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O poder normativo das agências reguladoras e a legalidade como vetor

O poder normativo das agências reguladoras e a legalidade como vetor

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O texto é uma análise crítica das Agências Reguladoras, observando, sobretudo, sua forma de atuação normativa e o consequente limite imposto a tal atuação. Demonstra-se a evolução do Estado como ente regulador.

RESUMO: O presente trabalho tem como principal objetivo a realização de uma análise crítica acerca das Agências Reguladoras, observando, sobretudo, sua forma de atuação normativa e o consequente limite imposto a tal atuação. Por meio de avaliação descritiva, demonstra-se a evolução do Estado a ente regulador, bem como o surgimento das Agências Reguladoras como instrumento concretizador deste novo modelo estatal. Na ultimação de seu desiderato, a fim de materializar dita atividade reguladora, as Agências fazem uso, dentre muitos atributos, da possibilidade de emitir atos com força de norma. Tais atos, como se pretende demonstrar, vêm ultrapassando os limites consignados pelo próprio Estado, na medida em que tais agências passaram a produzir padrões normativos por vezes sem amparo legal, caracterizando nítida infringência  ao nosso altaneiro Princípio da Legalidade. Traz-se panorama do referido poder e do modo como este é refreado pelo princípio citado.

Palavras-chave: Agências Reguladoras. Poder Normativo. Legalidade.

SUMÁRIO:  1 INTRODUÇÃO.  2 AGÊNCIAS REGULADORAS. 2.1 Do Absenteísmo Estatal ao Estado Regulador . 2.2 As Regulatory Commissions Norte-Americana e as Autorités Administratives Indépendantes Francesas . 2.2.1 As Regulatory Commissions. 2.2.2.1 Características das Regulatory Commissions .   2.2.2 As Autorités Administratives Indépendantes.2.3 Agências Reguladoras no Brasil. 2.3.1 Agências Reguladoras no Brasil: Caracterização e Natureza Jurídica. 3 PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS. 4 DA LIMITAÇÃO DO PODER NORMATIVO.   5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS                                                                                                                  


1 INTRODUÇÃO

O escopo do presente trabalho reside em se debruçar sobre aspecto dos mais relevantes quando se cogita do tema Agências Reguladoras. As Agências, instituto prematuro que é dentro do arcabouço legal brasileiro, desde sua recente nomogênese têm se mostrado terreno fértil a um sem número de debates doutrinários em que se traz à baila questionamentos tão amplos quanto comporte a densidade de que é dotado o instituto. Notabiliza-se que a mudança advinda ao papel do Estado, retirando-o substancialmente da posição de ostensivo ente empresário para dotar-lhe de prerrogativas fiscalizatórias, regulatórias, deu vazão à instituição de entidades no âmbito da Administração Pública que fossem capazes de materializar os novos objetivos que tal mudança acarretou.

Para tanto, as Agências foram criadas à maneira das autarquias, destacando-se do modelo geral previsto no Decreto-lei nº 200/67 por possuírem um regime especial, que as dota de larga margem de autonomia. Mencionada autonomia, bem como os novos contornos imprimidos pelo advento das agências à estrutura administrativa do Estado brasileiro, trouxeram a reboque a necessidade de se confrontar os padrões caracterizadores desta nova entidade enxertada no âmbito da Administração Pública, face outros standards já encartados no ordenamento que o estava por recepcionar. Assim, Agências Reguladoras é tema que concerne às mais variadas sendas de intelecção, visto que os aspectos a se avaliar são também dos mais vastos. No entanto, aqui se circunscreve a discussão e se cuida de avaliar atributo bastante peculiar, e, como antes dito, de relevância da mais significativa, que é o poder normativo posto ao uso de tais agências, bem como, tratar, ao fim, do limite a que se vislumbra a este.

Assim, através de análise descritiva de remansosa doutrina que se arvorou em cuidar do referido tema, procurou-se expor as opiniões mais relevantes no que concerne à caracterização de aludido Poder Normativo, bem como, chegar a mais razoável posição a respeito do limite precípuo que se vislumbra a tal atributo.     

Inicialmente, traz-se um panorama geral de como as Agências Reguladoras foram fruto de uma construção pensada pelo direito administrativo norte-americano que se irradiou sobre os mais variados ordenamentos, e que também foi fonte à chegada daquele instituto no Brasil, conjugado, aos idos dos anos noventa, a uma nova guinada que a Administração Pública brasileira como um todo estava por sofrer.   

De conseguinte, por se pinçar os elementos caracterizadores que delineiam o formato de agência adotado no Brasil, é que se passa a defrontar com as singularidades que este novo ente traz como ínsitas à sua estrutura, entre as quais se altaneia o supramencionado poder normativo, atributo, como dantes dito, intrínseco ao plexo de competências colocado à disposição das Agências.

Por fim, dito poder é aquele que torna as Agências Reguladoras capazes de receberem a alcunha de ente produtor de normas jurídicas, que as dota da possibilidade de no intento de bem desempenhar seu papel, se fazer valer da edição de atos com força de norma. Bem de ver que, na medida em que este as faz possuidoras da mencionada competência, as submete, também, a serem questionadas no que tisna a forma, e mais ainda, a conformação com a qual estas fazem uso da mencionada capacidade.

Substancialmente, avaliar este atributo e traçar-lhe um limite que se coadune às exigências do direito positivado no ordenamento brasileiro será o cerne que permeará este trabalho.


2  AGÊNCIAS REGULADORAS

2.1  Do Absenteísmo Estatal ao Estado Regulador

Para entender o fenômeno que deu ensanchas à chegada das Agências Reguladoras, é imprescindível não se afastar de uma análise, ainda que superficial, das circunstâncias que dentro de uma conjectura global trouxeram o Estado a atuar desta e não doutras maneiras no cenário econômico.

Assim, percebe-se que as lutas econômico-sociais em meados do século XIX consistiam, substancialmente, em assegurar o direito de propriedade do homem, lutas estas que via de consequência, fizeram brotar como resposta imediata um Estado absenteísta, mero garantidor da ordem e extremamente empenhado em afiançar o cumprimento dos contratos particulares, expressão máxima, ao lado da propriedade privada e da livre-iniciativa, deste modelo não interventor.

Menezello (2002, p. 23, grifos nossos) faz alusão bastante pertinente acerca desse modelo de ingerência e de suas consequências na intervenção do Estado na economia:                           

[...] No século XIX, acreditava-se que o Estado deveria abster-se de intervir no mercado, cuidando apenas dos direitos consagrados à pessoa humana, distribuindo justiça, preservando a propriedade e a ordem pública. Não havia, àquele tempo, a interferência do Estado na economia – ou no direito -, porque ambos seguiam diferentes caminhos, certos de que o Estado Liberal deveria afastar-se de qualquer intervencionismo.

Ocorre, todavia, que o advento desse Estado Liberal e de todas as implicações decorrentes, suscitava um distanciamento que se mostrou inadequado quando confrontado, notadamente, com os anseios da emergente classe trabalhadora, sobrevindos em decorrência do desenvolvimento industrial, culminado pela revolução industrial inglesa, passando a se esperar do Estado outro posicionamento que não o de mero garantidor dos contratos, mas sim, de mediador, zelando para que fossem minimizadas as desigualdades entre as partes. É dessa premente necessidade, tendente a afastar o exacerbado individualismo do regime anterior, que enxerga-se o surgimento do Estado Social (welfare state).

Essa nova modalidade trazia consigo uma leitura mais hodierna dos princípios de liberdade e igualdade, tendente a conformá-los à situação dos menos afortunados e no intento de revesti-los de maior substância. As lutas da classe trabalhadora, como destacado antes, foram substrato ao surgimento desse novo posicionamento, sobremaneira em seu viés econômico. Tal regime imprimia também um agir estatal mais condizente com a garantia do bem-estar coletivo, na medida em que, o bem-estar individual passou a ser entendido como corolário daquele.

No dizer de Barroso (2006, p.60): 

[...] O Estado assume diretamente alguns papéis econômicos, tanto como condutor do desenvolvimento, como outros de cunho distributivista, destinados a atenuar certas distorções do mercado e a amparar os contingentes que ficavam à margem do progresso econômico.

Superada essa etapa, o pós-guerra evidenciou um avançado esgotamento do modelo Social, e o sentimento, ou em melhores termos, os movimentos nacionalistas, desembocaram na criação de empresas estatais monopolistas direcionadas à prestação de serviços públicos classificados como essenciais para a coletividade. É aquilo que se costumou designar por Estado operador, e que Carvalhosa (1973, p. 298) caracterizou como sendo aquele que “munido dos mecanismos legais, intervém no mercado para condicionar o seu processo aos altos fins de justiça econômica, através da criação e equânime distribuição de riquezas, disciplinando os atos jurídicos próprios das diversas atividades”. Esse avultamento da intervenção do Estado pode ser sentido com a criação de empresas estatais, que passaram a atuar diretamente na atividade econômica.

Assim, “o mundo assistiu à emergência de um Estado intervencionista, provedor de prestações tendentes a minimizar e a corrigir as imperfeições e iniqüidades do sistema capitalista” como bem ponderou Gomes (2005, p. 39), quando não ele mesmo, Estado, em diversas frentes atuava sem intermediários.

Nesse ciclo evolucional da relação entre Estado e Economia, a segunda metade do século XX viu surgir a tentativa de se modificar o modus operandi daquele, alterando seu papel de participação para, em se adaptando ao novo pensamento neoliberal, dotar-lhe, agora, de funções regulatórias. Isso se deu, dentre inúmeras questões, em virtude de que a ostensiva intervenção era postura totalmente contrária às tendências de mercado, e o modelo intervencionista acabou por esgotar-se em si mesmo, sobretudo quando contraposto ao novel pensamento econômico. Portanto, se de um lado não mais se aceitava o Estado operador/interventor nos moldes forjados à luz do pensamento oitocentista, doutra banda também não seria de bom alvitre relegá-lo de volta ao abstencionismo. Esse foi o contexto propício ao nascedouro do moderno modelo de regulação.

Enquanto o século XIX e início do século XX foram molduras que deram enquadramento ao Estado liberal burguês, abstencionista, e a segunda década do século XX trouxe o Estado Social, interventor; a segunda metade do século XX fez surgir uma reversão, e até mesmo, regressão nesse intervencionismo, situando o Estado numa posição mediana entre o abstencionismo liberal e o intervencionismo social, entre a auto-regulação e a intervenção, que findariam no Estado regulador hoje tão em voga.

É o que demonstra Calil (2006, p. 112):

Assim é que, nos últimos trinta anos, vem se defendendo a adoção de um modelo de retração do ente estatal, com concomitante avanço das chamadas ‘funções regulatórias’ e aumento dos poderes regulamentares do Executivo, mantendo-se o Estado como mero árbitro das relações privadas, sob o argumento de que seriam melhor guiadas por um corpo independente de órgãos técnicos e especializados em diferentes áreas econômicas.

Marques Neto (2009, p. 31) apresenta interessante argumento sobre como o modelo intervencionista é arraigado de uma prescindibilidade de controle, desinteressante e perigoso para o domínio econômico, asseverando sobre o modelo regulatório:

A atividade estatal de regulação não deixa de ser uma forma de intervenção estatal na economia. Porém uma forma de intervenção que nos seus pressupostos, objetivos e instrumentos difere substancialmente da intervenção direta no domínio econômico.

É assim que se pode definir que a moderna regulação é instrumento de intervenção na ordem econômica tendente a retirar o Estado do front na prestação da atividade empresarial, incumbindo-lhe, noutro flanco, de migrar, como bem asseverou Moreira Neto (2002) de uma faceta monopolista - concorrente ou regulamentador - a um agente regulador e fomentador, tornando-se assim um “Estado melhor”.

Convencionou-se chamar de subsidiariedade essa nova posição, uma vez que o Estado passou a abdicar da produção direta de bens e serviços para trazer para si as funções voltadas à fiscalização, fomento e planejamento das atividades econômicas. Em outros termos, o Estado Social passou a assumir a forma moderna de Estado regulador de atividades econômicas essenciais, como bem pondera Canotilho (1993).

É este quadro evolucional dos modelos de intervenção do Estado na economia que influenciou o legislador brasileiro no sentido de abarcar no Texto Maior um novo parâmetro de atuação na ordem econômica. Os influxos do pensamento neoliberal creditaram significativamente as idéias que deram vazão a um Plano Diretor (idealizado pelo Ministério de Administração e Reforma do Estado, o antigo MARE) e posteriormente a um Plano de Desestatização, que expuseram a necessidade de se enfrentar os obstáculos à implementação de um aparelho de Estado mais moderno e, sobretudo, eficiente. A incorporação de tal pensamento culminou no advento à Constituição de um novo padrão de intervenção ao mesmo tempo fiscalizador e regulador, inovação esta que foi encartada nos termos preconizados no art. 174, que é norteador de todo o sistema regulatório no Brasil e pedra angular que esteia a instituição das agências reguladoras. (BRASIL, 1988).

2.2 As Regulatory commissions Norte-Americana e as Autorités Administratives Indépendantes Francesas

Expostas as circunstâncias que levaram o Estado a posicionar-se como ente regulador, importa agora salientar que a experiência institucional das agências não foi pioneirismo do direito público pátrio. Portanto, guardada as singularidades que caracterizam o sistema publicista brasileiro, perfilhou-se, em muito, os modelos norte-americano e francês, sobretudo o primeiro, base que foi ao padrão adotado no Brasil.

2.2.1  As Regulatory commissions

As agências reguladoras foram introduzidas no Direito norte-americano nas últimas décadas do século XIX, tendo fincado balizas sob a égide do New Deal, postura governamental que foi resposta à Depressão dos anos 30.

Pode-se dividir sua trajetória em quatro grandes fases às quais Mendes (2002) faz menção. A primeira delas, remonta ao ano de 1887, em que as disputas entre empresas de transporte ferroviário e os empresários rurais fez-se cogitar da necessidade duma mediação estatal. Àquela época as empresas ferroviárias praticavam tarifas ao seu talante, sob o critério do mais alto preço que a clientela pudesse suportar, atitude que desagradava os fazendeiros do oeste organizados no movimento conhecido como National Grange.

Estes, pressionando as Assembléias Estaduais, conseguiram legislativamente que fossem reguladas as tarifas ferroviárias e o preço de armazenagem dos cereais. Contudo, o resultado mais significativo dessa insurgência foi a criação nesse ano da ICC (Interstate Commerce Commission) e um pouco depois da FTC (Federal Trade Commission), agências com a função de controlar condutas anticompetitivas de empresas e corporações monopolistas.

Sua segunda fase situa-se entre os anos 1930 e 1945, onde a irrupção de diversas agências administrativas foi a solução encontrada pelo governo Roosevelt para amenizar a forte crise que assolava a economia americana. As agências passaram a intervir ostensivamente na economia, eclipsando os princípios básicos do Liberalismo, e sua ampla autonomia passou a ser cada vez mais prestigiada, situação que ensejou o início de substancial debate constitucional-jurisprudencial nos tribunais.

Num terceiro momento, ente 1945 e 1965, a edição de uma lei geral de procedimento administrativo (APA – Administrative Procedural Act) trouxe uma maior legitimidade às decisões exaradas pelas agências, no sentido de que se pretendeu uniformizar o processo de tomada destas decisões. É desse período que surge também o afloramento de uma discussão acerca da captura das agências reguladoras pelos agentes regulados, numa conjectura onde se passou a questionar até onde as agências estariam imunes às ingerências dos agentes privados e de seu colossal poderio.

Por fim, num processo que iniciou em idos dos anos de 1985 e estende-se até os dias atuais, o modelo americano vem se redefinindo, para consolidar-se um modelo regulador independente, mas com os controles adequados a fim de infirmar essa independência, não obstante se discuta muito o possível declínio que tais entidades estejam sofrendo muito em razão desse controle.

Depreende-se do exposto, que a insatisfação dos Estados membros da federação norte-americana com a sistemática de comércio interestadual foi o pano de fundo em 1887 para a concepção das Independent Regulatory Commissions (Comissões Regulatórias Independentes). Isso por que a nação-símbolo do laissez-faire econômico, que tanto pregava em favor do dogma da não-intervenção nas relações econômicas privadas, viu-se num contexto de uma indeclinável necessidade da presença corretiva do Estado no jogo capitalista, nascendo, desta feita, a idéia de regulação como contraponto a Era Lochner, que a esse tempo já se mostrava insuficiente dentro de um quadro de confronto com as novas tendências do direito público. É o abandono, com a devida vênia, do Estado controlado pura e simplesmente pela mão invisível idealizada por Adam Smith.

2.2.1.1  Características das Regulatory Commissions

Essas Regulatory Commissions são entidades administrativas autônomas, altamente descentralizadas, com estrutura colegiada, e seus membros são possuidores de mandato fixo, passíveis de exoneração apenas por conduta administrativa imprópria ou falta grave (for cause shown).

De importante menção no que diz respeito à composição destes entes, é o modelo adotado para a eleição de seu presidente (Chairman) que encabeça o colegiado da agência, recaindo sua nomeação ao chefe do Poder Executivo com a prévia aprovação do Senado, numa construção recente do direito administrativo americano, que ficou conhecida como bipartidarismo. Gomes (2005) faz alusão a tal sistema aduzindo ser praxe da política americana o presidente nomear para esses cargos (Diretores, Commissioners) apenas pessoas ligadas à sua família política. Mas aponta que certo political fairness, conjugado ao desejo de aplacar as críticas contra uma possível partidarização dessas entidades fizeram com que as leis mais recentes instituidoras de algumas das mais importantes agências prevejam uma composição paritária, conhecida pelos americanos como bipartisanship, condizente na nomeação para os quadros diretores das regulatory de pessoas pertencentes aos dois lados do espectro político.

A concepção destas agências foi pensada de modo que as estruturasse sobre três principais pilares: a especificidade, a discricionariedade técnica e a neutralidade. A especificidade, no sentido de que cuidam de setores específicos afetos à atividade econômica. A discricionariedade técnica decorre do fato de que em estando adstritas a setores específicos, devem abalizar suas decisões em critérios técnicos, apoiados no trabalho de profissionais tão especializados quanto o são os entes em nome de quem atuam. E a neutralidade repousa na circunstância de que devem pautar suas decisões a revés de posicionamentos políticos, rechaçando tal ingerência.

Esta larga autonomia aqui repisada de que são protagonistas as agências americanas, fez a Corte Suprema dos Estados Unidos, vazada em dispositivos da Administrative Procedural Act, posicionar-se quanto ao papel relegado a estas entidades. Da exegese adotada por aquela Corte, pode-se inferir que estas possuem funções quase-legislativas, quase-executivas e quase-judiciais. Assim leciona Di Pietro (2001, p. 482):

No direito norte-americano, as agências reguladoras gozam de certa margem de independência em relação aos três Poderes de Estado: (a) em relação ao Poder Legislativo, porque dispõem de função normativa, que justifica o nome de órgão regulador ou agência reguladora; (b) em relação ao Poder Executivo, porque suas normas e decisões não podem ser alteradas ou revistas por autoridades estranhas ao próprio órgão; (c) em relação ao Poder Judiciário, porque dispõem de função quase-jurisdicional, no sentido de que resolvem, no âmbito das atividades controladas pela agência, litígios entre os vários delegatários que exercem serviço público mediante concessão, permissão ou autorização e entre estes e os usuários dos serviços públicos.

Portanto, caracterizam-se por possuírem atribuições que emanam das principais atividades estatais. No que tange às funções quase executivas não há muito a se divagar, já que não se distanciam daquelas exercidas por tantos outros órgãos da administração tradicional. É nas funções quase-judicial e quase-legislativa que as agências americanas se particularizam. Na primeira, percebe-se que muitas das agências adotam procedimento decisório judicialiforme, reflexo do intricado e especialíssimo regime jurídico existente entre os órgãos da administração e o judiciário americano. E na função quase-legislativa (rulemaking) repousa, propriamente, a função reguladora, revelando o papel normativo das agências, revestindo-se tais normas que estas emitem de caracteres que as aproximam das leis.

Desta heterogênea configuração de que são dotadas as agências americanas retirou-se o substrato para que o modelo inaugurado naquele país fosse perfilhado - bem verdade que se amoldando às particularidades domésticas - por tantas outras nações, até mesmo aquelas de tradição jurídica distante da americana, como é o caso da França.

2.2.2  As Autorités Administratives Indépendantes

Os anos 70 foram o marco do surgimento das agências no cenário jurídico de países de tradição romano-germânica, como é o caso da França, que através da Lei 78-17, de 06 de janeiro de 1978, instituiu sua primeira agência intitulada Commission Nationale de l’Informatique et des Libertés, sendo assim, na terminação usada, a inaugural Autoridade Administrativa Independente. Tais entidades, à maneira como foram concretizadas na França, notabilizam-se por serem órgãos ligados à Administração Pública, contudo não submetidas ao poder hierárquico governamental.

As Autoridades Administrativas Independentes são órgãos administrativos especializados, razão pela qual não possuem personalidade jurídica autônoma do Estado francês, caracterizadas, basicamente, como salienta Castro (2011, p. 50), pela outorga de competências multiformes, assim dispostas pelo autor:

[...] poder de regulação, poder de controle e fiscalização, poder de convocação de autoridades e de membros da sociedade civil, poder de realizar audiências públicas (audiences publiques), dentre outros.

Percebe-se, do exposto, que são instituições bastante heterogêneas, mas que realizam basicamente cinco funções principais: regulação, proteção das liberdades públicas, mediação, garantem a imparcialidade do Poder Público e exercem avaliação pluridisciplinar e de conhecimento técnico especializado. Auad (2004) argumenta, amparada nas funções acima delineadas, que as Autoridades possuem poderes para emitir pareceres, investigar e aplicar sanções, pronunciar injunções, formular propostas e recomendações.

Dentro de um parâmetro de comparação do modelo francês em face do americano, percebe-se que aquele carece da larga autonomia relegada ao segundo, muito em decorrência do sistema constitucional francês, que através de seu Conselho Constitucional, dá tratamento muito mais rígido às autoridades administrativas. Isto porque a criação das Autoridades Administrativas tendo como paradigma o modelo instituído nos Estados Unidos – onde a administração pública é notadamente descentralizada - encontrou dificuldades para se amoldar à sistemática peculiar da máquina administrativa francesa, mais notadamente ainda, por não possuírem as Autoridades Administrativas assento na Constituição Francesa de 1958.

Tal entrave ensejou o pronunciamento do Conselho Constitucional Francês que não zurziu a expressão “independente” que trouxe o legislador para as agências, mas em interpretação construtiva, posicionou-se no sentido de afirmar que não é absoluta tal independência, refreada por princípios constitucionais. Assim é que, à guisa de exemplo, Gomes (2005) já salientava de há muito para o fato de que a alta jurisdição constitucional francesa decidiu que as autoridades administrativas independentes não dispõem, por exemplo, de poder jurisdicional, submetendo-se todos os seus atos seja à Justiça Administrativa (contencioso administrativo), seja à Justiça comum.

É de se concluir, a vista dos dois modelos aqui expostos, que conjugado ao fenômeno comum de definição, agigantamento, redefinição, aos quais os Estados foram ao longo dos anos sujeitos, assoma-se a constante troca de influxos que a experiência reguladora americana teve sobre os sistemas adotados em outros países. Não só a França, mas o Reino Unido e tantos outros países europeus foram buscar naquele paradigma o fundamento de instituição dos agentes reguladores domésticos. Doutra forma não poderia ser, já que as agências foram de tamanha importância para o direito administrativo americano que por muito tempo falava-se que este ramo do direito, na experiência dos Estados Unidos, é eminentemente o direito das agências.

Desta feita, tendo por base as Regulatory Commissions foi que se passou a refletir sobre o instituto no âmbito do direito brasileiro, o qual foi pensado à luz daquele encetado nos Estados Unidos. Posto então o padrão que foi o americano, e exemplificando como sua importância escorou até sistema de tradição jurídica tão distinta como a França, passa-se a cuidar da experiência brasileira.

2.3  Agências Reguladoras no Brasil

A análise da evolução dos modelos de ingerência do Estado na economia, bem como do instituto das agências na ordem jurídica americana, dá fôlego, agora, para debruçar-se sobre o ensaio desse sistema no Brasil. Não se pode olvidar, ainda que circunscrito às singularidades de cada experiência, que o Estado brasileiro passou por profundas mudanças no que tange seu posicionamento em relação à economia e às formas como passou a atuar sobre ela.

Desse modo, o fenômeno de mutação das relações de interferência do Estado na ordem econômica também foi experimentado por nós, refletido na realidade brasileira em consequência da inadiável necessidade de se “mexer” com o arcabouço das instituições políticas para dar novos ares às funções estatais clássicas.

Aragão (2005, p. 21) traz ensinamento de como vislumbrar essa indissociável gama de influxos aos quais todos os Estados estão sujeitos:

A relação entre Estado e economia é dialética, dinâmica e mutável, sempre variada segundo as contingências políticas, ideológicas e econômicas. Inegável, assim, uma relação de mútua ingerência e limitação: o Direito tem possibilidades, ainda que não infinitas, de limitar e de direcionar as atividades econômicas; e estas influenciam as normas jurídicas não apenas na sua edição, como na sua aplicação, moldando-as, também limitadamente, às necessidades do sistema econômico.

Tal ingerência e o modo como ela é absorvida pelo direito posto, pode ser vislumbrada perfeitamente quando da inclusão na Carta Política de um título incumbido de normatizar a Ordem Econômica e Financeira. Autorizada doutrina aponta que a inserção no artigo 170 da Constituição do Brasil do conceito de livre-iniciativa como fundamento da ordem econômica, é o primeiro insight de uma nova posição desse Estado em relação à economia. 

A primeira aparição, ou melhor, o primeiro sinal de que o Estado brasileiro passou a preocupar-se com tal tema se deu na Carta de 1934, sob o título “Da Ordem Econômica e Social”. Para fins deste trabalho cabe tecer comentário acerca do Título VII, da Constituição de 1988, que inovou e tratou em espaços distintos da “Ordem Econômica e Financeira” e da “Ordem Social”. O instituto foi muito bem definido por Justen Filho (2002, p. 319), para quem “esta ordem, como regra de conduta, deve ter como farol e guia os objetivos fundamentais do Estado brasileiro, previstos no art. 3º da Constituição de 1988”. E mais, salienta que o regime contido na Ordem Econômica da CF/1988 tem natureza instrumental, relativamente à realização dos valores fundamentais consagrados naquele diploma. 

No entanto, há de se fazer leitura cuidadosa desse preceito constitucional, cientes de que foi instrumento que até o despontar dos anos 90 serviu de arrimo a uma postura extremamente intervencionista do Estado brasileiro, trazendo para si um papel simultaneamente controlador, diretivo, coordenador, indutor e planejador. O Poder Público atuava de forma excepcional na economia e sobre a economia, ou seja, prestava serviços, controlava tarifas, ditava normas técnicas. A bagagem histórica do século XX trouxe para a Constituição de 1988 um Estado altamente explorador dos serviços públicos e de diversas outras atividades econômicas, intervencionista, eminentemente clientelista nesse ponto.

O que não se pode negar, todavia, é que todas aquelas mudanças no posicionamento do Estado em face da economia, em maior ou menor grau, também se espraiaram na realidade nacional, e o advento desse tratamento constitucional da ordem econômica é exemplo de como o Estado brasileiro respondeu às novas tendências que se descortinaram.

A guinada para um prematuro modelo de regulação deu-se, se assim se pode dividir, aos idos de 1995 com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado. Tal plano foi instrumento que se prestou a identificar problemas que vinham se avultando na Administração Federal, como o crescimento dos custos da folha de pagamento, a perda de autonomia de gestão por parte das agências operadoras de serviços, a forma burocrática como se davam os controles sobre a administração pública e tantos outros. Posteriormente, influenciado por tal plano, deparou-se com o advento de reformas à Constituição, por meio de Emendas, inclusive com a flexibilização dos monopólios estatais, e de um Plano Nacional de Desestatização (PND).

Foi através do PND, concretizado na Lei nº 8.031/90 (modificada pela Lei Federal nº 9.491/97) que se deu o primeiro passo no sentido de se reestruturar e redirecionar a atuação do Poder Público no que tange à retirada do Estado brasileiro do papel de protagonista no mercado. O próprio texto do diploma legal trazia como objetivos reorganizar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada as atividades indevidamente exploradas pelo setor público. Carvalho Filho (2006), afora as razões que a própria lei consigna, nos alerta a não esquecer que se é verdade que esses eram os objetivos fundamentais – os da lei - não menos verdadeiro é o fato de que o grande elemento inspirador da alteração do papel estratégico do Estado brasileiro residia no crescente e devastador déficit público, que ameaçava, inclusive, a estabilidade das instituições, resultando daí a imprescindibilidade inadiável de sanear as finanças públicas.

Outro importantíssimo instrumento nesse novo direcionamento foram as modificações impostas ao texto da Constituição no ano de 1995, conjuntamente com a edição de uma Lei Geral de Concessões (Lei nº 8.987/95), que estabeleceu o regime de concessão e permissão de serviços públicos disciplinado pelo art. 175 da Lei Maior, que àquele tempo carecia de normatização infraconstitucional.

Percebe-se que a Emendas Constitucionais nº 5[1], 6[2], 8[3] e 9[4], todas promulgadas em 1995, estavam impregnadas sobremaneira duma filosofia neoliberal, consagrando mecanismos de redução da participação direta do Estado na economia. Notadamente, as emendas 8 e 9 dispunham acerca da atividade regulatória do Estado nos setores de telecomunicações e atividades petrolíferas. É esse o cenário que ensejou o surgimento das agências reguladoras no Brasil, que no dizer de Barroso (2006, p. 77) foram consequência de uma:

[...] drástica transformação no papel do Estado: em lugar de protagonista na execução dos serviços, suas funções passam a ser as de planejamento, regulamentação e fiscalização das empresas concessionárias. É neste contexto que surgem, como personagens indispensáveis, as agências reguladoras.

Com fundamento na nova ordem constitucional e legal, foram editadas as Leis 9.427/96, 9.472/97 e 9.478/97 que instituíram, respectivamente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), três pilares que inauguraram o movimento de agencificação no Brasil.

2.3.1  Agências Reguladoras no Brasil: Caracterização e Natureza Jurídica

As agências reguladoras brasileiras foram instituídas sob a forma de autarquias. O que vai conferir singularidade a estas é a atribuição de um regime jurídico especial que irá dotá-las de prerrogativas próprias que as diferenciarão das autarquias comuns e as distanciarão das agências executivas[5]. Meirelles (2011, p. 389, grifos do autor) assim definia autarquia de regime especial:

[...] autarquia de regime especial é toda aquela a que a lei instituidora conferir privilégios específicos e aumentar sua autonomia comparativamente com as autarquias comuns, sem infringir os preceitos constitucionais pertinentes a essas entidades de personalidade pública.

Portanto, trata-se das já conhecidas autarquias revestidas de nova “roupagem”, a fim de conferir-lhes maior autonomia para bem desempenhar seus desígnios. Parece irretocável o dizer de Cuéllar (2001, p. 90):

São pessoas jurídicas de direito público, criadas por lei e que somente por lei podem ser extintas. Exercem atividades e serviços administrativos (regulação e fiscalização da atividade econômica em sentido amplo), possuem capacidade administrativa, autonomia patrimonial, mas permanecem sob o controle e tutela do Estado quanto à sua organização, administração e fiscalização financeira.

A ideia imanente ao surgimento das agências é a de se criar um ente administrativo altamente especializado, técnico, dotado de certa impermeabilidade em relação aos influxos político-governamentais que atuavam (e ainda atuam) sobremaneira nas decisões dos órgãos situados na cadeia hierárquica administrativa. Desse modo, pretendeu-se criar uma entidade que, muito embora mantenha vínculo finalístico com a Administração Central, gozasse em relação a esta de acentuada autonomia.

Somada às prerrogativas que caracterizam o regime jurídico das autarquias comuns (aquelas vislumbradas no vetusto Decreto-lei nº 200/67), às agências foram relegadas características sem as quais, no ensinamento de Moreira Neto (2000, p. 416), “qualquer ente regulador que se institua não passará de uma repartição a mais na estrutura hierárquica do Poder Executivo, pois estará impossibilitado de executar a política legislativa do setor, como se pretende fazê-lo”.

Portanto, são aspectos intrínsecos às agências brasileiras: a independência política dos gestores, que consiste na nomeação de agentes estáveis, possuidores de mandato a termo, e por isso não exoneráveis ad nutum, consubstanciando, assim, a necessidade de que se perfaçam as políticas legislativas sem a interferência ruidosa do Executivo; a independência técnica decisional, em que se dá preferência à decisão eminentemente técnica da agência para se afastar a decisão político-administrativa, neste caractere residindo, também, a constatação de que as agências foram criadas para ser entidade que não se preste a partidarismos; a independência gerencial, financeira e orçamentária, que garante as condições internas de atuação da entidade com autonomia na gestão de seus próprios meios e, por fim, a independência normativa, um instituto renovador, tendente a dotar as agências da possibilidade de emitir atos com força de norma, sempre que necessários a benfazeja implementação de suas diretrizes.

São essas as especificidades que dão delineamento ao regime especial de que todas as agências são possuidoras, acarretando a falta de um deles no desvirtuamento do instituto, no que concerne aos ditames para os quais foi criado.

Não por acaso deixou-se para citar a independência normativa por último. Nessa peculiar função, a qual vem acalentando diversos debates doutrinários acerca de sua extensão e limites, é que se debruçará este estudo, sobretudo no que toca ao obstáculo legal que se impõe ao poder normativo exercitado pelas agências reguladoras brasileiras. A discussão sobre o fundamento de tal poder normativo, e posteriormente o limite que se vislumbra ao exercício de tal poder, serão matéria tratada nos tópicos que se seguem.


3  PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS BRASILEIRAS

Entender de onde descende o poder normativo posto ao uso das agências reguladoras é exercício que não pode passar ao largo de se explicitar que o vocábulo que adjetiva tais entidades refere-se não tão-somente a esta função por elas exercida. Muito embora resida nesta característica o motivo de maior debruce por parte da doutrina, na verdade, as agências praticam uma plêiade de atividades que são intrínsecas à função regulatória, e que entre elas encontra-se, também, a função normativa. Como visto no capítulo anterior, no tocante às suas características, estas entidades são multifacetárias, e em razão disso, desenvolvem atividades das mais diversas na ultimação de seu mister.

Traz-se tal ressalva em razão de que, ao lado da atividade regulatória normativa, assomam-se a função coercitiva, adjudicatória, fiscalizadora, de coordenação e organização, entre outras, numa gama de atribuições que se conjugam para dar ensejo à forte autonomia de que estes entes são protagonistas. Ademais, como bem assevera e adverte Marques Neto (2009), realçar o caráter meramente normativo das agências levaria a um baralhamento que tende a reduzir o alcance da atividade reguladora, e a confundir os conceitos de atividade regulatória e atividade regulamentar. Portanto, a função normativa instrumentalizada pelas agências não é a única das atribuições que a singulariza, mas é, talvez, a de maior relevância.

Assim, cientes do cipoal de atividades acometidas às agências, que enseja inúmeros debates e é labor dos mais custosos, aqui se pretende circunscrever àquele atributo que mais vem sendo posto à prova, e notadamente tem causado dissonâncias doutrinárias, a saber, seu poder normativo, para entendendo em que consiste e de onde emana tal atributo, delimitar seu espectro de atuação, e arvorar-se, mais à frente, em traçar limites ao seu uso.

Posta a ressalva quanto à variedade de funções delegadas às agências, remete-se, novamente, às características que Moreira Neto (2002) apresenta como ínsitas àquelas entidades para afirmar que possivelmente a mais altaneira delas, como já dito, é a que diz respeito à possibilidade de tais entidades emitirem ato com força de norma.

As agências no seu propósito, escoradas no poder normativo do qual são possuidoras, podem emitir atos de caráter geral, abstrato e impessoal, a fim de dar cumprimento à sua atividade de ente regulador. Dita competência deriva da lei que criou a entidade, diferençando-se, é bem verdade, no que toca à extensão das matérias sujeitas à disciplina do ente e a forma como se dá a atribuição de tal competência, de agência para agência, mas comum, guardando-se as singularidades apontadas, a todas elas. As leis instituidoras de tais entes na órbita federal ilustram em diversos dispositivos seus o modo como conferem tal poder às agências reguladoras[6].

Não poderia ser diferente. Subtrair às agências tal possibilidade engessaria sua atuação e não a distanciaria em nada de tantos outros entes da Administração Pública. Para bem exercer seu papel de ente regulador foi que a própria Constituição Federal em seu artigo 174 acometeu ao Estado tal prerrogativa, e este o concretiza, também, por meio das agências. Nessa esteira, é assente na doutrina que tais entidades possuem tal atributo. Carvalho Filho (2006, p. 51) dá exemplo do argumentado:

A natureza e os fins que inspiraram a criação das agências reguladoras não poderiam subtrair-lhes o poder jurídico de produzir algumas normas jurídicas de caráter geral, abstrato e impessoal, com carga de densidade apropriada ao cumprimento dos objetivos específicos das entidades. Afinal, não é difícil entender que, para regular certos setores da vida social, quer relativos à prestação de serviços públicos, quer ligados a atividades privadas de relevância pública, é absolutamente insuperável a necessidade de serem editados atos que, sem a menor dúvida, terão incidência genérica sobre quantos estejam, de alguma forma, situados no âmbito do setor suscetível de regulação.

E arremata o autor:

Poder normativo, em sentido geral, é a capacidade atribuída a determinado órgão ou pessoa da Administração no sentido de expedir normas com carga de incidência geral, abstrata e impessoal. A ordem jurídica confere essa capacidade a inúmeros órgãos e pessoas, e estes podem exercê-la por meio de diversas espécies de atos.

Portanto, do até aqui exposto, não se caminha mal infirmando, abalizado no pensamento de Bandeira de Mello (2011), que se trata de forma qualificada do exercício do dever-poder administrativo do Estado. Explica-se. A lei imputa certos deveres às agências reguladoras, ao passo que, ela também, a lei, outorga-lhes os poderes correlatos para que aqueles deveres sejam adimplidos. Os atos normativos de que fazem uso as agências são, ao lado de todas aquelas outras competências anteriormente citadas, instrumentos de consecução de seus fins institucionais. Em consequência disso, não se pode cogitar da supressão de tal capacidade, sob pena de se desvirtuar irremediavelmente os desígnios para os quais o ente foi instituído.

Se ao passo de que não há maiores celeumas a respeito de que as agências fazem uso desse poder normativo, e que este faz parte do plexo de atributos destas, tal uniformidade não é encontrada quando se busca definir a natureza jurídica de tal poder, qual a conformação jurídico-legal dos atos normativos editados por tais entes, fazendo exsurgir na doutrina pátria as mais variadas linhas de argumentação a fim de dar legitimidade à atribuição de tal prerrogativa. 

É possível esquematizar as correntes que se lançaram no intento de definir a natureza jurídica dos atos normativos emitidos pelas agências em uma infinidade de pensamentos que, por vezes, não guardam a menor correlação uns com os outros. Fazendo-se o corte epistemológico necessário, apresentam-se dois grandes pólos, de extrema significância na doutrina, muito embora se saiba haver outras tantas correntes isoladas como a que defende Di Pietro (2004), atribuindo um caráter de ato normativo-administrativo às normas editadas pelas agências. Aqui, imprescinde cuidar das duas correntes que se filiam a maior parte dos doutrinadores, aqueles que enxergam o fundamento dos atos das agências à luz da tese da regulação e, doutra banda, aqueles filiados à tese da regulamentação.

A tese sustentada por aqueles que defendem encontrar-se o substrato do poder normativo posto às agências no sistema de regulação, vai buscar nos novos contornos os quais o Estado passou a ostentar como agente no cenário econômico, as bases para pugnar que foi a afirmação desse modelo regulador que exigiu uma quebra com as burocráticas formas de se instituir padrões normativos. Diante de todas as funções acometidas às agências, e por força da própria natureza da atividade regulatória em si, e, ainda, por ser cada vez mais exigida uma prestação mais célere do ente estatal para confrontar as meteóricas guinadas que o cenário econômico sofre, é que se demanda uma prestação, inclusive normativa, mais pragmática.

Isto porque, aqueles que defendem tal doutrina, salientam sempre que função normativa é apenas uma das muitas atribuições delegadas às agências. Seu espectro de atuação, em consequência da autonomia de que são possuidoras, é dos mais vastos. Portanto, não só a função normativa, mas todas aquelas afetas à consecução dos desígnios institucionais das agências – regulação executiva, regulação judicante, regulação de monopólios, regulação para competição - encontram respaldo no modelo que foi adotado.

Para Souto (2011, p. 96), é a Carta Maior quem consubstancia primordialmente essa tese:

A regulação é prevista no art. 174 da Constituição Federal como instrumento da intervenção do Estado na economia, mencionada ao lado da função normativa com o mesmo objetivo. Isso autoriza fixar uma premissa de que essa função normativa se desenvolve na forma de normas gerais previstas no art. 24, I, CF, nos termos da qual seria executada a atividade administrativa de regulação.

Portanto, para tal doutrina, não há que se cogitar de uma usurpação de função legislativa, por ter sido a própria Carta Magna quem consagrou tal poder. Utiliza-se ainda da máxima de Rui Barbosa de que “quem dá os fins não pode subtrair os meios”, de modo que seria ilógico dentro do panorama vislumbrado, que o ordenamento condicionasse a atuação normativa das agências a um processo de delegação de poderes, por ser tal raciocínio incompatível com a própria natureza da atividade regulatória.

Marques Neto (2009, p. 38), defensor da tese de que o poder normativo das agências descende de tais funções de agente regulador, rechaça o argumento de que este se conforma dentro da atividade regulamentar, justamente por entender que foi por opção constitucional que se diferençou tais institutos, e, ademais, por infirmar, como o fazem aqueles que pugnam a tese aqui esboçada, que função normativa é apenas uma das vertentes a que faz uso o modelo de regulação, não podendo ser a esta restringindo. Aduz o autor:

Porém, não fosse essa plêiade de atividades intrínsecas à função de regulação, a sua distinção da atividade meramente normativa e regulamentar, entre nós, já estaria patente do próprio texto constitucional. Com efeito, o artigo 174 da CF imputa ao Estado o papel de ‘agente normativo e regulador da atividade econômica’ (a qual, nos parece, é aqui utilizada no sentido amplo, compreendendo tantos as atividades econômicas em sentido estrito como aquelas consideradas serviços públicos). Ora, se o constituinte se arvorou no dever de distinguir os dois papéis do Estado em face da ordem econômica, separando a atividade regulamentar (normativa) da atividade regulatória (esta última compreendendo o detalhamento dos aspectos de fiscalização, incentivo e planejamento), é certo que, para a ordem constitucional brasileira, regular não é sinônimo de regulamentar.

Diante disto, parece que para esta doutrina é a própria adoção do modelo de Estado regulatório que dá vazão ao poder normativo ostentado pelas agências, perfazendo-se o entendimento de que dito atributo é uma externalização daquelas faculdades que a própria Constituição deixou a entender do seu texto para a concreção do modelo regulador. Oliveira (2006) chega inclusive a defender que em razão do evidente distanciamento que o legislador procurou imprimir entre a regulação e a regulamentação, no que tisna à primeira, este pretendeu “afastá-la da produção de meras normas de caráter complementar, atribuídas, como se sabe, às normas de Direito Administrativo Brasileiro”. De oposto, a mens legislatoris passou assim a apontar para a possibilidade de que normas administrativas inovassem na ordem jurídica, desde que restritas ao marco regulatório do setor.

Não obstante tais posicionamentos, sua compatibilização com o regime constitucional/administrativo brasileiro nos moldes acima pensados se perfaz de forma canhestra. Não se discute aqui as peculiaridades das funções acometidas às agências, mas sim, de forma mais pontual, qual o fundamento jurídico-legal que conforma a possibilidade de que elas emitam atos normativos. Por isso, emitir atos com força de norma dentro do arcabouço jurídico pátrio não pode ser creditado pura e simplesmente à escolha de um modelo de Estado regulatório. Fazer isso é retirar a discussão do cenário jurídico e repousá-la num cenário tipicamente fático-econômico.

De conseguinte, chega-se a outro entendimento esposado na doutrina, quer seja, aquele que atribui à atividade regulamentar o poder normativo conferido às agências. No entender desta doutrina, os atos normativos de que fazem uso os entes reguladores esbarram, em consequência do regime legal, em parâmetros cunhados pelo sistema de normas que se adotou no Brasil. Daí que a melhor solução no sentido de identificar tais atos ao direito positivo é dar-lhes caráter de normas regulamentares, semelhantes, saliente-se bem, àquelas emitidas pelo chefe do Poder Executivo.

Via de consequência, tais atos devem se revestir de caráter infralegal e subordinar-se sempre aos ditames da lei ordinária e também do decreto que regulamentou a instituição da agência. Não podem em decorrência disto, inovar na ordem jurídica pátria, conquanto o direito brasileiro repudie os chamados regulamentos autônomos. O mecanismo utilizado pelas agências tem de ser reverente à lei que estabelece a disciplina básica sobre os setores sob regulação, e, pautada por essa norma, é que cabe às agências manifestarem seu poder normativo na forma de executar suas diretrizes.

Caminha nesse sentindo Justen Filho (2002), para quem a agência reguladora não pode na produção do fenômeno normativo agir além ou diversamente do que seria reconhecido ao Poder Executivo fazer. Entender de outra maneira levaria a legitimar uma competência especial sem respaldo algum na ordem jurídica posta e que acarretaria numa delegação incompatível com o sistema que o ordenamento brasileiro abarcou. É o que defende, também, Freitas (2004, p. 48):

[...] os atos regulatórios devem ser infralegais, restando vedado ao administrador inovar como legislador. Assim, por exemplo, a resolução de uma agência reguladora pode inovar apenas como ato administrativo, porém nos exatos limites da lei. A infralegalidade reivindica uma sadia autocontenção.

Concorda-se com o autor, sobretudo no que concerne ao fato de que, como ato administrativo tendente a minudenciar aquilo que veio a ser disposto de forma genérica na lei, aí sim reside o escopo dos atos normativos das agências, como órgão técnico e especializado imbuído deste labor de dar efetividade à abstração legal e instrumentalizar suas funções de ente regulador. Acertado, também, creditar a este status de ato subordinado à lei uma ferramenta importantíssima de limitação a este poder normativo.

Não afastando aqui em absoluto a certeza de que as agências reguladoras desempenham um papel impregnado de acentuada autonomia e, definitivamente não o poderia ser de outra maneira, reforçando-se, uma vez mais, as muitas atribuições das quais são possuidoras, o que se pretende argumentar é, no que toca a esta peculiar função de agente dotado de poder normativo, tal autonomia não pode ser invocada para simplesmente subverter a hierarquia a qual nosso ordenamento consagrou, a diferençar atos legislativos de atos normativos.

Adotando a tese que abraça a regulação como argumento suficiente à legitimação do poder normativo das agências, estar-se-ia se distanciando de um enfoque jurídico do tema - mais uma vez infirmando - para tratá-lo sob a ótica de uma visão fático-econômica. Como antes salientado, o Estado brasileiro adotou sim um modelo regulador encartado em seu texto constitucional, no entanto, isto não imprime que se possa cogitar de uma delegação de competências normativas especiais às agências sem o mínimo de respaldo legal e sem parâmetro em nossa escala hierárquica de normas. Na afirmação de todas outras competências poder-se-ia socorrer-se de tal paradigma, mas, quando o cerne é discutir a proveniência do poder normativo que lhes é entregue, em absoluto este não pode se afastar de uma análise legal. Afinal, e aqui esboçando tema tratado mais adiante, em última análise, todo e qualquer ato derivado de órgãos ou entidades da Administração Pública, deve reverenciar o princípio da legalidade, insculpido no art. 37, caput, da CF.

A Suprema Corte referendou tal tese no bojo da ADI nº 1668/DF. Na presente ação suscitava-se dúvida se a ANATEL poderia editar resoluções que viessem a derrogar a Lei de Licitações. O STF adotando interpretação conforme a Constituição posicionou-se no sentido de que a competência normativa da ANATEL é de natureza regulamentar, devendo se pautar, portanto, pelos limites legais. (BRASIL. STF, 1998).

Percebe-se do excerto que se transcreve do acórdão:

[...] 3) deferir, em parte, o pedido de medida cautelar para: a) quanto aos incisos IV e X, do art. 19, sem redução de texto, dar-lhes interpretação conforme à Constituição Federal, com o objetivo de fixar exegese segundo a qual a competência da Agência Nacional de Telecomunicações para expedir normas subordina-se aos preceitos legais e regulamentares que regem outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público e no regime privado [....].

No mesmo sentido acima esboçado se posicionou também o Superior Tribunal de Justiça, do que se depreende do julgamento do Recurso Especial de nº 434.303/PR, Relatora Ministra Eliana Calmon.

Tema que pode ser também discutido no âmbito da tese da regulamentação é aquele que perfilha a bastante recente construção doutrinária referente à deslegalização ou delegificação.

A deslegalização ou deslegificação é enunciado que ganhou bastante notoriedade na França sob a epígrafe de domaine de l’ordonnance. Tal fenômeno pode ser entendido como o mecanismo através do qual determinada lei expressamente transfere a normatização de determinado campo aos regulamentos independentes. Enterría e Fernández (2001, p. 273) dão significativa definição do instituto:

Chamamos deslegalização à operação que efetua uma lei que, sem entrar na regulação material de um tema, até então regulado por lei anterior, disponibiliza aludido tema ao poder regulamentar da Administração.

Os adeptos desta doutrina buscam na famigerada especialidade de que são dotadas as agências um dos argumentos a dar substrato a dita tese, justificando que, na impossibilidade de por mais que o legislador tentasse tratar de todas as minudências afetas às competências normativas destes entes, tal desígnio nunca restaria por esgotado, o que compele aquele a delegar esta função complementar à Administração Pública. Em outras palavras, a própria lei, por reconhecer sua falibilidade, deixaria de normatizar para apenas se referir, ou em melhores termos, indicar aquele órgão que o fará. É a retirada pelo próprio legislador de algumas matérias do domínio da lei (domaine de la loi) para o domínio do regulamento (domaine de l’ordonnance).

Aragão (2005, p. 422) perfilha tal senda de raciocínio, o que se depreende do abaixo transcrito:

Por este entendimento, com o qual concordamos, não há qualquer inconstitucionalidade na deslegalização, que não consistiria propriamente em uma transferência de poderes legislativos, mas apenas na adoção, pelo próprio legislador, de uma política legislativa pela qual transfere a uma outra sede normativa a regulação de determinada matéria. E, com efeito, se este tem poder para revogar uma lei anterior por que não o teria para, simplesmente, rebaixar o seu grau hierárquico? Por que teria que, direta e imediatamente revogá-la, deixando um vazio normativo até que fosse expedido o regulamento, ao invés de, ao degradar a sua hierarquia, deixar a revogação para um momento posterior, ao critério da Administração Pública, que tem maiores condições de acompanhar e avaliar a cambiante e complexa realidade econômica e social?

Advoga-se ainda, dentro da deslegalização, a tese de que o chamado processo de novo posicionamento estatal trazido com o Estado regulador implicou uma nova exegese dos dispositivos constitucionais, com certa mitigação, notadamente, ao princípio da legalidade, importando uma releitura de tal cânone, contraposto com a dinâmica da evolução social que solicita do Estado uma resposta mais “de pronto”, distanciando-se dos rigorismos e anacronismos da administração de antanho. Portanto, como bem pondera Sundfeld (2005), o legislativo não deixou de criar as leis, o que se deu foi um maior aprofundamento na atuação normativa do Estado, e tal aprofundamento, é consequência indissociável das novas funções reguladoras, e esta se materializa por meio dos atos normativos expedidos pelas agências, que o fazem arrimados sob o fundamento da tese da deslegalização.

O papel delegado às agências, para Carvalho Filho (2006, p.56), é de destrinchar a norma da lei, como já se afirmou, e esta sempre o faz, seguindo a tese encampada pelo autor –deslegalização - pautada por parâmetros (delegation with standards) que ele assim define:

[...] Conquanto seja bastante abrangente o campo a ser regulamentado, nunca poderá o ato de regulação extrapolar os limites preestabelecidos na norma legal. A deslegalização não retrata delegação legislativa ilimitada, de modo que o ato de regulação deve pautar-se pelos parâmetros básicos insculpidos na lei. Cuida-se de verdadeira “delegação com parâmetros” (delegation with standards), pela qual ao Legislativo é que cabe fixar os limites dentro dos quais poderá ser produzido legitimamente o ato de regulação.

Tal raciocínio, no magistério do autor, bem como no de tantos outros que defendem tal tese, como Barroso (2009, p. 173), é suficiente para espancar as críticas daqueles que consideram a deslegalização uma “fraude ao processo legislativo contemplado na Constituição” e que acoimam tal mecanismo de uma espécie de delegação legislativa inominada, espécie não amparada no ordenamento brasileiro.

No que pese a importância deste posicionamento, há de se perceber que o arcabouço legal pátrio não o dá escoras. O fenômeno da deslegalização daria um status às normas editadas pela agência superior à própria lei que a instituiu, numa construção que não encontra conformação com a ordem constitucional. Concorda-se com a afirmação de que as agências trouxeram um novo manejo no modo da atuação regulamentar, mas isso não leva ao extremo de recepcionar a ideia de que estas podem se distanciar dos impérios da lei, uma vez que não nos foi recepcionado o instituto da delegação legislativa inominada.

Não é de se estranhar os posicionamentos divergentes que se encontra para respaldar o poder normativo posto às agências reguladoras. Estas entidades, construção recente que são em nosso Direito Administrativo e que parecem ainda estar se adaptando a este regime jurídico, por evidente, suscitariam tais dissonâncias. No entanto, adotar posicionamento que divirja daquele que credita tal poder, como salientado nos parágrafos anteriores, a um manejo do poder regulamentar, reclamaria uma mudança de ordem constitucional. O argumento de que o Estado adotou como novo baluarte um modelo regulador não implica dizer que houve uma reorganização sistêmica da Constituição, no sentido de legitimar a autonomia das agências sob a tese de que tal competência seria um derivativo do próprio modelo regulatório. Aduz-se tal raciocínio por vislumbrar esta como a única forma em que se legitimaria esta substancial mudança, uma reforma de ordem constitucional, isto porque, em última instância, estaria cuidando-se, neste ponto, da consagrada partilha constitucional de competências, que pensada àqueles moldes restaria vulnerada.

Não se pretende se esquivar aqui, em absoluto, de reconhecer que também a tese da regulamentação é dotada de falibilidade, e que também esbarra em argumentos que a enfraquecem. Contudo, palmilhar por tal senda de raciocínio há de parecer, ainda, a forma mais cautelosa para enfrentar uma discussão muito maior e mais significativa que a aqui esboçada, que vem a ser os limites que devem permear a atividade normativa das agências. Chega-se inclusive a argumentar que restringir-se o debate acerca das agências a apenas de onde descende o seu poder normativo desvia o foco da discussão de outro tema ainda mais melindroso, que é o limite ao uso deste poder.

Tal debruce importa na medida em que ajude a encontrar barreiras à ação normativa, visto que, seja sustentada no poder regulatório, seja no poder regulamentar, ou em qualquer outra construção teórica que dê supedâneo àquela ação normativa, as agências parecem vir exorbitando em tal atribuição, reclamando, via de consequência, fronteiras.

Expostas tais teses, cabe neste momento, salientadas as posições acima esboçadas, buscar amparo à limitação de tal poder. Conforme restará demonstrado, as agências reguladoras independentemente de fundamentar seus atos normativos num poder regulatório geral ou no clássico poder regulamentar vem expedindo atos que têm reclamado a premente necessidade de se estabelecer balizas ao uso de tal poder normativo.


4  DA LIMITAÇÃO DO PODER NORMATIVO

Não obstante todas as teses doutrinárias que se aventuram em delimitar de onde promana esse famigerado poder normativo das agências reguladoras, o fato é que estas entidades o utilizam diuturnamente. Para se ter exemplo desta “avalanche” normativa, consulta virtual aos sites da ANATEL, ANVISA e ANEEL, dão demonstrativos da multiplicidade de atos que tais entidades emitem. Assim é que, entre os anos de 1998 e 2003 foram editadas mais de 100 resoluções pela ANEEL, boa parte delas com conteúdo eminentemente normativo.

Aqui vale também dizer que a edição de atos normativos por órgãos da administração direta e entidades da administração indireta não é ineditismo das agências, vislumbrava-se, deste modo, no âmbito do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários, do Conselho Monetário Nacional, do CADE, e claro, nos Ministérios. A questão se voltou tão notadamente para as agências em função de sua ampla autonomia, que deu ensejo a que estas passassem a editar um sem número de normas, principalmente em matéria de serviços públicos, e que o faziam sem grandes preocupações com o respaldo Constitucional.

Acontece é que o déficit remonta ao próprio advento do instituto, importado que foi duma realidade jurídica bem distinta, a americana. Assim, não há que se negar que as agências foram absorvidas em nosso sistema jurídico como uma nova espécie de agente indireto do Estado, pleno de diversas atribuições, detentor de relevante autonomia nunca antes experimentada por uma entidade autárquica, autonomia esta que a dotou, inclusive, de ação normativa, que reclama poder normativo.

O que parece não haver sido cogitado é o fato de que este ente convive com um ordenamento jurídico reverente à norma positivada, submisso aos ditames do direito escrito, bastante obsequioso com as formas tradicionais de produção legislativa, e que por tudo isto prima pelo princípio da legalidade como obstáculo e parâmetro que deve pautar os atos subalternos à lei. Di Pietro (2004, p. 41) presta argumento ao aduzido:

Embora se reconheça a existência de pluralidade de fontes (estatal, infra-estatal e supra estatal), a hierarquia das mesmas deve ser observada em consonância com o ordenamento constitucional de cada país, podendo-se afirmar que, no direito brasileiro, prevalece no topo, o direito estatal sobre o infra e o supra estatal; e, internamente, prevalece a lei sobre os atos normativos da Administração Pública.

Em verdade a produção normativa já não repousa única e exclusivamente naquele que foi concebido como seu detentor, o Poder Legislativo. Com o cuidado de não adentrar as filigranas da questão, não é o desígnio deste trabalho, é de sabença geral que se encontra em todos os Poderes de Estado manifestação de tal atributo. A última passagem da fala de Di Pietro é a que mais se releva. Conformar a função normativa das agências a uma feição do poder regulamentar faz defender-se que os atos por elas emitidos têm de se pautar, por imperativo do nosso sistema constitucional, à lei. E aqui se fala em lei como todos os atos, que no dizer da autora, se avultam ao ato da Administração Pública, ou seja, a Constituição Federal, a própria lei instituidora da autarquia, e o decreto que a deu forma. É o primado do princípio da legalidade.

Referido princípio está epigrafado no ordenamento constitucional brasileiro tanto no artigo 5º, inciso II, princípio de garantia geral aos particulares, como no artigo 37, este a título de limitação governativa. Deste, deflui duas derivações, também princípios, de importante menção: o da preeminência da lei e o da reserva da lei. O primeiro consigna a imposição de que os atos infralegais submetam-se à preferência da lei. Assim, são inválidos quando não se compactuam com alguma norma legal. O segundo, por sua vez, tem por objetivo criar um campo de incidência exclusiva das normas legais, não admitindo as de caráter infralegal.

Dos conceitos trazidos à baila pode parecer que aqui seriam expostos percalços na fundamentação arrazoada. Isto porque, sendo o poder regulamentar exclusivo do Chefe do Poder Executivo, como poderia este se prestar ao uso das agências? Há que ao menos se tentar superar tal discussão. Enceta-se dizendo que, procurar em outras fontes que não a Constituição um enquadramento deste poder regulamentar, é labor que afeta princípios tais quais o da legalidade, do Estado de Direito, e da segurança jurídica. Então o que faz as agências é regulamentar ao arrepio do que prevê a Constituição? Não. O mais salutar é fazer uma interpretação aberta do instituto da regulamentação, e não enfeixá-lo no campo da restrição, e trazer, ainda, algumas características do princípio da legalidade, para não se afastar deste como o limite maior a se impor ao uso do poder normativo das agências.

É por isso que o princípio da legalidade é entendido segundo duas concepções: aquela legalidade normal ou comum, que imprime que seja proveniente de lei a criação de direitos e obrigações, mas que não exclui que a própria lei seja a delegatária de competências discricionárias, tendentes a dar a melhor solução ao caso concreto; e a legalidade estrita, essa sim, aquela em que a Norma Maior exige que determinada disciplina seja exaurida em lei.

Poder regulamentar é atividade normativa secundária afeta ao Executivo. Em sentido estrito é aquele que emana do artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal, este sim, de exclusividade do Chefe do Poder Executivo. Não obstante, os regulamentos propriamente ditos são espécie de um gênero maior que são abrangidos pelo conceito lato de regulamento. Isto por que, há uma imensa quantidade de atos normativos que não podem estar encartados no conceito de regulamento estrito de que faz uso a Administração.

É através deste ato, que pode ser considerado inclusive de caráter terciário no caso, que atuam as agências, e, assim entendido, implica em defender, novamente, que está na legalidade os limites impostos às agências reguladoras, uma vez que, tais manifestações, por força de escalonamento hierárquico, são reverentes às normas que os sobrepõem. É o que demonstra Calil (2006, p.159):

Esses atos regulamentares (propriamente ditos e impropriamente ditos), muito embora possam ser considerados atos administrativos normativos, submetem-se à prevalência da norma legal, uma vez que são sempre secundários. Daí a afirmação de que, ainda que se reconheça a existência de uma ‘zona cinzenta’ entre as competências do Legislativo e do Executivo, a melhor doutrina somente admite os regulamentos secundum legem e intra legem, como consequência inafastável do respeito à legalidade.

Ora, não se está desprestigiando aqui o fato de que são atos normativos aqueles provenientes das agências. O que se pretende infirmar é que estes têm posicionamento inferior, e numa relação derivativa, começam na Constituição, adentram no território da lei, e passam, posteriormente por um escalonamento no seio da Administração. É sem nesga de dúvidas o que se nos impõe como Estado que adota a primazia da lei. Por tudo, aqui não se está cogitando do poder regulamentar propriamente dito, porque o fazendo assim, aí também se estaria diante de óbice de cariz constitucional. Antes, como já defendido por Carvalho Filho (2006), trata-se de um manejo deste, uma vez que, é remansoso no âmbito da Administração o uso de atos que têm feição regulamentar.

O deslinde da questão reside em se direcionar a discussão para como relacionar os atos “regulamentares” das agências à lei e aos regulamentos propriamente ditos. Aí sim, está o nó-górdio da celeuma, e também a evidenciação de que se tem de considerar tais atos subalternos, reverentes, inclusive, ao regulamento do executivo (caso assim ele exista), e mais uma vez dando precedência aos atos normativos superiores. A ideia de escalonamento exposta no parágrafo anterior é construção de Cléve (2011, p. 278), que respalda nossas palavras:

[...] os demais órgãos da Administração não estão impedidos de emanar atos administrativos. Basta verificar o Diário Oficial para se constatar a infinidade de medidas normativas (circulares, portarias, instruções) editadas pelos órgãos públicos a cada dia. Tais atos podem, impropriamente, ser considerados regulamentares (já que regulamentam algo); porém, não constituem, sob o prisma constitucional, verdadeiros regulamentos. Se válidos, inscrevem-se numa posição inferior à dos regulamentos editados pelo Presidente da República. A relação de derivação-fundamentação dos atos normativos começa com a Constituição, ingressa no território da lei e, depois, imprime um escalonamento hierárquico no seio da Administração Pública. Quando um Ministro de Estado ‘regulamenta’ uma lei, ele na verdade não está usurpando uma atribuição privativa do Executivo, mas fazendo uso de um poder particular conferido pelo próprio Constituinte (art. 87, II). A instrução ministerial deve guardar uma relação de conformidade não apenas com a lei, mas também com o regulamento. Num caso de colisão entre o regulamento e a instrução ministerial o regulamento prevalece. 

Interessante construção traz também Di Pietro (2011, p. 91), por entender que o direito é ciência a qual reclama perene “interpretação conforme”, e que, por isso, não se pode desprestigiar que o mundo do direito (dever-ser) tem de por vezes se amoldar ao mundo dos fatos (ser). Assim se expressa:

Normalmente, fala-se em poder regulamentar; preferimos falar em poder normativo, já que aquele não esgota toda a competência normativa da Administração Pública; é apenas uma de suas formas de expressão, coexistindo com outras [...]

Lapidar o ensinamento da autora, na medida em que se reconhece que a realidade traz situações que nem sempre se conformam com a abstração da lei. Para arrematar, defende-se mais uma vez que, tratar os atos das agências como manipulação da regulamentação, dá balizas para respaldá-los e mais ainda, conformá-los, aos impérios da legalidade, este sim o maior dos desafios posto ao uso de tal atributo. É que não se tem de desgarrar do cerne da questão. Os atos normativos emitidos pelas agências reguladoras, qualquer que seja a fundamentação que lhes dá arrimo, mais do que qualquer outro limite, encontra na legalidade sua fronteira mais significativa.

No magistério de Tácito (p. 246) percebe-se que o autor ao mesmo tempo em que se remete às diferentes formas de normatizar postas ao uso do Estado, consigna a evidente hierarquia existente:

A capacidade ordinatória do Estado se manifesta por meio de círculos concêntricos que vão, sucessivamente, da Constituição à lei material e formal, isto é, àquela elaborada pelos órgãos legislativos; desce aos regulamentos por meio dos quais o Presidente da República complementa e particulariza as leis; e, finalmente, aos atos administrativos gerais, originários das várias escalas de competência administrativa. São constantes as normas de força obrigatória, equivalentes às leis e regulamentos, desde que a elas ajustadas [...]. É, em suma, a substância, e não a forma, que exprime a distinção entre o ato administrativo especial (decisão específica) e o ato administrativo geral (ato normativo). Aquele, tal como as decisões judiciais, aplica o direito ao caso, solvendo uma postulação concreta. Este representa a formação de uma ordem nova, complementar ao direito existente, que esclarece e desenvolve, tendo, obviamente, conteúdo inovador, embora mínimo.

Portanto, quando do seu mister, não estão as agências, ou ao menos não deveriam, estar inovando na ordem jurídica, uma vez que este é papel relegado à lei. Disso poder-se-ia questionar então qual a razão de ser dos atos provenientes daquelas entidades. A resposta, assim como o limite aqui apontado, está também em princípios, em cânones, da atividade administrativa, como, a discricionariedade, a eficiência, o poder-dever de agir. Aqui há que se rememorar um daqueles atributos que são do âmago das agências reguladoras, quer seja, sua destreza técnica, sua especialização.

Neste ponto, poder-se-ia fazer um paralelo com o intento dos regulamentos executivos. Estes se prestam a explicitar aquilo cunhado nos dispositivos legais de caráter superior, a complementá-lo, para, como argumentam pacificamente os administrativas, dar fiel execução à lei. A agência, quando provocada a se posicionar sobre assunto acerca da sua área de especialização, não está muito distante do instituto esboçado - aqui repisando-se que o que se faz é um paralelo, não confundido um instituto com o outro - na medida em que é de sua alçada extrair do decreto regulamentar ou da lei que lhe delimitou competências, circunstancialmente, os momentos em que se oportunizam a edição de atos normativos.

Disto, e pode até parecer se estar laborando à maneira do mito de Sísifo, percebe-se mais uma vez que, por mais que se procure em outros baluartes os limites ao poder normativo das agências reguladoras brasileiras, a exemplo de se cogitar de um déficit democrático, de uma falha de controle quer daquele exercido pelo Legislativo, quer pelo Judiciário, duma fraca conformação do instituto à realidade constitucional/administrativa brasileira, o fato é que, sobranceiro a tudo isto está a constatação de que as agências reguladoras brasileiras têm, por vezes, tergiversado ao nosso modelo de legalidade.

É que o modelo de Estado Regulador fomentou entre estudiosos todas as espécies de teorias para sustentar seu advento. Entre tais teorias encontra-se a que sustenta uma pluralização das fontes normativas, com a consequente desestatização das regras jurídicas, como imperativo à nova feição estatal, que não poderia se coadunar com os anacrônicos modelos de produção normativa. Muito embora a importância de tal argumento, visto que há aqueles que como o teórico neoliberal francês Louis Baudin defendem ser o Direito uma cristalização da economia, este não pode ser sustentado por nossa realidade jurídica, a qual escolheu a norma escrita, a lei, como arauto.

A opinião de Calil (2006, p. 114) é translúcida, enxergando na ponderação, hoje mecanismo tão em voga em todos os ramos da ciência jurídica, uma saída para, em não se distanciando da legalidade, também não ser subjugado nosso enquadramento jurídico pelas novas tendências econômico-sociais. Defende a autora:

[...] o estudo acerca das agências reguladoras e seu poder normativo, têm como norte as conquistas históricas da democracia e do Direito, bem como a necessidade de se adaptar os antigos paradigmas às novas demandas sociais e econômicas. O desafio é justamente este: dosar inovações técnicas (sem deixar que se estabeleça uma tecnocracia descompromissada como os princípios basilares do État) e as ‘velhas’ conquistas do Estado Democrático de Direito.

Irretocáveis as palavras da professora, na medida em que condensa tanto a necessidade da chegada de entes com a atitude das agências, assim como, não olvida o fato de que seja o nascimento, seja a incorporação de uma nova realidade, de um novo instituto jurídico, este deve passar por mecanismos de adaptação a outras realidades que já eram assentadas na ordem jurídica que o recepciona, ainda mais, quando se trata de conceitos como soberania, legalidade, todos condicionantes do Estado de Direito.

Por isso é que, não obstante todas as transformações estruturais sofridas pelo Estado brasileiro, muito embora ainda todas as características peculiares e indissociáveis que dão forma às agências, estas não tiveram o condão de fragmentar mandamentos nucleares que foram incorporados ao nosso direito – sobremaneira o cânone da legalidade- e assim, via de consequência, o resultado indefectível disto é que as agências reguladoras e seu poder normativo não podem prescindir de se inserir nesse contexto.


5  CONCLUSÃO

À vista do exposto, consubstanciado em toda a pesquisa doutrinária realizada, em que se pretendeu extrair as principais posições acerca da problemática tratada neste trabalho no que tisna o Poder Normativo exercido pelas Agências, bem como ao modelo de limite a que se vislumbra e que se pretende alcançar, restou evidenciado o intento de chegar a um posicionamento o mais razoável possível, concluindo-se, para tanto, que não se pode cogitar de um menoscabo legal.

Por todo o aqui  argumentado, ponderando-se e sopesando-se os posicionamentos de tão abalizada doutrina, há de se defender que os novos contornos a que passou a ostentar o Estado, muito embora de extrema relevância para a consecução de metas das mais significativas, tais quais a eficiência, a presteza no serviço, a especialização técnica, a moralidade no manejo da res pública, a imparcialidade com que deve conformar suas atitudes, toda essa gama de diretrizes que são, ou ao menos, deveriam ser, inerentes à atuação administrativa, não são substrato suficiente, ou ainda, não podem se prestar a uma manobra que, em última análise, preste idoneidade para que se tergiverse a um padrão de legalidade adotado pelo ordenamento vigente, padrão este que é também baluarte à nortear todos os outros institutos a que se citou.

Também por isso é que há de se perceber que os novos anelos trazidos pela adoção de um Estado Regulador não tiveram o condão de fazer da regulação um mecanismo pleno em si mesmo. Há de se tratar o tema com a devida parcimônia, cientes, sim, da importância que o advento das Agências teve na edificação das novas tendências estruturais no âmbito da Administração Pública, no entanto, sem se descuidar do fato de que o instituto recepcionado - termo este hialino para descrever o fenômeno de verdadeira acolhida no qual o ordenamento doméstico admite modelo, paradigma, de regramentos alienígenas – tem de se pautar por parâmetros impeditivos que dita recepção simplesmente sobrepuje cânones – normas, princípios – já consagrados no direito posto.

Nos moldes insculpidos pela Constituição, criar normas é exercício que não se pode desviar dos meandros legais. Normatizar é, portanto, manobra que não pode perfilhar sendas que releguem os padrões de legalidade, buscando em outras fontes supedâneo que lhe dê arrimo. O princípio da legalidade, à maneira como foi edificado no ordenamento brasileiro, é norte ao qual se direcionam todos os atos – legislativos ou não – que tem por finalidade produzir normas de direito (em sentido lato).

Desta feita, para bem se conformar aos modais infirmados pelo direito brasileiro é que, as Agências Reguladoras, quando da edição de atos tendentes à externar cariz normativo, têm de observar, e mais, têm de se acautelar, quando da produção de tais atos, em não invadir seara a qual só concerne à lei regular.

É um verdadeiro escalonamento ao qual os sujeitos produtores de ação normativa dentro do direito brasileiro tem de prestar reverência. A ideia consignada é a de que os atos subalternos extraem daqueles hierarquicamente superiores o substrato necessário para legitimá-los, numa construção que prestigia esse mecanismo de derivação, o qual pode também ser entendido como modalidade de controle.

Demais disso, dita legalidade não é somente bússola a direcionar a emissão de regras, é também instrumento a fim de garantir o bem estar dos cidadãos e também do Estado, na medida em que traz segurança às relações, impõe limite aos abusos, releva a democracia e o Estado de direito. É, nesse sentido, laborar às avessas do que está positivado no direito brasileiro prescindir do já muito citado princípio, mecanismo que é de efetivação de direitos, direitos estes que não estão disponíveis à subtração.

Assim é que se conclui não haver óbice intransponível ao já muito citado Poder Normativo. Doutra maneira, este tem de estar à disposição das Agências Reguladoras para atingir seu intento. O que se pretendeu evidenciar foi a constatação de que, conjugado a outros, mas sobranceiro a todos estes, o primado da Legalidade é limite a ser respeitado.


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Notas

[1] Permite que os Estados outorguem concessões dos serviços públicos de gás canalizado a empresas privadas.

[2] Admite a participação de empresas com capital estrangeiro na pesquisa e lavra de recursos minerais, exigindo sua constituição sob as leis brasileiras.

[3] Libera os serviços de telecomunicações para exploração pela iniciativa privada.

[4] Flexibiliza o monopólio do petróleo, permitindo que a iniciativa privada participe das atividades da indústria petrolífera.

[5] A propósito, tem-se por Agência Executiva a autarquia ou fundação que em virtude de haver celebrado contrato de gestão com Órgão da Administração Direta a que se acha vinculada, para melhoria da eficiência e redução de custos, recebe tal alcunha, a teor do que dispõe a Lei nº 9.649/98.

[6] Art. 3º da Lei nº 9.427/96 – ANEEL:

Art. 3º Além das incumbências prescritas nos arts. 29 e 30 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de

1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete especialmente à ANEEL:

VI - fixar os critérios para cálculo do preço de transporte de que trata o § 6º do art. 15 da Lei nº

9.074, de 7 de julho de 1995, e arbitrar seus valores nos casos de negociação frustrada entre os agentes

envolvidos;

Art. 19 da Lei nº 9.472/97 – ANATEL:

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público; V - editar atos de outorga e extinção de direito de exploração do serviço no regime público;

VI - celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções;

VII - controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar reajustes;

VIII - administrar o espectro de radiofreqüências e o uso de órbitas, expedindo as respectivas normas;

IX - editar atos de outorga e extinção do direito de uso de radiofreqüência e de órbita, fiscalizando e aplicando sanções;

X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;

XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções;

XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem;

XIII - expedir ou reconhecer a certificação de produtos, observados os padrões e normas por ela estabelecidos

XIV - expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo inclusive os equipamentos terminais;



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDONÇA, Hugo Vinícius Oliveira. O poder normativo das agências reguladoras e a legalidade como vetor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4206, 6 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31765. Acesso em: 25 abr. 2024.