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A responsabilidade civil objetiva do Estado por suas condutas administrativas omissivas

A responsabilidade civil objetiva do Estado por suas condutas administrativas omissivas

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O sentido que melhor se adéqua à teleologia do art. 37, § 6º, da Constituição é o de que a Administração responde objetivamente pelos danos que seus agentes causam a terceiros, seja por ação ou omissão.

Resumo: O presente trabalho aborda a temática acerca da responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos decorrentes de suas omissões administrativas. Nessa esteira, analisa-se a responsabilidade do Estado no Brasil à luz do disposto no art. 37, §6º, da Constituição Federal, estabelecendo os seus elementos e características.

Com efeito, o trabalho de que ora se cuida, intitulado “A Responsabilidade Civil Objetiva do Estado por suas condutas administrativas omissivas”, vem trazer à tona que a Carta Magna de 1988, através do seu art. 37, §6º, tem por finalidade proteger o direito da vítima ao efetivo ressarcimento pelos prejuízos suportados, assim é inadmissível extrair interpretação contrária a essa teleologia do dispositivo.

Nesse diapasão, conclui-se que a responsabilidade da Administração por suas condutas omissas é objetiva, haja vista esse ser o sentido que melhor se coaduna à finalidade protetiva do aludido preceito constitucional.

Portanto, a redação constante no art. 37, §6º, engloba a responsabilidade civil objetiva tanto para as ações quanto para as omissões, assim, interpretação em sentido contrário acarretaria em colisão com o brocardo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir). Logo, resta claro que o propósito do constituinte de 1988 foi resguardar o direito do lesado à indenização pelos danos sofridos sem distinções para as condutas comissivas e omissivas do Estado.

Palavras-Chave: RESPONSABILIDADE DO CIVIL ESTADO, TEORIA SUBJETIVA, TEORIA OBJETIVA, OMISSÕES ADMINISTRATIVAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Sumário: 1.Introdução 2.Considerações Gerais Temáticas 3. Fundamento Teórico e Evolução da Responsabilidade Civil. 4.Teoria adotada pelo art. 37, §6º, da Constituição Federal de 1988 5. A posição da Doutrina Tradicional acerca do tema 6.A Responsabilidade Civil Objetiva do Estado por seus comportamentos administrativos omissivos 6.1.O intervencionismo do Estado e o reflexo na consagração da responsabilidade do Poder Público por suas omissões 6.2. O sentido almejado pelo constituinte brasileiro de 1988 com a elaboração do art. 37, §6º, da Constituição 7.Conclusão 8.Referências Bibliográficas.


1. Introdução

A discussão a respeito da responsabilidade civil do Estado por suas omissões administrativas tem despertado o interesse da sociedade como um todo, uma vez que à população é lesada diretamente em decorrência dessa inércia estatal. Um exemplo comumente utilizado pelos doutrinadores para figurar a situação, é o caso dos deslizamentos de terras, presentes em épocas chuvosas e acarretados pela ausência de contenção de encostas desenvolvidas pela Administração, provocando, não raro, além dos evidentes prejuízos materiais, a morte de diversas pessoas.

Situações como a representada no exemplo acima fomentaram, no plano do Direito, o debate acerca da natureza da responsabilidade civil do Estado pelos danos decorrentes de seus comportamentos administrativos omissivos.

Nessa esteira, constata-se hodiernamente uma intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial. Em suma, tal divergência consiste na adoção, ou não, da teoria objetiva da responsabilidade civil estatal no tocante às condutas omissivas da Administração que venham a acarretar danos a terceiros.

Assim, destacam-se dois posicionamentos, a saber: o primeiro, primordialmente sustentado por Celso Antônio Bandeira de Mello, defende que é subjetiva a responsabilidade civil do Estado pelos danos oriundos de suas omissões, ao passo que o segundo sentencia no sentido da responsabilidade objetiva da Administração por seus comportamentos omissivos danosos, assim, dispensando-se a vítima da prova da culpa do serviço ou do agente causador da lesão.

Com efeito, o presente trabalho caminha no sentido de demonstrar que, à luz das disposições constantes na Constituição Federal de 1988, a responsabilidade civil do Estado pelos danos advindos de suas omissões administrativas é de natureza objetiva, tendo como base a teoria do risco.

Nesse contexto, será demonstrada a natureza objetiva da responsabilidade civil da Administração por suas omissões danosas, analisando-se os reflexos sobre esse instituto, da adoção do modelo de Estado Social pelo constituinte de 1988, bem como o sentido e alcance do art. 37, § 6º, da Carta Magna, com base na pesquisa bibliográfica realizada a respeito da problemática.

Por derradeiro, serão apresentadas as conclusões acerca do tema.


2. Considerações Gerais Temáticas

A responsabilidade civil extracontratual do Estado pode decorrer do exercício de quaisquer das funções desempenhadas pelo mesmo, quais sejam: a administrativa, a legislativa e a jurisdicional (DI PIETRO, 2007. p. 595).

Desse modo, resta claro que tanto os comportamentos administrativos positivos e negativos quanto os atos e omissões legislativos e judiciais do Estado podem acarretar danos a terceiros, ensejando, consequentemente, a obrigação do Poder Público de indenizar os lesados.

O presente trabalho traz como enfoque a natureza da responsabilidade civil estatal por suas condutas administrativas omissivas, sejam elas materiais ou jurídicas. Portanto, fica excluída da abordagem em tela, a análise da responsabilização do Estado pelos prejuízos oriundos de suas omissões legislativas ou judiciais.


3. Fundamento Teórico e Evolução da Responsabilidade Civil

Como decorrência da prestação obrigatória dos serviços públicos, é natural que o Estado seja chamado à responsabilidade mais vezes do que o particular. Assim, é notório que a sua responsabilização é mais radical do que para as empresas privadas, muitas vezes objetiva.

O fundamento teórico da responsabilidade civil do Estado divide-se em dois princípios: princípio da legalidade e princípio da igualdade (esse justifica a responsabilização do Estado pela prática de atos lícitos, como a construção de um presídio no entorno de uma vizinhança, a partir de uma compensação ou solidariedade de riscos e danos).

No tocante à evolução da responsabilidade civil nota-se que no começo havia a teoria da irresponsabilidade do Estado, historicamente consagrada na máxima inglesa The King can do not wrong (“o rei não erra”), bem como na fórmula francesa Lê roi ne peut mal faire. Assim, resta claro que, durante o absolutismo, o rei era tido como representante da Divindade e não poderia ser responsabilizado.

No período de transição entre o fim do Império e o Código Civil de 1916, não havia regramento específico sobre responsabilização do Estado, no entanto ele passou a responder em situações mais explícitas.

Posteriormente, surgia a Teoria da Responsabilidade Subjetiva do Estado, inaugurado no Brasil com o Código Bevilácqua. Era atrelado à prática de atos ilícitos. Além dos elementos conduta (comissiva ou omissiva), nexo causal (elo) e dano (para que não haja enriquecimento sem causa), há o elemento culpa, abarcando dolo e culpa em sentido estrito.

No primeiro momento, a responsabilidade subjetiva exigia a indicação de quem foi o agente que praticou o ato. Era chamada de teoria da culpa do agente.

Tempos depois, a concepção sobre o tema baseou-se na ideologia da Teoria da Culpa do Serviço ou Culpa Anônima ou da Falta do Serviço (Faute du Service). De acordo com os ensinamentos de Paul Duez, citado por Hely Lopes Meirelles (2007, p. 651), a culpa do serviço apresenta-se sob três modalidades, a saber: “inexistência do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço”.

Com efeito, basta demonstrar a ausência do serviço devido, ou o seu funcionamento defeituoso ou retardado, para que haja configuração da culpa administrativa ou falta do serviço, independentemente da comprovação da culpa pessoal de determinado funcionário, acarretando-se, pois, a correlata obrigação do Poder Público de indenizar o lesado.

Urge lembrar, outrossim, que a teoria da faute du service implica na responsabilidade subjetiva do ente estatal, e não objetiva, tal como adverte Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 967-969).

Nesse contexto, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, citado por Cavalieri Filho (2005, p. 251), assevera que

a responsabilidade por falta de serviço, falha do serviço ou culpa do serviço, seja qual for a tradução que se dê à fórmula francesa faute du service, não é, de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva, mas subjetiva, baseada na culpa do serviço diluído na sua organização, assumindo feição anônima ou impessoal. Responsabilidade com base na culpa, enfatiza o Mestre, e culpa do próprio Estado, do serviço que lhe incumbe prestar, não individualizável em determinado agente público, insuscetível de ser atribuída a certo agente público, porém no funcionamento ou não funcionamento do serviço, por falta na sua organização. Cabe, neste caso, conclui o professor, à vítima comprovar a não prestação do serviço ou a sua prestação retardada ou má prestação, a fim de ficar configurada a culpa do serviço, e, consequentemente, a responsabilidade do Estado, a quem incumbe prestá-lo.

Portanto, para a deflagração da responsabilidade por culpa administrativa, não basta a mera relação de causalidade entre um comportamento positivo ou negativo do Estado e um determinado evento danoso, como se dá em sede de responsabilidade objetiva, revelando-se imperioso demonstrar, além disso, a culpa do serviço, o elemento subjetivo consistente na falha da máquina estatal, isto é, na ausência do serviço, ou na sua prestação defeituosa ou retardada.

Noutro prisma, é notório que o Estado pode se eximir da responsabilidade civil, de acordo com a teoria da faute du service, alegando haver se comportado com diligência, prudência e perícia, o que jamais poderia ocorrer em se tratando de responsabilidade objetiva, na qual se revela inadmissível perquirir a respeito da culpa (MELLO, 2007, p. 968).

Por derradeiro, nota-se que a teoria da culpa administrativa, apesar de romper com a concepção civilista de responsabilidade do Estado, ainda exige muito da vítima - como pondera Hely Lopes Meirelles (2007, p. 651) -, a qual, “além da lesão sofrida injustamente, fica no dever de comprovar a falta do serviço para obter a indenização”, providência essa que, não raro, mostra-se inviável, à vista do caso concreto.

Em 1946 com a promulgação da Constituição Federal surge a Responsabilidade Civil Objetiva do Estado, definida nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p.969-970),

Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano.

A partir de então, esse posicionamento permanece sendo a regra, assim, valendo tanto para atos lícitos como ilícitos e sendo exigíveis como elementos apenas a conduta, nexo causal e dano.

A responsabilidade civil objetiva do Estado tem como base a Teoria do Risco Administrativo. Conforme a mencionada concepção teórica, a atividade exercida pela Administração gera risco para a coletividade, podendo decorrer, desse seu atuar, a causação de danos em desfavor de parte dos administrados, impondo-lhes, assim, um ônus não suportado pelos demais (MEIRELLES, 2007, p. 651).

Destarte, considerando que a atuação administrativa é desempenhada em prol de toda a sociedade, resta claro que a reparação dos prejuízos advindos do exercício dessa atividade deve ser custeada não apenas pelos indivíduos lesados, mas, também, pelos outros integrantes do meio social, através do próprio Estado (MEIRELLES, 2007, p. 651).

Com efeito, fica superada a idéia de culpabilidade do agente pela de causalidade do ato (MONTEIRO apud CAHALI, p. 38).

Nesse sentido, assevera Yussef Said Cahali (2007, p. 35):

A concepção publicística da responsabilidade civil do Estado – em cujo êxito tanto se empenharam os administrativistas -, ao consagrar a responsabilidade objetiva do ente estatal, degenera, desenganadamente e sem paliativos, na adoção da teoria do risco, risco criado pelas atividades normais ou anormais da Administração; mostra-se, assim, incompatível com a concepção da faute du service, com a culpa anônima da Administração, como causa da responsabilidade civil do Estado, no que esta nada mais é que uma transposição e adaptação, no âmbito do Direito Público, de uma concepção privatística por excelência. (grifos do autor)

Convém atentar que a teoria do risco administrativo, a despeito de dispensar a prova da culpa da Administração ou de seus agentes pela vítima, não implica a responsabilização do Estado em toda e qualquer hipótese. Portanto a responsabilidade é baseada numa presunção juris tantum, pois é permitido ao ente público invocar e comprovar a existência de causas excludentes do nexo de causalidade, quais sejam: fato exclusivo da vítima ou de terceiro, caso fortuito e força maior (CAVALIERI FILHO, 2005, p. 253).

Por fim, insta salientar que, excepcionalmente, admite-se a responsabilidade objetiva do Estado com base na teoria do risco integral, que não possui excludente. Há muita polêmica nesse assunto. No entanto, a doutrina assevera que as normas inseridas no ordenamento jurídico pátrio acarretaram em hipóteses que consagram a teoria do risco integral, a saber, em casos de dano ambiental, nuclear, em material bélico e danos em atentados terroristas praticados em aeronaves. (DI PIETRO, 2009. p. 647-648).


4. Teoria adotada pelo art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988

Como sabido, a Carta Maior de 1988 veio a disciplinar o tema da responsabilidade civil do Estado em seu art. 37, § 6º, com a seguinte redação:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Consoante se depreende da leitura do dispositivo constitucional acima, há duas espécies de relações de responsabilidade: a primeira é configurada entre as pessoas jurídicas de direito público ou das de direito privado prestadoras de serviço público em face da vítima do dano, ao passo que a segunda é aquela mantida entre o agente público causador do dano e a Administração ou empregador.

No tocante à segunda relação, é pacífico o entendimento de que a responsabilidade do servidor perante o Estado, em sede de ação regressiva, é de ordem subjetiva, ou seja, depende da verificação da culpa ou dolo do agente responsável, com fulcro no art. 37, § 6º, in fine, do Texto Constitucional. (MEDAUAR, 2007, p. 369).

Lado outro, à primeira relação aludida no referido texto constitucional não é dotada unanimidade no que tange ao sistema de responsabilização: se a teoria do risco administrativo, ou a teoria do risco integral. Todavia, resta clara a consagração por ambas as teorias, em regra, da responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados a terceiros, haja vista o preceito não exigir a averiguação de elementos subjetivos.

Nesse contexto, Hely Lopes Meirelles (2007, p. 652) consagra seu entendimento de distinção entre o risco administrativo e o risco integral, sob o argumento de que, nesse último caso, “A Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima”, circunstância essa que não é agasalhada pela teoria do risco administrativo em face das suas excludentes do nexo de causalidade.

Diante disso, conclui o autor que o constituinte de 1988 acolheu a teoria objetiva pautada na modalidade do risco administrativo, e não do risco integral, uma vez que essa implicaria em demasiados encargos para o Estado.

Na mesma linha, leciona Sergio Cavalieri Filho (2005, p. 258) ao afirmar que a Constituição em seu artigo 37, § 6º, ao estabelecer que o Estado só responde pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem aos administrados, abraçou expressivamente a teoria do risco administrativo, tendo em vista que condicionou a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano decorrente, apenas, de sua atividade administrativa, e não de fato exclusivo da vítima ou de terceiro, de caso fortuito ou de força maior, hipóteses nas quais estaria excluído o nexo causal.

No entanto, boa parte da doutrina não acolhe essa distinção entre as teorias do risco integral e administrativo, ao argumento de que se trata de mera questão terminológica, como assevera Weida Zancaner Brunini (1981, p. 59-60):

Julgamos tratar-se de mera questão semântica, porque o simples exame de obras como a de, por exemplo, Octávio de Barros, faz ver que esse autor, declarando-se reiteradamente em comunhão com os adeptos da teoria do risco integral, em momento nenhum preceitua o ressarcimento nos casos de força maior ou culpa da vítima; ao contrário, deixa bem claro seu posicionamento, do qual, aliás, não se afastam os demais doutrinadores adeptos da modalidade do risco integral [...] Não há como delimitar o contorno das modalidades do risco administrativo, do risco integral e mesmo do acidente administrativo. Nesse terreno, extremamente movediço, há rótulos iguais para designar coisas diferentes, e rótulos diferentes para designar coisas iguais.

Yussef Said Cahali (2007, p. 40-41) também contraria a distinção entre as modalidades de risco realizada por Hely Lopes Meirelles, aduzindo que:

(...) a distinção entre risco administrativo e risco integral não é ali estabelecida em função de uma distinção conceitual ou ontológica entre as duas modalidades pretendidas de risco, mas simplesmente em função das conseqüências irrogadas a uma ou outra modalidade: o risco administrativo é qualificado pelo seu efeito de permitir a contraprova da excludente de responsabilidade, efeito que se pretende seria inadmissível se qualificado como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou natureza da distinção. [...] É que, deslocada a questão para o plano da causalidade, qualquer que seja a qualificação que se pretenda atribuir ao risco como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado – risco integral, risco administrativo, risco-proveito -, aos tribunais se permite a exclusão ou atenuação daquela responsabilidade quando fatores outros, voluntários ou não, tiverem prevalecido na causação do dano, provocando o rompimento do nexo de causalidade, ou apenas concorrendo como causa na verificação do dano injusto. (grifos do autor)

De toda sorte, nota-se que a questão reside em verificar se o comportamento do Estado foi, ou não, causa suficiente do dano, haja vista as correntes permitirem a exclusão ou atenuação da responsabilidade objetiva, desde que se verifique atividade fora da seara administrativa que tenha acarretado no evento danoso ou contribuído para a sua produção.

Ademais, é fundamental frisar que a doutrina tradicional brasileira segue o entendimento esposado por Celso Antônio Bandeira de Mello no tocante à teoria adotada pelo art. 37, § 6º, da Carta Maior. Desse modo, é agasalhada tanto a teoria da responsabilidade objetiva do Estado quanto à teoria da responsabilidade subjetiva no que tange à relação entre o Estado e a vítima.

Conforme tal parcela da doutrina, a responsabilidade objetiva do Estado, elencada na Constituição Federal, estaria limitada aos comportamentos positivos de seus agentes, isto é, quanto às suas ações. Sendo assim, se o Estado produz o evento lesivo que acarrete em dano ao administrado seu dever é repará-lo independentemente da culpa do serviço ou de seus agentes (MELLO, 2007, p. 974).

Por outro lado, em se tratado das omissões do Estado, ou seja, comportamentos administrativos negativos, preconiza-se a ideologia trazida pela teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, com esteio na “faute du service”.

Nesse diapasão, aduz Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 977), “se o Estado não agiu, não pode ser ele, logicamente, o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano”.

E continua dispondo no sentido de que a responsabilidade do Estado por atos omissivos é sempre responsabilidade por comportamentos ilícitos, logo, subjetiva, já que inexiste “conduta ilícita do Estado [...] que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa), ou, então, do deliberado propósito de violar a norma que o constitua em determinada obrigação (dolo)” (MELLO, 2007, p. 977).

Insta salientar que segundo palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 978) a omissão do Estado é condição do dano, e não a sua causa, de sorte que, se o Estado não causou o evento danoso, também por esta razão não poderá ser considerado seu autor.

Em suma, consagra o autor que no tocante aos atos omissivos é imprescindível que o Estado tenha incorrido em uma ilicitude, consubstanciada no fato de não haver impedido a produção do resultado danoso, ou por haver sido insuficiente no desempenho dessa atividade, em virtude de haver adotado comportamento inferior ao padrão legal exigível, configurando-se, pois, a sua responsabilidade subjetiva (MELLO, 2007, p. 977).

Tal posicionamento teórico é seguido por doutrinadores como José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 448-450), Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p. 603), Diógenes Gasparini (2006, p. 983) e Lúcia Valle Figueiredo (2003, p. 264). Todavia, não se encontra pacificado no cenário jurídico nacional, uma vez que há divergências doutrinária e jurisprudencial no sentido de que o Estado responderia objetivamente tanto por suas ações quanto por suas omissões.

Por derradeiro, conclui-se que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988 consagra a responsabilidade objetiva, com fulcro na teoria do risco, nas relações entre o Estado e o administrado, bem como a responsabilidade subjetiva nas relações entre o Estado e o respectivo servidor, ressaltando que, no primeiro caso, existe divergência jurisprudencial e doutrinária a respeito da modalidade de responsabilização estatal quanto aos atos comissivos e omissivos de seus agentes.


5. A posição da Doutrina Tradicional acerca do tema

Conforme abordado ao longo do presente trabalho, a responsabilidade civil do Estado pode suceder de uma conduta ativa ou omissiva da Administração, que gere danos aos particulares (CAHALI, 2007, p. 218).

Na seara das condutas comissivas do Estado, é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que ensejam a responsabilidade civil objetiva do Estado, sejam eles lícitos ou ilícitos.

Noutro prisma, há divergência doutrinária a respeito da natureza da responsabilidade civil do Poder Público em decorrência de suas condutas administrativas omissivas.

A doutrina tradicional pátria segue o entendimento de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, posteriormente desenvolvido por seu filho Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 976-981), no sentido de que, em se tratando de condutas omissivas, a responsabilidade civil do Estado será subjetiva, com esteio no faute du service ou culpa anônima do serviço.

Tal entendimento doutrinário segue a diretiva de que, em casos de comportamentos administrativos omissivos, não se pode imputar um agir ao Poder Público, consequentemente esse não será considerado o autor do dano, afigurando-se razoável ou impositivo que responda por esses danos a que não deu causa apenas quando estiver legalmente obrigada a impedi-los.

Destarte, a corrente assevera que a responsabilidade da Administração por suas omissões não dependem apenas do nexo de causalidade entre aquela conduta negativa e o dano, sendo imprescindível que o Poder Público tenha incorrido em uma ilicitude, por não haver evitado a produção do resultado lesivo a que estava obrigado a impedir, ou por agir de maneira insuficiente no exercício desse mister, comportando-se, pois, abaixo dos padrões legais exigíveis (MELLO, 2007, p. 977).

Nessa linha intelectiva, Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 977) leciona que a responsabilidade estatal por comportamentos administrativos negativos é sempre responsabilidade por conduta ilícita, e, ipso facto, responsabilidade subjetiva,

(..) pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva.

Ainda seguindo o entendimento de tal doutrinador, chega-se à conclusão de que a admissão da responsabilidade estatal objetiva por comportamentos omissivos implicaria em imputar ao Estado a qualidade de segurador universal, solução essa, absolutamente inadmissível.

Nesse diapasão, compartilhando do posicionamento acima evidenciado, assevera José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 489) que o art. 43 do Código Civil vigente, referindo-se a “atos” dos agentes estatais, não incluiu em seu conteúdo as omissões da Administração, o mesmo ocorrendo em relação ao art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Por oportuno, conclui o aludido doutrinador que tais dispositivos se aplicam, apenas, aos comportamentos comissivos, sendo que os comportamentos omissivos só podem ensejar a responsabilidade civil do Estado se houver culpa.

De igual sorte, sustenta Diógenes Gasparini (2006, p. 983) que:

O texto constitucional em apreço exige para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado uma ação do agente público, haja vista a utilização do verbo “causar” (causarem). Isso significa que se há de ter por pressuposto uma atuação do agente público e que não haverá responsabilidade objetiva por atos omissos. (grifo do autor)

Impende salientar que Sergio Cavalieri Filho (2005, p. 261) aduz um posicionamento intermediário, segundo o qual a responsabilidade subjetiva da Administração abarcará, apenas, os comportamentos negativos genéricos, ao passo que incidirá a responsabilidade objetiva do Estado no tocante às omissões específicas do Poder Público:

Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não impedimento do resultado. Nesse segundo caso, haverá responsabilidade objetiva do Estado.

Nesse contexto, é evidente o posicionamento da doutrina tradicional brasileira no sentido de agasalhar a natureza subjetiva da responsabilidade civil do Estado por atos omissivos. No entanto, essa linha intelectiva, data maxima venia, é descabida, uma vez que desconsidera a real intenção do constituinte de 1988 na elaboração do art. 37, § 6º, da Constituição Federal e a teleologia de tal dispositivo.


6. A Responsabilidade Civil Objetiva do Estado por seus comportamentos administrativos omissivos

6.1.O intervencionismo do Estado e o reflexo na consagração da responsabilidade do Poder Público por suas omissões

Com o advento da Constituição Federal de 1.934, o constituinte passou a exigir do Estado uma atuação permanente no desenvolvimento de serviços, obras e programas sociais. Tal exigência gerou reflexos na seara da responsabilidade civil do Estado, principalmente no tocante aos comportamentos negativos do Poder Público.

Consequentemente, com a intensificação da ação estatal na prestação de serviços públicos, visando à satisfação dos interesses sociais, acentuaram-se os riscos que essa mesma comunidade passou a se sujeitar em virtude do desempenho das atividades estatais.

Nessa linha intelectiva, desenvolve-se a teoria da responsabilidade civil do Estado com o intento de proteger a sociedade dos riscos oriundos da atuação da própria Administração.

Nesse contexto, leciona Weida Zancaner Brunini (1981, p. 29-30), a respeito da relação entre o intervencionismo estatal e a concepção objetiva da responsabilidade civil do Poder Público, que

Essa teoria [objetiva] logrou prosperidade, porque inúmeros juristas, tanto pátrios como alienígenas, perceberam a realidade do intervencionismo estatal. Desta forma, a objetivação da responsabilidade do Estado despontava como remédio jurídico que se poderia conceber, para que a tutela dos direitos subjetivos e interesses legítimos dos cidadãos estivesse ao resguardo da ação estatal; ação esta que a doutrina, acertadamente, percebeu ser, a cada instante, mais intensa; destarte, o intervencionismo estatal acabou por fomentar maior objetivação da responsabilidade do próprio Estado. (grifo nosso)

Desse modo, não se pode olvidar que a concepção intervencionista do Estado justifica e demonstra a necessidade da responsabilidade civil objetiva da Administração, outrossim, em decorrência de suas condutas omissivas, uma vez que impõe ao Poder Público uma maior atuação no âmbito social.

Nesse diapasão, “a passagem para o modelo do Estado social se impôs, porque os direitos subjetivos podem ser lesados não somente por meio de intervenções ilegais do Estado, mas também através das omissões do poder público”, tal como assevera Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 571).

Como se vê, o Estado liberal mostrou-se impotente diante dos novos conflitos sociais surgidos em decorrência da transformação social, política e econômica que sofreram inúmeros países entre os séculos XIX e XX. Com efeito, surge o Estado do Bem-Estar Social, o qual desempenha uma postura mais ativa no desempenho das atividades estatais.

Nesse panorama, com fulcro na concepção do Estado do Bem-Estar Social, tanto a atuação estatal lícita ou ilícita quanto a omissão do desempenho de uma atividade administrativa exigível apresentam-se igualmente graves e constituem inegáveis fontes de riscos para os administrados. Consequentemente, caberá em ambos os casos a responsabilidade objetiva do Estado, ficando claro que não há qualquer fundamento jurídico razoável e consistente a justificar a distinção de tratamento entre os comportamentos comissivos e omissivos da Administração.

Conforme leciona Paulo Bonavides (2004, p. 371), a Constituição Federal de 1988 “é basicamente em muitas de suas dimensões essenciais uma Constituição do Estado Social”, e, como tal, alberga “valores refratários ao individualismo no Direito”.

Assim sendo, “os problemas constitucionais referentes a relações de poderes e exercício de direitos subjetivos têm que ser examinados e resolvidos à luz dos conceitos derivados daquela modalidade de ordenamento” (BONAVIDES, 2004, p. 371).

Portanto, não se coaduna com os valores consagrados na Constituição Federal de 1988 a exigência, em relação ao lesado, da prova da culpa do serviço nas hipóteses de condutas administrativas omissivas.

Nessa linha, assevera Yussef Said Cahali (2007, p. 35) que a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado pela faute du service ou culpa anônima da Administração “nada mais é que uma transposição e adaptação, no âmbito do direito público, de uma concepção privatística por excelência”. Portanto, resta clara a incompatibilidade da responsabilidade subjetiva do Estado com os postulados da solidariedade social e da isonomia, adotados pela Carta Política de 1988, que servem de pilar para a doutrina objetiva da responsabilidade civil estatal.

Por fim, conclui-se que seria incoerente interpretar que o constituinte de 1988, ao elaborar um texto de conteúdo eminentemente social e intervencionista haveria recuado no tocante às condutas omissivas do Estado. Tal pensamento é inadmissível e explana um imensurável retrocesso aos tempos da culpa civilista ou da concepção privatística da culpa dos serviços. Assim sendo, o atual ordenamento jurídico pátrio impõe ao Poder Público a objetivação do dever de indenizar os danos causados aos particulares, tanto por suas condutas comissivas quanto pelas omissivas.

6.2. O sentido almejado pelo constituinte brasileiro de 1988 com a elaboração do art. 37, § 6º, da Constituição

Como já demonstrado, a doutrina tradicional brasileira segue a linha intelectiva de que o art. 37, § 6º, da Carta Magna de 1988 requer um comportamento positivo do Poder Público para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado. Tal entendimento é pautado na interpretação realizada ao verbo causar (“causarem”) constante no dispositivo.

Conforme a aludida concepção, o referido verbo exclui do alcance do Texto Constitucional as omissões da Administração, as quais ensejariam, tão somente, a responsabilidade subjetiva do Estado.

Ocorre que uma leitura mais acurada evidencia os equívocos constantes na referida linha intelectiva.

Desse modo, ao contrário do que sustenta Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 978), a omissão estatal pode, sim, ser a causa direta e imediata do dano, e não apenas uma condição para o seu advento.

Sendo assim, expõe José Cretella Júnior (2002, p. 213) que não apenas a ação, mas também a omissão do agente público “é causa frequente de danos para o particular, empenhando a responsabilidade da Administração”.

Na mesma linha intelectiva Rui Stoco (2004, p. 1.058) elucida que, muito embora defenda a tese da responsabilidade subjetiva do Estado por seus comportamentos omissivos, reconhece, entretanto, que, “em qualquer hipótese, se o non facere do funcionário foi a causa eficiente do dano, responde a Administração”.

Portanto, resta claro que a omissão, enquanto descumprimento de um dever jurídico estatal consistente na realização de obra ou prestação de serviço razoavelmente exigíveis do Poder Público (CAHALI, 2007, p. 220-221), pode constituir a causa direta e imediata de danos aos administrados, vinculando-se aos resultados lesivos produzidos com vínculo de necessariedade.

É o caso do delegado que não impede o ingresso de pessoas estranhas no estabelecimento prisional, possibilitando, com sua inércia, atentados contra a integridade física do detento; é o agente policial que assiste, impassível, a atos de violência contra terceiros, eximindo-se da obrigação de evitar os danos resultantes; é o médico do posto de saúde que, instado a prestar socorros, deixa de adotar providências urgentes, concorrendo para a morte da pessoa ferida (CRETELLA JÚNIOR, 2002, p. 195).

Com efeito, se as ações e omissões da Administração podem acarretar danos aos particulares, fica patente que o texto do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, ao se referir ao verbo causar (“causarem”), alcança ambas as formas de comportamento do Estado, de sorte que a Administração responde objetivamente pelas suas condutas danosas positivas ou negativas.

Álvaro Lazzarini (1999, p. 429) segue o aludido raciocínio ao afirmar que o texto da Constituição “contempla, além da responsabilidade por atos comissivos, aquela que decorra de atos omissivos”.

Outra não é a conclusão a que chegou Weida Zancaner Brunini (1981, p. 62), discorrendo a respeito do art. 107 da Constituição de 1969, de redação semelhante à do art. 37, § 6º, da Carta Magna vigente, dispõe, em defesa da responsabilidade objetiva do Estado por suas omissões, que

(...) o Estado responde tanto pelas ações, como pelas omissões dos agentes públicos em geral, pois pode a omissão vir a ser a causa eficiente do dano. A Constituição, a nosso ver, agasalhou a responsabilidade objetiva, tanto nos atos comissivos, como nos omissivos, parecendo-nos preferível este entendimento àquele que pretende apartar da teoria objetiva os comportamentos omissivos, enquadrando-os na teoria subjetiva e, portanto, sujeitando-os à comprovação da culpa para a consequente imputação de responsabilidade ao Estado. (grifo nosso)

É de grande brilhantismo o raciocínio desenvolvido por Gustavo Tepedino (2004, p. 210), ao afirmar que, se o constituinte brasileiro não distinguiu entre ações e omissões estatais a responsabilidade do Estado, em sede do art. 37, § 6º, da Carta Política, não é dado ao intérprete, consequentemente, promover essa diferenciação, aplicando-se à hipótese o brocardo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir).

A respeito da aludida regra hermenêutica, dispõe Carlos Maximiliano (2004, p. 201) que

Quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do interprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tente distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal e qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas.

Diante disso, resta claro que a exclusão dos atos omissivos da Administração do âmbito do art. 37, § 6º da Constituição evidencia uma interpretação restritiva, o que implica em desconsideração do Texto Constitucional, bem como da natureza da norma extraída do aludido dispositivo.

Por isso que o aludido preceito possibilita a vítima ingressar com ação indenizatória em face das pessoas jurídicas de Direito Público ou de Direito Privado prestadoras de serviço público, uma vez que a intenção do constituinte é assegurar a reparação do dano sofrido pelo particular, e assim lhe oferece um patrimônio solvente para ser executado, dispensando-lhe da prova da culpa da Administração, circunstância essa, na maioria das vezes, impossível de ser demonstrada, mormente em se tratando de atos negativos.

Nessa seara, consagra-se a inversão dos princípios imperativos no regime da culpa civilista, expressando-se, assim, como leciona José de Aguiar Dias (1997a, p. 85),

(...) a tendência do direito civil moderno para ir em socorro da vítima, imaginando toda uma complexa construção jurídica para que a vítima ou seus parentes não tenham de provar a culpa do responsável, a este incumbindo, ao contrário, a prova liberatória. (grifos nossos)

Consoante se depreende da evolução acerca da responsabilidade civil do Estado, as transformações sofridas ao longo do tempo culminaram, em sede constitucional, na responsabilidade objetiva do Poder Público, pautada na teoria do risco. Assim, é demonstrado o intento em proteger o particular, eximindo-o da prova da culpa e assegurando-lhe efetivo ressarcimento.

Nesse sentido, o art. 37, § 6º, da Carta Magna estabelece garantia em favor do administrado pretendendo assegurar o seu direito à plena satisfação dos prejuízos causados pelo Poder Público.

Ademais, é sabido que o Supremo Tribunal Federal – STF segue tal linha intelectiva, tendo em vista que manteve o aludido posicionamento ao apreciar o Recurso Extraordinário n.º 327.904, da relatoria do Ministro Carlos Britto, julgado em 15-08-2006 (DJ de 08-09-2006), bem como no julgamento do Agravo Regimental nº 697.326-RS no Recurso Extraordinário, da relatoria do Ministro Dias Toffoli, julgado em 05-02-2013,

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Estabelecimento de ensino. Ingresso de aluno portando arma branca. Agressão. Omissão do Poder Público. Responsabilidade objetiva. Elementos da responsabilidade civil estatal demonstrados na origem. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. 2. O Tribunal de origem concluiu, com base nos fatos e nas provas dos autos, que restaram devidamente demonstrados os pressupostos necessários à configuração da responsabilidade extracontratual do Estado. 3. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 4. Agravo regimental não provido. (grifos nossos).

(STF, Primeira Turma, ARE 697326 AgR / RS, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgamento: 05/03/2013, DJ 26-04-2013).

Portanto, em face do cunho garantidor presente no texto do art. 37, § 6º, da Constituição é descabida qualquer interpretação no sentido de restringir ao particular direito que a Carta Maior lhe assegura.

Ademais, é imprescindível refutar o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 979) no sentido de que, caso admitida a responsabilidade objetiva do Estado por suas omissões, a Administração seria erigida à condição de seguradora universal. Dispõe o autor (2007, p. 979) que, sendo o Estado responsabilizado objetivamente, eventual lesado, em face de resultado danoso acarretado por terceiro, poderia arguir que o serviço estatal não funcionou, a fim de responsabilizar a Administração.

Ocorre que a linha de argumentação é totalmente insustentável, dado que a responsabilidade objetiva do Estado é consagrada com base na teoria do risco, logo, passível de excluir ou atenuar o encargo da Administração “quando fatores outros, voluntários ou não, tiverem prevalecido na causação do dano, provocando o rompimento do nexo de causalidade, ou apenas concorrendo como causa na verificação do dano injusto” (CAHALI, 2007, p. 41).

Assim sendo, quando responsabilizado o Estado em decorrência de suas condutas, comissivas ou omissivas, poderá invocar em juízo defesa pautada nas causas excludentes de nexo de causalidade, as quais são: caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiro.

Isso porque, com fulcro na responsabilidade objetiva, o Poder Público será obrigado a indenizar o dano suportado pela vítima apenas se o evento tiver “como causa o fato objetivo da atividade (comissiva ou omissiva) administrativa, regular ou irregular” (CAHALI, 2007, p. 35).

Por fim, em face de todo o exposto, tendo em vista que o art. 37, § 6º, da Carta Maior visa proteger o direito do administrado ao efetivo ressarcimento pelos prejuízos a ele causados por condutas estatais, e levando-se em consideração que a omissão estatal pode vir a constituir a causa direta e imediata do dano sofrido pelo particular - desde que razoavelmente exigível do Poder Público a consecução de obra ou serviço aptos a evitar a produção daquelas lesões -, é de se concluir, indubitavelmente, que a responsabilidade civil da Administração por suas condutas omissivas é objetiva. Desse modo, a vítima vem a ser liberada da prova da culpa do serviço ou dos agentes administrativos, afastando assim qualquer discussão acerca do elemento subjetivo do comportamento do Estado.


7. Conclusão

Diante do contexto trazido e da análise acerca da responsabilidade civil do Estado por suas condutas omissivas, nota-se que o instituto sofreu uma extensa e paulatina evolução, atribuída mormente à doutrina francesa.

Em primeiro plano, o marco inicial de transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a teoria objetiva do risco foi a consagração da culpa administrativa, também conhecida por faute du service. Essa exige do particular que haja comprovação do elemento subjetivo consistente na culpa anônima da Administração ou falha da máquina estatal, isto é, não basta a verificação do nexo de causalidade entre o comportamento do Estado e o dano, é chamada a responsabilidade subjetiva.

Seguindo a linha evolutiva, é consagrada a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados aos particulares, exigindo-se do lesado apenas a prova da relação de causalidade entre a conduta estatal e o dano provocado, independentemente da falha do serviço ou, ainda, da culpa do agente causador do resultado lesivo.

O fundamento da responsabilidade objetiva é a teoria do risco administrativo, que dispõe acerca da responsabilidade do Poder Público diante das atividades exercidas, haja vista que o desempenho da máquina estatal gera riscos para a coletividade. Assim, se essa atuação da Administração é em prol de todos, a reparação dos danos advindos dela deve ser custeada por toda a sociedades, por meio do Estado, e não apenas pelos sujeitos lesados, como forma de garantir a igualdade dos indivíduos em face dos encargos públicos.

No Brasil, nota-se que a Constituição Federal acolhe, em seu art. 37, § 6º  a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviço público, pelos prejuízos que seus agentes causem a terceiros, cabendo o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Ocorre que a doutrina pátria tradicional agasalha o entendimento de que a responsabilidade civil do Estado por suas omissões administrativas é de natureza subjetiva. Todavia, tal linha intelectiva é insustentável diante de simples leitura do Texto Constitucional, uma vez que a própria Constituição não faz qualquer distinção entre as condutas positivas e negativas, logo não cabe ao interprete fazê-la, restringindo de forma indevida a intenção do constituinte brasileiro de 1988.

Ademais, a Carta Magna de 1988 é uma Constituição do Estado Social e de cunho intervencionista. Nesse ínterim, não se coaduna com os valores nela albergados a exigência, em relação à vítima, da prova da culpa do serviço quanto às omissões estatais.

Portanto, resta claro que o sentido que melhor se adéqua à teleologia do art. 37, § 6º, da Constituição Federal é o de que a Administração responde objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros, seja por ação ou omissão.

Nesse diapasão, conclui-se que a Constituição Federal de 1988 visa à proteção do direito do lesado ao efetivo ressarcimento pelos prejuízos suportados. Assim, tendo em vista que a omissão estatal pode acarretar diretamente o dano provocado ao particular, é evidente a conclusão de que a responsabilidade civil do Estado por suas condutas omissivas é objetiva, logo não é exigível do ofendido a prova da culpa do serviço ou dos agentes administrativos, afastando-se qualquer celeuma acerca do elemento subjetivo da conduta da Administração.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Caio Marinho Boaventura. A responsabilidade civil objetiva do Estado por suas condutas administrativas omissivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4056, 9 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30770. Acesso em: 24 abr. 2024.