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A efetividade da Lei de Responsabilidade Fiscal

A efetividade da Lei de Responsabilidade Fiscal

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Analisa-se até que ponto alguns Municípios baianos sob estudo vêm cumprindo o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.

RESUMO: A importância deste trabalho sobre a efetividade da Lei de Responsabilidade Fiscal está no seu foco, a se estudar, identificar, analisar e demonstrar a situação do cumprimento da Lei em alguns municípios da Bahia, visto que alguns deles não têm condições de cumprir fielmente os ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Neste sentido, esta pesquisa através de métodos apropriados e seguindo uma abordagem histórico-jurídico-social, traçou um panorama da evolução da administração como ciência ao longo do tempo, incorporando a forma pública de gerenciar o Estado.

Palavras-chave: Efetividade; Lei de Responsabilidade Fiscal; Aplicabilidade; Gestão Pública; Dignidade da Pessoa Humana.


1. INTRODUÇÃO

Tem-se como tema deste trabalho, a efetividade da Lei de Responsabilidade Fiscal à luz da cláusula principiológica da Dignidade da Pessoa, levando-se em consideração o a analise econométrica do percentual de cumprimento dos índices constitucionais de saúde e educação em seis Municípios do Estado da Bahia, quais sejam, Salvador; Feira de Santana; Porto Seguro; São Francisco do Conde; Queimadas e Nilo Peçanha[1], no marco temporal do ano de 1994 ao ano de 2006.

Sopesados todos esses dados, o foco principal desta pesquisa recaiu sobre a observação do real cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nestes municípios. Questionou-se, até que ponto estes municípios baianos têm cumprido o que determina a LRF.

Nesse sentido, tomou-se como hipótese a premissa de que nem todo município baiano tem a estrutura necessária e adequada de materiais e, principalmente de pessoal para fazer cumprir a referida Lei como dispõe a norma jurídica.

Assim, objetivou-se pesquisar, identificar, analisar e demonstrar a maneira como cada município estudado buscou cumprir a LRF, tendo em vista os parcos recursos dos municípios, bem como analisar como cada município buscou enquadrar-se, a partir dos anos 90, de forma juridicamente adequada às novas idéias implementadas para a administração orçamentária pública.

A Lei de Responsabilidade Fiscal tem trouxe em seu bojo uma peculiar importância não só para a Administração Pública como para a sociedade brasileira, pois a partir dela o destino do dinheiro público tornou-se mais transparente. Ademais, a sua criação ensejou a publicação da Lei 10.028/2000, a qual trouxe a responsabilização criminal dos gestores pela má gestão fiscal, o que inegavelmente conferiu à Lei de Responsabilidade Fiscal valor singular na história das finanças públicas no Brasil. Portanto, esta pesquisa deve-se à repercussão que a Lei de Responsabilidade Fiscal obteve no âmbito jurídico- econômico.

Nessa linha de intelecção, tem-se a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) como um marco na ordem jurídico-econômica do Brasil, a qual vinculou os índices constitucionais de gastos mínimos com a saúde e a educação aos requisitos legais para a realização de transferências voluntárias por parte dos Entes, a efeito do que dispõe o art. 25, §1, IV, alínea “a”, da Lei Complementar 101/2000.

Diante do exposto, faz-se necessário analisar juridicamente a efetividade, a eficácia social[2], a aplicação desta Lei ante ao cenário político brasileiro atual, após seus dez anos de criação à luz do que a cláusula principiológica da Dignidade da Pessoa Humana preleciona. O contexto brasileiro, ao qual a sua origem está vinculada, de descontrole orçamentário, de catastrófico processo inflacionário justifica a sua elaboração. Entretanto, atualmente a realidade econômica do Brasil, frente à sua crise política, impede constatar o implemento de um dos objetivos mais importantes da Lei de Responsabilidade Fiscal, qual seja, o de conferir à Administração Pública maior credibilidade.

Imperioso se faz, ainda ressaltar que este trabalho buscou traçar o perfil das finanças públicas dos municípios do Estado da Bahia à luz do Postulado da Dignidade da Pessoa Humana, sob os ditames do neoconstitucionalismo, enquanto marco teórico.


2. PERSPECTIVAS HISTÓRICAS, EVOLUÇÃO, CONCEITOS, DEFINIÇÕES DE ADMINISTRAÇÃO PRIVADA E PÚBLICA E O NEOCONSTITUCIONALISMO

O estudo da Administração é um desdobramento da história das transformações econômicas, sociais e políticas das várias culturas existentes no mundo, bem como das necessidades que o homem tem em sua natureza que precisam ser satisfeitas através de esforços coletivos organizados.

Ao longo de sua história, o homem sentiu necessidade de se organizar para as campanhas militares, para resolver problemas familiares, para administração governamental e para operacionalizar suas crenças religiosas. Decorre daí as primeiras noções de organização. Até a era relativamente limitada nas funções administrativas.

Ao se examinar a história da humanidade, com suas grandes construções, como as Pirâmides do Egito, os Jardins Suspensos da Babilônia, a Muralha da China, pode-se imaginar uma prática eficiente, das funções gerenciais. Assim, alguns princípios administrativos da Antiguidade, são até os dias atuais, defendidos e utilizados por grandes teóricos da administração.

Nesse sentido, pode-se deduzir que os antigos egípcios para erguerem uma pirâmide com mais de cinquenta metros de altura, com duração de 20 anos e usando, aproximadamente 100 mil escravos, adotaram alguns métodos sofisticados para a época, quais sejam, divisão do trabalho entre pessoas e departamentos, previsão e planejamento. Logo, presume-se que surge daí a função de "administrador", para coordenar os empreendimentos estatais.

Três aspectos que regem a vida moderna contemporânea, no entanto foram esquecidos ou ignorados pelos egípcios: tempo, dinheiro e satisfação do trabalhador.

Na Grécia Antiga, Sócrates observou que a habilidade gerencial era transferível entre a esfera pública e a privada, diferindo apenas na magnitude. Em sua obra Metafísica, Aristóteles desenvolveu a tese de que a realidade é apreendida através da percepção da razão. Rejeitando o misticismo, tornou-se o pai da Metodologia Científica, estabelecendo os fundamentos intelectuais do Renascimento e da Idade da Razão. O espírito científico de investigação formou a base da gerência científica.

Entre os povos da Antiguidade, o Estado regulava todos os aspectos da vida econômica:            determinava as tarifas comerciais; armazenagem; regulava as corporações e usava estes rendimentos para a guerra. Organizações de grande porte eram proibidas por qualquer motivo que não fosse à execução de contratos públicos. Sobre a organização autoritária, existem dois conceitos fundamentais: disciplina e funcionalidade. Sua contribuição fundamental foi a legislação e a ação governamental, manifesta no conceito da ordem. De Roma veio o Direito, que influenciou os povos e as civilizações posteriores.

Claude S. Jorge Jr., em seu livro História do Pensamento Administrativo, ressaltou que:

A especialização na Grécia Antiga foi levada tão a sério, que os pedreiros não afiavam suas próprias ferramentas e Platão enunciou que nenhum homem deveria trabalhar com madeira e ferro ao mesmo tempo, pois nunca seria excelente nem uma, nem em outra atividade. Na sua "República" deu as ciências econômicas a sua primeira teoria da especialização ou da divisão do trabalho. (JORGE JR. In: KWASNICKA, 1989, p. 11-15).

Portanto, foram estes princípios criados na Antiguidade que nortearam a evolução das sociedades através dos séculos, do período medieval ao mercantilismo, tendo seu grande despertar no princípio do século XVI, com as Grandes Navegações e as descobertas de outras terras e outros povos, através da navegação e das invenções, iniciando-se, o que se pode chamar de primórdios da Revolução Industrial.

Entretanto, o direito administrativo como se conhece nos dias atuais, nasceu no final do século XVIII e início do XIX, embora houvessem normas administrativas anteriormente disseminadas, uma vez que onde existe o Estado, existem órgãos encarregados do exercício de funções administrativas, normas estas enquadradas no "jus civile", contemplando todos os demais ramos do direito, como assina Di Pietro (2000, p23).

Assim sendo, pontua-se que na era medieval não havia ambiente propício para a evolução do direito administrativo, devido às monarquias absolutas. Todo o poder da época pertencia ao soberano. Os cidadãos o obedeciam, pois sua vontade era a lei. Eram os servos, aqueles que se submetiam a vontade dos vassalos. (MERK, 1986, p. 83).

Segundo Merk, os reis não podiam ser submetidos aos Tribunais. Seus atos estavam acima de qualquer ordenamento jurídico, a que fez originar a teoria da irresponsabilidade do estado, até hoje usada em alguns sistemas, mesmo após as conquistas do Estado Moderno, em benefício de direitos individuais. (MERKI, 1980, P. 24).

Apesar do que expuseram os autores, de acordo com MELLO (1979), o direito administrativo nasceu das Revoluções que fizeram a ruptura do "Ancien Regime", dominante no século XVIII, oriundo da Idade Média. Só, então, foi cogitado normas delimitadoras da organização do Estado de poder e de sua ação. Balizas que eram prerrogativas dos governantes em suas relações recíprocas ou com os governados.

Dando-se um salto na história, passa-se para a fase dos primeiros estudos formais. Enquanto teoria de administração que se situa nos séculos XIX e XX, surgiu a chamada "Administração Científica", com a Publicação dos Princípios da Administração Científica, em 1911, por Frederick Winslow Taylor.

Seu trabalho foi desenvolvido durante sua estada nas empresas Midvaley e Bethleen Steel, como engenheiro, a partir de suas necessidades de melhorar a qualidade do produto e reduzir os custos de produção, idéia associada à produtividade (KWASNICKA, 1989, p 16).

Segundo Taylor, esses problemas decorriam de falta de padrões de desempenho e eficiência e a necessidade de orientação para tomadas de decisão mais consciente e dirigida para problemas específicos, que geravam baixos níveis de interação entre o operário e o sistema produtivo. Para tanto, Taylor criou os princípios administrativos, atingindo com eles, seus objetivos básicos, inspirando outros autores a desenvolverem estudos mais específicos.

A partir daí, abriu-se um espaço para as novas idéias. Henri Fayol, em sua obra General and Industrial Management, introduziu aquilo que hoje é chamado de "Processo Administrativo": planejamento, organização, comando, coordenação e controle. Max Weber criou uma teoria de estrutura de poder e autoridade, que denominou de "Escola Burocrática". Oliver Sheldon escreveu o livro Filosofia da Administração, reconhecendo a responsabilidade e a ética da administração perante a sociedade. Marco histórico no surgimento das abordagens teóricas.

Na esfera pública, os modelos administrativos traduziram, numa escala não proporcional ao desenvolvimento humano, os anseios da sociedade, ainda que de uma forma generalizada, conforme se depreende do percurso cunhado pela Administração Pública ao longo da história:

a) Administração Pública Patrimonialista, o aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano e seus auxiliares. Neste tipo de Gestão Pública, os gestores tinham status de nobreza real. Os cargos eram considerados prebendas. A "res pública" não era diferenciada das "res principais". Daí a corrupção e o nepotismo serem inerentes a esse tipo de Gestão Pública com o advento de uma contextualização histórico-democrática e cidade, não há mais lugar para a Administração Patrimonialista. (FlGUElREDO, 1978, p. 86-95).

b) Administração Pública Burocrática - surgiu na segunda metade do século XIX. Época do Estado Liberal. Era uma maneira de combater a corrupção e o nepotismo patrimonialista. Tem-se como seus princípios orientadores do seu desenvolvimento a profissionalização, a idéia de carreira, a hierarquia funcional, a impessoalidade, o formalismo, o poder racional-legal. Para se evitar a corrupção e o nepotismo, parte-se, a priori, de uma desconfiança. Daí a necessidade de controles rígidos dos processos, como por exemplo, na administração de pessoal, nas compras e no atendimento às demandas. A qualidade fundamental da Administração Pública burocrática é a efetividade no controle dos abusos; seu defeito, a ineficiência, a auto-referência, a incapacidade de voltar-se para o serviço dos cidadãos, vistos como clientes.

c) Administração Pública Gerencial - segundo Caetano, surgiu na segunda metade do século passado, como resposta à expansão das funções econômicas sociais do Estado e, também devido ao desenvolvimento tecnológico e a globalização da Economia. A partir desse novo modelo gerencial, percebe-se a necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços públicos, sendo o cidadão, o beneficiário. A reforma do aparelho do Estado passa a ser orientada pelos valores da eficiência e qualidade, bem como pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações (CAETANO, 1977, p. 137).

Assim, esse novo modelo de gerenciamento público constitui, até certo ponto, um avanço do rompimento com a Administração Pública burocrática. Embora, esta ainda, conserve alguns princípios burocráticos, é muito mais flexível, a exemplo de admissão segundo os méritos, de adoção de sistema estruturado de remuneração, avaliação do desempenho. O controle concentra-se nos resultados, o que se reporta à abordagem privatista de administração.

 A estratégia configura um instrumento indissociado do modelo contemporâneo de gerenciamento público, a qual consiste em voltar-se para a definição dos objetivos que o gestor público deverá atingir em sua unidade, para garantia de autonomia do administrador com relação aos recursos humanos, materiais e financeiros que lhes forem colocados à disposição. Isso servirá de base "posteriori" do controle dos resultados. (TACITO, 1958. R.D.A. jul./set).

Vê-se, então, que a Administração Pública Gerencial inspirou-se nos princípios basilares da administração de empresas privadas. Entretanto, a receita do Estado deriva dos tributos, de contribuição obrigatória e não de clientes que o ramo privado o fazem livremente. Outra diferença oportuna, é a de que o mercado controla a administração de empresas, enquanto a sociedade, através dos políticos eleitos e do Poder Judiciário na interpretação e aplicação das leis controla, por conseguinte, a Administração Pública. Ademais, a administração de empresas é voltada para o lucro privado e para a maximização dos interesses privatísticos, enquanto a Administração Pública Gerencial está explícita e diretamente voltada para o interesse público. (MEIRELLES, 1998, P. 81).

Assim, num confronto entre a administração privada e a pública, pontua-se a definição de Taylor (1938), para quem a Organização Administrativa deverá ser estudada e tratada cientificamente, não importando seu direcionamento, se privada ou pública.

O Direito Administrativo, trouxe importantes institutos, enquanto ramo do direito público que estuda as funções administrativas exercidas pelo Estado, possuindo específicas características à época de cada paradigma entabulado, conforme se extrai da doutrina Di Pietro (2000, p. 25).

Na realidade, o conteúdo do Direito Administrativo varia no tempo e no espaço, conforme o tipo de estado adotado: no chamado Estado de Polícia, em que a finalidade é apenas de assegurar a ordem pública, o objeto do Direto Administrativo é bem menos amplo, porque a intervenção estatal no domínio é menor. O Estado de Bem-estar, é um Estado mais atuante, não se limita a manter a ordem pública apenas, desenvolve atividades na área da saúde, educação entre outros.

Estando a Administração Pública a ampliar seu conteúdo, fazendo crescer a máquina estatal, vertiginosa ampliação dos serviços assistenciais públicos, abarcando as áreas de renda, habitação e previdência social, entre outras, paralelamente à prestação dos serviços sociais, o Estado do Bem-estar passou a intervir fortemente na área econômica, de modo a regulamentar praticamente todas as atividades produtivas a fim de assegurar a geração de riquezas materiais em consonância com a diminuição das desigualdades sociais.

Diante do conteúdo do Bem-estar social o novo modelo de compreensão e aplicação do Direito Constitucional se revela em alguns sistemas constitucionais surgidos após a Segunda Guerra Mundial, segundo Santiago Ariza (2003, p. 239. apud  SOARES, 2010, p. 122).

O neoconstitucionalismo como expressão do pós-positivismo no Direito Constitucional designa, após a metade do século XX, um novo modelo jurídico-politico, qual seja, o Estado Constitucional de Direito no mundo contemporâneo, cujo símbolo axiológico e teleológico é o postulado da Dignidade da Pessoa Humana.

Ora, como o princípio da Dignidade da Pessoa Humana é reconhecido como basilar de todo um Ordenamento Jurídico, as normas constitucionais norteadoras de um sistema jurídico adotado pelo Estado Democrático de direito não mais podem restringir-se a um valor meramente programático ou até mesmo como um conjunto de recomendações ou orientações dirigidas ao legislador tão somente, mas sim devem ter status de norma jurídica, operando com eficácia direta e imediata.

Com efeito, a supremacia constitucional desponta, assim, como uma exigência democrática, para sintetizar os valores e anseios do povo, titular absoluto do poder constituinte que originou a Carta Magna, a fonte máxima de produção da totalidade do Direito e o último fundamento de validade das normas jurídicas, conferindo unidade e caráter sistemático ao ordenamento jurídico. (SOARES, 2010, P. 124).

No sistema jurídico brasileiro há uma convergente interpretação e aplicação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana para a tutela e promoção dos direitos fundamentais dos cidadãos, a exemplo do direito à saúde e à educação, direitos fundamentais, à luz do art. 6º, da Constituição Federal, que ora não sendo efetivados por falta de aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde, ensejam a intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal, consoante art. 34, VII, “e”, da Constituição Federal.

Ademais, ainda como instrumento de controle ao implemento dos direitos fundamentais à saúde e à educação, a Lei de Responsabilidade Fiscal, objeto do presente estudo, traz como exigência para a realização de transferência voluntária, o cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde, conforme preceitua o art. 25, § 1, “b”, da Lei Complementar 101 de 2000.

Consoante afigurar-se primordial a efetivação dos direitos sociais, é que se faz oportuna a tradução da realidade municipal, no tocante aos mandamentos constitucionais de cumprimento dos índices de gasto mínimo com a saúde (15%) e a educação (25%) da receita dos impostos, trazidos pelos arts. 198 c/c Lei Complementar 141/2012 e 212 respectivamente, da Constituição Federal, conforme avaliação econométrica abaixo:

Figura 1

Fonte: Site do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia. Prestação de Contas. Adaptação da autora, 2014.

Fonte: Site do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia. Prestação de Contas. Adaptação da autora, 2014.

Fonte: Site do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia. Prestação de Contas. Adaptação da autora, 2014.

Fonte: Site do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia. Prestação de Contas. Adaptação da autora, 2014.

Fonte: Site do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia. Prestação de Contas. Adaptação da autora, 2014.

Diante da abordagem econométrica, os Municípios analisados (figura 1) no período de 5 (cinco) anos demonstraram uma média de 60,2% de cumprimento dos índices constitucionais para gastos com a saúde e a educação.

A Teoria da Reserva do Possível, cujo fundamento é a razoabilidade da pretensão proposta em juízo frente à sua concretização, teve em terras tupiniquins uma distorcida interpretação ancorada na realidade política deste País, no sentido de que a não implementação dos direitos fundamentais justificava-se pela argumentação da ‘teoria da reserva do financeiramente possível’, no sentido de que a escassez de recursos econômicos justificava a lacuna na implementação estatal dos direitos fundamentais prestacionais.

Sucede que esta Teoria dentro dos contornos brasileiros não pode ser utilizada por aqueles gestores, conforme os gráficos acima demonstram, que estão aquém do índice mínimo exigido pela Constituição para gastos com a saúde e a educação.

Noutro giro, argumentam no sentido de que cumprir os índices constitucionais significa descobrir outras áreas, como a assistência social, por exemplo, são alavancados no âmbito politico. Alegam ainda, os gestores municipais que utilizar 40% das receitas de impostos com apenas duas engrenagens do Estado, saúde e educação, é o suficiente para violar o limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal para gastos com pessoal, uma vez que enquadram-se como despesas de pessoal todos os programas de saúde e educação estabelecidos pelo Governo Federal, à guisa de exemplos, o programa SAMU – Serviço Móvel de Urgência, PSF – Programa Saúde da Família, UPA – Unidade de Pronto Atendimento, CEO – Centro Especializado em Odontologia, ACS – Agente Comunitário de Saúde, ACE – Agente Comunitário de Endemias, dentre outros.

Entretanto, o desafio do Poder Executivo brasileiro, enquanto aplicador da lei à luz do caso concreto, é delimitar o sentido e alcance da cláusula principiológica da dignidade da pessoa humana, estabelecida no art. 1º, III, da Carta Magna de 1988, atividade indispensável para a materialização dos direitos fundamentais e o exercício da cidadania, a exemplo de se promover o desenvolvimento do ensino e ações e serviços públicos de saúde. (SOARES, 2010, p. 141).

Assim sendo, não há argumentos plausíveis capazes de justificar tamanho descomprometimento político, cujos agentes se escondem em verdadeiros tapumes argumentativos. Em sendo o povo titular absoluto do poder constituinte, as suas alegações devem ser refutadas, com tamanha efetividade capaz de implementar o verdadeiro Estado Democrático de Direito, cujo respaldo legal trouxe o pós-positivismo.

 Estar na Carta Maior, um índice mínimo a ser atingido com gastos com saúde e educação, é um exemplo de responsabilidade jurídico-política que se deve ter com a dignidade da pessoa humana.


3. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

Torna-se fácil compreender o surgimento da Lei de Responsabilidade Fiscal quando se faz uma digressão e se identifica os fatos que ensejaram a crise fiscal, que abalou as estruturas da Administração Pública de todo o mundo.

O mercado internacional se encontrara cada vez mais disputado, vivia-se a era do ouro do capitalismo, em que houve grandes avanços tecnológicos após a segunda guerra mundial. Mas, com a crise do petróleo na década de 70 surge a necessidade de se repensar o papel do Estado na economia, frente ao alto índice de desemprego, a elevação da inflação, os salários em queda, a falência das empresas.

O mundo consumia petróleo, grande parte da energia utilizada nesta época era gerada pelo óleo diesel. O preço do petróleo era imposto pelas grandes empresas multinacionais dos EUA e da Europa Ocidental que controlavam o comércio internacional e conseguiam impor preços baixos aos países exportadores de petróleo. Mas, em 1973 a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), liderada pelos países árabes do Oriente Médio, desestrutura essa hegemonia, anunciando o aumento dos preços do petróleo (SCHMID, 2001, p. 260).

Dessa forma, está configurada a crise fiscal que o Estado minimalista não conseguia sanar. Na América Latina os efeitos dessa crise foram mais sensivelmente sentidos por conta da estratégia de crescimento econômico que utilizavam para acompanhar a modernização econômica que o mundo passava depois da segunda guerra mundial e incluso nessa situação está o Brasil, país agrário-exportador, mas também produtor de petróleo:

Nos países de Terceiro Mundo, a crise mundial foi mais violenta. Para manter o crescimento econômico, muitos governos começaram a pedir bilhões de dólares emprestados aos grandes bancos dos EUA e da Europa. Ficaram devendo fortunas e tinham de pagar juros altíssimos. Dez anos depois, já nos anos 80, a dívida externa (o que deviam, aos bancos de outras nações) tinha se tornado uma verdadeira bomba de sucção a chupar os recursos dos países pobres. Aliás, do outro lado do cano da bomba de sucção econômica, estavam os países ricos. Ou seja, uma das maneiras que o Primeiro Mundo encontrou para superar a crise de 1973 foi transferir parte dos prejuízos para nós do Terceiro Mundo. (SCHMID, 2001, p.261).

O Brasil, seguindo a política de crescimento econômico, viveu na década de 70, mais precisamente no governo Médici, o milagre econômico, no qual se observou a modernização da indústria, investimentos estrangeiros, mas também a concentração de renda e o aumento da dívida externa.

O modelo econômico brasileiro neste contexto, "consistiu em tirar rendas da população mais pobre, especialmente dos trabalhadores, e transferí-las aos mais ricos, a uma minoria que passou a consumir cada vez mais produtos luxuosos". Essa transferência de renda acirrou as desigualdades sociais devido, especialmente às altas taxas de inflação, sempre superiores aos aumentos salariais. (VASENTINI, VLACH, 1998, p.91).

Paralelo a essas questões econômicas, o mundo na década de 70 passava pela era das ditaduras, lidando com o pensamento de que a liberdade não resolvia as necessidades da sociedade, muito pelo contrário, só fazia acirrar as estratificações sociais. Com isso, entendiam que o Estado precisava de autoridade para guiar a sociedade.

Tendo em vista o cenário econômico mundial e a crise do Estado, se buscou transformar o papel do Estado diante da economia. Mas, utilizando o neoliberalismo para tentar "restabelecer o desequilíbrio fiscal e equilibrar o balanço do pagamento dos países em crise" (CLAD), só fez acirrar ainda mais os problemas sociais vigentes da época.

Os anos 80 e 90 foram marcados pelas consequências da crise fiscal. O cenário da maioria dos países da América Latina foi marcado por experiências semelhantes, pois de modo geral, caíram as ditaduras e os novos governantes eleitos adotaram medidas econômicas neoliberais. Sistema que provocou desemprego e o aumento da pobreza. (SCHMID, 2001, p 324).

Os países que compõem a América Latina não obtiveram muito êxito com a primeira rodada de reformas no Estado com a implementação de medidas neoliberais, visto que são países marcados pela ausência de condições mínimas de sobrevivência, a qual decorre de fatores que formam o tripé problemático latino americano, conforme expõe no seu relatório, o Centro Latino Americano de Administração para o Desenvolvimento (2007):

a) Não há consolidação da democracia;

b) A falta de desenvolvimento capaz de assegurar, em pé de igualdade, a competitividade no mercado econômico mundial;

c) A desigualdade social econômica.

Portanto, as reformas até então realizadas resolveram apenas a questão da estabilização econômica, uma vez que o desenvolvimento não foi retomado com firmeza; a concentração da renda não foi revertida e a democracia ainda não se consolidou, consoante entendimento do (CLAD).

Dessa forma, em arremate sequencial, o século XX para a economia mundial foi marcado pela crise do petróleo, fato que ensejou a crise do capitalismo e por conseqüência a crise do Estado, gerando discussões sobre o papel do Estado na economia.

O século XXI, portanto, veio com a proposta de modificar este quadro, neste contexto se elabora o projeto de lei que ensejou, no Brasil, a Lei de Responsabilidade Fiscal no ano de 2000. Tem-se como influência externa decisiva para a produção da Lei de Responsabilidade Fiscal, a mudança do cenário internacional fiscal nos países como a Nova Zelândia, já que deu o primeiro passo no mundo para a demonstração de um novo padrão fiscal em 1994 (FIGUEIREDO, et. al. 2001, p. 18).

O Fundo Monetário Internacional (FMI), por ter sido criado com a finalidade de zelar pela estabilidade do sistema monetário internacional em 1945 (WIKIPEDIA, 2007, p. 01), não poderia permitir o descontrole fiscal em que se encontrava a economia mundial e por isso em 2001 elaborou o Código de Boas Práticas para a Transparência Fiscal, estabelecendo um padrão geral de transparência. Objetivava, pois, manter o equilíbrio entre receita e despesa, dando maior atenção às limitações legais quanto à despesa, uma vez que pode ser esta mais facilmente manipulada pelos gestores sob a chancela dos interesses particulares.

No cenário anterior à LRF, tínha-se a Lei Complementar, n°. 82 em 1995, e a Lei Complementar n° 96 em 1999, denominadas de Leis Camatas I e II, respectivamente. Ambas disciplinavam os limites das despesas com o funcionalismo público, na forma do art. 169, da Constituição Federal, ou seja, traziam em seu bojo o objetivo de limitarem a atuação desordenada do Estado.

Não obstante terem emprestado importante contribuição para o cenário financeiro público, não vigoraram, porque só alcançavam o Poder Executivo, nas esferas de governo federal, estadual e municipal, deixando legalmente descoberto as referidas despesas dos Poderes Judiciário e Legislativo.

Ademais, estas leis complementares não trouxeram em seu bojo mecanismos de controle e de sanções aos gestores, disciplinando tão-somente sobre as despesas com pessoal, diferentemente do que apresenta a Lei de Responsabilidade Fiscal. Na LRF a despesa com o funcionalismo Público representa apenas um capítulo da Lei dentre dez que a compõe, fator este que a torna mais completa.

A Lei 4.320 de 17 de março de 1964, denominada de Lei Geral do Orçamento, também já dispunha sobre a atividade financeira do Estado no âmbito contábil, por trazer normas-regras de regulação do orçamento Público, delineando todas as nuances da contabilidade Pública, aglutinando num único sistema de controle o orçamento e a contabilidade.

No entanto, o Diploma do orçamento não trazia as normas basilares que são de precípua importância para as finanças públicas, tais como o princípio orientador da gestão orçamentária que traz a Lei de Responsabilidade Fiscal, qual seja: o Princípio da Transparência, por exemplo, o qual em sendo violado, o gestor será responsabilizado, uma vez que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, sob pena de incorrer, o gestor municipal, no crime de responsabilidade, conforme o artigo 4º, VII do Decreto-Lei n°. 201/1967, dentre outras.

O código dos controladores públicos, a Lei 4.320, entrou em vigor em 1964 como lei ordinária, mas fora recepcionado pela Constituição Federal como Lei Complementar, sendo, então, aplicada subsidiariamente no que não couber à Lei de Responsabilidade Fiscal.

3.1 A COMPATIBILIDADE DA LRF COM A CF/88

A inconstitucionalidade da Lei de Responsabilidade Fiscal, consoante artigo 2º, VIII da Lei nº. 9868 de 1999 foi questionada dentre os legitimados, por alguns partidos políticos, que reflete, sob claros interesses em afastar a sua aplicabilidade, o perfil capcioso da maioria dos gestores no Brasil.

A Lei de Responsabilidade Fiscal traz procedimentos técnicos que comprometem a atuação dos gestores que gastam desordenadamente o dinheiro público, e implica na responsabilização dos gestores transgressores nas esferas cível, administrativa e penal, corroborando para o famigerado entendimento no âmbito político de que não é interessante ter no ordenamento jurídico brasileiro uma Lei de tal monta.

Diante deste contexto, buscou-se levantar vícios formais e substanciais, consignando-os na ADI 2238, com o fito de fundamentar as alegações de inconstitucionalidade da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O projeto de lei, no seu texto original aduzia que a LRF no seu artigo 1º iria regular somente os incisos I, II, Ill, IV do artigo 163 da Constituição Federal[3], o que ensejaria mais uma alegação de inconstitucionalidade da Lei, visto que o STF na ADIN n. 4-7/Distrito Federal declarou a inconstitucionalidade da norma que regulasse apenas incisos, parágrafos em detrimento de um artigo, privilegiando um só tema de um mesmo artigo. Entretanto, o texto aprovado da LRF refere-se ao regulamento de todo capítulo II, do Título VI, o qual compreende dentre outros, o artigo 163 na sua totalidade.

Dessa forma, muito embora discorra a Lei de Responsabilidade Fiscal restritamente sobre assuntos que envolva a gestão das entidades públicas, no que pertine às finanças públicas, não estaria o legislador com o fito de conferir aos incisos V, VI e VII do art. 163, menor importância. Desejava-se, no entanto sistematizar o tema de acordo a entidade que estava a administrar o dinheiro público, visando, pois uma melhor operacionalização da LRF, sob o argumento de que se a Lei de Responsabilidade Fiscal viesse a tratar dos incisos V, VII, VIII do art. 163, estaria adentrando no âmbito das instituições financeiras, quanto à administração das finanças públicas, o que inevitavelmente implicaria numa complexidade ainda maior da LRF, uma vez que se estaria ampliando o plano de alcance da responsabilidade fiscal para os agentes das instituições financeiras.

Ante o exposto, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a arguição de inconstitucionalidade formal da lei, em sua totalidade, refutando o argumento de que o projeto teria que ter disciplinado por inteiro o artigo 163 da Constituição Federal.

O Princípio Federativo que confere, no âmbito do Direito Tributário, às esferas de governo, facultatividade da instituição de tributos, não é contrariado pelo artigo 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que esta incentiva, com a arrecadação de impostos, a autonomia dos entes, minorando assim a dependência financeira dos entes hipossuficientes em relação àqueles de maior envergadura. (SOUSA, SOUSA, 2007).

Preserva-se, portanto, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, a higidez do Princípio Federativo, ao se estimular a arrecadação de todos os tributos. Portanto, quanto maior a receita dos entes federativos maior é a independência financeira dos mesmos (SOUSA, SOUSA, 2007, p 09).

Destarte, a Lei de Responsabilidade Fiscal não fere a autonomia do autogoverno, mas está buscando proteger o erário em face da vulnerabilidade que lhe é inerente. Pois, as finanças públicas abalada, a sociedade também comprometida estará, trata-se, portanto, de uma relação diametralmente proporcional.

Assim sendo, o Plenário do Supremo indeferiu a liminar em relação ao dispositivo 11 da LRF, em sede da ADIn – 2238.

Os artigos 7º, § 1º; 26, § 1º; 28, § 2º; 29, § 2º e o art. 39 da LRF levados ao Plenário do STF, em sede de ADI, ora citada, sob o fundamento de que teriam uma atecnia jurídica ao tratar da atuação do Banco Central nas finanças públicas, visto que os assuntos relacionados às instituições financeiras deverão ser regulados por leis complementares, que visem a organização do sistema financeiro, consoante o artigo 192 da Carta Política do Brasil, teve liminar indeferida.

Ainda como vício formal, estaria a LRF impossibilitada de imprimir mais efeitos no âmbito jurídico e político brasileiro, na visão de alguns políticos, por ter sido emendada pelo Senado Federal e não ter voltado a Câmara dos deputados para ser apreciada novamente. Porém, as mudanças feitas pelo Senado referiram-se tão somente às emendas de redação, as quais não implicam efeitos jurídicos comprometedores. Ante o exposto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal afastou a plausibilidade da inconstitucionalidade formal da norma quando concluiu o julgamento da ADI 2238, em epigrafe.

Ademais, questiona-se o conteúdo das normas que compõem a LRF, visto que existem umas de cunho específico, quando deveriam atender às características de lei nacional, isto é, trazer normas de caráter geral, tão-somente. Alega-se que a LRF, nesse sentido, sofre impropriedades, o artigo 20 da Lei Complementar, por exemplo, registra um limite para a repartição dos gastos, que dizem não corresponder com a realidade de cada ente federativo, trazendo uma norma específica que só cabe ao legislador local dispor.

A cada ente da federação é dada a autonomia financeira e política, prevista no caput do art. 18 da Constituição Federal, assim configuraria inconstitucional deturpar essa norma que decorre do princípio da igualdade formal das pessoas jurídicas de direito público, princípio este que ainda figura como desdobramento do princípio federativo, base e alicerce do Estado brasileiro (ICHLHARA, 2002, p 275).

Dentre as implicações do artigo 20 da LRF, observa-se a situação do Distrito Federal, em que possui pela LRF a repartição global de gastos com pessoal nos moldes de um Estado, devendo submeter-se ao limite de 60%, conforme o art. 19, II da referida lei. Contudo, o legislador que elaborou a LRF não atentou para a realidade do Distrito Federal que não possui Poder Judiciário, ficando a divisão incompatível. Assim sendo, ficaria 3% para o Poder Legislativo, incluído o Tribunal de Contas e 49% para o Poder Executivo, restando, assim 8% desses 60 % total.

Diante dessa realidade o Distrito Federal a nível transitório adota com base em lei distrital, a forma de repartição das despesas com pessoal dos municípios, haja vista não possuir Poder Judiciário e nem Ministério Público.

Ademais, questiona-se a situação do Estado de São Paulo, alegando que a sua realidade econômica e social não se enquadra ao limite de gastos com pessoal[4] para o Poder Judiciário, por exemplo, impostos pela LRF, visto que a demanda que possui o Estado de São Paulo exige um maior número de pessoal, capaz de atender à sua realidade.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal indeferiu a medida cautelar de suspensão do artigo 20 da LRF, na ADIn - 2238-5, ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil - PC do B, Partido Socialista Brasileiro - PSB e pelo Partido dos Trabalhadores - PT contra a Lei Complementar 101/2000.

Questionou-se ainda quanto ao status da norma que a LRF traz, que embora, seja uma lei complementar não se limita ao grau de generalidade que deve dar as suas normas, mas tratou de assuntos específicos, regulando temas como a dívida Pública, concessões de garantias, gastos com pessoal, as quais trazem regras de atuação.

Diante do exposto, podem-se extrair do dispositivo 20, da LRF, uma normatividade de importância inenarrável ao cenário publico, quando do seu surgimento, uma vez que trouxe uma regra que mitigou muitas das questões envolvendo os gastos desordenados com pessoal, muitas vezes objeto de políticas de clientelismo, em que os gestores prometiam e forneciam cargos de chefia no governo sem qualquer necessidade, já que não se tinha uma limitação global para tanto, atendendo a interesses meramente pessoais.

Por outro lado, a LRF regulando temas como a dívida Pública, concessões de garantias está legitimando a afirmativa de que se esta não pormenorizasse certos temas, a mesma sofreria de inoperabilidade.

Uma lei complementar, como o é a Lei de Responsabilidade Fiscal não possui natureza de lei federal, mas de lei nacional, a qual veiculará regras e limites a serem respeitados por todas as pessoas políticas autônomas, sem, pois estar agredindo a autonomia das pessoas jurídicas de direito público. (ICHLHARA, 2002, P. 271).

Assim sendo, depreende-se que "a regulamentação do detalhe estará na própria essência da norma geral, a fim de assegurar a observância do princípio no próprio funcionamento do instituto jurídico por ele regulado. Em suma, a norma geral não é necessariamente regra de conceituação apenas, mas também regra de atuação". (MOTTA, FERNANDES, 2001, p 57).

Portanto, a norma geral não somente explicita valores, demonstrando o seu grau de abstração, mas estabelece também espécies precisas de comportamento e sob este prisma a Lei de Responsabilidade Fiscal se mostra, regulando a aplicação de recursos dos entes federados, através do instituto do orçamento, cuja base teórica tem origem francesa. Todavia, o seu embasamento prático advém de estudos americanos, que geraram mecanismos seguros para a condução da atividade administrativa estatal como a técnica do orçamento-programa, a exemplo, retirando o foco do ‘quanto gastar’, para o paradigma do ‘no que gastar’.

Dessa forma, quando a LRF submete todos os entes federativos aos seus ditames, ela está buscando salvaguardar as finanças das partes que contemplam um todo que é o Brasil - as finanças nacionais. Ademais, esta questão de autonomia dos entes federativos no âmbito financeiro é mitigada quando se observa a situação da maioria dos entes estaduais e municipais brasileiros:

No Brasil, porém, em matéria de finanças públicas, o que se observa, ao lado de poucos Estados que conseguem sustentar a própria despesa, é a maioria com sérios problemas de endividamento. Em nível municipal, o quadro apresenta matizes ainda mais acentuados: 89% dos Municípios arrecadam menos de 100 mil reais por mês, sobrevivendo da transferência de recursos de fundo constitucionais.

Por esses motivos, essas esferas de governo encontram-se subjugadas financeiramente, fortemente dependentes do governo central. Por razões políticas, periodicamente, conseguem transferir dívidas para a União, que mais cedo ou mais tarde são absorvidas e roladas. Portanto, em termos práticos, a autonomia financeira é mais discutível no plano teórico, ficando de concreto apenas como argumento (MOTTA; FERNANDES, 2001, pp. 53-54).

Ainda que, num plano teórico, a Lei de Responsabilidade Fiscal tenha sido objeto de diversas discussões sobre a sua constitucionalidade, buscando-se impedir a sua aplicabilidade, na prática a sua importância é inquestionável, uma vez que não se trata de uma lei de ajuste de curto prazo, mas de uma lei que trouxe em seu bojo um valor, uma filosofia de responsabilidade fiscal a ser fielmente adotada no gerenciamento da máquina pública.

Dessa forma, apresentar a LRF algumas impropriedades não significa afirmar que esta se encontra eivada de vícios capazes de decretar a sua inaplicabilidade.

3.2 AVALIAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS MUNICIPAIS

A partir de uma análise feita das informações extraídas do site oficial do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, pode-se observar que as Prefeituras Municipais que possuem uma menor estrutura no que diz respeito à capacitação de mão-de-obra especializada na área da Administração pública obtiveram um maior índice de contas rejeitadas, como ilustrado na figura 2, bem como na figura 3, que representa o índice percentual dessas rejeições.

Figura 2

Quadro Geral de Prestação de Contas dos Municípios

Fonte: Site do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia. Adaptação da autora, 2014.

Legenda

1

Aprovada

2

Aprovada com Ressalvas

3

Rejeitada

 

Não Julgada

Figura 3

Índice Percentual de Rejeições de Contas dos Municípios

 Fonte: Gráfico construído pela autora, através dos dados extraídos da figura 2, 2014.

O Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia se baseia na Constituição Federal, nas suas Resoluções, na Lei 4320, na Lei de Responsabilidade Fiscal e nas legislações que impõem sanções aos gestores transgressores como o Decreto-Lei n°. 201 e o Código Penal para fiscalizar se os procedimentos e se os limites de gastos estão sendo respeitados, e se uma vez violados, puní-los.

Com fundamento nessas normas constitucionais e infraconstitucionais é que a prestação de contas dos Municípios é aprovada ou rejeitada.

Observa-se na figura 4 o acompanhamento das contas dos municípios antes da vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal num período de 1994 a 1999, que o percentual de contas reprovadas eram aceitáveis em comparação aos consideráveis índices de aprovação, com exceção do município de São Francisco do Conde.

Figura 4

Acompanhamento das Contas dos Municípios antes da LRF

Fonte: Gráfico construído pela autora, através dos dados extraídos da figura 2, 2014.

Na figura 5, pode-se perceber que após o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal os municípios que tinham o seu maior percentual de contas aprovadas, passaram a compor o quadro de Municípios com a maioria de suas contas rejeitadas, com exceção dos municípios de Salvador, Feira de Santana e São Francisco do Conde.

Figura 5

Acompanhamento das Contas dos Municípios após a LRF

 Fonte: Gráfico construído pela autora, através dos dados extraídos da figura 2, 2014.

É interessante o diagnóstico levantado, notadamente o das prestações de contas do Município de São Francisco do Conde por apresentar, conforme a figura 4 o maior índice de rejeição, dentre os demais e na figura 5, entretanto, depois do advento da LRF, o índice percentual de rejeição menor, divergindo, assim, dos demais municípios, que com o advento da LRF obtiveram o índice de rejeição de contas maior.

Depreende-se da análise dos Pareceres Prévios emitidos pelo Tribunal de Contas da Bahia e da realidade municipal vivida pelo ente federativo, que os motivos que levaram o município de São Francisco do Conde a ter diminuído o seu percentual de rejeição consistiram na qualificação da equipe técnica, no sentido de fazer cumprir os rigorosos ditames para a aprovação das contas públicas[5].

Os municípios de Salvador e Feira de Santana apresentam caracteres diferenciados dos demais municípios estudados, haja vista possuírem uma estrutura operacional Administrativa e de Controle Interno capazes de assegurar uma maior qualidade nos serviços de controle fiscal prestados.

Da análise dos Pareceres Prévios, os principais fatores que levaram os municípios do Estado da Bahia a terem suas contas reprovadas foram a violação dos artigos 20, III, 22 e 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que versam sobre o limite máximo de gasto com pessoal (54% para o poder Executivo e 6% para o poder Legislativo); a não aplicação do mínimo constitucional, quanto aos recursos dos impostos para as áreas de educação (25%) e Saúde (15%); e a aquisição de despesas no último ano do mandato que não possam ser cumpridas integralmente dentro dele, ou que tenham parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiência de caixa, conforme artigo 42 da LRF.

3.3 VIGÊNCIA, EFICÁCIA E EFETIVIDADE DA NORMA JURÍDICA

A compreensão do tema deste artigo perpassa, ainda, pela necessidade de se esclarecer a diferença entre efetividade, eficácia e a vigência da norma jurídica, já que traçar as definições técnicas desses institutos é permitir uma abrangência maior da concepção do tema, qual seja, a efetividade da Lei de Responsabilidade Fiscal à luz da cláusula principiológica da Dignidade da Pessoa.

Esses institutos implicam em grande confusão terminológica, porque tratam, ainda que de ângulos distintos, de um mesmo objeto, isto é, da norma jurídica. Assim sendo, à norma jurídica é dada uma destinação específica por cada um dos institutos da vigência, da efetividade e da eficácia.

A vigência é condição de efetivação da eficácia, uma vez que em seu sentido técnico-formal, pode-se entender como norma vigente aquela que foi regularmente promulgada e publicada, com a condição de entrar em vigor em data determinada. Portanto, a vigência torna o cumprimento da norma obrigatório. (SILVA, 2007, p. 52).

Entretanto, dentro dessa conceituação de vigência surgem duas questões, uma sobre o que significa vigor e outra sobre a diferenciação entre vigor e validade. Para Maria Helena Diniz, o entendimento sobre o que seja vigência pressupõe a concepção bem sedimentada do que venha a ser validade. A validade, portanto, para esta doutrinadora, em sentido amplo, possui três expressões, isto é, subdivide-se em validade constitucional, formal e fática. (1997, p. 25).

Uma norma jurídica possui validade constitucional quando "respeita um comando superior, ou seja, o preceito constitucional" (DINIZ, 1997, p. 25), portanto suplanta a incidência da inconstitucionalidade. A validade formal, por sua vez, é entendida como a vigência em sentido estrito, a qual confere a norma validade quando esta atende aos ditames procedimentais de elaboração, bem como as exigências de órgão competente para a sua elaboração. "Norma formalmente válida é a promulgada por um ato legítimo da autoridade, de acordo com o trâmite ou processo estabelecido em norma, que lhe é superior, não tendo sido ela revogada". (DINIZ, 1997, p.26).

Portanto, para Maria Helena Diniz vigência em sentido estrito poderá coincidir com a validade formal, visto que "terminada a fase constitutiva de produção normativa, a norma já é válida; no período que vai de sua publicação até a sua revogação, ou até o prazo estabelecido para sua validade, diz-se que a norma é vigente. [...]". (1997, p. 28).

Existem doutrinadores, como Lourival Vilanova que empregam ao instituto da validade normativa uma conceituação mais generalizada, uma vez que aduz ser válida a norma quando esta apresenta uma relação de pertinência com o sistema. (1997).

Tércio Sampaio Ferraz Júnior afirma que uma norma jurídica é considerada válida quando independentemente de ser esta descumprida ou não, fora criada por autoridade tecnicamente competente e agiu de conformidade com as normas de procedimento, isto é, a norma tem de estar integrada ao ordenamento jurídico. (2003, p.197-198).

Todavia, a norma pode ser válida formalmente, isto é, atender aos trâmites legais de produção, porém não se encontrar vigente devido à vacatio legis instituída pelo artigo 1º da Lei de lntrodução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), o qual dispõe que a norma vigorará, a um só tempo, em todo o País, quarenta e cinco dias após sua publicação.

A Lei Complementar n°. 95 de 26 de fevereiro de 1998 versa no seu artigo 80 que toda Lei deve indicar o seu período de vacância em dias, sendo que este lapso temporal deve corresponder ao razoavelmente capaz de promover o seu amplo conhecimento. Muito embora, permita-se que leis de pequena repercussão entrem em vigor na mesma data de sua publicação.

Dessa forma, quando a própria lei não traz o seu período de vacância, incide o artigo primeiro da LINDB, e assim a norma dentro de quarenta e cinco dias, ainda que válida formalmente não se encontra vigente, pois tem a sua vigência postergada pela vacatio legis.

A redação do artigo 1º da LINDB emprega a palavra vigor como sinônimo de vigência, mas quando se trata do instituto da revogação de lei se percebe a necessidade de se traçar a linha de separação entre vigência e vigor. Tendo em vista que uma norma não mais vigente mantém-se em vigor para alcançar casos à época de sua vigência.

Denomina-se, pois, de lei ultrativa aquela que deve atingir fatos ocorridos anteriormente à sua revogação com o objetivo de salvaguardar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido, a coisa julgada, e ainda se diante da esfera penal conferir benefícios para o réu.

Entretanto, Maria Helena Diniz reforça a necessidade de se ter os dois conceitos diferenciados ao mencionar que vigor normativo é tido como a qualidade do preceito normativo relativo à sua força vinculante, posto que não haverá como subtrair-se ao seu comando, entendendo, pois, como um fator decorrente da vigência divergindo da posição do doutrinador Paulo Dourado Gusmão, que cita em sua obra, por afirmar que a vigência da norma é o fato dela estar em vigor. (1997, p. 28-31).

Importante se faz trazer à lume a interpretação feita por Tercio Sampaio Ferraz Jr., quanto ao vigor das normas jurídicas:

Em outras palavras, que uma norma tem vigor significa que esta tem força impositiva, não havendo, em princípio, como subtrair-se a seu comando, a seu império. Vigor, portanto, é expressão dogmática que manifesta a qualidade imperativa da norma, cuja força pode subsistir mesmo quando ela já não mais pertence ao sistema do ordenamento ou quando, declarada sua inconstitucionalidade por um tribunal supremo (no caso brasileiro, pelo supremo Tribunal Federal) e não determinada a suspensão de sua eficácia pelo órgão competente (em nosso caso, pelo Senado Federal), continua a ser aplicada pelos tribunais. (2003, p.202203).

A discussão se há ou não diferença conceitual entre vigência e vigor pode não apresentar muito comprometimento prático, diante de um caso concreto, visto que se pode simplesmente afirmar que uma norma ainda que tenha perdido a sua "vigência" ou o seu "vigor" pode ser aplicada em restritos casos. Trata-se de uma atecnia jurídica utilizar vigência como sinônimo de vigor, contudo, observa-se o emprego destes institutos como uma mera colocação semântica.

Validade fática, por sua vez, expressa a atividade do aparelho sancionador do Estado, uma vez que se observa a validade fática de uma norma quando ocorrem o comportamento que ela configura e a consequência jurídica que ela prevê.

A eficácia, enquanto elemento de positivação do direito consiste em eficácia jurídica e social. A irradiação de efeitos perante o Ordenamento Jurídico corresponde à eficácia jurídica, ou seja, a norma é considerada eficaz juridicamente quando possui todos os seus elementos (hipótese, disposição e sanção) capazes de produzir, desde então, efeitos, independentemente de corresponder perante a sociedade ou não. (DINIZ, 1997, p. 30).

Torna-se imprescindível trazer em destaque a lição de Maria Helena Diniz quanto ao conceito de eficácia jurídica:

A eficácia de uma norma, por sua vez, indica, em sentido técnico, que ela tem possibilidade de ser aplicada, de exercer, ou de produzir, seus próprios efeitos jurídicos, porque se cumpriram as condições para isto exigidas eficácia jurídica, sem que haja qualquer relação de dependência da sua observância, ou não, pelos seus destinatários. (DINIZ, 1997, p. 31).

Por outro lado, observa-se a eficácia social de uma norma quando esta é sentida, reconhecida pelos cidadãos, ou seja, quando há um "amplo cumprimento dos preceitos normativos" (LIMA, 2007, p. 03), por boa parte da sociedade. Portanto, "a eficácia social diz respeito ao fato de se saber se os destinatários da norma ajustam, ou não, seu comportamento em maior ou menor grau, às prescrições normativas, ou seja, se cumprem, ou não, os comandos jurídicos". (DINIZ, 1997, p.30).

Assim sendo, aludir à efetividade é entendê-lo como um atributo da norma, tornando-se efetiva a norma quando observada tanto pelos seus aplicadores, quanto por seus destinatários, visto que "é intuitivo que as normas são feitas para serem cumpridas, pois desempenham o papel de meio para a consecução de fins que a sociedade colima", devendo as normas alcançarem a máxima efetividade. (NADER, 2006, p. 94).

Logo, conclui-se que a eficácia social implica na efetividade da norma jurídica. Assim, perguntar se há efetividade da Lei de Responsabilidade Fiscal é o mesmo que se averiguar se os gestores públicos, enquanto destinatários da Lei Fiscal estão cumprindo-a devidamente.


4 CONCLUSÃO

Em face de tudo quanto foi exposto, pode-se sintetizar que:

1) A Administração Pública ainda carece de Know-how que detém o setor empresarial, enquanto produto da seara da administração privada. Posto que, malgrado seja a administração Pública muito mais complexa que a privada, enquanto organização que funciona para administrar dinheiro alheio, de igual modo, exige-se eficiência no gerir.

2) O estudo do Direito administrativo desde o seu nascimento, com o Estado de Direito até à atualidade, teve o seu conteúdo ampliado, devido às frequentes transformações que vem sofrendo, intensificadas, no direito brasileiro, com a promulgação da Constituição em 1988, com a Emenda Constitucional n. 19 de 1998 e, mais recentemente com as mudanças jurídicas que o neoconstitucionalismo alavancou;

3) A publicação da Lei Complementar 101/ 2000 (LRF), suscitou uma série de dúvidas, gerando intranquilidade aos governantes e aos demais agentes envolvidos diretamente com a Administração Pública, muito embora o propósito da Lei seja o de estabelecer normas para uma gestão fiscal responsável, muitos políticos a encararam como uma ameaça.

4) A Lei de Responsabilidade Fiscal transformou o cenário político-administrativo brasileiro, sob o manto da transparência, capaz de refutar as arbitrariedades, através do ‘empowerment’, isto é, dos mecanismos de capacitação da população para tornar possível e real a satisfação social

5) A Lei de Responsabilidade Fiscal qualificou a atividade gerencial pública brasileira, tendo em vista que trouxe conjuntamente a Lei n°. 10.028/ de 19 de outubro de 2000, a qual deu tratamento penal às infrações cometidas pelos gestores. Assim, observa-se a elevação dos índices constitucionais em saúde e educação e a mudança que se exige no perfil do gestor público, cujo enfoque é a eficiência e o resultado.

6) A LRF empregou no seio político a ideologia de que o orçamento público deve transcrever em números os anseios sociais da sociedade, com o fito de ser, o orçamento, o protagonista da economia, isto é, dar norte à economia, sem configurar um mero coadjuvante da política econômica do município, mas guiá-la diante das metas e diretrizes consolidadas nos instrumentos que o compõe, quais sejam: o PPA, a LDO e a LOA, em busca de resultados efetivos.

7) A Lei de Responsabilidade Fiscal foi um marco na ordem jurídico-econômica brasileira, porque além de trazer sanções institucionais e criminais, trouxe o valor da responsabilidade fiscal para a administração pública, à guisa de exemplos trazidos pelo artigo 42 da LRF que impediu o gestor de contrair dívidas que não possam ser adimplidas dentro dos dois últimos quadrimestres de mandato, bem como determinou a amortização da dívida pública do ente federativo como obrigatoriedade, configurando fatores cruciais para a mudança das finanças públicas no Brasil, dentre outros.

8) A dívida pública era um dos maiores problemas da administração ao final da década de 90, consequência histórica da crise do petróleo na década de 70 e dos fatores de má gestão da máquina pública no transcorrer dos anos.

9) Pode-se afirmar que um Órgão de Controladoria bem estruturado garante efetiva aplicação da LRF nos municípios. O Controle Interno de um ente federado realiza uma operacionalização técnica da LRF e, logicamente o enquadramento técnico das demandas socioeconômico e financeira ao orçamento, garantindo maior eficiência à gestão pública.

10) A Lei n°. 4.320 de 1964 regulava a atividade contábil-financeira pública, todavia não ensejava um cumprimento eficaz da responsabilidade fiscal, visto que não trazia em seu bojo sanções quanto às transgressões às suas imposições, tampouco não trouxe à baila o princípio da transparência, essencial à atividade financeira de qualquer administração, seja esta pública ou privatística. O princípio da transparência, portanto, deve reger toda a atividade financeira de uma instituição.

11) A transparência exigida pela Lei de Responsabilidade Fiscal colaborou para que o direito de acesso à informação fosse regulamentado pela novel Lei 12.527, figurando como um mecanismo que garante maior eficiência ao controle social, isto porque as audiências e a divulgação de relatórios dos passos contábeis da Administração Pública são instrumentos que materializam o princípio da transparência, e tem a sua ocorrência regulamentada na lei de acesso à informação.

12) A LRF, em termos práticos, provocou efeitos no âmbito da Administração Pública, visto que os municípios estudados demonstraram variações no índice de prestação de contas.

13) Os municípios estudados como Queimadas, Nilo Peçanha, Porto Seguro, Salvador e Feira de Santana ratificaram a hipótese dessa monografia, qual seja: nem todo município baiano tem a estrutura necessária e adequada de materiais e, principalmente de pessoal para fazer cumprir a referida Lei como dispõe a norma jurídica, respaldada na falta de vontade política em promover um gerenciamento probo da máquina pública;

14) As dificuldades das municipalidades em buscarem qualificação técnica, isto é, não possuírem um quadro de pessoal mais capacitado é fator de influência direta para a constatação da inefetividade da LRF nos municípios;

15) Não se pode admitir dos municípios a justificativa de que não possuem quadro pessoal capacitado a cumprir os ditames da LRF, tendo em vista que manter um comportamento apático às transformações trazidas pela LRF reflete o modelo anacrônico de administração, em detrimento do modelo gerencial de Administração Pública, que exige o novo perfil do gestor público, e pois o mundo pós-positista;

16) Aos municípios que possuem parcos recursos materiais e pessoais deve-se debruçar maior atenção, quanto à qualidade dos serviços financeiros executados e prestados, visto que é o município o ente federativo que se encontra mais defasado, em comparação aos entes estadual e federal, e é onde as necessidades sociais são mais claramente percebidas;

17) Com o município do São Francisco do Conde se permitiu apreender dos Pareceres Prévios analisados e da entrevista feita aos agentes militantes, supracitados, que a vontade política e a preocupação em cumprir devidamente o preceito normativo da Responsabilidade Fiscal ensejou a conversão de um quadro problemático para um promissor, tendo em vista ter-se constatado um índice de aprovação de contas maior com o advento da LRF, isso porque buscou adequar-se diante das exigências da LRF e das normas de contabilidade pública (Lei 4320/64), consolidando, assim uma estrutura operacional financeira mais qualificada;

18) A LRF é efetiva, na medida em que é devidamente aplicada pelos órgãos de controle, de fiscalização da referida Lei, quais sejam: O Poder Legislativo e o Tribunal De Contas, ainda que o órgão de controle interno de alguns municípios não possua uma estrutura capaz de garantir a completa e correta aplicação da LRF, os órgãos de controle externo o fazem qualificadamente;

19) A Lei de Responsabilidade Fiscal possui validade formal referendada pelo Supremo Tribunal Federal, que afastou as alegações de comprometimento do trâmite legal de elaboração da mesma, em sede de controle de constitucionalidade, através da ADIn 2238-5, tendo a sua vigência, confundida com a validade formal, uma vez que entrou a LRF em vigor na data de sua publicação, nos termos do art. 74.

20) A efetividade da Lei de Responsabilidade Fiscal é constatada pelo registro da média de 60,2% de cumprimento dos preceitos normativos constitucionais de índice mínimo de saúde e educação (figura 1), pelos municípios baianos. Por outro lado, registra-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal não esgotou o seu potencial de aplicação na seara da prestação de contas pelos Municípios, objeto de estudo no período de 13 anos (figuras 2, 3, 4, 5);

21.  A Lei de Responsabilidade Fiscal confere ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, efetividade, posto que é um diploma, que traduz em limites e controle de gestão, por meio da transparência, as necessidades sociais trazidas pela Constituição Federal, por meio da exigência de aplicação de recursos mínimos às searas da saúde e educação;

22. Para trabalhos futuros, sugere-se analisar e demonstrar a maneira como cada componente dos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), de Responsabilidade Fiscal (IRF), e o de Desenvolvimento Municipal (IDM) se relaciona com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, com o fito de diagnosticar a efetividade da tutela e promoção do direito fundamental à educação, enquanto um imperativo dos direitos humanos e guardião da vida[6].


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Notas

[1] Não houve pretensão de se produzir dados estatísticos com a seleção desses seis municípios, mas tão-somente utilizá-los com o fito de empreenderem nesta monografia um cunho ilustrativo capaz de embasar a análise teórica e jurídica realizada pela autora.

[2] Pela eficácia sociológica ou social considerar-se-á eficaz a norma que encontrar na realidade social e nos valores positivos as condições de sua obediência. (Diniz, 1997, P. 63).

[3] Art. 163. Lei complementar disporá sobre:

I - finanças públicas;

II - dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público;

Ill - concessão de garantias pelas entidades públicas;

IV - emissão e resgate de títulos da divida Pública;

V fiscalização das instituições financeiras;

VI - fiscalização financeira da administração pública direta e indireta; (Redação dada pela Emenda Constitucional n°. 40, de 2003)

VII - operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

VIII - compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da união, resguardadas às características e condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional.

[4]Art.19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:

I - União: 50% (cinqüenta por cento);

II - Estados: 60% (sessenta por cento);

Ill - Municípios: 60% (sessenta por cento) [...]

Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:

 [...] II - na esfera estadual:

a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado;

b) 6% (seis por cento) para o Judiciário;          

c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo;

d) 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados.

[5] Essas justificativas foram reforçadas por informações trazidas pelo coordenador de assistência aos municípios do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, Antônio Dourado Vasconcelos, e ao agente público-contábil, Waldomiro Andrade Santos, através de entrevista aplicada.

[6] Education is a human rights imperative. It is life-sustaining and lifesaving, yet denied to many. Vernon Muñoz. Cf. A/63/292, da Assembléia Geral da ONU, de 14/08/08.


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SANTOS, Lorena Silva. A efetividade da Lei de Responsabilidade Fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4070, 23 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31049. Acesso em: 20 abr. 2024.