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Os planos de saúde sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor

Os planos de saúde sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor

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O presente trabalho tem como função descrever os contratos de planos de saúde como uma típica relação de consumo, da qual são retirados a figura do consumidor, do fornecedor e da prestação de serviços, o que motiva a aplicabilidade do CDC nessas relações.

INTRODUÇÃO

Os contratos de planos de saúde revelam-se como uma típica relação de consumo, da qual se extrai a figura do consumidor, do fornecedor e da prestação de serviço, o que manifestar-se a aplicabilidade do direito do consumidor, bem como os princípios que o norteiam.

São relações jurídicas que procedem do acontecimento da contratação em massa, em que os termos do ajuste são pré-determinados pelo prestador de serviços, independentemente da participação do consumidor que vincula-se aos mesmos sem que haja discussão de tais cláusulas.

Daí retira-se que o contrato de plano de saúde consiste em um contrato de adesão conforme a definição do artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 54 - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

§ 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.

§ 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.

§ 3° Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela nº 11.785, de 2008)

§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

 Ocorre que tal característica, segundo o diploma supra citado, impõe um dever de informar qualificado pelo artigo 54, em seu parágrafo 4º, não o desfigurando por inserção de cláusulas discutidas individualmente, conforme dispõe o mesmo artigo em seu parágrafo 1º , e especialmente proibindo a inclusão de cláusulas abusivas.

A obrigação dos planos de saúde é de fornecer um tratamento, por isso consiste em uma obrigação de resultado, competindo-lhe apenas proporcionar assistência total para prevenção ou cura do paciente, com a devida qualidade e adaptação, independente do êxito do tratamento.

O desequilíbrio contratual é flagrante em tais relações, e quase sempre em desfavor do beneficiário do plano de saúde, daí necessário a aplicação do direito do consumidor em busca do equilíbrio no contrato.

Para um melhor entendimento, é necessária a delimitação dos sujeitos da relação de consumo, para que se possa determinar quais serão as partes contratantes.

PARTES DO CONTRATO DE CONSUMO:

Consumidor

Há uma pluralidade de teorias que definem consumidor no direito brasileiro, em face das diversas interpretações retiradas do artigo 2º caput do Código de Defesa do Consumidor.

A primeira, denominada Teoria Finalista, adota uma interpretação mais restritiva. Trata-se de interpretação teleológica, segundo a qual não basta ser destinatário fático do produto, retirando-o da cadeia de produção, é necessário ser destinatário econômico do bem, porque uma vez adquirido para revenda ou para o uso profissional, o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço seria incluído no preço final do profissional que adquiriu.

Deste modo, o consumidor seria apenas aquele que adquire o bem para utilizá-lo em proveito próprio, satisfazendo uma necessidade pessoal e não para revenda ou então para acrescentá-lo à cadeia produtiva. Tal interpretação restringe a figura do consumidor de forma que estaria inserido apenas o não profissional, sob o argumento de que o Código de Defesa do Consumidor tem por objetivo tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável, e por este motivo restringe seu campo de aplicação àqueles que necessitam de proteção, para que lhes seja assegurado um nível maior de proteção.

Já a teoria maximalista, conceitua o Código de Defesa do consumidor como um regulamento do mercado de consumo brasileiro e não apenas como normas orientadas para proteger somente o consumidor não profissional. Para os maximalistas o Código de Defesa do Consumidor seria um Código Geral que institui normas e princípios para todos os agentes do mercado, devendo o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor ser interpretado mais extensivamente possível, para que possa ser aplicado a um número cada vez maior de relações de mercado. Segundo esta ótica a definição do artigo 2º seria puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço, podendo figurar ora como fornecedor, ora como consumidor.

Para o STJ, consumidor é aquele que retira o produto do mercado e não o utiliza para auferir lucro, porém, se existe, nesta relação, uma vulnerabilidade, então, ainda que haja lucro, haverá relação de consumo. Esta teoria é chamada de Teoria Finalista Aprofundada ou Teoria finalista mitigada.

Nos contratos de planos de saúde o consumidor é o beneficiário do plano que mediante uma remuneração será o destinatário do serviço prestado visando a preservação de sua saúde, e desta feita, à luz do Código de Defesa do Consumidor é considerado vulnerável, em face da presunção legal ditada pelo artigo 4º, inciso I  da lei 8.078/90, merecendo assim um tratamento diferenciado. Nestes contratos em especial, o consumidor não participa da elaboração dos ajustes que são pré-estabelecidos unilateralmente pelo fornecedor sob a forma de contrato de adesão cabendo ao consumidor apenas aderir ou não àquelas cláusulas previamente estipuladas.

Fornecedor

O artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor assim dispõe:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Assim, o sistema de proteção do consumidor considera fornecedores todos aqueles que participam da cadeia de fornecimento de produtos e de serviços, não importando sua relação direta o indireta, contratual ou extracontratual com o consumidor, daí advém a solidariedade entre os participantes da cadeia, consoante os artigos 18, 20 e 14 caput do Código de Defesa do Consumidor.

As operadoras de plano privado de assistência à saúde são pessoas jurídicas de direito privado com liberdade em sua organização societária, prestando serviços próprios ou através de terceiros, mediante contraprestações pecuniárias, que compreende a prevenção e o tratamento de doenças, a manutenção e a reabilitação da saúde. Sendo assim, típicas prestadoras de serviço na relação de assistência à saúde, à teor do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor.

Produto ou Serviço

O produto, conforme definição do §1º do artigo supra: “é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.”.

O critério caracterizador para o fornecimento de produtos é o desenvolvimento de atividades tipicamente profissionais com habitualidade como aquelas dispostas no caput do artigo.

Tais particularidades excluem da aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor a todos os contratos firmados entre dois consumidores, não–profissionais, consideradas relações meramente civis, às quais se aplicam as disposições do Código Civil que rege as relações civis e empresariais.

O serviço, de que trata o §2º do artigo em discussão tem seu conceito delineado da seguinte forma: “é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Assim, quanto ao fornecimento de serviços, exige-se apenas que se exerça atividades de prestação de serviços de forma habitual ou reiterada. Aqui o legislador certamente quis assegurar a inclusão de um grande número de prestadores de serviços no campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, dependendo unicamente da existência do consumidor como um dos contratantes.

Importante salientar que o Código, ao referir-se as atividades de natureza securitária, está incluindo os planos de previdência privada em geral, além dos seguros propriamente ditos, inclusive de saúde.

CONCLUSÃO

            Diante do exposto atinge-se a conclusão que, apesar de os contratos de plano de saúde ser do tipo de adesão, sendo de elaboração prévia e unilateral. A relação entre plano de saúde e contratante é nitidamente e inequivocadamente de consumo, visto que preenche todos os requisitos presentes do CDC, tanto no artigo 2º quanto no artigo 3º.

            Ademais, para eliminar qualquer dúvida que ainda possa restar, após numerosos recursos no Superior Tribunal de Justiça, este órgão editou em 24/11/2010 a súmula 469:

“Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”.

A súmula concretizou o entendimento há tempos pacificado no STJ, de que “a operadora de serviços de assistência à saúde que presta serviços remunerados à população tem sua atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pouco importando o nome ou a natureza jurídica que adota”. (Resp 267.530/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJe 12/3/2001).

BIBLIOGRAFIA

BOLZAN, Fabrício Direito do consumidor esquematizado® / Fabrício Bolzan. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2013.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.



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