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Efeitos justrabalhistas da atividade ilícita desempenhada por crianças e adolescentes no Brasil

Efeitos justrabalhistas da atividade ilícita desempenhada por crianças e adolescentes no Brasil

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Milhares de crianças e adolescentes trabalham no Brasil. O Poder Judiciário, que deveria zelar pela garantia dos direitos dessas crianças e adolescentes não o faz, quando se trata de atividade laboral ilícita.

RESUMO: Milhares de crianças e adolescentes, entre cinco e 17 anos, trabalham no Brasil. A maioria delas motivada pela ausência de políticas públicas que lhes garantam o exercício de seus direitos de cidadãos. Assim, tentando obter melhores condições de sobrevivência, muitas dessas crianças e adolescentes acabam atuando também na chamada “economia clandestina”, ou seja, exercendo atividades laborais ilícitas. Nesse contexto, o poder judiciário que deveria zelar pela garantia dos direitos dessas crianças e adolescentes, não o faz, quando deixa de atribuir efeitos justrabalhistas ao exercício de atividade ilícita desempenhada pelas mesmas. É o que se observa da OJ 199 da SDI1, do colendo TST: “É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico.”. Da mesma forma, asseveram diversos doutrinadores, a exemplo de Delgado (2009, p. 472): a ordem jurídica brasileira somente confere validade ao contrato que tenha por objeto lícito. Certo é que, partindo de uma interpretação teleológica e sistematizada da Constituição Federal, Consolidação das Leis Trabalhistas, Código Civil, Estatuto da Criança e do Adolescente, e demais legislações correlatas; usando como pano de fundo os princípios da proteção integral à criança e ao adolescente, da dignidade da pessoa humana e do direito à igualdade material, percebe-se o manifesto equívoco dos aludidos entendimentos, quando o executor de tais atividades ilícitas forem crianças e adolescentes do nosso país.

PALAVRAS-CHAVES: trabalho; ilícito; criança.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Da definição legal de “criança” e “adolescente” 3. Do critério legal para o trabalho de criança e adolescente 4. Da atividade ilícita 5. Da proteção integral à criança e ao adolescente 6. Da dignidade da pessoa humana, 7. Do princípio da igualdade,  8. Dos efeitos justrabalhistas da atividade ilícita desempenhada por criança e adolescente 9. Conclusão


1 INTRODUÇÃO

De acordo com o PNAD (Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio), existiam, em 2001, cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos, trabalhando no Brasil. Desse total, em torno de 300 mil tinham entre cinco e nove anos; 2,8 entre milhões entre 10 e 15 anos; e 2,4 milhões entre 16 e 17 anos. [1] O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revela ainda em pesquisa feita em 2003, que quanto mais pobres os adolescentes, menos estudam, mais cedo começam a trabalhar e menos qualificados são os postos de trabalho que ocupam.[2] Em todas as regiões do país verifica-se trabalho desenvolvido por crianças e adolescentes carentes, motivado, sobretudo, pela ausência de políticas públicas que lhes garantam o exercício de seus direitos de cidadão, sendo certo que, tentando obter melhores condições de sobrevivência, muitas dessas crianças acabam atuando também, na chamada “economia clandestina”, tal como: prostituição, venda de produtos piratas, jogos do bicho, dentre outros.

Não obstante tal realidade, que revela a ineficiência e inoperância do poder público quanto à garantia de direitos fundamentais aos seus mais sensíveis e necessitados cidadãos; o poder judiciário, que deveria zelar pela garantia de tais direitos, não o faz, quando deixa de atribuir efeitos justrabalhistas ao exercício de atividade ilícita desempenhada por suas crianças e adolescentes. Explicando melhor: ao obreiro que realiza atividade laboral ilícita, ainda que seja criança ou adolescente, não lhes são conferidos os direitos previstos na Constituição Federal, Consolidação das Leis do Trabalho, Normas Coletivas, dentre outras vigentes no país. Exemplo disso está no entendimento consagrado na OJ 199 da SDI1, do Tribunal Superior do Trabalho, que assim diz: “É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico.”; e nas diversas vozes doutrinárias do nosso país, tal como na do doutrinador Delgado (2009, p. 472): a ordem jurídica brasileira somente confere validade ao contrato que tenha por objeto lícito (art. 145, II, CCB/1916; art. 166, II, CCB/2002).

Tal entendimento parte da idéia de necessidade de adequação do contrato de trabalho aos elementos jurídico-formais enunciados no direito civilista, que são: capacidade das partes, licitude do objeto, forma prescrita ou não vedada por lei; bem como da idéia de que o exercício de atividade ilícita conspira contra o interesse público, afronta bem social relevante, portanto, indigno de receber a valoração do trabalho e, por conseguinte a tutela justrabalhista. (DELGADO, 2009). Cumpre destacar que a atividade laboral ora referida, assim como o termo “trabalho” que será vastamente utilizado, trata-se daquele com observância dos requisitos insculpidos no art. 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas, portanto, não eventual, com recebimento de salário e subordinação; logo, aquele trabalho que atrai a aplicação do diploma consolidado, assegurando-se todos os direitos de um contrato de trabalho.

Como dito, referido entendimento tem sido aplicado indistintamente, inclusive quando o executor da atividade ilícita trata-se de criança ou adolescente. Nesse sentido, o presente estudo busca demonstrar o manifesto equívoco da aplicação do aludido entendimento quando o executor da atividade ilícita é criança ou adolescente, face o ordenamento jurídico vigente, partindo de uma interpretação sistematizada da Constituição Federal, Consolidação das Leis Trabalhistas, Código Civil, Estatuto da Criança e do Adolescente, e demais legislações correlatas, tendo como pano de fundo os princípios da proteção integral à criança e ao adolescente, da dignidade da pessoa humana e do direito à igualdade material.

Para tanto, convém esclarecer, inicialmente, o que vem a ser “criança” e “adolescente”, bem como apresentar os critérios legais para o desempenho de atividade laboral por aqueles. Em seguida, dada a definição de “atividade ilícita”, expor os princípios e questionamentos que revelarão o porquê de a atividade ilícita desempenhada por crianças e adolescentes merecer a produção dos efeitos justrabalhistas mencionados.


2 DA DEFINIÇÃO LEGAL DE “CRIANÇA” E “ADOLESCENTE”

O Estatuto da Criança e do Adolescente define que crianças e adolescentes são pessoas em processo de desenvolvimento, considerando, para efeitos da lei, um critério objetivo, para defini-los no qual criança é pessoa que tenha até doze anos incompletos de idade e adolescente a pessoa que tenha entre doze e dezoito anos de idade, conforme artigo 2º da Lei 8.069/90.

Assim, a legislação classificou infância e adolescência como estágios do desenvolvimento humano que precedem à idade adulta, nos quais a pessoa passa por transformações psíquicas, biológicas e socioculturais, razão pela qual seria ela, nesses aspectos, mais vulneráveis, portanto, merecedora de tutela especial do estado. (GOULART, 2005)

No mesmo sentido, entende-se por adolescência a fase de transição entre a infância e a idade adulta que envolve grandes mudanças físicas, cognitivas e psicossociais inter-relacionadas, com o começo e fim não claramente marcados, sobretudo nas sociedades ocidentais, podendo durar por aproximadamente uma década. Em geral, considera-se iniciar a adolescência com a puberdade, quando se conduz a maturidade sexual ou fertilidade e terminar em torno dos vinte anos de idade (FELDMAN, 2006)

De modo, o Estatuto dispôs, no artigo 69, que o adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observado o respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Portanto, o reconhecimento da condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento humano, passou a ser um princípio jurídico norteador da interpretação e da aplicação da lei, previsto no artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente, portanto, objeto de conhecimento do jurista. (Goulart, 2005)

Art. 6º. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento. (grifo meu)

Plácido e Silva (1987, p. 145) define adolescência como “o período que sucede à infância. Inicia-se com a puberdade e acaba com a maioridade. Deriva do latim adolescere, que significa cresce”.


3 DO CRITÉRIO LEGAL PARA O TRABALHO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE 

A Constituição Federal estabeleceu no art. 7º, inciso XXXIII os limites acerca do trabalho realizado por crianças e adolescentes, quando definiu a proibição do trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e vedou o exercício de qualquer trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos. A idade mínima de 14 anos para o trabalho seguiu igualmente garantida no art. 227 § 3º, assim como a proteção aos direitos previdenciários e trabalhistas.

Assim sendo, vê-se que a Constituição Federal acabou por estabelecer limites ao trabalho realizados por crianças e adolescentes; ou melhor, às crianças (pessoa que tenha até doze anos incompletos de idade) o vedou totalmente; e aos adolescentes, o permitiu com ressalvas, como consta acima.

A Consolidação das Leis Trabalhistas, por sua vez, seguindo as mesmas diretrizes, reproduziu nos artigos 402 e seguintes tais critérios, de modo que resguardou a proteção ali imposta e ampliou a normativa constitucional no parágrafo único do art. 403, quando assim dispôs: O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, e em locais que não permitam a frequencia à escola.

O Estatuto da Criança e do Adolescente também dispôs, no artigo 69, que o adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observado o respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.


4 DA ATIVIDADE ILÍCITA

Entende-se por atividade ilícita, para efeitos justrabalhista, o trabalho que compõe um tipo legal penal ou concorre diretamente para ele. (DELGADO, 2009).

Ainda de acordo com o doutrinador, não se deve confundir atividade ilícita com atividade irregular. Para ele, irregular “é o trabalho que se realiza em desrespeito a norma imperativa vedatória do labor em certas circunstâncias ou envolvente de certos tipos de empregado”. (DELGADO, 2009, p. 472)

Extrai-se da conceituação acima, que trabalho irregular seria aquele em que há o desrespeito às normas trabalhistas, a exemplo de manter criança ou adolescente realizando trabalho noturno ou em condições insalubres; enquanto que o trabalho ilícito seria aquele que incide num tipo penal criminal, a exemplo de desmatar área sob proteção ambiental para extração ilegal de madeira, vender produtos piratas, dentre outros.

Esclarecido mais esse ponto, passa-se à análise dos princípios abaixo, que conduzem a uma interpretação mais apurada da norma jurídica, sobretudo através de uma interpretação sistematizada que obedecerá ao seu caráter teleológico e social.


5 DA PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Primeiramente, convém demonstrar que sendo a criança e adolescente pessoa em desenvolvimento, a Constituição Federal adotou a Doutrina de Proteção Integral, consagrada na Convenção das Nações Unidas dos Direitos da Criança, colocando-as como sujeitos de direitos, conforme se vê no artigo 227, in verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No mesmo dispositivo constitucional, art. 227, § 3º, inciso II, o poder legislativo constituinte, assim determinou:

§ 3º. O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

(...)

II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; (grifo meu)

Com isso, o legislador constitucional concedeu proteção especial à criança e ao adolescente, sobretudo, no que tange à garantia dos direitos previdenciários e trabalhistas, sendo certo que quando se fala em proteção especial, está-se a falar em diferenciação de tratamento com relação aos demais trabalhadores, que já gozam da proteção originada do princípio protetivo do direito trabalhista, ou seja, concede a constituição, nesse dispositivo, um plus com relação à criança e ao adolescente trabalhador.

Tal diferenciação de tratamento é também observada no art. 228 da Constituição Federal, quando a mesma eleva a inimputabilidade do menor de 18 anos à condição de princípio constitucional, que assim se lê: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”.

Neste diapasão, o Estatuto da Criança e do Adolescente reproduziu a proposta constitucional de proteção à população infanto-juvenil, quando dispôs no primeiro artigo: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”. Passando a discorrer, nos artigos subseqüentes, acerca dos direitos fundamentais a que crianças e adolescentes gozam, na qualidade de pessoa humana, tais como: à vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, cultura, esporte, lazer, profissionalização e proteção no trabalho, sem prejuízo da proteção integral a que as mesmas têm direito.

O artigo 18 do mesmo Estatuto previu ainda, a responsabilidade de todos em zelar pela dignidade das crianças e adolescentes, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Além de incumbir à sociedade, à família e ao Estado, no artigo 5º, o dever de protegê-los de toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade, exploração e opressão.

O Estatuto também dispõe, no artigo 69, que o adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observado o respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Também estabeleceu no artigo 70 que “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.”

Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente materializou a Doutrina da Proteção Integral, trazendo profundas alterações políticas, culturais e jurídicas quanto à questão da criança e do adolescente. No entanto, a principal mudança cultural girou em torno da concepção de criança e adolescente como sujeitos de direitos fundamentais, abrangendo os direitos inerentes a toda e qualquer criança e adolescente e não apenas aquelas em situação de risco social ou em conflito com a lei. [SOARES, 200_]

Diante disso, restou evidente o reconhecimento da condição peculiar da criança e adolescente, de modo que o ordenamento jurídico buscou prover, aos mesmos, total proteção, sobretudo no que tange ao exercício da atividade laboral, colocando-os na condição de detentor de maior proteção e relevância, em relação a um trabalhador comum.


6 DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 

Na visão de GOULART, (2005, p. 106) as sociedades democráticas têm como fundamento a dignidade da pessoa humana e objetivam a promoção do bem comum. Segundo o autor, a dignidade da pessoa humana “implica reconhecimento da pessoa na sua tríplice dimensão – ser individual, ser social e ser humano – como sujeitos de direitos fundamentais.”, e o bem comum, (João XXIII apud GOULART, 2005, p. 06) “é o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”

Com isso, o autor demonstrou que os direitos fundamentais devem ser respeitados pela sociedade e pelos poderes públicos, sobretudo os direitos fundamentais sociais, econômicos, coletivos e difusos, que são capazes de garantir ao indivíduo o desenvolvimento integral de sua personalidade e sadia qualidade de vida. (GOULART, 2005)

Tal entendimento também segue identificado nos ensinamentos de DELGADO (2009, p. 77), quando o mesmo assim leciona:

A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural -, o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego, normatizado pelo Direito do Trabalho. (grifo meu)

Ou seja, da lição acima fica claro que a dignidade humana materializa-se também através de conquistas do indivíduo que o coloca em situação social capaz de lhe oportunizar condições digna de vida. Faz-se necessário que o indivíduo tenha capacidade econômica e financeira, a fim de se reafirmar como ser social.


7 DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE 

Os princípios gerais do direito irradiam-se por todos os segmentos da ordem jurídica, cumprindo o relevante papel de assegurar organicidade e coerência integradas à totalidade do universo normativo de uma sociedade política. (DELGADO, 2009)

Nesse sentido, faz-se necessário observar que o Estado Brasileiro traçou no artigo 5º da Constituição Federal as linhas do Estado Democrático de Direito, nele incluindo o direito à igualdade, onde assim reza: 

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

Segundo Toscano (2004), in “O Princípio da Igualdade”:

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida de direito, sem que se esqueça, porém, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal. (grifo meu)

Partindo desse pressuposto, já consagrado, de que a igualdade se opera com a imposição de tratamento desigual aos desiguais, na medida em que se desigualam, fica evidente que a Constituição Federal, ao consagrar a doutrina da proteção integral à criança e adolescente, quis lhes dar tratamento desigual, em razão da sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, tanto que já previu no artigo 228 tratamento desigual, ao considerá-los inimputáveis: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”.

Tal diferenciação seguiu ratificada pelos diversos diplomas legais, assim como: Código Penal, quando os declarou inimputáveis; Código Civil, quando os considerou relativamente e absolutamente incapazes; Estatuto da Criança e do Adolescente, ao estabelecer prioridade absoluta de atendimento e, por fim, Consolidação das Leis do Trabalho quando previu uma proteção especial ao vedar o labor em horário noturno, e em atividades insalubres ou perigas.

Portanto, inquestionável é a situação em voga, quanto ao tratamento diferenciado que de ser despendido a crianças e adolescentes quanto ao desempenho de atividades laborais ilícitas. Não se deve prestar a estes o mesmo tratamento a que se despende aos maiores e capazes, sob pena de, assim o fazendo, incorrer o operador do direito em violação do princípio da igualdade.

Continua TOSCANO (2004), salientando que:

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos geneticamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal, quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado.

Sob esse aspecto bem enfatizou LIBERATI e DIAS (2006, p. 101):

É evidente a importância que o Poder Judiciário tem ao dar uma resposta à sociedade acerca de danos experimentados por jovens trabalhadores, como órgão encarregado de solucionar litígios e promover a pacificação social.

(...)

A responsabilidade do magistrado que atua na área da infância e da juventude é muito grande, razão pela qual não pode ater-se apenas à aplicação técnica do direito, pois, em virtude da condição particular de pessoa em desenvolvimento, crianças e adolescentes são dotadas de estados psicológicos peculiares, inerentes a essa idade. Sendo assim, quando chegam a sofrer lesões de índole física ou moral, não podem ser equiparados aos adultos, visto que não possuem o mesmo poder de absorção dos fatos.

Dessa forma, materialmente falando, a igualdade consiste em tratar os desigualmente os desiguais. Logo, patente a necessidade manter um olhar diferenciado à criança e adolescente, quando da interpretação das normas, vez que pessoas reconhecidamente em situação de desenvolvimento físico, mental e psicológico.


8 DOS EFEITOS JUSTRABALHISTAS DA ATIVIDADE ILÍCITA DESEMPENHADA POR CRIANÇA E ADOLESCENTE 

No cenário jurídico atual, doutrina e jurisprudência são unânimes em dizer que somente produz efeitos justrabalhistas o exercício de atividade lícita ou irregular, sendo esta última, a atividade laboral realizada em desrespeito a norma imperativa vedatória do labor em certas circunstâncias, ou envolvente de certos tipos de empregado. Não reconhecem, portanto, a produção de tais efeitos quando do exercício de atividade ilícita, ainda que o executor da mesma seja criança ou adolescente.

Exemplo dessa negativa de reconhecimento de direitos está na OJ 199 da SDI1, do Tribunal Superior do Trabalho, que diz: “É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico.” e nas diversas vozes doutrinárias do nosso país, tal como na de DELGADO (2009, p. 472), que assim leciona: a ordem jurídica brasileira somente confere validade ao contrato que tenha por objeto lícito (art. 145, II, CCB/1916; art. 166, II, CCB/2002).

Complementa ainda o autor: “(...) enquadrando-se o labor prestado em um tipo legal criminal, rejeita a ordem justrabalhista reconhecimento jurídico à relação jurídico-socioeconômica formada, negando-lhe, desse modo, qualquer repercussão de caráter trabalhista. Não será válido, pois contrato laborativo que tenha por objeto trabalho ilícito.” (DELGADO, 2009, p.472)

O mesmo também é repetido por MARTINS (2002, p. 127): “Parece-nos que a responsabilidade trabalhista é a que oferece menor dificuldade. Isto porque o dispositivo constitucional estabelece proibições que objetivam a proteção do menor de dezoito anos, e sua inobservância deve gerar efeitos, pois não se trata de trabalho ilícito.”

Como já asseverado, referidos entendimentos se respaldam na idéia de necessidade de adequação do contrato de trabalho aos elementos jurídico-formais enunciados no direito civilista, que são: capacidade das partes, licitude do objeto, forma prescrita ou não vedada por lei; bem como da idéia de que o exercício de atividade ilícita conspira contra o interesse público, afronta bem social relevante, portanto, indigno de receber a valoração do trabalho e, por conseguinte a tutela justrabalhista. (DELGADO, 2009).

Ocorre, no entanto, que tal entendimento esbarra no próprio ordenamento jurídico vigente, sobretudo no artigo 227, § 3º, inciso II da Constituição Federal, o qual se repete abaixo, que prevê a proteção especial à criança e ao adolescente, inclusive no que diz respeito à garantia dos direitos trabalhistas, conforme já bem refletido no tópico próprio.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 3º. O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

(...)

II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; (grifo meu)

Além disso, como já dito, o ECA elevou a o reconhecimento da criança e do adolescente como sendo pessoa em desenvolvimento à condição de princípio jurídico norteador da interpretação e da aplicação da lei, conforme se vê em seu artigo 6º:

Art. 6º. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento. (grifo meu)

Nesse contexto, observa-se que a Consolidação das Leis Trabalhistas estabeleceu, em seu artigo 8º, que a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais decidirá, conforme o caso, por outros princípios e normas gerais de direitos:

Art. 8.º As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Certo é que não há como se interpretar norma trabalhista em desfavor de pessoa pela qual o direito do trabalhista objetiva proteger, bem como em desfavor de pessoa pela qual a Constituição Federal garantiu proteção integral, sobretudo no que tange à garantia dos direitos trabalhistas. Tal assertiva segue corroborada por LIBERATI e DIAS (2006, p. 167) quando assim o dizem: O Direito do Trabalho se desenvolve sob o hábito protetivo, razão jurídica não havendo para se desproteger aquele que tem sua inferioridade potencializada com o fato na menoridade. Não há cotejo justificável à regra crua da lei.

Também há que se considerar que a regra jurídica que objetiva declarar a nulidade de um contrato por ter sido o mesmo celebrado por pessoa absolutamente incapaz ou quando é ilícito o seu objeto, tem como objetivo resguardar a pessoa lesada com o presente contato, não beneficiar aquele que maliciosamente o fez. Assim, também segue entendido por BEVILÁCQUA apud LIBERATI e DIAS (2006, p. 166): Nos contrato bilaterais, se uma das partes é capaz e a outra é incapaz, aquela não pode alegar a incapacidade desta, em seu próprio benefício, porque devia saber com, quem tratava e porque um remédio tutelar instituído em favor do incapaz não poderia ser aplicado em seu detrimento.  

Portanto, diante de tais considerações, vê-se a necessidade de adequação da interpretação atual retro mencionada, sob pena de assim não o fazendo, incorrer o operador do direito em contradição com os fundamentos do Estado democrático de direito - objetivos da República Federativa do Brasil. 

Outro aspecto a ser observado, que também impõe à aplicação de uma interpretação diferenciada, encontra-se no fato de que inobstante a tentativa de adequação do contrato de trabalho aos elementos jurídico-formais oriundos do Direito Civilista, certo é que, com o fim de salvaguardar a proteção ao trabalhador, coube ao Direito do Trabalho relativizar tais conceitos e aplicabilidade desses elementos, para dar validade ao contrato de trabalho e fazer gerar os seus efeitos.

Por conseguinte, as regras de nulidades previstas no Direito Civil foram modificadas no Direito Trabalhista, sobretudo no que tange à retroação dos seus efeitos, haja vista a necessidade de criação de uma teoria específica de constatação das nulidades daquele ramo jurídico, em face das suas peculiaridades e princípios diferenciados. Assim, o Direito do Trabalho estabeleceu suas próprias regras de nulidade, conforme abaixo.

No que tange ao elemento “capacidade das partes”, acabou-se por aceitar como válido e eficaz o contrato de trabalho celebrado por criança e adolescente mesmo nas hipóteses em que a lei veda a sua pactuação. Nesse aspecto, o faz com base nos fundamentos de prevalência do valor do trabalho, não-enriquecimento sem causa e impossibilidade de devolução do labor já efetivado. (DELGADO, 2009)

Tal entendimento seguiu igualmente demonstrado no dizer de NASCIMENTO apud LIBERATI e DIAS (2006, p. 102):

Se o direito do trabalho se utilizasse aqui dos critérios do direito civil estaria permitindo uma solução injusta. Desse modo, ainda quando o agente é incapaz, os direitos trabalhistas são assegurados ao trabalhador. Três são os principais fundamentos doutrinários que autorizam essa conclusão: Primeiro, o princípio da irretroatividade das nulidades, segundo o qual no contrato de trabalho todos os efeitos se produzem até o momento em que for declarada pela autoridade competente a sua nulidade. Segundo, o princípio do enriquecimento sem causa, segundo o qual o empregador estaria se locupletando ilicitamente do trabalho humano caso pudesse sem ônus dispor do trabalho do incapaz. Terceiro, a impossibilidade da restituição das partes à situação anterior, uma vez que o trabalho é a emanação da personalidade e da força de alguém: uma vez que prestado não pode ser devolvido ao atente, com o que é impossível restituí-lo ao trabalhador, não sendo justo deixá-lo sem a devida reparação. Poderia cogitar-se aqui de meras reparações de direito civil. No entanto seriam de difícil fixação, com o que é mais prático e equânime garantir ao empregado os mesmos direitos, pelo trabalho prestado, assegurados aos demais, nos termos da legislação trabalhista. (grifo meu)

No que tange ao elemento “forma”, no Direito do Trabalho essa regra se manifesta sem a necessidade de qualquer instrumentalização específica obrigatória, de modo que o contrato de trabalho é pacto e não solene, portanto, informal, consensual, podendo ser livremente ajustado, ainda que forma tácita. (DELGADO, 2009)

A relativização fora ainda mais além, alcançando o elemento “objeto lícito”, pois a doutrina acabou de atribuir efeitos justrabalhistas ao trabalho ilícito quando comprovado pelo trabalhador: o desconhecimento do fim ilícito da atividade que realizava; ou quando restasse nítida a dissociação entre o labor prestado e o núcleo da atividade ilícita, a exemplo do servente de prostíbulo. (DELGADO, 2009)

Observe que toda essa teoria fora construída pelo Direito do Trabalho para atender ao Princípio da Proteção do Trabalhador, ou seja, para resguardar ao mesmo a proteção jurídica insculpida pela lei.

Nesses moldes, considerando o reconhecimento, pela doutrina, dos efeitos justrabalhistas à atividade laboral ilícita desempenhada por trabalhador maior e capaz, que desconhecia a finalidade ilícita do seu labor; faz-se imperiosa a concessão da mesma benesse ao trabalhador criança ou adolescente, que exerce atividade laboral ilícita, haja vista o reconhecimento constitucional de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, ou seja, que não alcançara o completo discernimento, tanto que a Lei Maior o tornou inimputável por força do art. 228.

Logo, a produção dos efeitos trabalhistas ao trabalho ilícito desempenhado por criança e adolescente, deriva de uma interpretação sistemática e teleológica das normas postas, donde se extrai a responsabilidade do explorador de criança e adolescente, haja vista de tratar-se o obreiro de pessoa em desenvolvimento, inimputável e que goza de proteção integral do Estado, sobretudo no que tange à preservação da sua dignidade enquanto pessoa humana. Além disso, tal interpretação também tem como base os fundamentos já mencionados de: prevalência do valor do trabalho, não-enriquecimento sem causa e impossibilidade de devolução do labor já efetivado.

Ademais, o próprio artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que na interpretação da Lei dever-se-á levar em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos. E a Constituição, por sua vez, autoriza esse tipo de entendimento no art. 5º, § 2º ao dizer: Os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela dotados, ou tratados internacionais em que a república federativa do Brasil seja parte.

Por fim, convém destacar, que a concessão desses direitos trabalhistas a crianças e adolescente não podem ser entendidas como afronta bem social relevante, como tenta crer doutrina e jurisprudência, uma vez que o bem social de maior relevância, no caso, é a proteção integral da criança e do adolescente.


9 CONCLUSÃO

A Constituição Federal estabelece no seu artigo 3º, que tem como objetivos: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Tem ainda como fundamento: a dignidade da pessoa humana.

Com isso, à luz do que já fora explanado, a dignidade humana materializa-se também através de conquistas do indivíduo que o coloca em situação social capaz de lhe oportunizar condições digna de vida, portanto, necessário que o indivíduo tenha capacidade econômica e financeira, a fim de se reafirmar como ser social. O trabalho é meio capaz de conferir tal dignidade, ainda que no caso de crianças e adolescentes - pessoas em desenvolvimento, inimputáveis e incapazes perante a Lei - a busca por essa dignidade tenha sido pela via transversa.

A luta da criança e do adolescente para se reafirmar como ser social, ou seja, para conquistar dignidade, a ponto se sujeitar-se ao exercício de atividade laboral, seja ela ilícita ou irregular, advém da ausência do Estado, que é incapaz de cumprir seu papel e conferir aos seus mais sensíveis cidadãos a proteção integral que lhe é conferida pela lei. As estatísticas revelam a falta desses serviços públicos, de modo que não há que se falar em opção dos jovens pelo desempenho de atividades laborais ilícitas, para impedir o reconhecimento de direitos trabalhistas. Corroborar com tal argumento é dar respaldo à incompetência do Estado, excluir ainda mais esses jovens, e causar uma segregação social maior ainda. Um país que não cumpre com seu papel social, que não consegue dar condições dignas de vida às suas crianças e adolescentes, não tem respaldo moral de se amparar em tal argumento.

Ao poder judiciário, não cabe fechar os olhos para essa realidade e fazer uma interpretação fria da lei. Somente uma sociedade hipócrita é capaz de negar diretos aos milhões de jovens espalhados pelo país, renegados pelo Estado, entregues à própria sorte, e que, na falta de condições de sobrevivência, apegam-se à única opção que lhes é ofertada, submetendo-se a todo o tipo de trabalho que, na maioria das vezes, os constrange a ambientes promíscuos, torpes. Enquanto isso, o Estado se acovarda, aliena a sociedade, fazendo-a crer que são seus jovens um mal social, atribuindo-lhes a responsabilidade pelas diversas mazelas do país. Tudo com o fito de mudar o foco, ludibriar pessoas, impedi-las de enxergar que a responsabilidade, na verdade, desde o princípio, é do próprio Estado.

Ora, como considerar que um Estado que sequer consegue se estabelecer como poder público numa comunidade dominada por traficantes, não oferecendo aos seus concidadãos os serviços mais primários necessários à sua subsistência enquanto ser humano, tais como: água, energia e saneamento básico; quiçá, estudo, lazer e profissionalização às suas crianças e adolescentes; poderia depois valer-se do argumento de que reconhecer efeitos justrabalhistas às atividades laborais ilícitas pelos mesmos seria dar azo ao crime? Tal acatamento seria dizer que ao Estado cabe valer-se de sua própria torpeza! O que dá azo ao crime é a conduta negligente, incompetente e desidiosa do Estado que larga seus cidadãos à margem, sem dignidade, não lhe dando outra alternativa, senão a de buscar seu meio de sobrevivência através do único labor que lhe é oportunizado.

Portanto, não é negando os direitos dessas crianças e adolescentes que se combate criminalidade, ilicitude. Cabe ao Estado adotar medidas enérgicas e eficazes de manutenção da ordem pública, a começar pela implementação das condições básicas de vida aos seus cidadãos, tais como as que estão previstas nos artigos 86, 88 e 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A criança e adolescente é digna de proteção do Estado e não da sua repressão.

Assim, conferir efeitos justrabalhistas ao trabalho ilícito desempenhado por crianças e adolescente contribui com a implementação dos direitos fundamentais expostos por Goulart; significa tratar desigualmente os desiguais; consiste em garantir a manutenção da ordem jurídica e consagra o verdadeiro Estado Democrático de Direito. Enfim, significa fazer Justiça!


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Notas

[1] Patricia Saboya Gomes. O Combate ao Trabalho Infantil no Brasil: Conquistas e Desafios. In Trabalho Infantil e Direitos Humanos – Homenagem a Oris de Oliveira. Coordenadores Lelio Bentes Corrêa e Tárcio José Vidoti. LTR, 2005. p. 90.

[2] Wilson Donizeti Liberati e Fábio Muller Dutra Dias. Trabalho Infantil. Malheiros Editores, 2006. p. 37.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Eliude. Efeitos justrabalhistas da atividade ilícita desempenhada por crianças e adolescentes no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4003, 17 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28326. Acesso em: 19 abr. 2024.