnicamente, integra o patrimônio do promitente vendedor.

O promitente vendedor ainda é dono do imóvel, mas o é sob aquele 'minus' derivado das obrigações que assumiu, de outorga da escritura definitiva, em virtude do contrato, quitado ou não, de promessa de compra-e-venda. O patrimônio do cidadão não é constituído só dos seus direitos, mas também das suas obrigações. E o promitente vendedor tem a obrigação de garantir a posse transferida contratualmente ao promitente comprador, que a exerce em nome próprio.

Então, se dirá: mas o credor não sabia disso; o credor considerava que o imóvel era do promitente vendedor; emprestou-lhe dinheiro, ou com ele negociou, confiante de que aquele imóvel fazia parte, sem ônus, do seu patrimônio. Será que essa assertiva corresponde às realidades da vida? Será que o credor foi realmente averiguar no Registro Imobiliário? Não atentou para a circunstância de que naquele imóvel estaria morando alguém, às vezes há muitíssimos anos, comportando-se como dono? E a penhora, por sua vez, terá ela sido objeto de registro, de molde a ter eficácia perante terceiros?

Creio mais conforme com as necessidades atuais do comércio jurídica a interpretação pela qual, no choque de interesses de dois direitos eminentemente pessoais (a própria penhora não é direito real, mas ato processual executivo), direito pessoal tanto um quanto outro, deve prevalecer na via dos embargos de terceiro, o direito daquele que está na justa e plena posse do imóvel, como seu legítimo pretendente à aquisição, face ao direito do credor do promitente vendedor, dês que no caso ausente, por certo, qualquer modalidade de fraude a credores ou à execução. Esta orientação melhor se coaduna às realidades jurídico-sociais do nosso país, e impende sejamos sensíveis a estas realidades." (RESP 1.172/SP,Rel. Min. Athos Carneiro, DJ 16/04/90) 

O princípio da Súmula 84, bem como as palavras do Ministro Athos Carneiro, aplicam-se inteiramente ao caso dos autos, porquanto evidenciada no acórdão recorrido a ausência de má-fé dos adquirentes do imóvel objeto da constrição.

Ressalte-se que a novel exigência do registro da penhora, muito embora não produza efeitos infirmadores da regra prior in tempore prior in jure, exsurgiu com o escopo de conferir à mesma efeitos erga omnes para o fim de caracterizar a fraude à execução.

Aquele que não adquire do penhorado não fica sujeito à fraude in re ipsa, senão pelo conhecimento erga omnes produzido pelo registro da penhora. Sobre o tema, sustentamos: 

"Hodiernamente, a lei exige o registro da penhora, quando imóvel o bem transcrito. A novel exigência visa à proteção do terceiro de boa-fé, e não é ato essencial à formalização da constrição judicial; por isso o registro não cria prioridade na fase de pagamento. Entretanto, a moderna exigência do registro altera a tradicional concepção da fraude de execução; razão pela qual, somente a alienação posterior ao registro é que caracteriza a figura em exame.

Trata-se de uma execução criada pela própria lei, sem que se possa argumentar que a execução em si seja uma demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência e, por isso, a hipótese estaria enquadrada no inciso II do art. 593 do CPC.

A referida exegese esbarraria na inequívoca ratio legis que exsurgiu com o nítido objetivo de proteger terceiros adquirentes. Assim, não se pode mais afirmar que quem compra do penhorado o faz em fraude de execução. 'É preciso verificar se a aquisição precedeu ou sucedeu o registro da penhora'. Neste passo, a reforma consagrou, no nosso sistema, aquilo que de há muito se preconiza nos nossos matizes europeus." (Curso de Direito Processual Civil, Luiz Fux, 2ª Ed., pp. 1298/1299),

Ora, a responsabilidade dessa terceira pessoa somente poderia advir ou de fraude de execução ou de fraude contra credores; a primeira a exigir prova de alienação ilícita in re ipsa e a segunda a reclamar ação pauliana com a prova do consilium fraudis. (grifos nossos)

No REsp. 865.974-RS., o ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI para decidir assim se manifestou em seu voto:

 “(...)  Toda a controvérsia gira em torno de se saber se o registro da penhora é ou não pressuposto indispensável à configuração de fraude na alienação do bem imóvel penhorado.

Em nossa lei processual, a determinação de registro da penhora de bem imóvel surgiu, formalmente, com a inclusão, pela Lei 8.953/94, do § 4º ao art. 659. Entretanto, mesmo antes disso, a jurisprudência já considerava que o registro constituía prova segura e suficiente para elidir a presunção de boa-fé do adquirente do bem imóvel penhorado. Nesse sentido, aliás, dispunha o art. 245 da Lei 6.015/73 (a inscrição da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior ).

A esse respeito, a jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que, ante a ausência do registro da penhora, para que seja caracterizada fraude à execução, impõe-se ao credor o ônus de provar que o adquirente tinha ciência da constrição que pesava sobre o imóvel.” (grifos nossos)

No REsp. 734.280-RJ., que tem como Relatora a ministra ELIANA CALMON, ressaltando que a alienação foi posterior ao ajuizamento da demanda, mas antes da penhora, assim decidiu:

“ (...)Verifica-se, pelo cotejo analítico feito pelo recorrente, que no paradigma, assim como no acórdão impugnado, a alienação foi posterior ao ajuizamento da execução, mas antes da existência de penhora. Aliás, na questão constante dos autos não havia sequer citação na execução.

Diversos arestos foram trazidos pelo recorrente, dos quais transcrevo mais um, proferido no AGReg. no AG nº 45871/SP, relatado pelo Ministro Luiz Fux, publicado no DJU de 19/12/2002:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. ARTIGO 185 DO CTN. VENDA FEITA POR SÓCIO DA PESSOA JURÍDICA EXECUTADA.

1.             A presunção de fraude, artigo 185 do CTN, por si, não torna inexistente, nulo ou anulável o ato tido por fraudulento, competindo à parte exequente provar a ciência pelo terceiro adquirente de existência da demanda ou de constrição.

2.             A presunção ditada no artigo 185 do CTN não é de índole subjetiva, mas objetiva.

3.             Para que se possa presumir a fraude, não basta que a execução tenha sido distribuída, é necessário que o devedor tenha sido citado.

4.             Agravo regimental a que se nega provimento.

Restou demonstrado que a decisão impugnada está em total divergência com o entendimento desta Corte, razão pela qual dou provimento ao recurso especial pela alínea "c", para reformar o acórdão e julgar procedentes os embargos de terceiro, ficando invertida a sucumbência.” (grifos nossos)

No REsp. 140.670-GO., que tem como Relator o ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, assim se manifestou em seu voto:

 “(...) A orientação adotada pelo Tribunal a quo não se compatibiliza, portanto com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que a penhora, para valer contra terceiros, deve estar registrada no cartório competente e a ausência do registro impõe ao exequente o ônus de provar que o terceiro adquirente do imóvel não agiu de boa-fé e que tinha ciência da constrição, o que não ocorreu.” (grifos nossos)

No REsp. 135.228-SP., cujo Relator é o ministro NILSON NAVES, após constatar que os recorridos adquiriram o imóvel objeto da lide mediante escritura pública lavrada em 10 de maio de 1989 – de um terceiro que não os executados, os quais já haviam se desfeito do bem aos 19 de maio de 1987, antes da penhora só realizada em 17 de agosto de 1988, manteve o acordão cuja ementa é a seguir transcrita: 

“Fraude a execução. Penhora. Ausência de inscrição no registro imobiliário. Alienação do bem por terceiro, que não executado. Caracterização da boa-fé dos adquirentes. Fraude não configurada. Precedentes na jurisprudência. Embargos de Terceiro procedentes. Recurso improvido”.

No REsp. 186.633-MS., cujo relator é o ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA,  após ressaltar que “mesmo antes das inovações trazidas com a Reforma, para a caracterização da fraude de execução, ao exequente, que não providenciou o registro da penhora, cabe provar que o terceiro-adquirente tinha ciência do ônus que recaía sobre o bem em constrição judicial”, observando que, na espécie em exame, as instâncias de origem afirmaram a ausência do registro e a boa-fé do(s) terceiro(s) adquirente(s), a qual somente seria ilidida por prova, a cargo do exequente, de que ele(s) tinha(m) ciência da existência da demanda, decidiu pela ausência de fraude de execução com base nas anotações que lançou ao art. 593, CPC (Código de Processo Civil Anotado, Saraiva, 6º ed., 1996, pág. 418:

 “A “inscrição” (rectius, registro) gera publicidade e faz presumir, iuris et de iure, a ciência de terceiros. Inexistindo registro da citação (hipóteses dos incisos I e II do art. 593, CPC) ou do gravame judicial, ao credor cabe o ônus de provar a ciência, pelo terceiro, adquirente ou beneficiário, da existência da demanda ou do gravame”. (grifos nossos).

No REsp. 193.048-PR., cujo Relator é o ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, este, após transcrever parte do acórdão recorrido, que assinalava que o distrato da compra e venda que instrumentalizou a alienação supostamente fraudulenta, embora posterior ao ajuizamento da execução e mesmo posterior à citação dos devedores, foi inequivocamente anterior à penhora do imóvel questionado e, principalmente, foi registrado no Ofício Imobiliário antes do registro da penhora, afastou a hipótese de fraude de execução:

“(...) O distrato ocorreu em 04.07.95 e foi registrado em 24.10.95, enquanto que a penhora foi realizada em 28.08.95, mas só foi registrada depois que já estava registrado o distrato, apesar dos registros terem sido feitos no mesmo dia (24.10.95). (...) É dizer: quando foi registrada a penhora, o bem constrito já não integrava o patrimônio da empresa devedora, pois fora legitimamente adquirido pelos agravantes no dia anterior.” 

(...) Assim, não encontro ofensa aos arts. 593 e 263 do CPC, estando superada a divergência no âmbito desta Turma (Súmula 83), pelo que não conheço do recurso.” (grifos nossos).

Assim, o E. STJ consagrou a existência do pressuposto subjetivo, ou seja, a necessidade da existência da má-fé do terceiro adquirente, para a perfeita subsunção do instituto da fraude à execução. Portanto, aquele C. Sodalício concretiza a aplicação do princípio da boa-fé objetiva. Por outro lado, a retromencionada súmula cria uma presunção absoluta desta má-fé no caso da existência do registro da penhora. Nesse sentido, Didier Junior, aduz que, se, porém, a averbação tiver sido feita, há a presunção absoluta de que o terceiro adquirente tinha o conhecimento da litigiosidade da coisa.[59]

Não obstante o entendimento da Súmula 375 do STJ, prestigiar o Sistema Registral Imobiliário brasileiro e suas finalidades intrínsecas, primando pela necessidade da publicidade para gerar efeitos erga omnes, na edição da Súmula-84-STJ, o E. STJ fundamentado na ‘questão social’ adota interpretação contrária, ao considerar o compromisso de compra e venda não registrado, como hábil ao ajuizamento dos embargos de terceiro ao terceiro possuidor de boa-fé. Enquanto que na sistemática do Código Civil, o compromisso de compra e venda, para ser qualificado com um direito real, deverá ser firmado por instrumento público ou particular levado a registro no Cartório de Registro de Imóveis do qual não conste o direito de arrependimento (art. 1.417, CC/2002).

Não obstante a ressalva do direito pessoal considerado, o entendimento em um primeiro momento pode parecer justo, atendendo inclusive ao interesse social por não privar de patrimônio ou moradia os adquirentes que dificilmente vão conseguir reaver seu dinheiro de quem já é devedor e, portanto, executado. Contudo, ao buscar proteger a boa-fé, o Superior Tribunal de Justiça acredita em uma inocência pueril inexistente nos dias de hoje. Não é crível que quem vai adquirir um imóvel se contente em apenas avaliar a sua matrícula e fechar o contrato. É de conhecimento comum que, na investigação do vendedor, o comprador de imóveis busca o distribuidor judicial para encontrar eventuais ações propostas contra o alienante. Se não busca, então deveria fazê-lo, pois a informação está disponível para quem for diligente.


9 – Boa-fé.

A boa-fé constitui um dos principais princípios reguladores das relações comerciais. O Regulamento 738, de 1850, determinava que não poderiam ser reconhecidos usos comerciais contrários à boa-fé  e às “máximas commerciaes”, nos seguintes termos: “Art. 25. Só podem ser admitidas como usos mandados guardar pelo Código Commercial as praticas commerciaes a favor das quaes concorrerem copulativamente os dous seguintes requisitos essenciaes:1.º serem conformes aos sãos princípios de bôa fé e máximas commerciaes, e geralmente praticadas entre os commerciantes do logar onde se acharem estabelecidas; 2.º não serem contrarias a alguma disposição do Código  Commercial, ou leis depois dele publicada”.

Desde os primórdios, a garantia e a segurança das transações comerciais estavam fundamentadas na confiança, representada pela mútua, correspectiva boa-fé. Os termos boa-fé e equidade eram empregados para referir três condutas esperadas das partes contratantes, ainda que não expressamente acordadas: (i) cada um deveria manter sua palavra; (ii) nenhuma deveria tirar vantagem da outra mediante sua indução em erro; e (iii) ambas deveriam pautar seu comportamento de acordo com as obrigações de uma pessoa honesta.

  A boa-fé é o âmago do que J. X. Carvalho de Mendonça, inspirado em GOLDSCHMIDT e em THOL, chamou de doutrina da prudência comercial, “o modo de proceder no tráfico mercantil”, “o conjunto de princípios que ensinam a dar efeito a escopos lícitos somente mediante meios lícitos”. A boa-fé é indispensável no commercio”; A boa fé d’um negociante deve ser ilibada”; “Nenhuma sociedade pode existir sem ella”; A ma fé é a peste mortal do commercio”, proclama FERREIRA BORGES, com base em alvarás do séc. XVIII.[60]  

Para o direito comercial, agir de acordo com a boa-fé significa adotar o comportamento jurídica e normalmente esperado dos “comerciantes cordatos”, dos agentes econômicos ativos e probos em determinado mercado (ou “em certo ambiente institucional”), sempre de acordo com o direito. [61]

Como assinala Paula A. Forgioni, a boa-fé no direito comercial não acompanha padrões que a apontariam como reflexo de altruísmo exacerbado ou de algo semelhante. Ao contrário, indica a retidão de comportamento no mercado, conforme os modelos ali esperados (inclusive o respeito ás normas, próprio do homem ativo e probo). Ao se atrelar a um standard de comportamento empiricamente observável, a boa-fé comercial abandona rasgos  de subjetivismo para aflorar como linha determinável e determinada de conduta.[62]

Não apenas no direito comercial, nas relações humanas, tanto na constituição das obrigações como na sua execução; na confecção dos atos jurídicos, e em geral em quaisquer atos que possam atingir interesses de terceiros, a boa-fé constitui fundamento essencial.

No entanto, nem sempre, a boa-fé é observada. A quebra da confiança infringe um direito, sendo natural e desejável que as normas jurídicas atuem de forma coercitiva, a fim de que as partes atuem de forma responsável, dentro dos limites impostos não só pelo contrato, mas pela sua função social.

E, em sendo a boa-fé uma garantia dos contratos, o respeito a esse princípio não pode levar, em hipótese alguma, a uma excessiva proteção de uma das partes, sob pena de desestabilização do sistema econômico. A doutrina moderna reconhece a influência da boa-fé em todas as áreas do direito e, principalmente, nos casos de alegação de fraude à execução, pois é aí que a má-fé encontra campo fértil para se desenvolver, e a existência desta é a demonstração de ausência de boa-fé.

O nosso sistema jurídico é fundamentado em princípios, dotados de valores relevantes, influindo vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem jurídica. Em razão disso, muitas vezes são “superiores” às regras jurídicas, pois, estando no topo do ordenamento jurídico e servindo como norteadores da interpretação das leis, eles servem como forma de solucionar litígios quando não forem encontradas normas específicas para aplicação a determinado caso concreto ou mesmo em conjunto com essas normas, imprimindo-lhes determinado significado. 

Como salienta José Eli Salamacha (2007), em matéria de fraude à execução, dois princípios têm fundamental importância: o da boa fé e o da segurança jurídica. É neste cenário que está inserto o instrumento processual da fraude à execução – intrinsecamente ligado à segurança jurídica – haja vista este instrumento ter por escopo proteger os direitos dos credores e devedores, garantindo a utilidade da execução e auxiliando o Estado na resolução da crise do inadimplemento que existe em sede de processo executivo.

O princípio da boa-fé é um dos mais importantes do nosso ordenamento jurídico, por constituir a regra fundamental das relações humanas, tanto na constituição das obrigações como na sua execução, alcançando, especialmente, os atos jurídicos que possam atingir interesse de terceiros. 

O Código Civil de 2002 incorporou em seu texto o princípio da boa-fé, dispondo no artigo 113 que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. No artigo 187, prevê que: “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”, e ainda, no art. 422, que “os contratantes são obrigados a guardar, assim, na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

O instituto da fraude de execução, é pautado na boa-fé, na intenção pura, isenta de dolo ou engano, com que a pessoa realiza o negócio ou executa o ato, certa de que está agindo na conformidade do direito, protegida pelos preceitos legais, um dos quais é a responsabilidade patrimonial. 

Além do fim pessoal inerente ao direito subjetivo, o direito de propriedade cumpre uma função social, e o exercício desse direito passa a ser ilegítimo, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito. Porquanto haverá abuso do direito, quando o exercício do direito subjetivo (conduta ativa ou omissa) não se guie segundo a boa-fé e os bons costumes.

Nesse sentido é o escólio de Francisco Amaral que fundamentado nas lições de Miguel Reale, esclarece que o princípio da socialidade tem como objetivo superar a interpretação individualista do Código de 1916, para orientar o aplicador da norma a uma supremacia dos interesses coletivos em relação aos individuais, sem que com isso seja afastada a segurança jurídica e os valores da pessoa humana tal como se verifica na função social do contrato (art. 421, CC/2002) e da propriedade (art. 1.228, caput e seus §§ 2.º, 4.º e 5.º, CC/2002). A socialidade tem por objetivo garantir a justa aplicação da norma (o justo meio de Aristóteles) para assegurar o bem comum e a justiça social (contratual e da propriedade) sem que haja prejuízo a terceiros.[63]

O princípio da eticidade fundamenta, ainda, a crença de que o equilíbrio econômico dos contratos é a base ética de todo o direito obrigacional, e que o aproxima do princípio da boa-fé, no seu sentido ético, objetivo.

É de todo oportuno gizar as palavras dos renomados doutrinadores Lamy e Borges que conceituam o supramencionado instituto nos seguintes termos: “Constitui fraude à execução a declaração judicial da ineficácia de atos de alienação ou oneração de bens quando, sobre estes pender ação fundada em direito real (art. 593, I, do CPC), ou já houver constrições judiciais tais como o arresto ou a penhora, especialmente se forem praticados de má-fé, ainda que não levem nem possam levar o devedor à insolvência.Também consiste em fraude à execução a declaração judicial da ineficácia de atos de alienação ou oneração de bens que conduzam ou possam conduzir o devedor à insolvência (art. 593, II, do CPC), desfalcando o seu patrimônio, desde que já exista processo de conhecimento ou de execução visando a satisfação do crédito, especialmente se forem praticados de má-fé, mediante conluio entre o devedor e terceiro”.[64]

Observa-se, portanto, que a existência de ação capaz de tornar insolvente o devedor é requisito bastante para o reconhecimento da fraude à execução. A partir do momento que o juiz passa a exigir a prova da má-fé do adquirente, desprezando a norma vigente, com a devida vênia o faz em prejuízo do credor, descaracterizando o instituto da fraude à execução, pois, o elemento subjetivo– a prova da má-fé do terceiro adquirente – era elemento da fraude contra credores, aliás, um dos elementos que diferenciavam a fraude contra credores da fraude à execução.

Na fraude de execução, acaso respeitada a norma processual vigente, não há que se perquirir sobre a ciência efetiva ou presumida do terceiro adquirente a respeito da existência da demanda contra o alienante. E nem se diga que a evolução das relações jurídicas, a necessidade de segurança jurídica são os fundamentos relevantes ou motivadores dessa preocupação com a boa-fé do adquirente, pois, estamos caminhando no sentido da publicidade, inclusive, da vida pessoal em tempo real, com a informatização dos meios de comunicação.     

Para Yussef Said Cahali, essa preocupação da doutrina e jurisprudência fez que ocorresse uma “fragilização” do conceito de fraude, em privilégio da segurança e estabilidade dos negócios jurídicos, no sentido de resguardar o direito do adquirente de boa-fé. 

É preciso precaver-se contra o risco de se utilizar a boa-fé como remédio para todos os males, empregando-a em nome de amorfa busca da “justiça social”. Sempre na dicção de Larenz: “O juiz não deve impor seus próprios módulos às partes, que determinam por si o conteúdo do contrato no ãmbito de sua autonomia privada, mas apenas levar a termo a ponderação dos valores  em que elas se basearam”. Especificamente no que toca ao direito comercial, mesmo nos contratos colaborativos, a boa-fé não pode ser aplicada de maneira a despir o agente econômico da sagacidade que lhe é peculiar. Tampouco deve ser aplicada como justificativa para o inadimplemento da parte ou desculpa para comportamentos imprudentes ou desconformes ao parâmetro de mercado.[65]


10 – Conclusão.

Realizada essa breve análise do instituo denominado “Fraude de Execução”, concluímos que a típica fraude de execução prevista no art. 593, II, do CPC, não foi revogada e se apresenta nos dias de hoje como remédio processual moderno, célere e efetivo, colocado à disposição do credor para restaurar o equilíbrio contratual e a boa-fé que deve pautar os contratantes nas relações negociais. 

Se o devedor responde com todos os seus bens, presentes e futuros, para garantia de suas dívidas (responsabilidade patrimonial), a boa-fé exigida deve ser necessariamente do devedor, pois, ciente da obrigação assumida, tem o dever de não desfalcar seu patrimônio, muito menos de desfazê-lo em detrimento de seus credores.

Não obstante, para a maior parte da doutrina, a jurisprudência ter evoluído nas decisões relativas à fraude de execução, respeitadas as opiniões em contrário, considero que em alguns aspectos houve na verdade um retrocesso, como por exemplo, naquela fundamentada na proteção ao terceiro adquirente de boa-fé, que na ausência do registro da penhora, para que seja caracterizada fraude à execução, impõe ao credor o ônus de provar que o adquirente tinha ciência da constrição que pesava sobre o imóvel (REsp. Nº 865.974 – RS – Rel. Min.TEORI ALBINO ZAVASCKI).

Desnecessário discorrer aqui sobre os efeitos decorrentes da citação, os quais, por óbvio não podem ser desconsiderados, sendo certo, porém, que após a citação, ciente da demanda proposta, não seria razoável nem legítimo afirmar que a alienação de bens pelo réu, apta a frustrar uma futura execução não configura fraude de execução. Por outro lado, nada impede a caracterização da fraude entre o ajuizamento da demanda e a citação, pois, o artigo 593, II, do CPC não foi revogado, e em não tendo sido revogado, a típica fraude de execução persiste, não podendo ser desconsiderada a construção doutrinária e jurisprudencial a respeito do tema.

Ora, se a fraude à execução constitui atentado contra o desenvolvimento da função jurisdicional já em curso, porque lhe subtrai o objeto sobre o qual a execução deverá recair, exigindo apenas que a instauração do processo deve ser anterior ao ato de disposição, sem ser necessariamente executivo ou fase de cumprimento de sentença, excluir a fraude fundamentado apenas na ausência de citação, seria o mesmo que tornar letra morta o artigo 593, II, do CPC, quando este pode e deve ser interpretado em consonância com os demais artigos do CPC, pois, a boa ou má-fé do terceiro é irrelevante para a configuração da fraude, e os atos de disposição posteriores à citação, com maior razão também deverão ser considerados fraudulentos. 

Não é necessário regredirmos ao Regulamento 737 de 1850 e aos Códigos dos Estados para verificarmos que o elemento subjetivo sempre foi irrelevante para a configuração da fraude de execução, e ainda, que o Código de 1973 exerceu inegável influência sobre o que o legislador considerava “proposta a ação” ou “demanda pendente”.

Enquanto o sistema de 1939 considerava proposta a ação e iniciado o processo somente quando feita a citação do réu[66], o código de 1973 evoluiu em relação à matéria, prevendo em seus artigos 262[67] e 263[68] que se considerava proposta a ação desde o despacho liminar do juiz na petição inicial ou de sua simples distribuição onde houver mais de uma vara. E, o Código de Processo Civil atual fala, em capítulo próprio, da “Formação do Processo” (arts. 262 e 263). Cotejando-se o antigo art. 196 (CPC/39) com o vigente art. 263 (CPC/73), temos que, hoje, ajuizada a ação, nasce a relação processual. O processo já existe antes da citação – tanto é que pode ser extinto (art. 295 c/c art. 267, I) – a qual apenas propicia a sujeição ao demandado dos efeitos da instauração daquele.

 Mister é concluir-se que, a partir da propositura da ação, pela distribuição da petição inicial ou pela determinação do ato citatório, nos precisos termos do art. 263 do CPC, se estabelece a relação processual.

Neste momento, verifica-se o pressuposto para o reconhecimento da fraude à execução, conforme estabelece o art. 593 do Estatuto Processual, já que passa a “pender” ou “correr” demanda contra o devedor.

Se depois desse instante ocorrer a alienação ou disposição do acervo patrimonial, ou do bem sujeito a constrição judicial, o ato translativo não dispõe de qualquer eficácia ante o credor, sendo absolutamente desnecessária tanto a inscrição da citação como da penhora, pressupostos não estabelecidos na lei processual para o seu reconhecimento. 

De outro lado, despicienda a perquirição do elemento subjetivo do adquirente do bem, para que seja ignorado o negócio jurídico, no âmbito da demanda, uma vez que o instituto da fraude à execução tutela interesse público prevalente, de resguardo à própria Justiça e respeito ao Poder Judiciário.  

A Súmula 375-STJ, com a devida vênia anda na contramão da segurança jurídica que deve existir nos negócios em geral, pois, está sendo aplicada sem quaisquer ressalvas tornando letra morta a fraude de execução prevista no art. 593, II, do CPC, ao considerar como requisitos da ocorrência da fraude, isoladamente, apenas o registro da penhora ou a prova da má-fé do adquirente.

Ora, a alienação do bem após o registro ou averbação da penhora à margem da matrícula nada tem a ver com a fraude de execução prevista no caput do art. 593, do CPC.  Para caracterização da fraude de execução do art. 593, II, basta a “alienação ou oneração de bens na pendência de demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência.”

Impõe salientar que o instituto denominado “fraude de execução”  previsto pelo legislador desde o Regulamento 737 de 1850, teve como escopo “tornar ineficaz” os atos fraudulentos de disposição ou oneração de bens pelo devedor, como forma de permitir ao devedor a continuidade da administração de seus bens, concomitante à atividade comercial ou negocial, época em que a boa-fé era presumida em decorrência do comportamento exigido pela sociedade que não admitia nos contratos em geral o uso da malandragem, da esperteza, da vilania, e em especial da insolvência proposital e leviana, a qual era punida também com a pena de prisão.

Naquele tempo as leis eram escassas assim como eram escassos os meios de comunicação, mas a vilania e a esperteza, o intuito de prejudicar já era explorado pelo Homem. E o legislador, sabiamente, criou o instituto denominado “fraude de execução” colocando como requisito de sua ocorrência, “a alienação de bens na pendência de demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência”, sem a necessidade de ajuizamento de nova demanda, podendo ser alegada nos próprios autos, mediante simples petição, autorizando o juiz a declarar a fraude liminarmente, independente de contraditório, sem perquirir sobre a boa ou má-fé do terceiro, porque não faz parte da relação que antecedeu a demanda, muito menos desta, a qual se presume, pois, a responsabilidade patrimonial (art. 591 do CPC) está fundamentada na obrigação que compete ao devedor, para o cumprimento de suas obrigações, de responder com todos os seus bens (presentes e futuros), salvo as restrições estabelecidas em lei.

A responsabilidade patrimonial impede que o devedor aliene os seus bens tornando-se insolvente com a finalidade de lesar seus credores, tanto é assim, que na ausência de “demanda pendente” pode se utilizar da ação pauliana (fraude contra credores).

Porém, na pendência de demanda não há necessidade de nova ação. É que após a instauração de um processo que visa à condenação de um réu, em regra busca-se a satisfação do crédito do autor, por meio da arrecadação dos bens do devedor, com a consequente adjudicação, alienação ou usufruto daqueles. É a frustação dos meios executórios na pendência de demanda que torna a fraude ainda mais grave, por constituir verdadeiro atentado contra a dignidade e à administração da justiça, porque lhe subtrai o objeto sobre o qual a execução deverá recair. Ou seja, a fraude frustra a própria atuação da justiça, pois, o credor não obstante o direito tutelado nada receberá. 

Conforme Jefferson Douglas Santana de MELLO, em artigo publicado na Revista de

Direito Imobiliário – IRIB[69],  à função do Estado – de solucionar conflitos – dá-se o nome de Jurisdição. E, as finalidades da Jurisdição, são a aplicação do Direito e a pacificação social, visando o fim almejado pelo Estado que é o bem comum. Assim, instalado o conflito, havendo a provocação do Estado, deve este atuar de forma efetiva, proporcionando a distribuição da Justiça, sob as duras penas de, assim não o fazendo, gerar um descontentamento dos jurisdicionados, o que todos sabem é o maior risco para a existência do próprio Estado.

Ainda de acordo com MELLO, é a confiança nesse sistema que garante a Segurança Jurídica, permitindo que não se instaure a barbárie, quando o cidadão, não confiando mais na Justiça começa a promover toda a sorte de exercício arbitrário das próprias razões. É a segurança jurídica que garante que um país receba investimentos estrangeiros, de modo a desenvolver a sua economia. Que particularmente no Brasil, país social-democrata promove um maior desenvolvimento de todas as classes sociais, retirando milhares de pessoas da miséria. É neste cenário que está inserto o instrumento processual da fraude de execução – intrinsecamente ligado à segurança jurídica – haja vista este instrumento ter por escopo proteger os direitos dos credores e devedores, garantindo a utilidade da execução e auxiliando o Estado na resolução da crise do inadimplemento que existe em sede de processo executivo.

Em nenhum momento cogitou o legislador sobre a necessidade de citação, muito menos da boa-fé do terceiro adquirente, do conluio entre este e o devedor (consilium fraudis), características da fraude contra credores.

Inteligentemente o legislador permitiu ao credor atuar contra a fraude nos próprios autos da execução, onde o conflito é de inadimplemento, o direito do autor já está reconhecido, sendo necessária a intervenção do Judiciário para torna-lo efetivo, por isso o Juiz está autorizado a ‘liminarmente’, antecipar os efeitos da tutela pretendida, resguardando o direito do terceiro adquirente, com a manutenção do negócio realizado entre ele e o devedor (que pagando, retorna ao status quo ante), tornando-o apenas ineficaz em relação à execução, autorizando a penhora e a expropriação do bem.

Assim, a fraude de execução é instituto processual que tem como objeto, tornar ineficaz os atos fraudulentos de disposição ou oneração de bens, de ordem patrimonial, praticados pelo devedor que já figura no polo passivo de uma demanda.

Da análise da legislação relativa à fraude de execução fica clara a intenção do legislador em coibir os atos de disposição de bens pelo devedor de forma rígida e célere, quando permitiu que o Juiz, liminarmente, na presença de prova inequívoca, que convença da verossimilhança da alegação, declarasse a fraude, tornando o ato de disposição ineficaz antes mesmo da citação, cujo efeito é integrar o réu à lide, tornando-o parte, pois, antes da citação as partes do processo são apenas autor e Estado-juiz.   

Isso fica constatado ainda, quando o legislador a fim de colocar uma pá de cal na discussão sobre essa matéria (demanda pendente e citação), no Código de 1973, inseriu no artigo 263 disposição no sentido de que: “Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no art.219 depois que for validamente citado.” (grifamos).

Assim, a conclusão a que chegamos é a de que a citação válida é necessária para o desenvolvimento válido e regular do processo, sendo certo que em sede de execução o executado é citado “para pagar”, e em não sendo encontrado (art. 653 do CPC), o oficial de justiça está autorizado a realizar o arresto de “tantos bens quantos bastem para garantir a execução”.

Portanto a citação não é requisito para a ocorrência da fraude de execução. Seu reconhecimento depende apenas da existência de uma ação contemporânea ao ato de diminuição patrimonial. Havendo ação judicial em andamento, o interesse em manutenção do patrimônio do executado não é apenas do credor, mas também da jurisdição, cuja atividade atua sobre o conjunto de bens. Em razão disto, a fraude à execução não se limita a gerar efeitos no campo processual, sendo também tipificada como delito (art. 179 CP).[70]  

São vários os julgados do E. STJ, considerando que não ocorreu fraude de execução, mesmo após a citação, pela ausência de registro da penhora, por ser o registro que gera publicidade e faz presumir, iuris et de iure, a ciência de terceiros. Inexistindo registro do gravame judicial, ao credor cabe o ônus de provar a ciência, pelo terceiro, adquirente ou beneficiário, da existência da demanda ou do gravame.  

O principal argumento para alteração do entendimento pela jurisprudência e doutrina quanto à ocorrência da fraude de execução, em nome da proteção ao terceiro adquirente de boa-fé, é a necessidade de publicidade dos atos processuais. 

A meu ver esse é um dos maiores equívocos cometidos pelos Tribunais e doutrinadores, pois, a norma processual é lei especial e autônoma tanto quanto a lei registrária. Não é por constar da Lei de Registros Públicos que a inscrição da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior (art. 245 da Lei 6.015/73), que em não sendo registrada a penhora, esta não terá validade ou não surtirá efeitos. Conforme entendimento pacificado na doutrina o registro não é ato integrativo da penhora. E ainda, só há registro da penhora após a citação e intimação do executado, do cônjuge se casado for, do coproprietário se houver; atos esses que demandam tempo, por vezes anos. Destarte, impor ao credor o ônus de registrar a penhora ou se ainda não registrada, comprovar a má-fé do terceiro adquirente para considerar a alienação em fraude de execução, é tornar letra morta o art. 593, II, do CPC.

Se voltarmos no tempo, mais precisamente nas Ordenações Filipinas, para verificarmos a questão da publicidade dos atos processuais, quando o instituto da fraude de execução foi criado; será que naquela época a “publicidade” era maior que a dos dias de hoje? Será que existia correio? Para não falarmos em e-mail, internet, celular com internet, previsão de citação por e-mail, documentos digitais, processo eletrônico, sites dos Tribunais de Justiça, tanto Estaduais quanto Federais, do STJ, do STF , Diário da Justiça Eletrônico!

Não bastante isso, por força da Lei nº 7433, de 18/12/1985, regulamentada pelo Decreto Federal 93.240, de 09/09/1986, o qual dispõe acerca dos requisitos para lavratura de escrituras públicas, há orientação prevendo a extração de certidões de feitos ajuizados para a aquisição de bens imóveis, além de existir consagrada praxe neste sentido. 

O grande especialista em direito imobiliário, Narciso Orlandi Neto, em sua obra Retificação do Registro de Imóveis, após didática e convincente linha de argumentação, assim conclui:

“Data vênia, a boa-fé ou má-fé do adquirente não depende do registro da penhora. Como afirmar-se de boa-fé o adquirente, ainda que, ao tempo da aquisição, a penhora não estivesse registrada, diante dos claros termos do inciso II do art. 593 do Código de Processo Civil? E qual a utilidade da Lei nº 7433, que exige, nos atos notariais relativos a imóveis, a apresentação de certidão de feitos ajuizados? Pode o adquirente posterior à penhora estar em melhor situação que o adquirente anterior ao aparelhamento da execução, mas igualmente desidioso?”

A necessidade de registro de penhora não modificou o instituto da fraude de execução que, repete-se, visa à proteção do credor e não do adquirente desidioso. O registro da penhora não é constitutivo. É mais um meio de publicidade do processo que se acrescenta a seu próprio registro, para dar mais uma chance ao adquirente de evitar o negócio que fatalmente será considerado fraudulento” (2ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 218).

Ora, se o Direito não socorre quem dorme, e já diziam os romanos que dormientibus non sucurrit jus, a toda evidência que o direito deve amparar o credor, pois, a boa-fé é o elemento subjetivo que informa, estrutura e vivifica todas as relações, impondo ser lembrado aqui o instituo da pacta sunt servanda, e o fato de que o indivíduo, ao celebrar negócios jurídicos onerosos com outrem, tem por finalidade receber a obrigação assumida pelo devedor. 

Caso haja o inadimplemento da obrigação, em virtude do princípio da patrimonialidade da execução (que preceitua que o que se executa são os bens do devedor e não a pessoa do devedor), a execução recairá sobre o patrimônio do executado e não na sua pessoa, como ocorreu em determinados momentos da história do direito processual civil.

Trazer o elemento subjetivo para o instituto da fraude de execução, aplicando-o sem uma análise sistemática da fraude de execução com as alterações processuais colocadas à disposição das partes para aprimorar o instituto, tende a nos colocar diante de situações nas quais o devedor, em flagrante deslealdade processual, onera ou aliena seus bens de modo a causar prejuízos ao exequente/credor, numa aparente licitude, prejudicando não só o credor, mas a sociedade como um todo.

Da leitura do voto do Ministro Fernando Gonçalves, relator da súmula-375-STJ, se verifica que sua fundamentação está apoiada no voto do ministro Luiz Fux no REsp. 739.388MG., que, sobrepujando a questão de fundo sobre a questão da forma, como técnica de realização da justiça, conferindo interpretação finalística à Lei de Registros Públicos, na edição da Súmula-84-STJ, passou admitir a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que  desprovido de registro.

Ora, não é pelo fato de impressionar a “questão social” do nosso país, que discriminaremos aqueles que detém conhecimentos e uma situação econômica e financeira superior ou privilegiada. É perfeitamente possível tutelar o direito daquele que adquiriu seu pequeno terreno, apartamento, casa, mediante um simples compromisso de compra e venda não registrado à margem da matrícula do imóvel, mediante a análise do caso concreto, verificando o reconhecimento das assinaturas apostas concomitante à alienação, a oitiva de testemunhas, contas de água, luz, enfim, documentos que sejam aptos à comprovação da alienação e posse exercida com ânimo de dono e de boa-fé, anteriormente ao ajuizamento da demanda.

O que não se pode é em nome da “questão social”, proferir decisões aptas a prejudicar o “credor” que coloca seu patrimônio a serviço do outro como forma de construir um capital, gerar e produzir renda e emprego, pois, sem a garantia do recebimento de seu crédito o prejuízo é da sociedade como um todo. Por outro lado, isso estimula a inadimplência simulada com a alienação de bens pelo devedor com o fito exclusivo de prejudicar o credor.

A boa-fé do terceiro adquirente não pode ser priorizada em nome da “questão social” em prejuízo do credor, pois, a responsabilidade patrimonial ainda é a única segurança jurídica em prol do credor.

A conduta do devedor é que deve ser priorizada (no sentido de ônus), pois, ele é sabedor de suas obrigações e responsabilidades assumidas. E a realidade jurídica e social do nosso País precisa e merece ser valorizada. Não obstante o alto índice de pobreza e analfabetismo, os usos e costumes sempre imperaram com força na sociedade. E deve-se exigir que a conduta do terceiro adquirente seja compatível com a realidade e a prática costumeira vigente nas aquisições imobiliárias, como a de exigir certidões dos distribuidores cíveis, trabalhistas e fiscais (estaduais e federais). A matrícula do imóvel não é a única fonte de informação de um adquirente, verdadeiramente de boa-fé.

Aliás, a publicidade de ações pendentes há muito não é problema, pois, antes mesmo da reforma do Código de Processo Civil, da inserção do artigo 615-A, já existe um convênio entre o TJSP e o Serasa, permitindo a publicidade e a inscrição de todas as execuções pendentes no Tribunal (1ª e 2ª instâncias) naquele banco de dados, permitindo que os eventuais adquirentes imobiliários (bem como os demais credores, lojistas, etc.) tenham a ciência de execuções pendentes também por esse órgão.

Antes da reforma do CPC, o exequente, por conta da jurisprudência, tinha só o ônus de averbar a penhora no registro de imóveis (CPC. Art. 659, § 4º), sob pena de, havendo aquisição do imóvel penhorado por terceiro, ter que comprovar que esse terceiro tinha condições de saber da demanda e da penhora. Agora, tendo ciência da existência de bens passíveis de penhora, tem também o ônus de averbar a distribuição da execução (CPC, art. 615-A), o que tem sido considerado por alguns mais uma proteção em favor do adquirente de boa-fé, em virtude dessa omissão poder vir a ser interpretada em desfavor do credor, tendo o ônus de comprovar que o terceiro tinha condições de saber da demanda pendente.

Porém, para que o adquirente seja considerado de boa-fé é necessário que fique evidenciado o mínimo de cautela. E é através das certidões forenses que o interessado na compra do bem imóvel poderá ter certeza de que o vendedor é ou não parte passiva de demanda judicial, garantindo, assim, que o bem objeto do negócio não venha a ser subtraído do patrimônio do comprador para saldar dívida em execução movida contra o vendedor. É essa a garantia que as certidões forenses proporcionam.

Da mesma forma, não há como igualar o credor diligente, que averbou a execução no registro de imóveis, do credor desidioso, que ficou alheio à plena eficácia de seus direitos e ao direito de terceiros. Se o credor-exequente quer excluir o risco de se ver ameaçado por um adquirente de boa-fé, e sofrer uma presunção relativa em seu desfavor, tem o ônus de inscrever a execução na matrícula constante do Registro de Imóveis, ainda que esta seja facultativa, pois, dependendo da análise do caso concreto, das circunstâncias apontadas essa omissão poderá vir a ser interpretada de forma favorável ao terceiro de boa-fé.

Assim, não se ignora que a hipótese do art. 615-A, § 3º, do CPC representa mais uma técnica processual adequada, colocada em benefício do credor, como condição objetiva de proteção contra os atos fraudulentos do devedor, sendo certo que, na presença da averbação da ação no Registro Imobiliário, havendo a alienação, teremos mais um caso de fraude de execução, na media em que haverá presunção absoluta em favor do exequente. 

Por todo o exposto, se verifica que o instituto da fraude de execução, tem como escopo a manutenção da confiança, da ética, da boa-fé nas relações negociais, pautada na responsabilidade patrimonial como vetor da segurança jurídica, com implicações diretas na área social e econômica.

As principais instituições, que constituem a própria base da economia de mercado, são a propriedade e o contrato, e o desenvolvimento econômico está vinculado diretamente à forma como os direitos de propriedade são definidos e aplicados.  Tanto é assim que, não obstante a livre disposição de uso, gozo e fruição, há limites ao direito de propriedade. Não é possível a existência de uma economia de mercado sem que haja um direito de propriedade privada estabelecido e assegurado, da mesma forma que se faz necessário o exercício de autonomia privada para que as partes possam intercambiar os direitos de propriedade.  De nada servem regras claras se não forem cumpridas; se permitirem o seu desrespeito sem punição adequada. 

A “questão social” como afirmou o saudoso J. J. Calmons de Passos[71] na palestra “A Função Social do Processo”, “obrigou a repensar os valores do iluminismo, iniciando-se a recuperação do social. Decorrência disso, principalmente em nosso século, sob o impacto do chamado Estado de Direito Democrático e Social, veio a reação no espaço político e econômico. (...) Passou-se a falar em função social da propriedade, função social do capital, função social da empresa - vale dizer, começou-se a levar para o campo da atividade econômica aquela regra que se tinha posto para o campo da atividade política. Se somos todos iguais e você só pode ter poder legítimo como outorga, função, obrigado a traduzir o exercício do seu poder em prestação de serviço, também se você é proprietário de bens, tendo sobre eles poder (domínio), este poder não lhe é atribuído em virtude de algo originário, inato, ou transcendente. Por conseguinte, você é proprietário de bens por concessão dos outros, não podendo utilizar-se desses bens como se fossem exclusivamente seus e destinados exclusivamente à satisfação de seus interesses, porque você não tem nenhum título legitimador originário que lhe permita, por exemplo, dizer que esses quarenta mil hectares de terras improdutivas são seus, por direito natural, que esse Mercedes Benz é seu, que essas trinta e duas casas são suas e seus esses oitenta milhões de reais pelas mesmas razões. É a sociedade, o conjunto dos que com você convivem, que lhe outorga esse direito de você dizer: "eu sou proprietário de quarenta mil hectares, eu sou proprietário de um automóvel, eu sou proprietário de quarenta milhões de reais". E ela o legitima para dizer isso, para que, como proprietário desses bens, você os utilize também como serviço à coletividade. Construiu-se, desse modo, a ideia de função social no campo do Direito Privado. Completou-se a noção de poder político como serviço, com a ideia de que também o poder econômico, numa democracia, ou se traduz em serviço ou carece de legitimidade.”.

Trazendo essa perspectiva para o instituto da fraude de execução, qual será a função social do processo? Que serviço o processo presta?  Penso que à solução do conflito, mas de molde a prevalecer o pactuado pelas partes (pacta Sun servanda), preservando o direito do credor receber o seu crédito com a expropriação dos bens nos precisos termos que tutela a responsabilidade patrimonial, sob pena de se estimular a inadimplência e a insolvência simulada. 

O processo, de acordo com J. J. Calmon, não tem função que lhe seja específica, porque a que lhe for atribuível será mera segmentação da função desempenhada pelo Direito. Não há justiça absoluta. A justiça é alguma coisa que se constrói a cada instante e se desfaz, e se desconstitui, a cada instante, como ele próprio concluiu:

“(...) E que função desempenha o Direito na vida social? (...) o conflito. No dia em que na sociedade não mais houver conflitos, os operadores do Direito serão desnecessários. Como, por igual, no dia em que não houver mais doenças, inexistirão os médicos. (...) Há uma doença física que reclama a existência de médicos, cuja função é a de recuperar a saúde dos atingidos por males físicos. Há, também, uma doença social que é o conflito que reclama profissionais que libertem a sociedade desse mal, e este profissional é o jurista, o operador do Direito. Inexistissem conflitos e o Direito careceria de justificativa.

Em que pese essa evidência, somos trabalhados para pensarmos que função do Direito é a realização da Justiça. E o que seria essa Justiça com que estamos comprometidos? (...) a justiça absoluta, abstrata, excelsa não existe. A justiça é alguma coisa que se constrói a cada instante e se desfaz, e se desconstitui, a cada instante. (...) A justiça material é algo relativo, historicamente construível e o que se impõe é a definição de uma regra para conceituação da justiça formal, enunciável como aquela que vincula a justiça a um princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma. Desigualdades existirão sempre, discriminações serão inevitáveis, mas a regra da justiça formal, se inapta para eliminar desigualdades, ameniza-as, impondo sejam tratados igualmente quantos situados na mesma categoria essencial, vale dizer, naquela em razão da qual se fez a discriminação. (...) Não há como a gente ser justo em termos absolutos. Somos compelidos a desigualar, pelo que sempre haverá um fator discriminante. Fixá-lo é tarefa política. Destarte, o critério discriminador será sempre definido em benefício de algum setor hegemônico da sociedade. (...) Perelman disse isso de modo inteligente, filosófico, erudito, (...) Justiça é isso. Estabelece-se um discriminante e em função desse discriminante, civilizadamente, não posso discriminar. Porque discriminar, infelizmente, sempre discriminaremos. O que se veda é a discriminação de segundo grau. Não há como eliminar-se a discriminação de primeiro grau. Ainda não conseguimos construir a sociedade dos substancialmente iguais e estamos condenados a conviver com a desigualdade. (...) Ora, se é assim, se a justiça é sempre fruto de uma decisão política discriminatória, que não deve comportar, num Estado de Direito Democrático, uma discriminação de segundo grau, não há justiça absoluta. Quando alguém diz que algo "lhe repugna a consciência porque constitui uma injustiça", se com esse juízo se impõe uma perda ou um sacrifício, formula um juízo legítimo de justiça. Mas quando, em nome dessa moral subjetiva, que pretendemos vender como objetiva e absoluta, impomos sacrifícios e perdas aos outros, praticamos uma iniquidade. (...) Parece um caso patológico, mas não o é. Todo tratamento de exceção, em nome de uma justiça absoluta, segundo a consciência do julgador, ou segundo valores superiores, valores socialmente relevantes e outros dizeres similares, que equivalem a nada dizer, com que mascaramos nosso arbítrio e nossa subjetividade, quando não generalizáveis, configura prevaricação e se generalizados acarretarão disfuncionalidades de extrema gravidade, deslegitimadoras do que foi constitucionalmente formalizado como expressão da vontade geral e posto como expectativa compartilhável. Conseqüentemente, verificamos inexistir outra alternativa para a justiça realizável pelo Direito além de assegurar a efetividade da justiça formal, cujo conteúdo material se traduz no dar a cada um aquilo que a lei manda que seja dado, tratando igualmente situações idênticas, sem discriminação. E se o fator desigualizador, alicerce da justiça formal, nos causa repulsa, será mediante o processo político que as mudanças podem e devem ocorrer. Temos que aceitar a dura verdade de que, socialmente, pela via da tutela jurisdicional, não há outra justiça possível além da que o Direito positivado assegura, e ela se fundamenta, sempre, em uma discriminação original, ato de poder. Ser justo, portanto, como operador do Direito, é assegurar o respeito ao fator discriminante, tratando igualmente todos os que se situem na mesma categoria essencial, reservado para o embate político a tarefa da mudança de parâmetros. (...) Em nosso país, com que justiça está o Direito comprometido? Com aquela que, em termos de dever, é colocada por nosso ordenamento jurídico positivo, conjunto de normas produzidas segundo um processo constitucionalmente institucionalizado, formalizadoras do compromisso social de solução dos conflitos que ocorrerem na sociedade segundo o nelas prescrito. Se é isso o Direito e essa é a justiça que lhe é possível assegurar, inaceitável atribuir-selhe outra função além dessa. No Estado Democrático de Direito, o Direito é aquilo que é produzido segundo um processo constitucionalmente institucionalizado. Fora disso não há Direito. (...)Se pudermos reconhecer e aplicar como Direito o que não foi produzido segundo o procedimento constitucionalmente institucionalizado, que segurança teremos acerca do que seja ou não Direito, se vivemos em sociedades complexas, nas quais o pluralismo estende-se até à definição dos valores e em que as relações sociais cada vez mais se esgarçam e se despersonalizam? 

No meu realismo, é possível preservar a típica fraude de execução como prevista no art. 593, II, do CPC, admitindo a caracterização da fraude de execução na pendência de demanda nos precisos termos do art. 263 do CPC, pois, só assim haverá segurança jurídica e respeito à norma processual vigente.

Ainda, a típica fraude não perde sua característica ante as alterações ocorridas na norma processual, pois, após a citação, após a averbação da penhora, com maior razão e segurança a fraude de execução será decretada. 

Não obstante a evolução do direito processual, os princípios que regulam as relações jurídicas permaneceram intactos, razão pela qual, a razão primeira do instituto denominado fraude de execução, que é a segurança jurídica calcada no patrimônio do devedor que responde com todos os seus bens, presentes e futuros, não podendo aliena-los na presença de “demanda” (ação distribuída), capaz de reduzi-lo à insolvência - precisa ser privilegiada.   


Bibliografia

ANDRIGHI, Fátima Nancy. O Registro da penhora e a reforma do Código de Processo Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.), Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo:1996.  Saraiva.

ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 12. ed. rev., ampl. e atual.- São Paulo. 2009. 2ª ed., Ed. Revista dos Tribunais.  

_______ Comentários ao código de processo civil. v. 6: arts. 566 a 645. Rio de janeiro: 2004. Ed. Forense.

_______ Manual do Processo de Execução, São Paulo. 1998. 5ª ed., Ed. Revista dos Tribunais.

_______   Fraudes Contra Credores, 4ª ed., 2008,  Ed. Revista dos Tribunais. 

________ Fraudes contra credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal. 3. ed. rev. e atual. com o novo código civil. São Paulo: 2002. Ed. Revista dos Tribunais. 

AZEVEDO, Luiz Carlos de. Fraude contra credores, Revista da Escola Paulista da

Magistratura, v. 3, nº 1, p. 53-65, janeiro/junho – 2002.

BARROS, Luis Carlos de. Revista da Escola Paulista da Magistratura, v. 3, nº 2, p. 93-103, julho/dezembro – 2002.

Bol. AASP 1.415.29.01.86, p. 6-7.

CAHALI, Yussef Said. Fraude Contra Credores. 4. ED. São Paulo. 2008. Editora Revista dos Tribunais. 

CARMONA, Carlos Alberto. O processo de execução depois da reforma. In. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.), Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 759. 

CARVALHO, Ronaldo Brêtas de. Fraude à execução/nulidades. Digesto de Processo/Revista Brasileira de Direito Processual. v. 03. Rio de Janeiro: Forense.

CENEVIVA, Walter. Lei de Registros Públicos Comentada. 10ª ed. São Paulo. Saraiva. 

COSTA, Moacyr Lobo da. In: Reforma do Código de Processo Civil. Coord. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo.1996.  Ed. Saraiva.

DINAMARCO, Cândido Rangel; Instituições de Direito Processual Civil, 3ª edição, 2009, Ed. Malheiros.

______ A reforma da reforma. São Paulo. 2002. Ed. Malheiros.

______ A reforma do Código de Processo Civil. 3. Ed. São Paulo: 1996. Ed. Malheiros.

______ A reforma do Código de Processo Civil. São Paulo. 1995. Ed.  Malheiros.  

DIAS, Maria Berenice. Fraude à execução (algumas questões controvertidas). Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC,        17        Dez.    2008.   Disponível      em: www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/processocivil/2139. Acesso em: 11 Out. 2012

DIDIER JR, Fredie. Execução. In: Curso de Processo Civil. Vol. 5. 3ª ed. Editora Jus PODIVM.

FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2. ed. São Paulo. 2010. Ed. Revista dos Tribunais.

FORNACIARI JÚNIOR, Clito. A reforma do Código de Processo Civil. São Paulo. Saraiva, 1996, p. 177).

FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 1298.

LEÃES, Luis Gastão Paes de Barros. Rompimento da boa-fé e conflito de interesses. Pareceres. São Paulo. Singular, 2004, vol. 2.

LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro. Forense. 1974.

MARIONI, Luiz Guilherme et al. Curso de Processo Civil. 2. ed. São Paulo. 2008. vol. 3. Ed. Revista dos Tribunais.

MELO, Diogo Leonardo Machado de. Obra cit.  pp. 122.

MELLO, Jefferson Douglas Santana. Novos contornos da fraude à execução: consoante a Súmula 375 do STJ. Vol. 71. São Paulo. Jul./dez. 2011. Ed Revista dos Tribunais, pags. 207237.

MOURA, Mário de Aguiar. AJURIS, 12/68.

PASSOS, J. J. Calmon. In: A Função Social do processo. Artigo retirado da página http://www.solar.com.br/~amatra/trt03_2.html). Em 24.10.2012.

REBOUÇAS, Rodrigo Fernandes. Direitos Reais no Código Civil de 2002: Inovações. Revista de Direito Imobiliário. IRIB. Vol. 71. Jul./dez./2011. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais.

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Execução Civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior. Coordenação, Ernani Fidélis dos Santos, et al. São Paulo: 2007. Ed. Revista dos Tribunais.

THEODORO JR, Humberto, Processo de Execução, São Paulo, LEUD, 1981, p. 264.

WAMBIER, Luiz Rodrigues el al. Curso Avançado de Processo Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Vol. 1. 10.ed. ver. Atual. e ampl.- São Paulo. Ed. RT.2008.p.353.                        


Notas

[1] DINAMRCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, 3ª edição, 2009, Ed. Malheiros.

[2] DINAMARCO, Cândido Rangel; Obra cit., pp. 32. 

[3] Art. 620 - Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.

[4] DINAMARCO, Cândido Rangel. Obra cit., pp. vsº.422/423.

[5] ASSIS, Araken de. Manual da Execução, 12ª ed., Ed. RT, 2009, pp.270/271.

[6] CAHALI, Yussef Said. Fraudes contra Credores. pp.385-386; WELTWE, Belmiro Pedro. Fraude de Execução, pp.18-20.

[7] MELO, Diogo Leonardo Machado de. Obra cit.  pp. 122.

[8] AZEVEDO, Luiz Carlos de. Fraude contra credores, Revista da Escola Paulista da Magistratura, v. 3, nº 1, p. 5365, janeiro/junho – 2002.

[9] ASSIS, Araken de. Obra cit. Pp. 272.

[10] ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, 5ª ed., p. 351.

[11] DIAS, Maria Berenice. Fraude à execução (algumas questões controvertidas). Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 17 Dez. 2008. Disponível em: www.investidura.com.br/bibliotecajuridica/artigos/processocivil/2139. Acesso em: 11 Out. 2012

[12] ASSIS, Araken de Assis. Manual da Execução. 12. ed. rev., ampl. e atual.- São Paulo. Ed. RT. 2009. p. 481. 

[13] WAMBIER, Luiz Rodrigues et al. Curso Avançado de Processo Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Vol. 1. 10.ed. ver. Atual. e ampl.- São Paulo. Ed. RT. 2008.p.353.

[14]4ª T. do STJ, REsp. 2.429-SP, 19.06.1990, Rel. Min. Barros Monteiro, RJSTJ 2(12)/385.

[15]  MACHADO DE MELO, Diogo Leonardo. Art. 615-A do CPC e a fraude à execução em alienação imobiliária: mais um motivo para a proteção ao terceiro de boa-fé. In: Aspectos Polêmicos da Nova Execução. V. 4. (Coord. BUENO, Cassio Scarpinella et al. 2009. RT. p.122.

[16]DIDIER JR, Fredie. Execução. In: Curso de Processo Civil. Vol. 5. 3ª ed. Editora Jus PODIVM. p. 309.

[17] CAHALI, Youssef Said. Fraudes Contra Credores, 4ª ed., São Paulo. 2008,  Ed. RT, pp. 355/356. 

[18] 2ª C do 1º TAlçCivSP (27.02.1985, RT 604/117).

[19] BRÊTAS DE CARVALHO, Ronaldo. Fraude à execução/nulidades. Digesto de Processo/Revista Brasileira de Direito Processual. v. 03. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 02.

[20] Art. 492. É competente execução contra: 

§ 6.º O comprador ou possuidor de bens hipotecados, segurados ou alienados, em fraude de execução (art.494); e em geral contra todos os que recebem causa do vencido, como comprador da herança.

[21] MOURA, Mário de Aguiar, AJURIS, 12/68.

[22] AI Nº0045730-45.1997.8.26.0000  Relator, A Santini Teodoro, 7ª Câmara (Extinto 1° TAC) Data de registro: 17/11/1998  Ementa: FRAUDE A EXECUÇÃO - CARACTERIZAÇÃO COM A CITAÇÃO VALIDA DO DEVEDOR - INSUFICIÊNCIA DO SIMPLES AJUI2AMBNT0 DA DEMANDA - RECURSO DESPROVIDO.  

[23]  AI Nº9011682-04.1997.8.26.0000 - EXECUÇÃO DE SENTENÇA  - Relator: Pinheiro Franco  - 10ª Câmara de Direito Privado  Data de registro: 29/10/1997  - Ementa: Execução de sentença. Bens penhorados e depositados em poder do devedor. Alienação de tais bens. Fraude de execução decretada. Ato atentatório à dignidade da Justiça. Agravo improvido.

[24]  AI Nº0045730-45.1997.8.26.0000 - Relator: A Santini Teodoro  - 7ª Câmara (Extinto 1° TAC-SP) - Data de registro: 17/11/1998 - Ementa: FRAUDE A EXECUÇÃO - CARACTERIZAÇÃO COM A CITAÇÃO VALIDA DO DEVEDOR - INSUFICIÊNCIA DO SIMPLES AJUI2AMBNT0 DA DEMANDA - RECURSO DESPROVIDO.  

[25] AI Nº 773.170-4,Relator Windor Santos, 6ª Câmara (Extino 1º TAC) - Data de registro: 24/11/1998 - FRAUDE À EXECUÇÃO - imóvel alienado antes da citação dos devedores. Irrelevância – Fraude reconhecida  nos termos do artigo 593, II, do CPC - Agravo provido.

[26] Apelação nº  9093109-23.1997.8.26.0000 -Relator: Ernani de Paiva  - Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado  - Data de registro: 26/11/1997 - Ementa - Fraude à execução - Embargos de terceiro - Rejeição. "É ineficaz em relação ao credor a alienação do bem, feita na pendência de ação capaz de reduzir o devedor à insolvência".

[27] Fraude Contra Credores, p. 465.

[28] Curso de Direito Processual Civil, Execução, v. 5, 3ª edição, 2011, Ed. Jus PODIVM.  

[29] CAHALI, Yussef Said. Fraudes contra credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal. 3. ed. rev. e atual. com o novo código civil. São Paulo: Ed.RT, 2002, p. 569.

30.  FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 1298.

31.  DIAS, Maria Berenice. Fraude à execução (algumas questões controvertidas). Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 17 Dez. 2008. Disponível em: www.investidura.com.br/bibliotecajurídica/artigos/processocivil/2139. Acesso em: 18 Out. 2012.

[32] Art. 263 - Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no Art. 219 depois que for validamente citado.

[33] DIAS, Maria Berenice. Artigo citado.

[34] ASSIS, Araken de. Comentários ao código de processo civil. v. 6: arts. 566 a 645. Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 246.

[35] STJ, 3ª Turma, REsp 46340/SP, Rel. Min. CLÁUDIO SANTOS, DJ 15/08/1994 p. 20335.Ementa - FRAUDE A EXECUÇÃO. CITAÇÃO. Não configura fraude a execução a alienação promovida anteriormente a citação válida, eis que conforme preceitua o art. 593, II, do CPC a fraude pressupõe a litispendência.

[36] STJ, 4ª Turma, REsp 55884/RS, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 20/02/1995 p. 3193. Ementa -  PROCESSO CIVIL. FRAUDE DE EXECUÇÃO. INOCORRENCIA. IMOVEL ALIENADO POR CO-EXECUTADO ANTES DE SUA CITAÇÃO. ART. 593, II, CPC. PRECEDENTES (DENTRE OUTROS, RESPS 2573-RS, 2429-SP, 5208-SP,7429-PR, 4755-SP, 22330-MG, 45519-SP, 16823-SP, 40306-SP). RECURSO NÃO CONHECIDO. Na linha dos precedentes da Corte, não se considera realizada em fraude de execução a alienação ocorrida antes da citação do executado alienante.

[37] DIDIER JR, Fredie. Obra citada, p. 539. 

[38] Parecer publicado no DJE de 17.01.86 e em Bol. AASP 1.415.29.01.86, p. 6-7.

[39] Cf. 1º TAC-SP. 8ª Câm, MS 651.497-00/0, rel. Juiz Ruy Coppola, j. 21.09.00. “A certidão do distribuidor é obrigatória, nos termos da Lei 7.433/85, que indica os documentos mínimos necessários para a prática do ato notarial. O que ocorre, muitas vezes, é que o adquirente dispensa, como pode fazer, por sua conta e risco, a exibição do documento.”

[40] Art. 659. (..) § 4º. A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, e inscrição no respectivo registro.

[41] CENEVIVA, Walter. Lei de Registros Públicos Comentada. 10ª ed. São Paulo. Saraiva. 1995. p.356 e 445. 

[42] CARMONA, Carlos Alberto. O processo de execução depois da reforma. In. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.), Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 759. Também Clito Fornaciari Junior: “o dispositivo feriu o princípio da publicidade do processo, exigindo uma publicidade a mais, que vem a ser a do registro imobiliário. Antes do registro, a penhora não está realizada, segundo a lei. Sendo assim, a intimação da penhora, de onde começa a fluir o prazo para o oferecimento dos embargos, somente poderá ser feita após o registro. Da mesma forma, somente com esse ato se tem a vinculação de determinado bem do devedor para a solução do débito.”(FORNACIARI JÚNIOR, Clito. A reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 177).

[43] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 299.

[44] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Execução Civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior. Coordenação, Ernani Fidélis dos Santos, et al. São Paulo. Ed. RT. 2007 – p.33.

[45] ANDRIGHI, Fátima Nancy. O Registro da penhora e a reforma do Código de Processo Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.), Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p.811-812.

[46] Essa foi a corrente que passou a prevalecer no STJ, como se verifica do voto do Min. Teori Albino Zavascki em um dos precedentes que deram origem à súmula 375: Toda a controvérsia gira em torno de se saber se o registro da penhora é ou não pressuposto indispensável à configuração de fraude na alienação do bem imóvel penhorado. Em nossa lei processual, a determinação de registro da penhora de bem imóvel surgiu, formalmente, com a inclusão, pela Lei 8.953/94, do § 4º ao art. 659. Entretanto, mesmo antes disso, a jurisprudência já considerava que o registro constituía prova segura e suficiente para elidir a presunção de boafé do adquirente do bem imóvel penhorado. Nesse sentido, aliás, dispunha o art. 245 da Lei 6.015/73 (a inscrição da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior). A esse respeito, a jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que, ante a ausência do registro da penhora, para que seja caracterizada fraude à execução, impõe-se ao credor o ônus de provar que o adquirente tinha ciência da constrição que pesava sobre o imóvel. (STJ. 1ª T. REsp. 865.974/RS., rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 02.09.08 – a menção ao art. 245 refere-se à numeração antiga da Lei nº6.015/73).

[47] “Fraude de execução. Pode ocorrer se a alienação é efetuada após a citação para o processo de conhecimento. Não se faz indispensável que já se tenha instaurado execução.” (STJ, 3ª Turma, AG 11.981/RJ, Ag.Rg., rel. min. Eduardo Ribeiro, j. em 10.9.91, DJU 23.9.91, p. 13.084).

[48] DINAMARCO, Cândido Rangel Dinamarco. In: A reforma do Código de Processo Civil. São Paulo. Malheiros. 1995, pp. 247 e 248.

[49] COSTA, Moacyr Lobo da. In: Reforma do Código de Processo Civi. Coord. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo. Saraiva.1996. pp. 832 e 833.

[50] ANDRIGHI, Fátima Nancy. In Reforma do Código de Processo Civil. Coord. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo. Saraiva. 1996, p. 810.

[51] BARROS, Luis Carlos de. Revista da Escola Paulista da Magistratura, v. 3, nº 2, p. 93-103, julho/dezembro – 2002.

[52] Apud THEODORO JR, Humberto, Processo de Execução, São Paulo, LEUD, 1981, p. 264.

[53] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo. Malheiros.2002. p. 269-270.

[54] Diferentemente do acórdão no EREsp. 114.415/MG, que fora unânime, neste restaram vencidos a ministra Nancy Andrighi e o relator sorteado, Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, declarando esse último em seu voto que “... somente quando a venda não é feita diretamente pelo executado é que deve prevalecer a necessidade de provar o credor que o comprador tinha conhecimento da ação capaz de reduzir o devedor à insolvência; não quando se trate de compra diretamente do executado. O que existe, neste caso, é a compra do bem diretamente do executado. A jurisprudência da Corte é no sentido de que não há "fraude de execução na aquisição feita por terceiro de boa-fé, que compra o bem de outro que não o executado, antes da penhora, sem que houvesse inscrição da distribuição do processo de execução e sem prova de que o adquirente sabia da existência da demanda capaz de levar o primitivo proprietário à insolvência. Nesse caso, a declaração de ineficácia da primeira venda não atinge o terceiro subadquirente de boa-fé" (REsp nº 246.625/MG, Relator o Senhor Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 28/8/00; no mesmo sentido: REsp nº 145.296/SP, Relator o Senhor Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 20/3/00; REsp nº 298.558/RJ, da minha relatoria, DJ de 27/8/01). Em outro precedente, a Segunda Seção, prestigiando o princípio da boa-fé, assentou que "não registrada a penhora, a ineficácia da venda, em relação à execução, depende de se demonstrar que o adquirente, que não houve o bem diretamente do executado, tinha ciência da constrição " (REsp nº 185.138/SP, Relator o Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 28/6/99). Finalmente, merece destacado precedente de que foi Relator o Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, no sentido de que não registrada a penhora, "a ineficácia da venda, em relação à execução, depende de se demonstrar que o adquirente, que não houve o bem diretamente do executado, tinha ciência da constrição " (REsp nº225.091/GO, DJ de 28/8/00). Parece-me que esta é a orientação condizente com o espírito que inspirou a construção jurisprudencial. De fato, se a compra é feita diretamente do executado, as certidões necessárias para a realização da transferência da propriedade indicarão a existência da ação de execução distribuída, autorizando o comprador a apurar melhor a situação do bem a ser adquirido. Quando a venda não é feita diretamente do executado, mas, sim, de terceira pessoa, é evidente que as certidões de distribuição não registrarão aquela ação em que figura como réu o antecedente na cadeia sucessória, deixando o adquirente na impossibilidade de constatar a presença de pendência executiva contra o vendedor. Com tais razões, eu conheço do especial, mas, nego-lhe provimento.

[55] ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução, cit. P. 455.  

[56] Dentre vários acórdãos, cito o proferido na Apelação Cível nº 248-6/3/SP., publicado em 20 de abril de 2005, em caso onde se pretendeu o registro de penhora sobre direitos de compromissário comprador, relativo a contrato de promessa de venda e compra não registrado, sob o argumento, dentre outros, de que o juízo da execução teria reconhecido a existência do indigitado contrato. Mas, por óbvio, não basta que o contrato exista, ele deve estar registrado, pois é o registro que constitui o direito real inter vivos no nosso ordenamento jurídico, como se vê do artigo 1.245 do Código Civil. Daí que o Conselho Superior da Magistratura manteve a negativa de ingresso da penhora no fólio real, averbando que "o prévio registro do contrato de compromisso de compra e venda é requisito para o registro da penhora que recaiu sobre os direitos que são titulares os compromissários compradores". E há que se verificar também a extensão dos direitos do executado. Não adianta o executado figurar como titular de certo direito sobre o imóvel e a penhora referir-se a direito de conteúdo diferente. Assim, por exemplo, na Apelação Cível 283-6/2, comarca de Cotia, DOE de 11.03.2005, negou-se o registro de Carta de Arrematação que instrumentalizava a arrematação do imóvel, quando na verdade o executado detinha apenas os direitos de compromissário comprador, pertencendo o domínio a terceiro estranho à execução.

[57] P R O V I M E N T O N° 30/2011. Torna obrigatório o uso do sistema da ‘penhora online’ no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo. O DESEMBARGADOR MÁRIO DEVIENNE FERRAZ, CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, em exercício, no uso de suas atribuições legais; CONSIDERANDO que o Tribunal de Justiça mantém parceria com a Associação de Registradores de São Paulo – ARISP, para a utilização gratuita do sistema denominado ‘penhora online’. CONSIDERANDO que a sistemática é segura, econômica e contribui para a celeridade processual. CONSIDERANDO que o sistema da ‘penhora online’ permite não só a averbação da penhora, mas também a pesquisa de titularidade de imóveis e a requisição de certidões imobiliárias. R E S O L V E: Artigo 1º - As penhoras determinadas por Juízos do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, que incidirem sobre imóveis situados no Estado, deverão ser comunicadas aos respectivos Oficiais de Registro de Imóvel, para averbação, exclusivamente através do sistema denominado ‘penhora online’, vedada, para esse fim, a expedição de certidões ou mandados em papel. Artigo 2º - A certidão de que trata o item 48 do Capítulo IV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, deverá ser expedida, obrigatoriamente, através do preenchimento do respectivo formulário eletrônico existente no sistema da ‘penhora online’. Artigo 3º - As requisições de pesquisa de titularidade de imóvel e de certidões imobiliárias que provenham de Juízos do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, relativas a imóveis situados no Estado, somente poderão ser feitas através do sistema da ‘penhora online’, vedada a expedição de ofícios aos respectivos Oficiais Registradores com tal finalidade. Artigo 4º - Pedidos de pesquisa e de certidões encaminhados à Egrégia Corregedoria Geral

[58] ASSIS, Araken de. In: Aspectos polêmicos da nova execução. Coord. BUENO, Cassio Scarpinella et al. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 2008, vol. 4, p. 48. 

[59] DIDIER JUNIOR, FREDIE. Obra cit. P. 534.

[60] FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo. Ed. RT, 2010, p.106.

[61] LEÃES, Luis Gastão Paes de Barros. Rompimento da boa-fé e conflito de interesses. Pareceres. São Paulo. Singular, 2004, vol. 2.

[62] FORGIONI, Paula A. Obra cit. P. 101.

[63] REBOUÇAS, Rodrigo Fernandes. Direitos Reais no Código Civil de 2002: Inovações. Revista de Direito Imobiliário. IRIB. Vol. 71, p. 159. Jul./dez./2011. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 

[64] MELLO, Jefferson Douglas Santana de. Revista citada, p.  213. 

[65] FORGIONI, Paula A. Obra cit. P. 214. 

[66] Art. 292. Feita a citação do réu, considerar-se-á proposta a ação, correndo, da entrega em cartório do mandado cumprido, o prazo de dez (10) dias para a contestação, observado o disposto no art. 33.  

[67] Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial.

[68] Art. 263. Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no art. 219 depois que for validamente citado.

[69] MELLO, Jefferson Douglas Santana. Novos contornos da fraude à execução: consoante a Súmula 375 do STJ. Vol. 71. São Paulo. Jul./dez. 2011. Ed Revista dos Tribunais, pags. 207-237.

[70] MARIONI, Luiz Guilherme et al. Curso de Processo Civil. 2. ed. São Paulo. 2008. vol. 3. Ed. Revista dos Tribunais, p. 264. 

[71] PASSOS, J. J. Calmon. In: A Função Social do processo. Artigo retirado da página http://www.solar.com.br/~amatra/trt03_2.html). Em 24.10.2012. 


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.