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O STF e a natureza jurídica da sentença de transação penal

O STF e a natureza jurídica da sentença de transação penal

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O Plenário do STF começou a discutir se é possível impor à transação penal, prevista na Lei dos Juizados Especiais, os efeitos próprios de sentença penal condenatória.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal começou a discutir, na sessão do dia 29 de maio se é possível impor à transação penal, prevista na Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais), os efeitos próprios de sentença penal condenatória. A discussão se dá (sic) no Recurso Extraordinário (RE) 795567, com repercussão geral, em que se questiona acórdão da Turma Recursal Única do Estado do Paraná que, ao julgar apelação criminal, manteve a perda de bem apreendido (uma motocicleta) que teria sido utilizado para o cometimento da contravenção penal objeto da transação. Em voto pelo provimento do RE, o relator, Ministro Teori Zavascki, argumentou que a imposição de perda de bens sem que haja condenação penal ou a possibilidade de contraditório pelos acusados representa ofensa ao devido processo legal. Destacou, ainda, que as medidas acessórias previstas no artigo 91 do Código Penal, entre as quais a perda de bens em favor da União, exigem a formação de juízo prévio a respeito da culpa do acusado, sob pena de ofensa ao devido processo legal. “A imposição da medida confiscatória sem processo revela-se antagônica não apenas à acepção formal da garantia do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição, como também de seu significado material destinado a vedar as iniciativas estatais que incorram, seja pelo excesso, seja pela insuficiência, em resultado arbitrário”. O Ministro lembrou que a Lei 9.099/1995, ao introduzir no sistema penal brasileiro o instituto da transação, permite que a persecução penal em crimes de menor potencial ofensivo possa se dar mediante pena restritiva de direitos ou multa, desde que o suspeito da prática de delito concorde, sem qualquer resistência, com proposta efetuada pelo Ministério Público.

No entendimento do Ministro, de um lado, a lei relativizou o princípio da obrigatoriedade da instauração da persecução penal em crimes de ação penal pública de menor ofensividade e, por outro, autorizou o investigado a dispor das garantias processuais penais previstas no ordenamento jurídico. Logo, segundo ele as consequências geradas pela transação penal deverão ser unicamente as estipuladas no instrumento do acordo e que os demais efeitos penais e civis decorrentes da condenação penal não serão constituídos. Ressaltou que o único efeito acessório será o registro do acordo apenas com o fim de impedir que a pessoa possa obter o mesmo benefício no prazo de cinco anos. “A sanção imposta com o acolhimento da transação não decorre de qualquer juízo estatal a respeito da culpabilidade do investigado, já que é estabelecida antes mesmo do oferecimento de denúncia, da produção de qualquer prova ou da prolação de veredito. Trata-se de ato judicial homologatório expedido de modo sumário, em obséquio ao interesse público na célere resolução de conflitos sociais de diminuta lesividade para os bens jurídicos tutelados pelo estatuto penal”, afirmou.

De acordo com o Ministro, como a homologação prescinde da instauração de processo, não é permitido ao juiz, nem em caso de descumprimento dos termos de acordo, substituir a pena restritiva de direitos, consensualmente fixada, por pena privativa de liberdade aplicada compulsoriamente. Observou também que as consequências jurídicas extra penais previstas no artigo 91 do Código Penal só podem ocorrer como efeito acessório de condenação penal. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do Ministro Luiz Fux. Os Ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber acompanharam o relator pelo provimento do recurso.

Como se sabe, os arts. 1º. e 60 da  Lei nº. 9.099/95[2], regulamentando o art. 98 da Constituição Federal, previram a criação pelos Estados e pela União (no Distrito Federal) dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Ordinária (Justiça Comum Estadual e Justiça Comum do Distrito Federal). Com a Emenda Constitucional nº. 22/99, acrescentou-se um parágrafo único[3] ao referido art. 98, determinando que “lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”, o que veio a se efetivar com o surgimento da Lei nº. 10.259/2001[4].

Observa-se que a Lei nº. 10.671/2003, que dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor, prevê a criação dos Juizados do Torcedor, no âmbito da Justiça Comum Estadual e da Justiça do Distrito Federal, com competência para o processo, o julgamento e a execução das “causas” (cíveis e criminais) decorrentes das atividades reguladas na lei (art. 41-A).

Os Juizados Especiais Criminais têm competência para a conciliação, o processo, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo e poderá ser composto por juízes togados e leigos.

A Lei nº. 9.099/95 possui normas de caráter processual e outras de Direito Material; estas últimas aplicam-se em qualquer Juízo, mesmo nos procedimentos da competência originária dos Tribunais. Neste sentido é a posição tranquila adotada pelo Supremo Tribunal Federal, em consonância, aliás, com a boa doutrina, senão vejamos:

“Inq 1055 QO / AM – AMAZONAS·QUESTÃO DE ORDEM NO INQUÉRITO·Relator (a):  Min. CELSO DE MELLO ·Publicação:   DJ DATA-24-05-96 PP-17412 EMENT VOL-01829-01 PP-00028·Julgamento:   24/04/1996 - TRIBUNAL PLENO”. A Lei nº. 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, subordinou a perseguibilidade estatal dos delitos de lesões corporais leves (e dos crimes de lesões culposas, também) ao oferecimento de representação pelo ofendido ou por seu representante legal (art. 88), condicionando, desse modo, a iniciativa oficial do Ministério Publico à delação postulatória da vitima, mesmo naqueles procedimentos penais instaurados em momento anterior ao da vigência do diploma legislativo em questão (art. 91). - A lei nova, que transforma a ação pública incondicionada em ação penal condicionada à representação do ofendido, gera situação de inquestionável beneficio em favor do réu, pois impede, quando ausente a delação postulatória da vitima, tanto a instauração da persecutio criminis in judicio quanto o prosseguimento da ação penal anteriormente ajuizada. Doutrina. LEI N. 9.099/95 - CONSAGRACAO DE MEDIDAS DESPENALIZADORAS - NORMAS BENEFICAS - RETROATIVIDADE VIRTUAL. Os processos técnicos de despenalização abrangem, no plano do direito positivo, tanto as medidas que permitem afastar a própria incidência da sanção penal quanto àquelas que, inspiradas no postulado da mínima intervenção penal, têm por objetivo evitar que a pena seja aplicada, como ocorre na hipótese de conversão da ação publica incondicionada em ação penal dependente de representação do ofendido (Lei nº. 9.099/95, arts. 88 e 91). - A Lei n. 9.099/95, que constitui o estatuto disciplinador dos Juizados Especiais, mais do que a regulamentação normativa desses órgãos judiciários de primeira instância, importou em expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, criando instrumentos destinados a viabilizar, juridicamente, processos de despenalização, com a inequívoca finalidade de forjar um novo modelo de Justiça criminal, que privilegie a ampliação do espaço de consenso, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal. Esse novíssimo estatuto normativo, ao conferir expressão formal e positiva às premissas ideológicas que dão suporte às medidas despenalizadoras previstas na Lei n. 9.099/95, atribui, de modo conseqüente, especial primazia aos institutos (a) da composição civil (art. 74, parágrafo único), (b) da transação penal (art. 76), (c) da representação nos delitos de lesões culposas ou dolosas de natureza leve (artes. 88 e 91) e (d) da suspensão condicional do processo (art. 89). As prescrições que consagram as medidas despenalizadoras em causa qualificam-se como normas penais benéficas, necessariamente impulsionadas, quanto à sua aplicabilidade, pelo princípio constitucional que impõe a lis meteoro uma insuprimível carga de retroatividade virtual e, também, de incidência imediata. PROCEDIMENTOS PENAIS ORIGINÁRIOS (INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS) INSTAURADOS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CRIME DE LESÕES CORPORAIS LEVES E DE LESÕES CULPOSAS - APLICABILIDADE DA LEI N. 9.099/95 (ARTS. 88 E 91). - A exigência legal de representação do ofendido nas hipóteses de crimes de lesões corporais leves e de lesões culposas reveste-se de caráter penalmente benéfico e tornam conseqüentemente extensíveis aos procedimentos penais originários instaurados perante o Supremo Tribunal Federal os preceitos inscritos nos arts. 88 e 91 da Lei nº. 9.099/95. O âmbito de incidência das normas legais em referencia - que consagram inequívoco programa estatal de despenalização, compatível com os fundamentos ético-juridicos que informam os postulados do Direito penal mínimo, subjacentes à Lei n. 9.099/95 - ultrapassa os limites formais e orgânicos dos Juizados Especiais Criminais, projetando-se sobre procedimentos penais instaurados perante outros órgãos judiciários ou tribunais, eis que a ausência de representação do ofendido qualifica-se como causa extintiva da punibilidade, com conseqüente reflexo sobre a pretensão punitiva do Estado.” (decisão unânime).

“Penal. Processual penal. Habeas-corpus. Crime de lesões corporais. Denúncia. Promotor de Justiça processado perante o Tribunal de Justiça. Recusa do Tribunal em possibilitar a composição civil e a transação. Alegação de inaplicabilidade em procedimento especial. Lei nº. 9.099/95. I - Os preceitos de caráter penalmente benéficos da Lei nº. 9.099/95 aplicam-se a qualquer processo penal, inclusive nos Tribunais. Precedentes do STF: Inquérito nº. 1.055-AM (Questão de Ordem), C. de Mello, RTJ 162/483; HC nº. 76.262-SP, O. Gallotti, DJ 29.05.98. II - HC deferido.” (Habeas Corpus nº. 77.303-8/PB, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 15.09.98, v.u., DJU 30.10.98).

Neste aspecto, ressalva-se apenas a Justiça Militar, por força da Lei nº. 9.839/99 que acrescentou à lei ora comentada o art. 90-A, aliás, dispositivo de duvidosa constitucionalidade à luz do princípio constitucional da isonomia.[5]Mesmo nas Comarcas onde não haja Juizado Especial Criminal instalado deve o Juiz de Direito da Vara Criminal aplicar a lei especial porque, além de conter normas de caráter material, é mais benéfica para o réu (ao menos as suas medidas despenalizadoras).

São critérios orientadores dos Juizados Especiais Criminais a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade. Como seus objetivos primordiais temos a conciliação, a transação, a reparação dos danos e a aplicação de pena não privativa de liberdade (arts. 2º. e 62).


A Lei nº. 11.313/06 modificou as leis dos Juizados Especiais Criminais, Estaduais e Federais, que passaram a ter a seguinte redação:

Lei nº. 9.099/95 (grifos nossos):

“Art. 60.  O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

“Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.

“Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.”

Lei nº. 10.259/2001 (idem):

“Art. 2º  Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. 

“Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.”

Andou bem o legislador da Lei nº. 11.313/2006, pois, unificando (na Lei nº. 9.099/95) o respectivo conceito, sepultou quaisquer dúvidas acaso existentes quanto àquela definição (e quase já não existiam).

Como se sabe, a redação anterior do art. 61 da Lei nº. 9.099/95 conceituava infração penal de menor potencial ofensivo como sendo todos os crimes cuja pena máxima não excedesse a um ano, excetuados aqueles que obedecessem a um procedimento especial, além de todas as contravenções penais.

Por sua vez, a Lei nº. 10.259/01, que regulamentou os Juizados Especiais Federais Criminais, no parágrafo único do art. 2º., passou a considerar infração de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, retirando a ressalva quanto ao procedimento especial, não se referindo, evidentemente às contravenções penais, pois, como se sabe, tais infrações estão excluídas da competência da Justiça Federal, por força do art. 109, IV da Constituição.

Assim, a Lei dos Juizados Especiais Federais conceituou de modo diferente crime de menor potencial ofensivo, derrogando, deste modo, o art. 61 da Lei nº. 9.099/95, que se aproveitava apenas quando tratava das contravenções penais.

Agora, o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo está previsto apenas na Lei nº. 9.099/95, excluindo qualquer outro entendimento que adotasse duas definições a respeito daquela infração penal. A propósito, a expressão “para os efeitos desta lei” é de uma inutilidade ímpar, pois o conceito é para o sistema jurídico-penal brasileiro; se assim não o for, qual a competência dos Juizados Especiais Criminais Federais? O que seriam aquelas infrações penais de menor potencial ofensivo previstas no art. 2º., caput da Lei nº. 10.259/2001?

Aliás, por força do disposto no art. 5º., caput da Constituição Federal que consagra o princípio da igualdade/isonomia, já era um absurdo admitir-se que uma mesma conduta fosse considerada um delito de menor potencial ofensivo (com todas as vantagens advindas) e, em outro momento (tendo em vista, por exemplo, o seu sujeito passivo ou o local onde foi cometida) não o fosse. Evidentemente que uma mesma ação e um resultado igual devem gerar uma mesma conseqüência jurídica. Se desacato um Delegado da Polícia Civil devo ter o mesmo tratamento jurídico-penal dado a quem desacata um Delegado de Polícia Federal; se furto uma televisão, devo ser tratado penal e processualmente da mesma forma de quem furta uma televisão a bordo de um navio ou de uma aeronave. Se um piloto de uma aeronave assedia sexualmente um(a) tripulante, o tratamento penal a ser dado a ele deve ser o mesmo, quer o faça a bordo ou no saguão do aeroporto. É óbvio! Por outro lado, o art. 20 da Lei nº. 10.259/01, não somente se dirige às causas cíveis[6] (tanto que faz referência expressa ao art. 4º. da Lei nº. 9.099/95, que diz respeito ao Juizado Especial Cível), como também tenciona impedir que se aplique o disposto no art. 109, §§ 3º. e 4º. da Constituição Federal[7].

Como lembra Cezar Roberto Bitencourt o que identifica a essência ou lesividade de um delito não é a condição das partes (autor do fato ou vítima), a espécie procedimental ou a natureza da jurisdição (federal ou estadual), mas exatamente a sua potencialidade lesiva. Afirma textualmente o autor citado que, “na verdade, critérios de competência que delimitam a jurisdição penal em federal e estadual não têm legitimidade – científica, jurídica ou política – para estabelecer distinções conceituais sobre a potencialidade lesiva de uma conduta. Com efeito, a ilicitude típica não ganha contornos distintos de acordo com a espécie de jurisdição a que esteja sujeita, de forma a alterar a ofensividade ao bem jurídico.”[8]

Assim, já nos parecia tranquilo o entendimento que a definição de crime de menor potencial ofensivo havia sido elastecida e unificada.[9]

Neste sentido, várias foram as decisões no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por sua 5ª. Câmara Criminal, no julgamento do Recurso em Sentido Estrito nº. 70003736428, tendo como relator o Desembargador Amilton Bueno de Carvalho (v.u., j. 20/02/02). Aliás, neste Estado o assunto praticamente pacificou-se, como se vê nos seguintes julgados: 1- Conflito de Competência N.º 70004091211 (4ª Câm. Criminal), Rel. Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, julgado em 25/04/02; 2- Conflito de Competência N.º 70004086971 (4ª Câm. Criminal), Rel. Des. Vladimir Giacomuzzi, julgado em 25/04/02; 3- Apelação Crime n.º 70003611621 (3ª Câm. Criminal), Rel. Desª. Elba Aparecida Nicolli Bastos, julgado em 18/04/02; 4- Conflito de Competência n.º 70004084935 (4ª Câm. Criminal), Rel. Des. Constantino L. de Azevedo, julgado em 11/04/02; 5- Conflito de Competência n.º 70004091161 (4ª. Câmara Criminal), Rel. Des. Constantino L. de Azevedo, julgado em 11/04/02; 6- Conflito de Competência N.º 70003975208 (1ª. Câmara Criminal), Rel. Des. Silvestre J. A. Torres, julgado em 03/04/02; 7- Conflito de Competência N.º 70003976396 (1ª Câm. Criminal), Rel. Des. Ranolfo Vieira, julgado em 03/04/02; 8- Conflito de Competência N.º 70003927092 (1ª Câm. Criminal), Rel. Des. Silvestre J. A. Torres, julgado em 03/04/02; 9- Apelação Crime nº 70003321627 (3ª Câm. Criminal), Rel. Desembargadora Elba Aparecida Nicolli Bastos, julgado em 14/03/02.

O Superior Tribunal de Justiça voltou a julgar no mesmo sentido:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 36.545 - RS (2002/0119661-3) (DJU 02.06.03, SEÇÃO 1, P. 183, J. 26.03.03). RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP. A Lei dos Juizados Especiais aplica-se aos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada. Em função do Princípio Constitucional da Isonomia, com a Lei nº. 10.259/01 – que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal, o limite de pena máxima, previsto para a incidência do instituto da transação penal, foi alterado para 02 anos. Tramitando a ação perante a Vara Criminal da Justiça Comum Estadual, e entrando em vigor a nova lei nº. 10.259/01, a competência para apreciar a apelação criminal interposta é da Turma Recursal local, pois, tratando-se de disposição de natureza processual, a incidência é imediata, por força do Princípio do tempus regit actum. Hipótese em que a competência é absoluta e improrrogável, sob pena de nulidade. Conflito conhecido para declarar a competência da Turma Recursal Criminal de Porto Alegre/RS, a Suscitante.”

Hoje, evidentemente, que este assunto não comporta maiores indagações, pois a Lei nº. 10.259/01 não mais conceitua infração penal de menor potencial ofensivo, deixando esta matéria a cargo exclusivamente da Lei nº. 9.099/95. Portanto, são infrações penais de menor potencial ofensivo todas as contravenções penais (independentemente da pena máxima cominada – veja-se, por exemplo, o art. 45 do Decreto-Lei nº. 6.259/44) e todos os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, independentemente da previsão de procedimento especial.

Quanto à cominação de pena de multa, também a inovação foi importante para dirimir outra controvérsia; a questão consistia em saber como interpretar a última parte do parágrafo único do art. 2º. da Lei nº. 10.259/01 (com a redação anterior). Para nós, a pena máxima de dois anos sempre foi o limite intransponível para o respectivo conceito, ou seja, qualquer delito cuja pena em abstrato fosse superior a dois anos estava fora do âmbito dos Juizados, tivesse ou não pena de multa alternativa ou cumulativamente cominada, pois o critério do legislador, ao conceituar tais delitos, foi sempre a pena máxima, não a mínima (multa). Ainda que a pena de multa seja cumulada com a pena de detenção ou reclusão igual ou inferior a dois anos, a situação não muda, ou seja, continua sendo de menor potencial ofensivo[10]. A Lei nº. 11.313/06 resolveu definitivamente a questão: não interessa a cominação da pena de multa para a definição de infração penal de menor potencial ofensivo, pouco importando seja a pena pecuniária cominada alternativa ou cumulativamente (se for cumulada não retira da infração a natureza de menor potencial ofensivo – como afirma a nova lei, com muito mais razão se a cominação for alternativamente).

Neste sentido, o Ministro Celso de Mello indeferiu o Habeas Corpus nº. 109353, impetrado pelo comerciante W.M.N., acusado de vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial. O crime é previsto no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.137/1990. O comerciante foi denunciado perante o juízo da 30ª Vara Criminal de São Paulo. Antes do recebimento da denúncia, a defesa pleiteou que o feito fosse redistribuído ao Juizado Especial Criminal, porque o delito imputado, por cominar pena alternativa de multa, caracterizaria infração de menor potencial ofensivo. O juízo indeferiu os pedido e recebeu a denúncia. Dessa decisão, a defesa recorreu, sucessivamente, ao Tribunal de Justiça de São Paulo que negou a ordem, e ao Superior Tribunal de Justiça. Nessa Corte, a ministra relatora concedeu liminar, suspendendo o curso do processo. Entretanto, no julgamento de mérito, a Sexta Turma do STJ concedeu a ordem apenas parcialmente, para que o Ministério Público de São Paulo se manifestasse acerca da proposta de suspensão condicional do processo. O ministro Celso de Mello acolheu parecer do Ministério Público Federal (MPF), que opinou pela denegação do HC 109353. O relator alegou que os fundamentos da manifestação do MPF ajustam-se à jurisprudência do STF no sentido de que a cominação da pena de multa, por si só, não é suficiente para caracterizar a infração como de menor potencial ofensivo, quando a punição não atender os parâmetros do artigo 61 da Lei 9.099/1995. O ministro Celso de Mello assinalou ainda que, tal como acentuado no acórdão do STJ, “apesar da previsão de pena alternativa de multa, o critério eleito pelo legislador para definir a competência dos Juizados Especiais Criminais é o quantum máximo de pena privativa de liberdade abstratamente cominada”. Na definição de infração de menor potencial ofensivo são levadas em conta as causas de aumento (no máximo) e de diminuição (no mínimo), inclusive a tentativa e o arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal), excluídas as agravantes e as atenuantes genéricas, pois estas, além de não haver um quantum de aumento ou de diminuição estabelecido, não podem aumentar a pena acima do máximo nem diminuí-la aquém do mínimo (Enunciado 231 da súmula do Superior Tribunal de Justiça).

Assim, podemos afirmar que são crimes de menor potencial ofensivo, dentre inúmeros outros, o abuso de autoridade (Lei nº. 4.898/65)[11], contra a honra (calúnia[12], difamação[13] e injúria[14]) e, mesmo, o aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento, quando na sua forma tentada (arts. 124 c/c 14, II do Código Penal). Sobre este último crime, observa-se que em caso de tentativa incidirá sobre a pena máxima cominada (três anos) a causa de diminuição de pena (1/3), restando a pena máxima de dois anos. O fato de ser crime doloso contra a vida não é óbice a esta afirmativa, pois é a própria Constituição Federal que no seu art. 98, I excepciona o disposto no seu art. 5º., XXXVIII, “d”. Lembremo-nos, ademais, que nos casos de competência determinada pela prerrogativa de função (em vista de dispositivo contido na Carta Magna), o julgamento também não será do Júri Popular, mas do respectivo Tribunal[15]. Quanto ao porte de arma (que era de menor potencial ofensivo à luz da legislação revogada), a nova lei o excluiu deste rol. Assim, na Lei nº. 10.826/2003 apenas o crime do art. 13 (omissão de cautela) é de menor potencial ofensivo.

Tal conceito evidentemente não foi alterado pelo art. 94 da Lei nº. 10.741/03 (Estatuto do Idoso) que dispõe: “aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei no. 9.099, de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.” Para nós, esta nova lei apenas determina sejam aplicadas as normas procedimentais da Lei nº. 9.099/95 (normas processuais puras, no dizer de Taipa de Carvalho) aos processos referentes aos crimes (com pena máxima de quatro anos) tipificados no Estatuto, excluindo-se a aplicação de suas medidas despenalizadoras (composição civil dos danos e transação penal), pois não seria coerente um diploma legal que visa a proteger os interesses das vítimas idosas permitir benefícios aos autores dos respectivos crimes.[16] Esta interpretação guarda coerência, pois tais crimes (graves, pois praticados contra idosos) serão julgados por meio de um procedimento mais célere, possibilitando mais rapidamente o desfecho do processo (sem olvidar-se da ampla defesa e do contraditório, evidentemente). Esta questão foi definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3096. Para a relatora do processo, Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, o art. 94 deve ser interpretado de acordo com a Constituição Federal, no sentido de que sejam aplicados aos crimes previstos no estatuto do idoso apenas os “procedimentos” previstos na Lei nº. 9.099/95 - para dar celeridade aos processos -, e não os benefícios, como possibilidade de conciliação, transação penal ou a conversão da pena. Com isso, frisou a Ministra, os idosos teriam a possibilidade de ver os autores dos crimes processados de forma ágil, sem, contudo, vê-los beneficiados pela Lei nº. 9.099/95. O debate incluiu a participação de todos os Ministros presentes à sessão. O Ministro Marco Aurélio manifestou sua dificuldade em acompanhar a relatora. Para ele, seria inócuo aplicar interpretação conforme ao dispositivo, uma vez que a Lei dos juizados especiais já abrange crimes com pena inferior a dois anos. O estatuto só teria feito ampliar a aplicação dessa lei para crimes com penas até quatro anos. Já a Ministra Ellen Gracie revelou seu entendimento no sentido de que o legislador teria embasado a redação deste dispositivo em estatísticas que demonstram que grande parte dos crimes contra idosos são praticados no seio familiar. Assim, para Ellen Gracie pode ser importante que se tenha um mecanismo legal possibilitando uma solução pacificadora. Celso de Mello, decano da Corte, disse que, em princípio, o art. 94 permite que o idoso que sofre algum crime veja a solução de seu caso, de forma ágil. O Ministro Cezar Peluso disse entender que o dispositivo pode acabar beneficiando, também, os autores dos crimes praticados contra idosos. Muitos crimes não são cometidos por familiares, e seus autores também se beneficiariam do dispositivo. Para ele, deve se analisar, no caso, o respeito ao princípio da isonomia. Ele citou como exemplo uma situação fictícia, em que duas pessoas cometem crime com penas inferiores a quatro anos, um contra um idoso e outro não. O primeiro será processado pela Lei nº. 9.099/95 e o outro pela justiça comum. Segundo Peluso, isso pode levar à perigosa conclusão de que é mais conveniente cometer crime contra idoso. Não se pode criar esse tipo de discriminação, concluiu Cezar Peluso. O Ministro Eros Grau disse entender que não compete à Corte analisar a razoabilidade da lei. Assim, o Ministro votou pela improcedência da ADI. O julgamento foi concluído com o retorno do voto-vista do Ministro Ayres Britto, no sentido que o dispositivo legal deve ser interpretado em favor do seu específico destinatário – o próprio idoso – e não de quem lhe viole os direitos. Com isso, os infratores não poderão ter acesso a benefícios despenalizadores de direito material, como conciliação, transação penal, composição civil de danos ou conversão da pena. Somente se aplicam as normas estritamente processuais para que o processo termine mais rapidamente, em benefício do idoso. Ao acompanhar a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, o Ministro Ayres Britto procurou resumir numa frase o entendimento da ministra relatora em relação ao equívoco cometido pelos legisladores na confecção do Estatuto do Idoso. “Autores de crimes do mesmo potencial ofensivo serão submetidos a tratamentos diversos, sendo que o tratamento mais benéfico está sendo paradoxalmente conferido ao agente que desrespeitou o bem jurídico mais valioso: a incolumidade e a inviolabilidade do próprio idoso”, afirmou. Por maioria de votos, vencidos os Ministros Eros Grau e Marco Aurélio, o Plenário decidiu que os benefícios despenalizadores previstos na Lei nº 9.099/95 e também no Código Penal não podem beneficiar os autores de crimes cujas vítimas sejam pessoas idosas. Para a relatora do processo, a interpretação conforme à Constituição do artigo 94 do Estatuto implica apenas na celeridade do processo e não nos benefícios. O Ministro Marco Aurélio manifestou sua tese contrária à relatora. “Creio que quanto ao procedimento da lei, partiu-se para uma opção político-normativa. Não podemos atuar como legisladores positivos e fazer surgir no cenário uma normatização que seja diversa daquela aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional”. Por isso, o Ministro Marco Aurélio considerou o dispositivo integralmente inconstitucional, tendo em vista que o Estatuto ampliou para pena não superior a quatro anos a aplicação de benefício que a Lei dos Juizados Especiais limita a pena não superior a dois anos. “Eu me pergunto: se não houvesse o Estatuto do Idoso, o que se teria? A aplicação pura e simples da Lei nº 9.099 e aí só seriam realmente beneficiados pela lei agentes que a lei beneficia, ou seja, aqueles cujas penas máximas não ultrapassem dois anos. A meu ver, na contramão dos interesses sociais, se elasteceu a aplicação da Lei nº 9.099”, concluiu o Ministro.        

Não tendo tido êxito a composição civil dos danos, ou, ainda que o tenha, tratando-se de ação penal pública incondicionada, será aberta ao Ministério Público oportunidade para a transação penal (art. 76), que é uma proposta de aplicação de pena alternativa à prisão[17]. Este instituto tem sido acoimado por alguns de inconstitucional, entendimento com o qual não concordamos, basicamente, por três motivos:

a) A própria Constituição Federal prevê a transação penal no art. 98, I. Adverte Cezar Bittencourt, após afirmar que a Constituição Federal instituiu a transação penal para as infrações penais de menor potencial ofensivo, que a Lei nº. 9.099/95, ao prever a transação penal, “está apenas cumprindo mandamento constitucional.” (ob. cit. p. 55). Rechaçando igualmente a tese da inconstitucionalidade, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho afirma que a transação penal é “uma exceção ditada pela própria Carta, permitindo a aceitação de determinada pena pelo suposto autor do fato, independentemente do processo tradicional.”[18]

b) Não há ofensa ao devido processo legal nem ao princípio da presunção de inocência, pois na transação penal não se discute a culpabilidade[19] do autor do fato, ou seja, ele não se declara em nenhum momento culpado, não havendo, tampouco, efeitos penais ou civis, reincidência, registro ou antecedentes criminais (art. 76, §§ 4º. e 6º.). Aqui diferencia-se claramente do plea bargaining (onde se transaciona de maneira ampla sobre a pena, tipo penal, conduta, etc.) e do guilty plea (onde há uma admissão formal da culpa[20]).

c) Não existe nenhuma possibilidade de se aplicar ao autor do fato pena privativa de liberdade, por força da transação penal, pois é absolutamente impossível, à luz do nosso direito positivo, converter-se a pena restritiva de direitos ou a multa transacionada e não cumprida em pena de privação da liberdade (não haveria parâmetro para a conversão no primeiro caso – art. 44, § 4º., CP; e, no segundo caso, porque o art. 182 da Lei de Execuções Penais foi expressamente revogado pela Lei nº. 9.268/96). Aprofundamos mais esta questão adiante quando tratamos da execução.[21]

Ademais lembremos de Jesús-María Silva Sánchez, segundo o qual haveria um Direito Penal de duas velocidades[22]:“Uma primeira velocidade, representada pelo Direito Penal ´da prisão`, na qual haver-se-iam de manter rigidamente os princípios político-criminais clássicos, as regras de imputação e os princípios processuais; e uma segunda velocidade, para os casos em que, por não tratar-se já de prisão, senão de penas de privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experimentar uma flexibilização proporcional a menor intensidade da sanção.”

Para este autor, “seria razoável que em um Direito Penal mais distante do núcleo do criminal e no qual se impusessem penas mais próximas às sanções administrativas (privativas de direitos, multas, sanções que recaem sobre pessoas jurídicas) se flexibilizassem os critérios de imputação e as garantias político-criminais. A característica essencial de tal setor continuaria sendo a judicialização (e a conseqüente imparcialidade máxima), da mesma forma que a manutenção do significado ´penal` dos ilícitos e das sanções, sem que estas, contudo, tivessem a repercussão pessoal da pena de prisão.”

Assim, continua o autor, “na medida em que a sanção não seja a de prisão, mas privativa de direitos ou pecuniária, parece que não teria que se exigir tão estrita afetação pessoal: e a imputação tampouco teria que ser tão abertamente pessoal. A ausência de penas ´corporais` permitiria flexibilizar o modelo de imputação. Contudo, para que atingisse tal nível de razoabilidade, realmente seria importante que a sanção fosse imposta por uma instância judicial penal, de modo que preservasse (na medida do possível) os elementos de estigmatização social e de capacidade simbólico-comunicativa próprios do Direito Penal.”[23]

O acordo feito na esfera penal (se for prestação pecuniária paga à vítima ou a seus dependentes - art. 45, § 1º., CP), terá efeito na esfera cível para se evitar o enriquecimento ilícito, tal como já se prevê na Lei dos Crimes Ambientais (art. 12), no Código Penal (art. 45, § 1º., in fine) e no Código de Trânsito Brasileiro (art. 297, § 3º.).

Neste aspecto, importante ressaltar, em tempos de Justiça Restaurativa, que “a institucionalização dos postulados da Justiça Restaurativa em consonância com os princípios dos Juizados Especiais Criminais tornam o art. 45, § 1.º, do CP a modalidade de pena principal a ser proposta a título de transação penal quando houver pessoa determinada como vítima. (...) Portanto, a proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade ao suposto autor dos fatos quando não existir acordo extintivo da punibilidade na fase preliminar de conciliação merece ser uma pena pecuniária que atenda aos interesses da vítima e, somente no caso de ser inviável esse tipo de proposta, então cabe ao Ministério Público propor alguma outra modalidade de pena a título de transação penal, tendo em vista a concretização do direito fundamental de “acesso à ordem jurídica justa” e ao “tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses”, conforme os paradigmas internacionais da Justiça Restaurativa adotados e preconizados pelo Conselho Nacional de Justiça.”[24]

É perfeitamente possível, em que pese a literalidade do art. 76, a transação penal no caso de contravenção penal, pois seria um verdadeiro absurdo jurídico permitir-se a transação penal para um crime e não para uma contravenção, infração penal, inclusive ontologicamente, de menor potencial ofensivo.

Não admitimos a transação penal nos delitos de ação penal de iniciativa privada (por exemplo: dano simples – art. 163, caput e exercício arbitrário das próprias razões – art. 345, parágrafo único, ambos do Código Penal), pois os arts. 76 e 77, caput e seu § 3º., referem-se apenas ao Ministério Público (o que seria um fundamento mais frágil, reconhecemos), além do que (e então está o mais robusto), em nossa sistemática a vítima não tem interesse na aplicação de uma pena ao autor do fato e sim na reparação civil dos danos[25]. Como afirma José Antonio Paganella Boschi, “o que move o ofendido – a par do inegável sentimento pessoal de ´castigar` o réu pela ofensa – é também o interesse patrimonial na reparação do dano ex delicto, sendo a ele estranhas as finalidades da pena ou do processo.” (grifo nosso).[26] Ademais, caso o ofendido não deseje oferecer queixa poderá não fazê-lo, deixando escoar o prazo decadencial ou renunciando àquele direito. Por este motivo, afastamos também a hipótese da vítima impugnar a decisão homologatória da transação penal, por lhe faltar interesse de agir, visto que a sentença homologatória não gera efeitos civis (art. 76, § 6º.).

A este respeito, interessante a posição de Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, não admitindo a transação penal na ação penal de iniciativa privada:“Quando a lei confere ao particular a legitimidade para o exercício da ação penal, o faz na condição de substituto processual do Estado, que é o titular da pretensão punitiva. Como se sabe, na legitimação extraordinária o substituto não tem poderes para transacionar com os direitos do substituído. Portanto, o querelante só poderia oferecer transação penal quando houvesse autorização legal. A Lei nº. 9.099/95 não lhe dá tal autorização.”[27]

É de Geraldo Prado a seguinte observação: “Pode-se dizer que mesmo o atual movimento de recuperação de um determinado status penal-processual da vítima, não tem o significado de atribuir a ela o poder de dizer de que forma (prestação de serviços à comunidade, multa?) e em que medida (por três meses, cem dias-multa?) deve o agente ser responsabilizado penalmente. (...) Portanto, a redefinição do espaço da vítima não deve ser confundida com a retomada do caráter privado do processo penal de outras épocas.”[28]

Se a pena de multa for a única aplicável, poderá haver sua redução à metade (art. 76, § 1º.).A transação penal está condicionada ao preenchimento de determinados requisitos objetivos previstos nos incisos I e II do § 2º. do art. 76, ressalvando-se, quanto ao primeiro inciso, o qüinqüídio referido no art. 64, I do Código Penal; não impede a proposta, outrossim, se a condenação anterior foi substituída por pena restritiva de direitos, multa ou se foi concedido o sursis.

Tendo em vista o princípio da presunção de inocência, o ônus de provar as causas impeditivas é do Ministério Público. Aliás, no Processo Penal o ônus é sempre da acusação, o que torna não recepcionado o art. 156 do Código de Processo Penal (porque fere o devido processo legal e a presunção de inocência). Segundo a lição de Alexandre Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues, “na persecução penal, todo ônus probatório é da acusação.“[29]

Ao lado daqueles requisitos objetivos, exige o inciso III requisitos subjetivos que deverão ser observados antes do oferecimento da proposta.

Atente-se para o fato de que a transação penal só deve ser proposta se não for o caso de arquivamento (faltaria justa causa para a proposta); é o que indica expressamente o caput do art. 76. Aliás, pensamos inclusive que sequer a composição civil dos danos deve ser levada a efeito se o caso, em tese, não for passível, a posteriori, de ser alvo de uma peça acusatória; se o Termo Circunstanciado, por exemplo, narrar um fato atípico ou já atingido pela prescrição o caso é de arquivamento, não devendo sequer ser marcada a audiência preliminar, pois seria submeter o autor do fato a um constrangimento não autorizado por lei. Se, in casu, a vítima desejar a reparação civil que promova no Juízo cível a respectiva ação civil ex delicto. Neste aspecto, discordamos de Cezar Bittencourt que entende ser dispensável o exame da justa causa para a composição civil dos danos, sob o argumento de que “os danos, com ou sem responsabilidade penal, com ou sem responsabilidade objetiva, podem ser compostos, seja na esfera privada, seja, hoje, na esfera criminal” (ob. cit., p. 54). Para nós, caso o Termo Circunstanciado não tenha possibilidade potencial de respaldar uma peça acusatória futura, o pedido de arquivamento impõe-se, pois a máquina judiciária (penal) na pode ser, neste caso, movimentada, ainda mais para se resolver uma questão cível. Se é verdade que hoje os danos podem ser reparados na esfera criminal, não é menos certo que esta hipótese só deve ocorrer se houver crime a perseguir. Caso contrário, o fato deve ser levado ao Juiz Cível. Neste sentido:

“(...) A validade da proposta depende da precisa identificação da pessoa a quem o delito deve ser imputado segundo a possibilidade de agir de acordo com o comando normativo. No caso de apuração da prática, em tese, de desobediência a ordem judicial pelos sócios de empresa, deve ser apontada, ainda que sucintamente, a participação de cada um deles no fato delituoso, o que não afronta ao princípio da informalidade que rege a proposta de transação penal. Necessidade de diligências para melhor apurar os indícios de autoria e averiguar a quais sócios caberia, na estrutura da empresa, a responsabilidade pelo eventual descumprimento da ordem judicial. Anulação da proposta de transação penal apresentada. Ressalvada a possibilidade de apresentação de nova proposta. Ordem parcialmente concedida.” (TRF 2ª R. – 1ª T. – HC 2007.02.01.008105-9 – rel. Abel Gomes – j. 16.04.2008 – DJU 24.06.2008).

A natureza jurídica da sentença que acerta a transação penal é homologatória, não sendo sentença condenatória nem absolutória[30]. Tal conclusão chega-se facilmente com a leitura dos parágrafos do art. 76, especialmente os §§ 4º. e 6º., que afirmam não importar reincidência, antecedentes criminais e efeitos civis a aplicação da pena acordada na transação penal.

Por outro lado, a transação penal não representa um direito público subjetivo do autor do fato, mas um ato transacional[31]: o Ministério Público transige quando deixa de oferecer denúncia e o autor do fato quando cede à perspectiva de uma absolvição. Assim, afigura-se-nos equivocada a proposta de transação penal realizada de ofício pelo Juiz que, ao contrário, deve remeter o Termo Circunstanciado ao Procurador-Geral de Justiça se houver recusa injustificada do Ministério Público em fazer a proposta, utilizando-se  do art. 28 do Código de Processo Penal, preservando-se, assim, os postulados do sistema acusatório.

Não concordamos com o entendimento segundo o qual a transação é o exercício de uma ação penal. Ora, ação penal sem relação jurídico-processual instaurada?[32] Sem citação? Ação penal sem imputação formal de um crime? Também não poderíamos dizer que se trata de uma ação penal não condenatória (como a revisão criminal ou o habeas corpus), pois esbarraríamos na seguinte questão: como se aplicar uma pena se a ação penal não tinha natureza condenatória? Outra questão: se efetivamente a transação penal é exercício da ação penal, teríamos que admitir o oferecimento de queixa subsidiária caso o Ministério Público não fizesse a proposta.

Exatamente por isso, entendemos que a transação penal é uma mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, tendo em vista que permite ao Ministério Público, ainda que dispondo de indícios da autoria e prova de uma infração penal, abrir mão da peça acusatória, transacionando com o autor do fato.

Neste sentido, veja-se esta decisão do Supremo Tribunal Federal: “SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PRIMEIRA TURMA - RECURSO EXTRAORDINÁRIO 468.161-7 GOIÁS - RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE - EMENTA: Transação penal homologada em audiência realizada sem a presença do Ministério Público: nulidade: violação do art. 129, I, da Constituição Federal. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal - que a fundamentação do leading case da Súmula 696 evidencia: HC 75.343, 12.11.97, Pertence, RTJ 177/1293 –, que a imprescindibilidade do assentimento do Ministério Público quer à suspensão condicional do processo, quer à transação penal, está conectada estreitamente à titularidade da ação penal pública, que a Constituição lhe confiou privativamente (CF, art. 129, I). 2. Daí que a transação penal – bem como a suspensão condicional do processo – pressupõe o acordo entre as partes, cuja iniciativa da proposta, na ação penal pública, é do Ministério Público.”  VOTO: “(...) Bem de ver, assim, que não se reserva, aí, espaço a transação sem participação do MP ( ...) Assim, ao contrário do que manifestado na decisão recorrida, o art. 76 (como também o art. 89) da lei nova não se constitui um direito público subjetivo do réu, porém apenas mitiga o princípio da obrigatoriedade da ação penal, ao adotar o princípio da conveniência ou, segundo alguns, o princípio da discricionariedade controlada. A proposta prevista na lei é de exclusivo e inteiro arbítrio do Ministério Público, que continua sendo, por força da norma constitucional, o dominus litis da ação penal pública, não podendo ser substituído pelo magistrado, em tal encaminhamento. Da mesma forma, dizer que o poder consagrado no artigo 129, inciso I, da norma constitucional, não é absoluto, a fim de justificar a possibilidade da transação ser proposta pelo juiz, ante a inércia do Parquet, com a devida vênia, é argumento que não retira ou enfraquece a atribuição privativa ministerial de propor a ação penal pública e consequentemente a transação penal do art. 76 da Lei nº 9.099/95. Isto porque a hipótese de o Ministério Público não propor a transação penal (pois o titular exclusivo para tal ato) não pode, nem de perto, ser equiparada á eventual omissão ou inércia temporal de propor a ação penal pública, que legitimaria admissão da ação privada subsidiária”. De fato, na linha da jurisprudência do Tribunal, que a fundamentação do leading case da súmula 696 evidencia - HC 75.343, 12.11.97, Pertence, RTJ 177/1293 – a imprescindibilidade do assentimento do Ministério Público está conectada estreitamente à titularidade da ação penal pública, que a Constituição lhe confiou privativamente (CF, art. 129, I). Daí que a transação penal – bem como a suspensão condicional do processo - pressupõe o acordo entre as partes, cuja iniciativa da proposta, na ação penal pública, é do Ministério Público.”

Se houver pluralidade de agentes, é evidente que poderá haver a transação com apenas um deles, restando a denúncia para os outros (neste caso ocorre, também, uma certa mitigação ao princípio da indivisibilidade da ação penal pública incondicionada).

Como já foi dito, o cumprimento da pena acordada não gera reincidência, tampouco será indicada em registros criminais ou gerará efeitos civis (§§ 4º. e 6º. do art. 76), sendo registrada apenas para impedir nova transação nos cinco anos subseqüentes.Se houver dissenso entre o autor do fato e o seu defensor prevalecerá a vontade do agente, até por analogia ao disposto no art. 89, § 7º.

Em tese, é possível, à luz dos arts. 43, I e 45, §§ 1º. e 2º. do Código Penal a proposta de transação penal consistente na doação de cestas básicas (como prestação de outra natureza que não a pecuniária[33]). Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal ratificou proposta de transação penal para que um Deputado Federal doasse pessoalmente cestas básicas para uma associação de deficientes visuais e deixasse de responder à denúncia por crime ambiental. A decisão foi unânime. Ele havia sido denunciado (Inq 2721) pelo Ministério Público Federal por, supostamente, ter construído uma barragem no loteamento São Silvestre, em Palmas (TO), sem a devida licença ambiental. Como o crime é de menor potencial ofensivo e ele não tem condenação criminal anterior, o MPF ofereceu proposta de transação penal, que foi aceita pelo Deputado. Pela decisão do Supremo, que homologou a proposta do MPF, ele terá de comparecer pessoalmente uma vez por mês, durante seis meses, na Associação Brasiliense dos Deficientes Visuais (ABDV), em Brasília (DF), para doar 20 cestas básicas e 10 resmas de papel braille. Terá ainda que justificar mensalmente, perante o STF, o cumprimento do acordo. O Deputado pediu para cumprir a pena restritiva de direitos em uma só visita à entidade, mas o MPF foi contra ao afirmar que essa solução não atenderia ao “objetivo da medida”. Ao analisar o pedido do deputado nesta tarde, o relator da matéria, ministro Joaquim Barbosa, avaliou que a alternativa não seria viável. “Considero que a proposta do indiciado, no sentido da doação integral das 120 cestas básicas e 60 resmas de papel braille, em uma única oportunidade, poderia conduzir ao perecimento dos alimentos e até mesmo a problemas para o armazenamento dessa quantidade de alimentos e de papéis. Não é, efetivamente, o ideal”, afirmou Barbosa.

Aqui, porém, faz-se uma ressalva: concordamos com parte da doutrina que proclama a inconstitucionalidade do § 2º. do art. 45 do Código Penal em razão da não observância do princípio da legalidade na expressão “prestação de outra natureza”.

Observa-se que nos crimes previstos no art. 41-B da Lei nº. 10.671/2003 (Estatuto de Defesa do Torcedor) a pena restritiva de direito objeto da transação penal será a “pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de três meses a três anos, de acordo com a gravidade da conduta”, nos termos dos §§ 2º. e 5º. do art. 41-B.

Admissível, outrossim, que a proposta seja feita por Carta Precatória; neste caso, porém, a homologação será no Juízo deprecante, podendo a execução e a fiscalização do cumprimento da sanção realizar-se no Juízo deprecado, obedecendo-se aos princípios do Promotor e do Juiz Natural.

Da decisão homologatória caberá recurso de apelação no prazo de 10 dias; se não homologar, em decisão interlocutória, caberá Mandado de Segurança ou Habeas Corpus, não nos afigurando possível, nesta segunda hipótese, a utilização do recurso de apelação.

Não possui a vítima legitimidade para recorrer. Como se sabe, excepcionalmente, o Código de Processo Penal legitima a vítima (ainda quando não habilitada como assistente) a recorrer supletivamente ao Ministério Público, em caso de absolvição (art. 598, parágrafo único); nesta hipótese, permite-se-lhe o recurso especial e mesmo o extraordinário para atacar a decisão proferida naquele recurso interposto, pois não teria sentido dar-lhe legitimidade para a apelação e negar-lhe o direito de recorrer da decisão proferida no julgamento deste recurso (mutatis mutandis, veja-se a Súmula 210 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1.º, e 598 do CPP.”)

Porém, contra a decisão que homologa a transação penal não tem o ofendido legitimidade para apelar, mesmo porque sequer habilitado como assistente poderá estar, visto que a assistência pressupõe ação penal iniciada (art. 268, CPP). Ademais, remetemos o leitor ao que dissemos sobre a impossibilidade de transação penal quando se trata de crime de ação penal de iniciativa privada.

Como ensina Mirabete, “não pode a vítima apelar da decisão homologatória da transação, por falta de interesse de agir. É o que se decidiu no I Congresso Brasileiro de Direito Processual e Juizados Especiais (Tese 6).”[34]

Neste sentido, a jurisprudência é remansosa:

“TACRSP: Recurso – Apelação – Decisão homologatória de transação penal – Irresignação apresentada pela ofendida – Inadmissibilidade – Ausência de interesse em recorrer – Vítima que não está autorizada a intervir neste procedimento ou a ele se opor – Recurso não conhecido. Mesmo que a tentativa de conciliação tenha ficado frustrada, o acordo sobre a aplicação imediata da pena não privativa de liberdade não poderá sofrer qualquer oposição por parte da vítima.” (RJTACRIM 36/270).

“TACRSP: Nos casos da Lei nº. 9.099/95, não tem recurso o ofendido contra a decisão homologatória da transação penal (art. 76), visto lhe falece a pertinência subjetiva da ação, isto é, o interesse de agir. O MP e o autor do fato são os que, unicamente, nesse ponto, têm voz no capítulo.” (RJDTACRIM 41/403).

“TRSC: Transação penal que não comporta a participação da vítima. Homologação da transação impede a possibilidade de deflagração da ação penal. Inexistente a ação penal, não se admite a figura da assistência à acusação, falecendo-lhe legitimidade para interpor recurso de apelação.” (RJTRTJSC 5/219).

Descumprido o acordo entendemos pela impossibilidade de oferecimento de denúncia, pois a sentença homologatória faz coisa julgada material, restando ao Ministério Público a alternativa de executar a sentença homologatória, seja nos termos da Lei de Execução Penal (arts. 147 e 164), seja em conformidade com o Código de Processo Civil, já que se está diante de um título executivo judicial (art. 584, III, CPC).[35] O Supremo Tribunal Federal, no entanto, já decidiu contrariamente, entendendo que o não cumprimento da transação penal autoriza o oferecimento de denúncia, senão vejamos:

“HC 79572 / GO – GOIÁS. HABEAS CORPUSRelator: Min. MARCO AURÉLIO. Publicação:  DJ DATA-22-02-02 PP-00034. EMENT VOL-02058-01 PP-00204. Julgamento:  29/02/2000 - Segunda Turma. Ementa: HABEAS CORPUS - LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO. A legitimidade para a impetração do habeas corpus é abrangente, estando habilitado qualquer cidadão. Legitimidade de integrante do Ministério Público, presentes o múnus do qual investido, a busca da prevalência da ordem jurídico-constitucional e, alfim, da verdade. TRANSAÇÃO - JUIZADOS ESPECIAIS - PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - CONVERSÃO - PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE - DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente de transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia.”

“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - 13/06/2006 SEGUNDA TURMA - HABEAS CORPUS 88.785-6 SÃO PAULO - RELATOR: MIN. EROS GRAU - Descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante a fim de possibilitar ao Ministério Público a persecução penal (Precedentes). 2. A revogação da suspensão condicional decorre de autorização legal, sendo ela passível até mesmo após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (Precedentes). Ordem denegada.” VOTO: “A jurisprudência pacífica de ambas as Turmas desta Corte é no sentido de que, descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante, possibilitada ao Ministério Público a persecução penal (HHCC 79.572, Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ de 22.2.2002; 80.802, Ellen Gracie, 1ª Turma, DJ de 18.5.2001; 84.976, Carlos Britto, 2ª Turma, Informativo n. 402 e o RE 268.320, Octavio Gallotti, 10.11.2000). 2. No que tange à revogação da suspensão condicional do processo, há autorização legal para tanto (cf. art. 89, § 1º, IV, da Lei n. 9.099/95), sendo ela possível até mesmo após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (cf. os HHCC 80.747, Sepúlveda Pertence, DJ de 19.10.2001; 84.890, Sepúlveda Pertence, DJ de 3.12.2004; 84.660, Carlos Britto, DJ de 25.11.2005 e 84.746, Marco Aurélio, DJ de 31.3.2006). 3. É perfeita a observação, do Subprocurador-Geral da República, de que “[n]ão é demais lembrar que o paciente, por várias vezes beneficiado com os favores legais, quedou-se inerte ao seu cumprimento, sendo esclarecedora a afirmação constante do acórdão impugnado no sentido de que ‘Aliás, o que pretende o combativo defensor é um passaporte para a impunidade. O paciente fez acordo de transação penal e não honrou. Novamente beneficiado com a suspensão condicional do processo não o cumpriu’.” Denego a ordem.”             

 A homologação de transação penal não elimina a retomada ou a instauração de inquérito ou de ação penal pelo Ministério Público, em caso de descumprimento da transação. Ao reafirmar jurisprudência já estabelecida nesse sentido, o Plenário do Supremo Tribunal negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 602072 e determinou o prosseguimento de ação penal pelo MP do Estado do Rio Grande do Sul. O processo foi relatado pelo ministro Cezar Peluso, que se louvou em precedentes do próprio STF para negar provimento ao recurso. O Ministro Marco Aurélio, acompanhando voto do relator, lembrou como precedentes para a decisão o julgamento dos Habeas Corpus (HCs) 80802 e 84876 e do RE 268320.

Tais decisões parece-nos equivocadas, pois se desconstitui uma decisão homologatória de uma forma absolutamente estranha ao nosso ordenamento. A respeito da transação no processo, veja o que ensina Maria Helena Diniz:

“A natureza declaratória da transação, dando certeza a um direito precedentemente litigioso ou duvidoso, decorre de sua equiparação aos efeitos da coisa julgada (art. 1.030, CC). Se a decisão de homologação é válida e se a transação judicial é vinculante e irrevogável, só pode haver distrato da transação antes da homologação. (Vide: Pontes de Miranda, Tratado, cit. t. 25, p. 139). A sentença homologatória de transação válida é ato jurídico processual transparente; logo, não pode ficar à mercê de quaisquer ataques infundados por ter força de decisão irrevogável. Não há como desconstituir transação que não esteja eivada de vício de nulidade ou anulabilidade.”[36]

Cezar Roberto Bittencourt, criticando duramente esta decisão, afirma que “títulos judiciais somente podem ser desconstituídos observadas as ações e os procedimentos próprios. A coisa julgada tem uma função político-institucional: assegurar a imutabilidade das decisões judiciais definitivas e garantir a não-eternização das contendas levadas ao Judiciário. (...) Afinal, desde quando um título judicial pode desconstituir-se pelo descumprimento da obrigação que incumbe a uma das partes? Não há nenhuma previsão legal excepcional autorizando esse efeito especial. (...) na verdade, títulos judiciais têm exatamente a função de permitir sua execução forçada, quando não forem cumpridos voluntariamente. E, conclui: “quando houver descumprimento de transação penal dever-se-á proceder à execução forçada, exatamente como se executam as obrigações de fazer.” (ob. cit., pp. 17, 19 e 25).

Na esteira do entendimento do Supremo, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 11.398 – SP (2001/0056971-3) (DJU 12.11.01, SEÇÃO 1, P. 159, J. 02.10.01). RELATOR: MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA. É possível o oferecimento da denúncia por parte do órgão Ministerial, quando descumprido acordo de transação penal, cuja homologação estava condicionada ao efetivo pagamento do avençado. O simples acordo entre o Ministério Público e o réu não constitui sentença homologatória, sendo cabível ao Magistrado efetivar a homologação da transação somente quando cumpridas as determinações do acordo. Recurso desprovido.”

Nada impede, muito pelo contrário, que a transação penal seja realizada ainda que se trate de feito envolvendo suposto autor do fato com prerrogativa de foro. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, determinou a notificação de um Deputado Federal para que se manifeste sobre seu interesse em aceitar transação penal proposta pelo procurador-geral da República nos autos do Inquérito (INQ) 2793. O parlamentar foi indiciado perante o STF pelo delito de desacato, crime previsto no artigo 331 do Código Penal e cuja pena varia de seis meses a dois anos de detenção – infração de menor potencial ofensivo, conforme prevê o artigo 61 da Lei 9.099/1995. Ao estabelecer que o deputado se manifeste sobre a proposta, em até dez dias, o Ministro Celso de Mello lembrou que a aceitação do benefício deve ser pessoalmente assumida pelo próprio interessado, além de subscrita por seu advogado. Lembrou, ainda, que o Plenário da Corte já se pronunciou no sentido de ser cabível a transação penal nos processos penais originários instaurados no Supremo. O decano explicou que a transação penal é um processo técnico de despenalização, previsto na Lei 9.099/1995, resultante da expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, e tem como razão de ser a “deliberada intenção do Estado de evitar, não só a instauração de processo penal, mas, também, a própria imposição de pena privativa de liberdade, quando se tratar, como sucede na espécie, de infração penal revestida de menor potencial ofensivo”.

Por fim, ressaltamos que o art. 27 da Lei nº. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) prescreve que a transação penal somente poderá ser formulada desde que tenha havido prévia composição do dano ambiental, salvo em caso de comprovada impossibilidade.


Notas

[2] Este trabalho só foi possível ser escrito após a leitura de seis obras fundamentais para entender o assunto. Nesta oportunidade, citando-as, homenageio os seus respectivos autores: Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes que escreveram juntos “Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª. ed., 1999”; Cezar Roberto Bitencourt, “Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 3ª. ed., 1997”; Weber Martins Batista e Luiz Fux, “Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1996”; Fernando da Costa Tourinho Filho, “Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Saraiva, 2000”; Julio Fabbrini Mirabete, “Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Atlas, 4ª. ed., 2000” e Damásio de Jesus, “Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada, São Paulo: Saraiva, 4ª. ed., 1997”.

[3] Mais tarde renumerado para § 1º. pela Emenda Constitucional nº. 45/2004 (a chamada “Reforma do Judiciário”).

[4] Sobre esta lei, conferir a obra de Agapito Machado, “Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal”, São Paulo: Saraiva, 2001 e de Luiz Flávio Gomes, “Juizados Criminais Federais”, São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002.

[5] Neste mesmo sentido, art. 41 da Lei nº. 11.340/2006, que criou mecanismo para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, in verbis: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995.” Ora, se tais crimes, quando a pena não for superior a dois anos, não deixaram de ser de menor potencial ofensivo, como não aplicar a referida lei? Parece-nos que há uma mácula ao princípio da igualdade. Neste sentido conferir a nossa obra sobre a Lei Maria da Penha, em co-autoria com Isaac Sabbá Guimarães, Salvador: Editora JusPodivm, 2008.

[6] Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini, “Juizados Criminais Federais, seus reflexos nos Juizados Estaduais e outros estudos”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 22.

[7] Cezar Roberto Bitencourt, Juizados Especiais Criminais Federais, São Paulo: Saraiva, 2003, p 10.

[8] Juizados Especiais Criminais Federais, São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 3 e 4.

[9] A respeito do assunto, conferir, entre outros, os artigos de Luiz Flávio Gomes, Damásio de Jesus e Cezar Roberto Bitencourt, todos publicados no site www.direitocriminal.com.br

[10] Neste sentido conferir o livro de Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini, “Juizados Criminais Federais, seus reflexos nos Juizados Estaduais e outros estudos”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

[11] A tese contrária, segundo a qual este crime não estaria englobado no conceito de menor potencial ofensivo, não nos convenceu, pois, como se disse acima, o critério para a definição é (e sempre foi) a pena máxima cominada. Ora, apesar de vir estabelecida na Lei nº. 4.898/65, como sanção, a perda do cargo, o certo é que a pena máxima para este crime continua sendo a de seis meses de detenção (art. 6º., § 3º., b), abaixo, portanto, do limite de dois anos. Evidentemente que a transação penal, nestes casos, só pode ter por objeto a multa ou uma das penas restritivas de direitos elencadas no art. 43 do Código Penal, jamais a perda do cargo ou a inabilitação para função pública (alínea c do referido art. 6º.), pois assim está estabelecido no caput do art. 76 da Lei nº. 9.099/95; o que não significa que tais sanções (aliás, não seriam mais propriamente efeitos da sentença condenatória?) não possam ser aplicadas pelo Juiz sentenciante, caso haja processo instaurado (no caso de não ter havido a transação penal e de ter sido oferecida a peça acusatória). Ademais, a transação penal pode deixar de ser proposta pelo Ministério Público com fundamento no art. 76, § 2º., III (requisitos subjetivos). 

[12] Salvo se incidir a causa de aumento de pena prevista no art. 141do Código Penal ou tratando-se de calúnia praticada por meio da imprensa (art. 20 da Lei nº. 5.250/67, cuja pena máxima é de três anos). Observa-se, porém, que na Medida Cautelar em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 130-7, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres de Brito, concedeu liminar “para o efeito de determinar que juízes e tribunais suspendam o andamento de processos e os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que versem sobre os seguintes dispositivos da Lei nº 5.250/67: a) a parte inicial do § 2º. do art. 1º (a expressão “... a espetáculos e diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem ...”); b) o § 2º do art. 2º; c) a íntegra dos arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 20, 21, 22, 23, 51 e 52; d) a parte final do art. 56 (o fraseado “...e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa...”); e) os §§ 3º e 6º do art. 57; f) os §§ 1º e 2º do art. 60; g) a íntegra dos arts. 61, 62, 63, 64 e 65. Decisão que tomo ad referendum do Plenário deste STF, a teor do § 1º do art. 5º da Lei nº. 9.882/99. 12. Por fim, e nos termos da decisão proferida pelo Min. Sepúlveda Pertence na ADPF 77-MC, determino a publicação deste ato decisório, com urgência, no Diário da Justiça e no Diário Oficial da União, possibilitando-se às partes interessadas obter de imediato mandado de suspensão dos feitos aqui alcançados. Brasília, 21 de fevereiro de 2008.” Dias depois, o Plenário do Supremo Tribunal Federal referendou a liminar do Ministro Carlos Ayres Britto. Pela nova decisão, juízes de todo o Brasil estão autorizados a utilizar, quando cabível, regras dos Códigos Penal e Civil para julgar processos que versem sobre os dispositivos que estão sem eficácia. Em questões envolvendo direito de resposta, regras da própria Constituição Federal devem ser aplicadas. Caso não seja possível utilizar as leis ordinárias para solucionar um determinado litígio, o processo continua paralisado (como o Ministro Ayres Britto já havia determinado em sua liminar) e terá seu prazo prescricional suspenso. Boa parte dos debates entre os ministros girou em torno de se suspender ou não toda a Lei de Imprensa. Dos dez Ministros que participaram do julgamento, cinco votaram conforme o entendimento do ministro Ayres Britto, suspendendo parte da lei. Os ministros decidiram que a possibilidade de se suspender toda a lei deverá ser analisada no momento do julgamento final da ação. Votaram dessa forma as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, presidente do Supremo, e os ministros Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Gilmar Mendes, além do próprio relator, Ayres Britto. “Imprensa e democracia, na vigente ordem constitucional, são irmãs siamesas”, disse Ayres Britto na liminar. Cezar Peluso afirmou “que nenhuma lei pode garrotear a imprensa”. Para Lewandowski, numa primeira análise, “a Lei de Imprensa conflita com a Constituição”. Outros três ministros votaram no sentido de suspender toda a Lei de Imprensa. Essa vertente foi aberta pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito e seguida pelos ministros Eros Grau e Celso de Mello. Menezes Direito afirmou que nenhuma lei pode causar embaraço “à plena liberdade de informação jornalística” e que a democracia depende de informação, meio essencial para se exercer a participação política. “Regimes totalitários convivem com o voto, nunca com a liberdade de informação”, disse. Segundo ele, suspender a eficácia de toda a lei não causará “vácuo nenhum do ponto de vista legislativo porque toda a Lei de Imprensa está coberta por legislação ordinária”. Celso de Mello, por sua vez, afirmou que “o Estado não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as idéias ou sobre as convicções manifestadas por qualquer cidadão dessa República e, em particular, pelos profissionais dos meios de comunicação social”. Já o ministro Marco Aurélio decidiu não referendar a liminar. Ele ressaltou a inadequação do instrumento jurídico utilizado pelo PDT para contestar a lei – uma argüição de descumprimento de preceito fundamental. Para ele, esse tipo de ação só pode ser usado quando inexistem outros meios de solucionar determinada controvérsia. Marco Aurélio acrescentou que referendar a liminar impediria os cidadãos em geral de ter livre acesso ao Judiciário para litigar sobre causas envolvendo a Lei de Imprensa. Isso causaria, segundo ele, a “paralisação da jurisdição”. Fonte: STF.

[13] Também não são crimes de menor potencial ofensivo a calúnia e a difamação previstas na Lei nº. 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional), cuja pena máxima é de quatro anos e os sujeitos passivos são o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados e o do Supremo Tribunal Federal. Nestes casos, a competência será da Justiça Comum Federal, a teor do art. 109, IV da Constituição Federal.

[14] Com exceção da chamada injúria com preconceito ou discriminatória - art. 140, § 3º., CP (cuja pena máxima é de três anos).  A propósito, nota-se que este delito tem pena de reclusão de um a três, enquanto o homicídio culposo (art. 121, § 3º., CP) é apenado com detenção de um a três anos, violando claramente o princípio da proporcionalidade, “já que não houve a observância do justo equilíbrio que deve existir entre a gravidade do fato praticado e a sanção imposta.” (Luiz Regis Prado, Curso de Direito Penal Brasileiro, Vol. 2, Parte Especial, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1ª. ed., 2000, p. 252).

[15] Quanto à prerrogativa de função no crime doloso contra a vida, veja-se no STF o julgamento proferido no HC nº. 693440/130, 2ª. Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, bem como o Enunciado 721 do STF. Aliás, no julgamento da Ação Penal (AP) 333, por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu novamente que cabe ao STF julgar crime doloso contra a vida praticado por quem tem prerrogativa de função.

[16] Para Damásio de Jesus, este artigo apenas “disciplina a espécie de procedimento aplicável ao processo, não cuidando de infrações de menor potencial ofensivo. Temos, pois, disposições sobre temas diversos, cada uma impondo regras sobre institutos diferentes, sendo incabível a invocação do princípio da proporcionalidade.” (Repertório de Jurisprudência IOB – nº. 24/03 – Dezembro, p. 678). Neste mesmo sentido, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira, in Direito Eleitoral – Crimes Eleitorais & Processo Penal Eleitoral, Salvador: Podium, 2004, p. 65.

[17] O art. 17 da Lei nº. 11.340/2006, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mullher, veda “a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.” E, como já foi referido, o art. 41 desta mesma lei proíbe a aplicação de todos os dispositivos da Lei nº. 9.099/95 quando se tratar de violência doméstica ou familiar, o que nos parece, à luz da isonomia constitucional e do princípio da proporcionalidade, uma clara inconstitucionalidade. Neste sentido conferir a nossa obra sobre a Lei Maria da Penha, em co-autoria com Isaac Sabbá Guimarães, Salvador: Editora JusPodivm, 2008.

[18] Lei dos Juizados Especiais Criminais (com Geraldo Prado), Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 110.

[19] Observa-se que a expressão “culpabilidade” não está inserida como requisito subjetivo para a proposta de transação (art. 76, § 2º., III).

[21] Aliás, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de homologar a transação penal em caso de competência por prerrogativa de função. O Ministro Cezar Peluso homologou proposta de transação penal  realizada entre o Ministério Público e uma Deputada Federal. A Petição (PET) 3871 foi ajuizada pelo Ministério Público para solicitar apuração da participação da acusada em boca-de-urna, propaganda partidária, realizada nas eleições de outubro de 2006, delito previsto no artigo 39, parágrafo 5º, inciso II, da Lei nº. 9.504/97. O relator enviou os autos ao procurador-geral da República, que elaborou proposta de transação penal: “doação de três cestas básicas, no valor individual de R$ 80,00, uma vez por mês, pelo período de quatro meses, devendo a autora do fato, mensalmente, juntar aos autos comprovante do cumprimento da medida imposta.” Um senador, investigado no Supremo Tribunal Federal pela prática de crime eleitoral, concordou com a proposta de transação penal feita pela Procuradoria Regional Eleitoral e ratificada pela Procuradoria Geral da República, e vai doar, mensalmente, uma série de medicamentos para a Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, pelo período de um ano. O ministro Marco Aurélio, relator do Inquérito (INQ 2539) que tramita na Corte contra o senador, homologou a transação, pela qual o parlamentar se comprometeu a doar para o hospital, por mês, 5 frascos de albumina humana, 500 cápsulas de Cefalexina, 3 ampolas de Clexane, 5 ampolas de Mathergan, 5 frascos de Maxcef e 100 comprimidos de Espironolactona. Todo mês, ressaltou o ministro, o senador deve encaminhar os documentos comprovando o cumprimento de sua obrigação. Fonte: STF.

[22] A Terceira Velocidade do Direito Penal seria o chamado “Direito Penal do Inimigo”.

[23] A Expansão do Direito Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 145, 147 e 148 (tradução de Luiz Otavio de Oliveira Rocha).

[24] Justiça Restaurativa e Transação Penal – Artigo de Alexandre Ribas de Paulo, publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, nº. 252, novembro;2013, ISSN 1676-3661.

[25] A respeito do papel da vítima no Processo Penal, veja-se este trecho de parecer subscrito por Lênio Luiz Streck, exarado nos autos da Apelação Crime nº. 70.006.451.827, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “De pronto, não se deve, em hipótese alguma, esquecer que a vítima não faz parte do processo penal (contemporâneo), eis que o Estado, na qualidade de acusador, reivindica, para si, o ius puniendi. Trata-se, sem dúvida, de uma conquista da própria civilização. Ao abdicar do seu direito de resolver o conflito individualmente (por não ter capacidade de sublimação), conferindo este poder a um terceiro imparcial que o substitui processualmente, o homem optou pela civilidade à barbárie! Como é sabido, o Estado expropria o direito da vítima, uma vez que esta não tem qualquer interesse de índole penal. A sanção penal não está voltada para a satisfação retributiva da vítima; não tem caráter reparatório!” Do contrário, afirma o autor, “é retroceder e apontar para a (neo) privatização de um direito eminentemente público. Simples, pois! (Porto Alegre, 20 de junho de 2003).

[26] Ação Penal – Denúncia, Queixa e Aditamento, Rio de Janeiro: AIDE, 3ª. ed., 2002, p. 37.

[27] Lei dos Juizados Especiais Criminais (escrita com Geraldo Prado), Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 139.

[28] Elementos para uma análise crítica da transação penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 169.

[29] Nova Lei de Drogas, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 139.

[30] Habeas Corpus nº. 79.572 – 2ª. Turma, j. 29/02/2000, Rel. Min. Marco Aurélio. Assim também pensa Cezar Roberto Bitencourt, ob. cit., p. 12.

[31] O que não significa que seja um negócio jurídico, evidentemente.

[32] Como afirma José Frederico Marques, “só se pode falar em ação quando, com o pedido, se instaura uma relação processual. Outras atividades postulatórias e são muitas – que qualquer dos sujeitos processuais exerça, refogem do conceito de ação (...) Se, com o pedido, instaurar-se uma nova instância, esse pedido será manifestação do exercício do direito de agir.” (Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 298).

[33] A propósito, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 154 de 13 de julho de 2012, que define a política institucional do Poder Judiciário na utilização dos recursos oriundos da aplicação da pena de prestação pecuniária. Neste sentido, determinou: “Art. 1º Adotar como política institucional do Poder Judiciário, na execução da pena de prestação pecuniária, o recolhimento dos valores pagos em conta judicial vinculada à unidade gestora, com movimentação apenas por meio de alvará judicial, vedado o recolhimento em cartório ou secretaria.Parágrafo único. A unidade gestora, assim entendida, o juízo da execução da pena ou medida alternativa de prestação pecuniária, ficará responsável pela abertura da conta corrente junto à instituição financeira estadual ou federal, exclusiva para o fim a que se destina.Art. 2º Os valores depositados, referidos no art. 1o, quando não destinados à vitima ou aos seus dependentes, serão, preferencialmente, destinados à entidade pública ou privada com finalidade social, previamente conveniada, ou para atividades de caráter essencial à segurança pública, educação e saúde, desde que estas atendam às áreas vitais de relevante cunho social, a critério da unidade gestora.§ 1º A receita da conta vinculada irá financiar projetos apresentados pelos beneficiários citados no caput deste artigo, priorizando-se o repasse desses valores aos beneficiários que:I - mantenham, por maior tempo, número expressivo de cumpridores de prestação de serviços à comunidade ou entidade pública;II - atuem diretamente na execução penal, assistência à ressocialização de apenados, assistência às vítimas de crimes e prevenção da criminalidade, incluídos os conselhos da comunidade;III - prestem serviços de maior relevância social;IV - apresentem projetos com viabilidade de implementação, segundo a utilidade e a necessidade, obedecendo-se aos critérios estabelecidos nas políticas públicas específicas.§ 3º É vedada a escolha arbitrária e aleatória dos beneficiários.Art. 3º É vedada a destinação de recursos:I - ao custeio do Poder Judiciário;II - para a promoção pessoal de magistrados ou integrantes das entidades beneficiadas e, no caso destas, para pagamento de quaisquer espécies de remuneração aos seus membros;III - para fins político-partidários;IV – a entidades que não estejam regularmente constituídas, obstando a responsabilização caso haja desvio de finalidade.Art. 4º O manejo e a destinação desses recursos, que são públicos, devem ser norteados pelos princípios constitucionais da Administração Pública, previstos, dentre outros, dispositivos no art. 37, caput, da Constituição Federal, sem se olvidar da indispensável e formal prestação de contas perante a unidade gestora, sob pena de responsabilidade, ficando assegurada a publicidade e a transparência na destinação dos recursos.Parágrafo único. A homologação da prestação de contas será precedida de manifestação da seção de serviço social do Juízo competente para a execução da pena ou medida alternativa, onde houver, e do Ministério Público.Art. 5º Caberá às Corregedorias, no prazo de seis meses, contados da publicação da presente Resolução, regulamentar:I - os procedimentos atinentes à forma de apresentação e aprovação de projetos;II - a forma de prestação de contas das entidades conveniadas perante a unidade gestora;III - outras vedações ou condições, se necessárias, além daquelas disciplinadas nesta Resolução, observadas as peculiaridades locais.Art. 6º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.Ministro AYRES BRITTO.”

[34] Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Atlas, 4ª. ed., 2000, 149.

[35] Tampouco admitimos a homologação do acordo após o cumprimento da pena pelo autor do fato, como já entendeu o Superior Tribunal de Justiça. Neste sentido, veja-se esta decisão do Supremo Tribunal Federal: “SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - HABEAS CORPUS 88.616-7 RIO DE JANEIRO - RELATOR: MIN. EROS GRAU – EMENTA: HABEAS CORPUS. JUIZADO ESPECIAL. TRANSAÇÃO PENAL. EXIGÊNCIA DO ATO IMPUGNADO DE QUE A HOMOLOGAÇÃO OCORRA SOMENTE APÓS O CUMPRIMENTO DA CONDIÇÃO PACTUADA: CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DIREITO À HOMOLOGAÇÃO ANTES DO ADIMPLEMENTO DAS CONDIÇÕES ACERTADAS. POSSIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO OU DE PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL. I. Consubstancia constrangimento ilegal a exigência de que a homologação da transação penal ocorra somente depois do adimplemento das condições pactuadas pelas partes. II. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a transação penal deve ser homologada antes do cumprimento das condições objeto do acordo, ficando ressalvado, no entanto, o retorno ao status quo ante em caso de inadimplemento, dando-se oportunidade ao Ministério Público de requerer a instauração de inquérito ou a propositura de ação penal. Ordem concedida.” VOTO: “(...) Essa pretensão contraria a jurisprudência desta Corte, firmada no sentido de que “[i]mpõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando a denúncia” (HC n. 79.572, relator o Ministro Marco Aurélio, 2ª Turma, DJ de 29/2/2000). Confira-se, no mesmo sentido, decisão recente desta Turma (13/6/2006), proferida no HC n. 88.785, por mim relatado (acórdão pendente de publicação). 3. Como o acórdão impugnado determinou que a homologação fosse implementada somente após o cumprimento da condição, a ordem aqui há de ser concedida, em parte, apenas para determinar que o Juiz de primeiro grau homologue, por sentença, desde já, a transação penal; ato que, todavia, tornar-se-á insubsistente, viabilizando a persecução penal, se o paciente não cumprir o que foi acordado com o Ministério Público.”

[36] “Eficácia Jurídica da Transação Judicial Homologada e a ‘Exceptio Litis Per Transactionem Finitae”, Revista da Associação Paulista do Ministério Público, Dez/Jan – 2000.


Autor

  • Rômulo de Andrade Moreira

    Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo de Andrade. O STF e a natureza jurídica da sentença de transação penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3990, 4 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29227. Acesso em: 18 abr. 2024.