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O princípio da especialidade subjetiva e os regimes de bens no cartório de registro de imóveis

O princípio da especialidade subjetiva e os regimes de bens no cartório de registro de imóveis

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Este trabalho identifica a importância da qualificação registral imobiliária quanto à aplicação do princípio da especialidade subjetiva.

RESUMO: Este trabalho identifica a importância da qualificação registral imobiliária quanto à aplicação do princípio da especialidade subjetiva. Embasada nos princípios registrais da continuidade e da especialidade subjetiva, apresenta como principais conclusões: a importância dos regimes de bens e os seus reflexos patrimoniais na individualização dos sujeitos integrantes dos atos jurídicos apresentados no cartório para ingresso no fólio real. Para compreensão do tema e a busca do resultado foram  apresentados os princípios registrais imobiliários, com um capítulo exclusivo para o princípio da especialidade, os regimes de bens e por fim a relação entre o princípio da especialidade e os regimes de bens e a importância da sua observação na qualificação registral. 

Palavras-Chave: Princípio da especialidade subjetiva. Regime de bens. Qualificação.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO-1 PRINCÍPIOS REGISTRAIS IMOBILIÁRIOS-1.1 Princípio da publicidade registral-1.2 Princípio da obrigatoriedade do registro ou da inscrição-1.3 Princípio da prioridade-1.4 Princípio da unitariedade da matrícula-1.5 Princípio da rogação ou instancia-1.6 Princípio da legalidade -1.7 Princípio da continuidade registral-2 O PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE E A SUA IMPORTÂNCIA NO SISTEMA REGISTRAL IMOBILIÁRIA -2.1 Especialidade objetiva-2.2 Especialidade subjetiva-3 OS REGIMES DE BENS-3.1 Comunhão parcial de bens-3.2 Comunhão universal de bens -3.3 Separação convencional ou absoluta de bens- 3.4 Separação obrigatória de bens -3.5 Participação final nos aquestos-4 O PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE SUBJETIVA E OS REGIMES DE BENS: A IMPORTANCIA DA SUA OBSERVANCIA NA QUALIFICAÇÃO REGISTRA-5 CONCLUSÃO -REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -


INTRODUÇÃO

    Os Registradores de Imóveis são profissionais do direito dotados de fé-pública e exercem sua atividade com base nos princípios registrais e na legislação. E como aplicadores do direito e fiscais da lei exercem uma atividade destinada a garantir a segurança e eficácia dos atos jurídicos.    O Princípio da Especialidade, constituído dentro do ordenamento jurídico e de observância obrigatória na atividade registral imobiliária, diz respeito à individualização, a caracterização dos imóveis e das pessoas envolvidas no ato de registro.     Neste estudo aborda-se o Princípio da Especialidade na sua esfera subjetiva, ou seja, voltado à qualificação dos sujeitos integrantes dos atos jurídicos. A qualificação das pessoas exige que estas estejam identificadas de tal forma que não sejam confundidas com qualquer outra pessoa. A segurança jurídica exige que as pessoas envolvidas no ato de registro estejam qualificadas com os requisitos do art. 176 da Lei 6.015/73. Neste deste rol inclui-se a qualificação do sujeitos quanto ao seu estado civil e regime de bens.    O presente trabalho tem por objetivo tecer considerações acerca do regime de bens estabelecido entre os cônjuges e suas implicações na área registral e patrimonial.  Qual a importância da menção do regime de bens na qualificação pessoal dos integrantes de atos jurídicos? Quais as implicações da sua não observância? Para seu desenvolvimento lógico, o trabalho foi dividido em quatro capítulos.    O primeiro tratou de apresentar os princípios registrais imobiliárias de maior aplicação na atividade qualificadora do registrador.     O segundo introduziu genericamente o tema tratando do Princípio da Especialidade e a sua importância no Registro de Imóveis.    O terceiro tratou de introduzir o tema apresentando os regimes de bens existentes no ordenamento jurídico pátrio.    O último capítulo foi destinado a abordagem do tema propriamente dito, com a exposição da importância dos regimes de bens na qualificação registral e na aplicação do princípio da especialidade subjetiva.


1 PRINCÍPIOS REGISTRAIS IMOBILIÁRIOS

    Os princípios são os pilares de um ordenamento jurídico, são as regras gerais e básicas que nos orientam para compreensão de determinado ordenamento jurídico. Servem para compreender a ordem jurídica que se analisa, oferecendo uma determinada orientação.    Esta é a concepção de princípio: o início, o apoio, o pilar, a sustentação de tudo, o fundamental. No Direito é a sustentação de todo o ordenamento jurídico.    Os princípios são, assim, as normas elementares que servem de apoio a todo o ordenamento jurídico, e neles encontramos o sentido e a finalidade da norma jurídica em exame.    O conhecimento e o domínio dos princípios do Registro de Imóveis permitem ao estudioso a compreensão do sistema, facilitando o sentido e a aplicação das normas legais que o disciplinam, atingindo, com isso, o aprimoramento do Direito Registral Imobiliário, visando, ora a sua acomodação ao contexto, ora a sua adaptação às novas circunstâncias que acontecem dia-a-dia, em virtude dos modernos institutos que, a todo momento, surgem para regular as transformações da economia e da sociedade.    O Registrador Imobiliário, profissional do direito dotado de fé pública, exerce sua atividade norteado pelos princípios registrais imobiliários. A compreensão desses princípios permite aos operadores do direito registral encontrar com facilidade as soluções corretas para as mais inusitadas situações que surgem nesse dinâmico ramo do direito.     Diante da importância do conhecimento dos princípios básicos registrais, necessário elencarmos os mais importantes. 

1.1 Princípio da publicidade registral

    A Publicidade é um dos atributos dos Registros Públicos. Os atos praticados nas serventias notariais e registrais são de natureza pública, salvo algumas exceções, sujeitos ao conhecimento de qualquer interessado. No direito pátrio, a publicidade é necessária para a constituição de direitos reais, salvo quando a lei dispuser em contrário, como por exemplo a transmissão de domínio por força de sucessão causa mortis ou aquisições originárias, com a desapropriação e a usucapião. Os efeitos erga omnes que decorrem do registro se dão justamente pelo fato da presunção de que todos têm conhecimento da relação jurídica estabelecida pelos sujeitos. Mesmo quando os atos registrais não têm por finalidade a geração de efeitos erga omnes, trazem consigo esta presunção.    A publicidade pode ser necessária quando é elemento integrante do processo de constituição do direito, ou simplesmente declaratória quando dá publicidade de direito preexistente.    Ceneviva (2008, p 37-38) nos ensina que:

A publicidade registrária se destina ao cumprimento de tríplice missão: a) transmite ao conhecimento de terceiros interessados ou não interessados a informação do direito correspondente ao conteúdo do registro, excetuados apenas os sujeitos ao sigilo;b) sacrifica parcialmente a privacidade e a intimidade das pessoas, informando sobre bens e direitos seus ou que lhes sejam referentes, a benefício das garantias advindas do registro;c) serve para fins estatísticos, de interesse nacional ou de fiscalização pública.

    No Cartório de Registro de Imóveis, as certidões expedidas a pedido de qualquer interessado, sem motivação, são os instrumentos que exteriorizam e levam ao conhecimento de terceiros o conteúdo dos atos registrados no cartório. É o que nos dizem os artigos 16 e 17 da Lei 6.015/73: 

Art. 16. Os oficiais e os encarregados das repartições em que se façam os registros são obrigados:1º a lavrar certidão do que lhes for requerido;2º a fornecer às partes as informações solicitadas. Art. 17. Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido.

Importante salientar que os efeitos da publicidade, constitutivos ou declaratórios, se iniciam com a pratica do ato do registro ou averbação e não com a data da expedição da certidão. 

    1.2 Princípio da obrigatoriedade do registro ou da inscrição

    Consagrado no art. 1245 do Código Civil: "Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis." Ou seja, enquanto não registrado o titulo de transmissão, o alienante continua a ser considerado como dono do imóvel.    Tal artigo, ao expor que a propriedade imóvel entre vivos é transmitida mediante o registro do título translativo na Serventia Imobiliária acolhe o princípio em tela, de modo a induzir o registro de todos os atos que a lei determina que devam ser objeto de registro.

1.3 Princípio da prioridade

    De acordo com o princípio da Prioridade os direitos reais contidos nos títulos apresentados em primeiro lugar na serventia terão prioridade para ingresso no fólio real em detrimento dos posteriormente apresentados. Tal regra é consagrada no art. 186 da Lei 6015/73: "O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente." Havendo, pois, concurso de direitos reais sobre o mesmo imóvel, prevalece aquele cujo título foi anteriormente protocolado no Cartório de Imóveis.     O artigo 182 da Lei de Registro Públicos preceitua que: "  Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da seqüência rigorosa de sua apresentação." Em razão disso, é que será concedida a preferência na realização do ato para a primeira pessoa que apresentar o título para registro ou averbação, havendo a prioridade do direito real oponível erga omnes através da prenotação.

1.4 Princípio da unitariedade da matrícula

    Por determinação do art. 176, §, I, da Lei 6015/73, "cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta Lei". Consagrou-se, assim, a adoção do fólio real no direito registral e patenteou-se a unitariedade matricial.    Cada imóvel deverá corresponder a uma única matrícula, que conterá toda a história real do imóvel, garantindo aos interessados negócios jurídicos seguros. A duplicidade de matrículas para o mesmo imóvel constitui grave e temida irregularidade registrária.

1.5 Princípio da rogação ou instancia

Via de regra, a pratica do ato registral é de iniciativa exclusiva do interessado, que poderá solicitar o serviço de forma verbal ou escrita, vedado o ato ex officio. Não compete ao registrador questionar o motivo pelo qual se pretende fazer o registro do título. É o que se infere do artigo 217 da Lei 6015/73 in verbis: "O registro e a averbação poderão ser provocados por qualquer pessoa, incumbindo-lhe as despesas respectivas."     Existem, porém, exceções a este princípio contidas na Lei de Registros Públicos, nos seus artigos 13, que prevê a pratica dos atos de registro e averbação por iniciativa do Poder Judiciário e do Ministério Público; no 167, II, 13, quando se tratar de averbações de mudança de nome de logradouros decretados pelo Poder Público e por fim em casos de erro evidente contidos no registro, como se vê no artigo 213, I, da Referida Lei:

Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação:   I - de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de:  a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título;  b) indicação ou atualização de confrontação;  c) alteração de denominação de logradouro público, comprovada por   documento oficial;   d) retificação que vise a indicação de rumos, ângulos de deflexão ou inserção de    coordenadas georeferenciadas, em que não haja alteração das medidas perimetrais;  e) alteração ou inserção que resulte de mero cálculo matemático feito a partir das medidas perimetrais constantes do registro;   f) reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha sido objeto de retificação;  g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas; ...

1.6  Princípio da legalidade

    De acordo com este princípio, também conhecido na doutrina com da legitimidade ou da qualificação, o registrador imobiliário tem a função de examinar se todos os documentos apresentados na serventia para ingresso no fólio real reúnem os requisitos exigidos pela lei.     Dentre as principais funções do oficial imobiliário está a de qualificar os títulos apresentados na serventia. Nas palavras do mestre Carvalho (1977, p. 250-251):

(...) cumpre interpor entre o título e a inscrição um mecanismo que assegura, tanto quanto possível, a correspondência entre a titularidade presuntiva e a titularidade verdadeira, entre a situação registral e a situação jurídica, a bem da estabilidade dos negócios imobiliários. Esse mecanismo há de funcionar como um filtro que, à entrada do registro, impeça a passagem de títulos que rompam a malha da lei, quer porque o disponente careça da faculdade de dispor, quer porque a disposição esteja carregada de vícios ostensivos.

    Para garantir a prestação do serviço de forma segura e eficaz, o Oficial tem o dever de analisar todos os documentos que adentram ao cartório para ingressarem no fólio real. Quando esses títulos são apresentados para registro cabe ao oficial qualificá-los, ou seja, analisar se estão aptos a constituir ou transmitir direitos reais, registrando os hábeis e impedindo o acesso dos que não satisfaçam os requisitos exigidos em lei. Tal qualificação registral analisa os documentos apresentados, sejam eles particulares, públicos ou judiciais, sob o aspecto da legalidade, compreendendo tanto os requisitos extrínsecos (forma) como intrínsecos (conteúdo), objetivando a segurança jurídica.    E nem mesmo os títulos judiciais escapam à qualificação registrária, não no tocante ao mérito das decisões, mas quanto aos elementos formais e princípios registrários.

1.7 Princípio da continuidade registral

    Garantidor maior da segurança jurídica dos registros imobiliários, o lançamento de qualquer ato registral deve se apoiar no anterior formando uma cadeia histórica de titularidade do imóvel.     A continuidade deve obedecer a uma anterioridade lógica, tanto objetiva, quanto subjetiva. Isso quer dizer, na forma objetiva, que o imóvel sujeito aos atos de registro deverá estar matriculado e caracterizado de forma individualizada. O Art. 236 da Lei de Registros Públicos dispõe: "Nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado". Outra exigência objetiva é que o interessado apresente título anterior quando o assento registrado dele depender, é o que preceitua o Art. 237 da Lei 6.015/73: " Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro".    Já no caráter subjetivo, a continuidade deverá ser observada quanto aos sujeitos. Necessário existir uma sequencia ininterrupta entre os titulares dos direitos reais dos imóveis matriculados. Somente titular de um direito anterior poderá transferi-lo para um terceiro e assim sucessivamente. In verbis o art. 195, da citada Lei: "Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro."    Há ainda a obrigatoriedade de constar na matrícula o número do registro anterior, mais uma aspecto da continuidade previsto no art. 222, da Lei citada em epígrafe: "Em todas as escrituras e em todos os atos relativos a imóveis, bem como nas cartas de sentença e formais de partilha, o tabelião ou escrivão deve fazer referência à matrícula ou ao registro anterior, seu número e cartório".    Nas palavras de Loureiro (2011, p. 227):

O principio da continuidade assegura, portanto, o perfeito encadeamento de titularidades dos direitos reais imobiliários: cada matrícula deve apresentar uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais ligando-se ao seu antecedente e ao seu subsequente, sem solução de continuidade. Este princípio evita, assim, lacunas na cadeia de titularidades e permite que terceiros tenham conhecimento completo e real da situação dos imóveis mediante o simples exame da matrícula do imóvel.

    Diante da necessidade da observância da continuidade, tanto nos seus aspectos objetivo e subjetivo, no capítulo seguinte trataremos do princípio da especialidade, derivado do princípio da continuidade e fundamento do tema do presente trabalho. 


2 O PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE E A SUA IMPORTÂNCIA NO SISTEMA REGISTRAL IMOBILIÁRIO

O Princípio da Especialidade estabelece que todo o imóvel objeto de registro, especialidade objetiva, e os seus sujeitos, especialidade subjetiva, devam estar perfeitamente individualizados para ingressar no fólio real.    Yumi Kono (2010, p.19, define muito bem a especialidade: 

O princípio da especialidade significa que toda inscrição deve recair sobre um objeto precipuamente individuado. O imóvel e os sujeitos envolvidos no instrumento objeto de registro devem estar perfeitamente descritos, permitindo a exata localização do imóvel no mundo físico e a perfeita identificação das pessoas que figurarem nos atos.A especialidade deve ser observada tanto quanto aos imóveis (denominada especialidade objetiva), como quanto às pessoas (especialidade subjetiva).

2.1 Especialidade objetiva

    A especialidade objetiva determina que todo imóvel objeto de registro deve estar precisamente descrito, na forma exigida pela lei. O art. 176 da Lei de Registros Públicos especifica quais componentes são obrigatórios na individualização dos imóveis, vejamos:

Art. 176 , §1º, II:II - são requisitos da matrícula:...3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação: a - se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área;  b - se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver.  

    Conforme se depreende do dispositivo citado em epígrafe, na matrícula o imóvel deverá estar identificado com suas características e confrontações, localização, área, código e dados constantes do CCIR (certificado de cadastro de imóvel rural), se rural; ou logradouro e número, se urbano, e sua designação cadastral, se houver.    Caso a caracterização do imóvel constante do título apresentado para registro no Cartório de Imóveis não coincida com aquela que consta da matrícula deverá o Oficial recusar o ingresso do referido título no cadastro imobiliário.    Segundo Carvalho (1997, p.206), a especialidade objetiva significa:

Assim, o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer  outro. O corpo certo imobiliário ocupa um lugar determinado no espaço, que é o abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as reais definidoras da entidade territorial.    Nas sábias palavras do mestre Afrânio de Carvalho, transcritas acima, podemos perceber que o princípio da especialidade objetiva expressa a situação jurídica do imóvel e não a situação de fato. Havendo divergência entre essas duas, o proprietário poderá promover o chamado processo de retificação da matrícula do imóvel (que na sua forma administrativa está previsto no art. 213, da Lei 601573), quanto a sua área ou outra circunstancia como limites e confrontações, em que se ajusta a matrícula à situação real do imóvel.    Importante observar que cada imóvel deverá constar de uma única matrícula, ou seja, cada imóvel com sua matrícula própria, sendo inadmissível mais de um imóvel em uma só matrícula. É a aplicação do princípio da unitariedade da matrícula já visto neste trabalho no tópico 1.4.

2.2 Especialidade subjetiva    

O princípio da especialidade subjetiva determina que as partes constantes do ato ou negócio jurídico têm que estar perfeitamente determinadas e identificadas com todos os requisitos que a lei determina.     A qualificação dos sujeitos participantes do ato registrado deverá estar perfeitamente descrita, tanto na matrícula quantos nos títulos apresentados no cartório para ingresso no fólio real por atos de registro, e obedece aos requisitos previsto no art. 176 da Lei de Registros Públicos, quais sejam:

Art. 176 , §1º:II - são requisitos da matrícula:...4) o nome, domicílio e nacionalidade do proprietário, bem como:a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou à falta deste, sua filiação; b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda;...III - são requisitos do registro no Livro nº 2:1) a data;2) o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, bem como: a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação;b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda;

    Importante esclarecer que o nome do proprietário e a sua qualificação completa exigida no art. 176, §1º, II, 4 da Lei 6015/73 é a de quem tenha tal condição no momento da matrícula, ou seja, é de natureza transitória, aplicável à matrícula inicial, primeira posterior à 1º de janeiro de 1976, entrada em vigor da lei 6015/73. É quando da abertura da matricula primeiro logo após o fim do sistema das transcrições. Depois, as transferências de propriedade, sem alteração do imóvel, constarão de registros ao pé da matricula respectiva, com a qualificação completa do novo proprietário, já nos termos do art. 176, §1º, III, 2 da Lei de Registros Público.    

Dentre os requisitos de identificação dos sujeitos dos atos de registro esta o seu estado civil, que engloba a especificação do regime do bens, nome do cônjuge e data do casamento. Estas informações tem grande repercussão nas transferências de imóveis e serão analisadas no capítulo 4.    

O Código Civil, art. 215, declara a obrigatoriedade de constar das escrituras públicas lavradas nos tabelionatos de notas a qualificação completa das partes, inclusive quanto ao regime de bens, vejamos:

Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.§ 1o Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter:I - data e local de sua realização;II - reconhecimento da identidade e capacidade das partes e de quantos hajam comparecido ao ato, por si, como representantes, intervenientes ou testemunhas;III - nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência das partes e demais comparecentes, com a indicação, quando necessário, do regime de bens do casamento, nome do outro cônjuge e filiação;

    A importância da qualificação dos proprietários nos moldes do  art. 176 está bem representada nos dizeres de Carvalho (1997, p. 363):

A menção do nome do proprietário é seguida da nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio, número de inscrição no cadastro de pessoas físicas do Ministério da Fazenda (CPF) e, na falta deste, da filiação; tratando-se de pessoa jurídica, da sede social e do número de inscrição no cadastro geral de contribuintes daquele Ministério (CGC). Esses dados complementares de identificação permitem determinar o sujeito de direito em meio à pluralidade de homônimos e, ao mesmo tempo, medir-lhe a capacidade

    O desrespeito ao princípio da especialidade, em qualquer de suas subdivisões, inutiliza a certeza e a precisão do Registro Imobiliário.


3 OS REGIMES DE BENS

    Diante da obrigatoriedade do regime de bens como requisito na qualificação das partes integrantes dos atos registrais, convêm conhecermos cada um deles.    O regime de bens é estabelecido pelos nubentes e pode ser convencional, quando estabelecido através de pacto antenupcial por escritura pública, podendo-se optar pela comunhão universal de bens, separação de bens ou pelo regime de participação final dos aquestos. O regime legal independe de pacto antenupcial, podendo ser o da comunhão parcial de bens ou da separação obrigatória de bens.    Havendo pacto antenupcial, este será por escritura pública, restando nulo o pacto que não for assim formalizado, e ineficaz se não lhe seguir o casamento (art. 1653 do Código Civil).    As convenções antenupciais deverão ser registradas no Cartório de Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges, a fim de produzir efeito perante terceiro, e averbada no lugar da situação dos imóveis de propriedade do casal, é o que dizem os artigos 1657 do Código Civil e o 244 da Lei 6015:

Art. 1.657. As convenções antenupciais não terão efeito perante terceiros senão depois de registradas, em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges.Art. 244 - As escrituras antenupciais serão registradas no livro nº 3 do cartório do domicílio conjugal, sem prejuízo de sua averbação obrigatória no lugar da situação dos imóveis de propriedade do casal, ou dos que forem sendo adquiridos e sujeitos a regime de bens diverso do comum, com a declaração das respectivas cláusulas, para ciência de terceiros.

    Anteriormente à vigência da Lei 6515/77, o regime de bens que vigorava caso não houvesse pacto antenupcial, nem fosse obrigatório o regime de separação, era o da comunhão universal de bens.    Questão interessante de se mencionar é a que aconteceu na transição do regime legal de comunhão universal para parcial de bens quando da entrada em vigor da Lei 6515/77. Exige-se a lavratura do pacto antenupcial quando os nubentes escolhem regime de bens diverso do legal. Ocorre que a lei 6515 entrou em vigor dia 26/12/1977 e muitos casamentos, já com processos de habilitação tramitando antes da entrada em vigor da referida lei, foram realizados após a sua vigência, adotando o regime de comunhão universal e sem a lavratura do pacto antenupcial. É uma questão de direito intertemporal que foi bem explicitada pelo colega Vieira Coutinho (http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_ link=revista_ artigos_ leitura&artigo_id=6766&revista_caderno=14):

Conforme exposto acima, o regime legal após a publicação da Lei Federal nº. 6.515/77, que entrou em vigor no dia 26/12/1977, passou a ser o da comunhão parcial de bens. No entanto, não é absoluta a presunção de existência do pacto antenupcial para os casamentos celebrados sob o regime da comunhão universal de bens após a mencionada data. O que justifica esta afirmação é a validade da certidão de habilitação anterior à lei. O artigo 181, parágrafo 1º, do Código Civil de 1916, previa que a habilitação dos pretendentes para se casar era válida por 3 (três) meses. Por este motivo, muitos casamentos ocorridos até o dia 24/03/1978 foram celebrados sob o regime da comunhão universal de bens, sem a lavratura da escritura de convenção antenupcial, desde que a referida certidão tivesse sido expedida até o dia 24/12/1977. Observe-se que o dia 25/12/1977 não foi considerado, por tratar-se do feriado natalino, ocasião em que o registro civil não fornece certidão de habilitação. Essa interpretação gerou efeitos patrimoniais distintos para os cônjuges que optaram pelo regime da comunhão universal de bens, pois a definição do regime de bens se dá a partir da celebração do casamento e não com a expedição da certidão de habilitação. Mesmo que a certidão tivesse sido expedida antes da vigência da Lei nº. 6.515/77, o pacto antenupcial não poderia ser dispensado. Por conseqüência, não havendo convenção, passou a vigorar, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial, nos termos do artigo 1640 do Código Civil, sendo necessário que essa circunstância conste no assento de casamento e respectivas certidões.

    Tamanho os reflexos causados pelos regimes de bens na atividade registral imobiliária, que faz-se obrigatório ao Oficial conhecer pormenorizadamente a matéria. Passemos à análise de cada um dos regimes de bens adotados no sistema jurídico pátrio.

3.1 Comunhão parcial de bens    

Previsto nos arts. 1658 a 1666 do Código Civil, é o regime legal de bens desde o advento da Lei 6515/77, sendo desnecessária a lavratura de pacto antenupcial quando da sua escolhe pelos nubentes.    

Nesse regime, o patrimônio comum será formado pelo acervo dos bens adquiridos na Constancia do casamento, a título oneroso, permanecendo excluídos da comunhão os bens que cada cônjuge já possuía antes do casamento e aqueles recebidos por doação ou sucessão na Constancia do casamento.    

Embora no regime legal da comunhão parcial excluem-se da comunhão os bens  que cada cônjuge possui antes do casamento, para dispor dele, ou onerá-lo dependerá da anuência do outro cônjuge, é o que diz o art. 1647 do Código Civil:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;III - prestar fiança ou aval;IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.

3.2 Comunhão universal de bens

    De um modo geral o regime da comunhão universal de bens importa na comunicação de todos os bens adquiridos pelos cônjuges antes e depois do matrimonio. O Código Civil enumera os bens que são excluídos da comunhão no art. 1668:

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

    Para a adoção deste regime é obrigatória a lavratura do pacto antenupcial que deverá ser registrado no Livro 03 do Cartório de Registro de Imóveis do domicílio conjugal e averbado no Livro 02 em todas as matrículas dos imóveis pertencentes a cada um dos cônjuges.     Interessante definição deste regime faz Wald e Corrêa da Fonseca (2009, p. 185):

A característica própria do regime é a constituição de um todo indiviso, que em tese só se torna divisível uma vez extinta ou dissolvida a sociedade conjugal. Trata-se de um condomínio de natureza especial, cuja existência perdura enquanto se mantém a sociedade conjugal e cuja finalidade especifica é o sustento do casal e dos seus filhos. Contudo, por ser um regime convencional, necessita obrigatoriamente de pacto antenupcial, sendo que nesse pacto podem ser incluídas cláusulas modificativas, restringindo, por exemplo, a comunhão a certos bens ou excluídos alguns bens móveis ou imóveis.  

É corriqueiro encontrarmos em documentos, até mesmo certidões de casamento, o regime de comunhão de bens. Não existe este regime, embora usado como sinônimo de comunhão universal de bens.

3.3 Separação convencional ou absoluta de bens     

Nesse regime os cônjuges conservam seu patrimônio particular para si. Os bens que já possuíam permanecem na propriedade, posse e administração de cada um, assim como aqueles adquiridos na constância do casamento a qualquer título. Não há comunicabilidade.    

A opção por este regime de bens deve ser formalizada por pacto antenupcial.    

Cada conjuge pode livremente administrar os seus bens, aliená-los ou gravá-los de ônus real, independentemente de autorização conjugal (art. 1647 do código Civil).    

Pode ocorrer dos cônjuges casados na separação convencional adquirirem bens em comum, neste caso entre ambos os cônjuges se constituirá um condomínio regulado pelas disposições gerais de direito civil existentes sobre a matéria. Chaves de Faria e Rosenvald (2010, p. 303) sobre o tema asseveram que: 

Por tudo isso, entendemos que na separação convencional somente se comunicam os bens adquiridos conjuntamente pelo casal, formando um condomínio, tão somente, sobre eles. Nada obsta, é claro, que sendo adquirido um bem com patrimônio comum (entenda-se, com colaboração recíproca), mas registrado somente em nome de um deles, seja reclamado o quinhão pelo conjuge preterido, em juizo, por meio de ação in rem verso.

3.4 Separação obrigatória de bens

    Ao impor o regime da separação obrigatória de bens, a lei visa proteger os bensde cada conjuge em certas situações, ou por motivos de ordem pública, ou como forma de punição por infração às causas suspensivas.

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.    Muito se questiona se as regras da separação obrigatória devem ser as mesmas aplicadas à separação convencional. Chaves de Faria e Rosenvald (2010, p. 302, 303) discorrem:

Por derradeiro, entendemos, por lógica e respeito à autonomia privada, não incidir no regime de separação convencional a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, que determina a comunhão dos aquestos (bens adquiridos a título oneroso na Constancia do casamento) no regime de separação legal. A nosso viso, o cabimento do referido entendimento sumular está restrito ao âmbito do regime de separação obrigatória, garantindo justiça social e tratamento igualitário, considerando não ter sido o regime escolhido pelas partes. No entanto, diferentemente, a separação convencional decorre da vontade expressa e livre das partes, motivo pelo qual não nos parece razoável permitir a comunhão de qualquer bem, mantendo-se, integralmente, a individualidade patrimonial. Incidir a referida súmula no regime de separação convencional seria, na prática, aniquilar a separação de bens, banindo do sistema tal possibilidade.

    Oportuno destacar a abrangência da imposição legal ao regime da separação obrigatória de bens, o qual deverá ser averbado nas matrículas dos imóveis de propriedade dos nubentes, nos termos do art. 245, da Lei 6015/73: "quando o regime de separação de bens for determinado por lei, far-se-á a respectiva averbação nos termos do artigo anterior, incumbindo ao Ministério Público zelar pela fiscalização e observância dessa providência". Como podemos ver do dispositivo legal, cabe ao Ministério Público zelar pela fiscalização e observância dessa providencia.

3.5 Participação final nos aquestos        

Regime instituído pelo Código Civil de 2002, está previsto nos seus arts. 1672 a 1686. Sua convenção também será através de escritura pública de pacto antenupcial.    

Nele, as relações patrimoniais entre os cônjuges no curso do casamento funcionam como se houvesse separação de bens, sendo que com a dissolução conjugal, surge uma massa comunicável dos bens aquestos, como acontece na comunhão parcial. Poderão livremente alienar seus bens móveis. Se forem bens imóveis haverá necessidade da outorga uxória, salvo se convencionado no pacto antenupcial a livre disposição dos bens imóveis particulares.    

Por ocasião da dissolução da sociedade conjugal, cada conjuge terá direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento, ou seja, será feita a apuração dos aquestos, partilhando-os meio a meio, como no regime da comunhão parcial de bens.    Dias (2011, p. 237), explica, quase que matematicamente, como funciona o regime de participação final dos aquestos: 

Quando da separação, cada conjuge ficará (a) com a totalidade de seus bens particulares adquiridos antes do casamento; (b) com a metade dos bens comuns, adquiridos em condomínio, por ambos, durante o matrimonio; (c) com os bens próprios adquiridos durante o enlace; e, mais, (d) fará jus à metade da diferença do valor dos bens que o outro adquiriu no próprio nome, na Constancia do vínculo conjugal. Coma dissolução do casamento, surge uma universalidade comunicável dos bens comuns e outras duas constituídas dos bens próprios de cada um dos consortes. Os bens comuns serão divididos. Apurados os haveres próprios de cada um, não serão alvo de divisão, mas de compensação. Quando houver diferença de valores de bens próprios, a reposição ao conjuge não proprietário será feita em dinheiro. Na ausência de numerário, poderão ser alienados bens mediante autorização judicial.        

Importante mencionar que, os cônjuges, ao regularem seus interesses patrimoniais, não ficam adstritos a eleger um dos quatro regimes de bens referidos no Código Civil, mas poderão convencionar através de pacto antenupcial a adoção de um regime misto, de acordo com os interesses econômicos de comunicabilidade e administração de seus bens, desde que suas cláusulas não contrariem disposições absolutas de lei. Não seria possível, por exemplo, no regime da comunhão parcial ou universal de bens, ser convencionado a livre alienação de bens imóveis sem outorga conjugal, por expressa proibição legal do art. 1647 do Código Civil). Sobre o tema, Chaves de Faria e Rosenvald (2010, p. 252):

Porém, o conteúdo do princípio da variedade transcende o texto de lei. Com efeito, além da possibilidade de escolha de um dos regimes de bens previstos nos strandards, modelos, prontos e acabados apresentados pelo Código Civil, é permitidos aos nubentes estabelecer novos modelos, criando um regime de bens próprio e particularizado, como bem lhes aprouver.    Vistos os regimes, passemos agora a analisar a sua importância na qualificação registral e na aplicação do princípio da especialidade subjetiva.


4 O PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE SUBJETIVA E OS REGIMES DE BENS: A IMPORTANCIA DA SUA OBSERVANCIA NA QUALIFICAÇÃO REGISTRAL 

    O regime de bens adotado no casamento tem grande reflexo no Registro de Imóveis. É ele que define se há ou não comunicação de patrimônio entre os cônjuges e quais as restrições à disposição de seus bens decorrentes do matrimonio.    

Para garantir a prestação do serviço de forma segura e eficaz, o Oficial tem o dever de analisar todos os documentos que adentram ao cartório para ingressarem no fólio real. Quando esses títulos são apresentados para registro cabe ao oficial qualificá-los, ou seja, analisar se estão aptos a constituir ou transmitir direitos reais, registrando os hábeis e impedindo o acesso dos que não satisfaçam os requisitos exigidos em lei. A qualificação registral analisa sob o aspecto da legalidade os documentos apresentados, sejam eles particulares, públicos ou judiciais.      

Para atender ao princípio da especialidade objetiva, as partes integrantes dos títulos aptos a registro no cartório de imóveis devem estar perfeitamente individualizadas de acordo com os requisitos elencados no art. 176, §1º da Lei 6015/73:

Art. 176 , §1º:II - são requisitos da matrícula:...4) o nome, domicílio e nacionalidade do proprietário, bem como: a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou à falta deste, sua filiação; b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda;...III - são requisitos do registro no Livro nº 2:1) a data;2) o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, bem como: a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação;b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda;    

Neste capítulo abordaremos a análise da especialidade subjetiva na qualificação dos títulos apresentados em cartório,  mais precisamente, quanto à observância do regime de bens  das partes integrantes do ato de registro.     Nota-se no artigo em epígrafe que é requisito tanto da matrícula como do registro a menção ao estado civil do proprietário, o que inclui o regime de bens, data de casamento, nome e CPF do cônjuge.   

O art. 215 do Código Civil também elenca como requisito da escritura pública o estado civil das partes, bem como regime de bens, vejamos:

Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.

§ 1o Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter:I - data e local de sua realização;II - reconhecimento da identidade e capacidade das partes e de quantos hajam comparecido ao ato, por si, como representantes, intervenientes ou testemunhas;III - nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência das partes e demais comparecentes, com a indicação, quando necessário, do regime de bens do casamento, nome do outro cônjuge e filiação;

    Na prática, como Registradora de Imóveis, é muito comum, principalmente em inscrições mais antigas (transcrições e matrículas mais primevas) encontrar registros onde consta o nome do proprietário, mas não consta seu estado civil, ou ainda que conste ser ele casado, não consta o nome de seu cônjuge. Temos, por exemplo, registros onde figura como titular de domínio “José dos Reis, brasileiro, casado”.    

É apresentada ao Registro de Imóveis, então, escritura (ou outro título) onde consta como alienantes José dos Reis e sua mulher, Maria dos Reis. Neste caso, deverá o oficial elaborar uma Nota de Devolução exigindo a regularização do titulo de forma fundamentada, explicando as razões da recusa no fólio real e a forma de sanear suas imperfeições.     

Em observância aos princípios da especialidade subjetiva (art. 176 da Lei de Registros Públicos) e da continuidade (arts. 195 e 237 da Lei de Registros Públicos), já vistos nos capítulos 1 e 2, que informam o registro imobiliário, é necessário primeiro proceder à averbação do nome do cônjuge e da qualificação de ambos (com nacionalidade, estado civil, regime de bens, eventual pacto antenupcial, que deverá estar devidamente registrado, o RG ou filiação ou o CPF), apresentando para tanto documentos hábeis (art. 213, I, “g”, da Lei de Registros Públicos).    

Para visualizarmos melhor a importância da observância  na qualificação registral do princípio da especialidade subjetiva, voltemos ao exemplo acima: consta da matrícula como proprietário “José dos Reis, brasileiro, casado” e no título apresentado para ingresso no fólio real consta como alienantes José dos Reis e sua mulher, Maria dos Reis. Deste caso podem ocorrer inúmeras situações: José do Reis, proprietário, alienante, poderia ao tempo da aquisição do imóvel estar casado com outra pessoa, Ana, que não Maria dos Reis. Neste caso seria necessário averbar na matrícula do imóvel o casamento de José dos Reis correspondente ao tempo da aquisição, depois a sua separação e ou divórcio ou falecimento da esposa, depois o registro da partilha ou inventário. Ainda no mesmo exemplo, dependendo do regime de bens e data do casamento de João com Ana, o imóvel poderia ser de propriedade exclusiva de João, não entrando na comunhão. Outras situações poderiam ocorrer neste exemplo dependendo de qual regime de bens João dos Reis adotou no seu casamento.    

Este exemplo simplório apenas busca demonstrar a importância da averbação prévia da qualificação completa do proprietários para garantir a segurança jurídica e a legalidade dos atos praticados no Registro de Imóveis.     

Importante observar que se o regime de bens adotado pelos cônjuges, partes no título ingresso para qualificação registral, for o diverso do legal, há necessidade da lavratura de escritura pública de pacto antenupcial. Quando ingresso um título no cartório o oficial deverá exigir, o prévio registro do pacto antenupcial no Livro 03, do cartório de primeiro domicílio do casal,  e a sua averbação no Livro 02 nas matrículas dos imóveis que forem adquiridos pelos cônjuges, vejamos o que diz a Lei 6.015/73:

Art. 167, II - a averbação:  1) das convenções antenupciais e do regime de bens diversos do legal, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer dos cônjuges, inclusive os adquiridos posteriormente ao casamento;

Art. 178 - Registrar-se-ão no Livro nº 3 - Registro Auxiliar:  

... V - as convenções antenupciais;

Art. 244 - As escrituras antenupciais serão registradas no livro nº 3 do cartório do domicílio conjugal, sem prejuízo de sua averbação obrigatória no lugar da situação dos imóveis de propriedade do casal, ou dos que forem sendo adquiridos e sujeitos a regime de bens diverso do comum, com a declaração das respectivas cláusulas, para ciência de terceiros.        

O pacto antenupcial pode surtir reflexos patrimoniais entre os cônjuges e consequentemente sobre o registro imobiliário. Podem os nubentes estipular cláusulas de administração e disposição patrimonial na escritura do pacto, por isso a necessidade de sua averbação na matrícula dos imóveis de propriedade dos nubentes.    

A necessidade de qualificação registral e a consequente obediência ao principio da especialidade subjetiva abrange também os títulos judiciais. Há uma  discussão doutrinária em relação a qualificação registral imobiliária de títulos judiciais. Alguns alegam que divergência está Inclusive quanto aos títulos judiciais também há exigência do cumprimento da especialidade subjetiva, é o que podemos ver da jurisprudência:

EMENTA: REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Arrematação – Ingresso Obstado – Devedor qualificado como casado no fólio real, sem identificação do cônjuge, e como viúvo no título – Necessidade de averbação da qualificação do cônjuge e registro do formal de partilha – Princípios da continuidade e da especialidade subjetiva – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.137-6/4, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante o BANCO DO BRASIL S/Aeapelado o 3º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da referida Comarca. (a) LUIZ TÂMBARA, Relator Convocado V O T O...O presente recurso não comporta provimento. Ressalte-se que cabe ao Oficial Registrador proceder à qualificação do título, ainda que se trate de título emanado de autoridade judicial. Neste sentido, veja-se o que restou decidido na Apelação Cível n° 22.417-0/4, da Comarca de Piracaia, relatada pelo eminente Desembargador Antonio Carlos Alves Braga, então Corregedor Geral da Justiça, cuja ementa é a seguinte: Registro de Imóveis - Dúvida - Divisão - Submissão da Carta de Sentença aos princípios registrários - Qualificação dos títulos judiciais - Prática dos atos registrários de acordo com as regras vigentes ao tempo do registro - Recurso negado. A necessidade de prévia qualificação de qualquer título pelo Oficial Registrador, ainda que se trate de título judicial, encontra-se, aliás, expressamente prevista pelas Normas de Serviço da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, conforme se verifica do item 106 do Capítulo XX, Tomo II, a saber:‘Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais’.... O que cabe verificar, neste procedimento administrativo, é a possibilidade ou não de registrar a arrematação que foi determinada nos autos da execução, e, para tanto, é preciso cotejar os dados constantes do título com aqueles existentes no fólio real relativamente aos imóveis que foram objeto da arrematação.Segundo consta da nota de exigência de fls. 07, os imóveis matriculados sob n° 110.748 e 122.583 pertencem a Janos Barta, casado, e a Zsuzsanna Barta, casada com Jean Dobré. Na carta de arrematação, o devedor Janos Barta está, porém, qualificado como viúvo (fls. 22).A qualificação correta do titular do domínio é necessária em obediência ao princípio da continuidade, bem como atendendo ao que dispõem o artigo 176, II, 04, ‘a’, e III, 02, ‘a’, da Lei 6.015/73, e o item 52, da Seção II, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.Se o estado civil do proprietário do imóvel constante do fólio real não coincide com aquele indicado no título, como ocorre ‘in casu’, mostra-se indispensável a prévia averbação da alteração para permitir a inscrição do título, estando correta a exigência do Oficial com tal fundamento.De acordo com as lições de Afrânio de Carvalho, in ‘Registro de Imóveis’, 4ª ed., Forense, 1998, p.253, ‘o princípio da continuidade, que se apóia no da especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos...’Convém ressaltar que a jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura é firme no sentido de ser necessária a prévia averbação da alteração do estado civil do titular do domínio constante do registro quando este não coincidir com o indicado no título, sob pena de inobservância dos princípios da continuidade registrária e da especialidade subjetiva.Neste sentido, veja-se a decisão proferida na Apelação Cível 373-6/3, da Comarca da Capital, em que foi relator o Desembargador José Mário Antonio Cardinale, cuja ementa é a seguinte:Registro de Imóveis - Certidão para registro de arresto - Averbação do nome do cônjuge do proprietário - Imprescindibilidade - Princípio da continuidade - Recurso provido.Igual posicionamento foi adotado na Apelação Cível n° 640-6/2, da Comarca de São José dos Campos, em que foi relator o Desembargador Gilberto Passos de Freitas, cuja ementa é a seguinte:REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida procedente. Titular de direito real, ora alienante, qualificado nas tábuas do registro predial como casado, sem menção ao nome do cônjuge. Prévia averbação do nome de sua esposa, com a necessária especificação subjetiva dela e do matrimônio, que se impõe, em respeito aos princípios de continuidade e de especialidade, para o ingresso do título do respectivo alienante. Demonstração do casamento que se impõe, seja por certidão do registro civil, seja por outra prova a ser produzida nas vias próprias. Inteligência do artigo 1.543, parágrafo único, do Código Civil. Recurso não provido. ... 

  Em síntese, havendo discrepância entre a matrícula e o título apresentado, seja judicial, público ou particular, deve o interessado, em homenagem ao princípio da especialidade e continuidade registral, promover a atualização dos dados da matrícula, tornando-os compatíveis com aqueles do título.


CONCLUSÃO

A atividade qualificadora depende, num primeiro momento, do conhecimento pelos registradores dos princípios registrais imobiliários, dentre os quais merecem atenção os da continuidade e especialidade. O conhecimento e o domínio dos princípios do Registro de Imóveis permitem a compreensão do sistema, facilitando o sentido e a aplicação das normas legais que o disciplinam, atingindo, com isso, o aprimoramento do Sistema Registral Imobiliário, visando, ora a sua acomodação ao contexto, ora a sua adaptação às novas circunstancias que acontecem dia a dia. É o que tratamos de mostrar nos capítulos 1 e 2.    

O presente trabalho procurou realizar um estudo sobre a aplicação do princípio da especialidade subjetiva na qualificação registral, mais precisamente quanto ao regime de bens dos sujeitos integrantes dos atos jurídicos e os seus reflexos patrimoniais. Os Registradores de Imóveis têm o dever de qualificar todos os títulos apresentados em cartório para ingressar no fólio real. Mesmo em relação aos títulos judiciais, o oficial irá qualificá-los obedecendo os dispositivos legais e os princípios registrais imobiliários. Ademais, podemos aferir que o conhecimento principiológico e legislativo exigido ao Registrador de Imóveis no momento da qualificação registral tem a função de garantir à sociedade a prestação de um serviço espelhado nas fieis relações jurídicas reais imobiliárias. Garantir a segurança jurídica dos atos praticados no cartório de registro de imóveis é a principal função do registrador. Com isso, esperamos que de alguma forma tenhamos contribuído para este tema, que afeta não só as pessoas que trabalham na área registral, como também o cotidiano do cidadão comum, com importantes reflexos no âmbito patrimonial.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Lilian Maria Gomes de. O princípio da especialidade subjetiva e os regimes de bens no cartório de registro de imóveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4130, 22 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30380. Acesso em: 24 abr. 2024.