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A relação entre Estado e direito sob os prismas da teoria geral do direito e teoria geral do Estado

A relação entre Estado e direito sob os prismas da teoria geral do direito e teoria geral do Estado

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Por uma abordagem histórica-conceitual, debate-se a visão da doutrina acerca da relação entre Estado e Direito e sua relevância para assegurar segurança e justiça ao povo.

Resumo: A relação entre Direito e Estado é um tema que incita estudos na Teoria Geral do Direito e Teoria Geral do Estado. Essas ciências procuram, de forma sistemática, estudar como o Estado se forma, quais seus objetivos, e como ele se relaciona ao Direito na busca do bem comum. Por isso, partiu-se das elucubrações das mencionadas ciências para alcançar os resultados a que se propõe este trabalho, quais sejam, de demonstrar a maneira como o Estado se relaciona com o Direito, e como ambos controlam a vida das pessoas no seio social. Assim, considerou-se o Estado de Direito nesta pesquisa, porquanto este tipo de Estado representa claramente a relação entre Estado e Direito, pois no Estado de Direito a lei impera, assim como a lei é elaborada pelo Estado, portanto há interpenetração entre o Estado e o Direito. Para atingir os objetivos propostos pelo presente trabalho, utilizou-se do método dedutivo (do geral para o particular), pois o estudo partiu dos pressupostos das concepções gerais da Teoria do Direito e da Teoria do Estado. Utilizou-se, também, o método histórico para retratar alguns dados do passado acerca do assunto em pauta. A técnica de pesquisa usada foi a técnica bibliográfica.

Palavras chaves: Estado. Direito. Estado de Direito. Teoria Geral do Direito. Teoria Geral do Estado.


1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como finalidade elucidar, a partir dos estudos da Teoria Geral do Direito e Teoria Geral do Estado, de que maneira ocorre a relação entre Direito e Estado, com o fim último de conscientizar as pessoas acerca de tal relação presente em todos os atos da vida civil. Para isso, organizou-se este artigo por meio do estudo isolado das partes (Estado e Direito) para depois correlacioná-los e, assim, garantir uma leitura fácil, haja vista que estudando primeiramente os elementos do todo isoladamente (mediante método cartesiano), e, após, estudá-los de forma conjunta, integrando-os, é que se torna possível uma compreensão sistemática do tema a que se propôs esta pesquisa.

A relação entre Estado e Direito é um tema que suscita divergências entre os juristas e politicólogos, pois não é possível estabelecer de modo absoluto como acontece tal relação. Três teorias distintas despertam debates na doutrina acerca da relação em estudo, que são a teoria monística, a teoria dualística e a teoria do paralelismo, sendo esta última a mais coerente, pois não cai no extremismo das outras duas. Do mesmo modo, na sociedade civil, as pessoas leigas buscam saber de que forma o Estado e o conjunto de leis emanadas dele se estruturam e se organizam, uma vez que são as leis e o Estado que dirigem a conduta social dos indivíduos, então, desprezar tal tema é erro grave, que deixa as pessoas alienadas à realidade normativa e burocrática que os cerca.

Assim, o presente trabalho buscará demonstrar, de modo conciso e claro, levando-se em conta as limitações da brevidade de um artigo, a forma com que o Estado exerce o seu imperium sobre o povo, de forma conjunta com o Direito. O povo precisa ter consciência da importância da compreensão da relação entre os maiores meios de controle social (Estado e Direito), pois a todo instante, implícita ou explicitamente, eles estão presentes na vida civil na forma de leis, políticas públicas, medidas administrativas, etc.

Em que pese todo esse poder de controle social do Estado e do Direito, é preciso destacar que eles são apenas meios de consecução de fins e não fins em si mesmos como muitas vezes se pensa, sob pena de demolir o edifício estatal democrático. Destarte, o povo deve estar atento para isso, para não perder seus direitos no Estado Democrático, uma vez que é o próprio povo a externalização do poder soberano. Por conseguinte, a indiferença popular abre espaço para o autoritarismo, a corrupção, o totalitarismo, a demagogia, a tirania, etc., enfim, todas as formas de males estatais.

Por fim, a organização do artigo se deu da seguinte forma: a seção dois tratou da evolução histórica da concepção do Estado, desde o Estado antigo até o moderno. A seção três discorreu sobre a concepção de Estado. Em seguida, a quarta seção abordou os elementos do Estado. No quinto capítulo, tentou-se diferenciar a Nação e o Estado. Na sexta seção passou-se para o enfoque da Teoria do Direito acerca da concepção do Direito. A sétima seção tratou de estudar a relação ora enfocada do Estado e do Direito, para depois, na última seção, intitulada de considerações finais, chegar-se às conclusões do presente estudo.


2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO

O termo Estado no sentido de sociedade política (sociedade de fins gerais) é de uso relativamente recente, embora sua configuração seja anterior ao aparecimento da Teoria Geral do Estado.[3]

Sob o prisma etimológico, ensina Menezes que:

A palavra Estado, derivada do latim status, surgiu na Renascença, com o significado em que hoje a utilizamos, assim isolada e no sentido de nomear, sob feição gramatical, alguma coisa em substância. É, portanto, um substantivo masculino, cuja expressão técnica, no vocabulário científico [...] deve-se a Nicolau Maquiavel (1469-1527).[4]

A ideia de Estado se desenvolve desde a antiguidade, partindo da Grécia e de Roma, perpassando pela Idade Média, depois pela Idade Moderna, para enfim chegar à Idade Contemporânea. Os gregos denominavam ao Estado polis, que significa cidade. Isso se deve ao fato de a Grécia se dividir em cidades com governo (primeiramente aristocrático, depois democrático) e recursos próprios, de modo tal que essas cidades se autodenominavam de Cidades-Estado. Embora esse fenômeno tenha ocorrido na Grécia, todas as cidades-estado gregas como Atenas, Esparta, Tebas, etc., mesmo que independentes, não deixavam de se referirem a uma comunidade (to koinòn), que era a Grécia como o todo.[5]

Em Roma, o Estado era a civitas, a comunidade geral. Era o conjunto de cidadãos romanos. Vivia-se, de início, em uma democracia, onde o povo participava das decisões políticas, entretanto, a parcela de pessoas que compreendiam o povo era muito pequena, pois somente os cidadãos romanos eram considerados de tal modo, e isso excluía as mulheres e os estrangeiros.[6]

Na Idade Medieval, o Estado era enxergado a partir da ideia de império ou reino, isto é, uma unidade política com uma porção territorial sob os comandos de um imperador ou rei. “A própria Igreja vai estimular a afirmação do Império como unidade política”[7] Contudo, a organização político-jurídica da época era fragmentada em territórios soberanos chamados de feudos, cujo governo era realizado pelo Senhor Feudal. Isso causava problemas ao Império como

uma infinita pluralidade de poderes menores, sem hierarquia definida; uma incontável multiplicidade de ordens jurídicas, compreendendo a ordem imperial, a ordem eclesiástica, o direito das monarquias inferiores, um direito comunal que se desenvolveu extraordinariamente, as ordenações dos feudos e as regras estabelecidas no fim da Idade Média pelas corporações de ofícios.[8]

Pode-se deduzir que, em decorrência deste quadro de instabilidade política, jurídica e social, a necessidade de ordem e autoridade se avultou, de tal modo que foi o germe para o surgimento do Estado Moderno.

Na Idade Moderna, o Estado se avulta da necessidade de estabelecimento de um poder forte e uno. Nesse contexto, Tomas Hobbes, em seu livro “O Leviatã”, defende a ideia de que o Estado, derivado de um contrato social, deve ser o gigante soberano e absoluto incumbido de garantir a ordem e a paz, já que o homem em estado de natureza é mau. Essa concepção justificava a irresponsabilidade do imperador ao agir do modo como bem entendesse, chegando ao ponto de reis e imperadores afirmarem ser o próprio Estado, redundando em muita injustiça social, pois o reino só privilegiava os nobres e os clérigos. Era o que se chamava de absolutismo.

Como forma de combater o absolutismo, os burgueses criaram a ideia de Estado como mal necessário à segurança interna, não podendo intervir nas relações econômicas (liberalismo).

Mais tarde, o viés da ideia de Estado mudou. O Estado puramente liberal gerou crises, com destaque na crise econômica de 29. Esta gerou terreno propício ao aparecimento de Estados intervencionistas, autoritários e totalitários, como o Estado nazista alemão, o Estado fascista italiano e a União Soviética stalinista, que se mostraram prejudiciais para a humanidade.

Por derradeiro, surge a concepção de Estado hodierno no final do século XX, como o assegurador da ordem social, bem como do bem estar social, sempre visando o bem comum, podendo intervir na economia quando necessário, inobstante, sem extrapolar os limites da liberdade individual, que não deve ser preterida, mesmo no Estado Providência.


3 CONCEPÇÃO DE ESTADO

A conceituação de Estado é objeto de diversas discussões doutrinárias, de tal modo que se é impossível encontrar um conceito absoluto a respeito, pois o politicólogo e o jurista não se encontram isentos de subjetividade quando conceituam ou definem o Estado, resultando em variadas interpretações e divergências.[9] De qualquer forma, o presente estudo procurará esclarecer, da melhor forma possível, a ideia de Estado.

É comum definir categoricamente o Estado como sendo a “nação politicamente organizada”.[10] Contudo, esta definição, já obsoleta, possui falhas evidentes. O conceito de Estado não pode ser confundido com o de nação (que será analisado mais a diante). No mesmo contexto, a expressão “politicamente organizada” não possui rigor científico, bem como exclui o aspecto jurídico do Estado.[11]

O Estado pode ser conceituado sob o prisma político e jurídico. Este compreendendo as teorias que dão relevo ao elemento jurídico do Estado, asseverando que todos os demais possuem existência independente fora do Estado. O outro dá primazia ao elemento força do Estado não se excluindo o aspecto jurídico, mas o Estado é enxergado, acima de tudo, “como força que se põe a si própria e que, por suas próprias virtudes, busca a disciplina jurídica”[12].

Como forma eclética, parece coerente estabelecer um conceito de Estado que abarque tanto a noção jurídica quanto a política. É nesse sentido, pois, que Dallari leciona a respeito, discorrendo o Estado como sendo:

A ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território. Nesse conceito se acham presentes todos os elementos que compõem o Estado, e só esses elementos. A noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é referida como característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo e, finalmente, a territoriedade, limitadora da ação jurídica e política do Estado, está presente na menção a determinado território.[13]

Desta conceituação é possível tirar os elementos essenciais do Estado: soberania (havendo uma minoria que a substitui por governo), território, povo (uma minoria entende que na verdade é a população) e, para alguns, escopo de promover o bem coletivo.


4 ELEMENTOS DO ESTADO

O povo é o elemento gerador do Estado. “Sem essa substância humana não há que cogitar da formação ou existência do Estado”.[14] É por meio dele que o Estado expressa a sua vontade. Além do mais, em um Estado Democrático, o povo é o ente que escolhe os dirigentes do Estado.

É oportuno diferenciar a população do povo, já que não há total concordância na doutrina quanto a qual dos dois é elemento constitutivo do Estado. Para uma corrente minoritária de doutrinadores, a população é elemento substancial do Estado, contudo, o que se verifica, é que a população é mera demografia, soma de indivíduos que se encontram em um território, mesmo que temporariamente. Destarte, a população não diz nada acerca de vínculos jurídicos com o Estado, não sendo apropriado considerá-la elemento estatal em termos jurídicos.[15]

Por outro lado, a expressão povo se liga ao Direito. O povo possui vínculo jurídico e político com o Estado. Deve-se entender como povo, “a parcela da população de determinado Estado que com ele mantém vínculos de natureza política, além dos de natureza jurídica”.[16]Portanto, povo é a parcela da soma de pessoas de determinado território estatal (população) que se vincula ao Estado juridicamente, bem como politicamente.

Destaca-se, ainda, como nota distintiva do povo a cidadania, que também o diferencia da população. Ou seja, o status de um sujeito vinculado à ordem jurídica e política estatal. A capacidade de participar ativamente (votar) ou passivamente (ser votado) da vida política. No mesmo sentido ensina Silva acerca da cidadania:

Cidadania [...] qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação política. Cidadão [...] é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas conseqüências.[17]

Somente o povo tem o supracitado atributo político da cidadania, isto é, de participar da configuração política do Estado. Assim, conclui Dallari que:

Deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano. Essa participação e este exercício podem ser subordinados, por motivos de ordem prática, ao atendimento de certas condições objetivas, que assegurem a plena aptidão do indivíduo. Todos os que se integram no Estado, através da vinculação jurídica permanente, fixada no momento jurídico da unificação e da constituição do Estado, adquirem a condição de cidadãos, podendo-se, assim, conceituar o povo como o conjunto dos cidadãos do Estado. Dessa forma, o indivíduo, que no momento mesmo de seu nascimento atende aos requisitos fixados pelo Estado para considerar-se integrado nele, é, desde logo, cidadão. Mas [...] o Estado pode estabelecer determinadas condições objetivas, cujo atendimento é pressuposto para que o cidadão adquira o direito de participar da formação da vontade do Estado e do exercício da soberania. Só os que atendem àqueles requisitos e, conseqüentemente, adquirem estes direitos, é que obtêm a condição de cidadãos ativos.[18]

Quanto à soberania, seu conceito teve origem no final da Idade Média com os monarcas, que eram soberanos. Todavia, somente no século XVI que o conceito de soberania amadureceu e se tornou sistematizado.[19]

A soberania “é a expressão máxima do poder estatal”.[20] Sua conceituação clássica é dada por Jean Bodin, in verbis: “soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República”[21] Destarte, a soberania é o poder máximo de um Estado, ilimitado e incondicionado por nenhum outro poder.

Três são as perspectivas de análise da soberania. Uma, puramente política, entende a soberania como a total eficácia do poder, o poder incontrastável, sem preocupação em ser legítimo ou jurídico, somente importando em ser absoluto. Por conseguinte, nessa visão, os Estados se tornam egoístas, e só consideram Estado aquele que tem força para tanto. Outra concepção, puramente jurídica, vê na soberania o poder de decisão em última instância acerca da atributividade das normas jurídicas. Uma terceira posição, defendida por Miguel Reale, de base culturalista, chega ao meio-termo, uma vez que vislumbra na soberania, de modo indissolúvel, os aspectos sociais, jurídicos e políticos.[22]

No que tange às características da soberania, reconhece-se que ela é una, indivisível, inalienável e imprescritível. É una porque só pode haver um poder soberano no Estado. É indivisível porque a soberania se aplica a uma totalidade de fatos no Estado, não sendo admissível dividi-la. É inalienável, pois aquele que a possui não pode transferi-la. É imprescritível porque não há prazo para a soberania, ela não finda com o tempo. Acrescente-se ainda que ela é originária, exclusiva e coativa. Originária porque nasce com o Estado, exclusiva porque só pertence ao Estado, e coativa, porquanto a soberania, no seu desempenho, possui mecanismos de coação.[23]

No que diz respeito ao território, reconhece-se que ele, também, é elemento indispensável do Estado. Estados sem ele não passaram de mera ficção.[24]Hodiernamente, é impossível falar de Estado sem mencionar o seu respectivo território, pois este é o elemento físico e geográfico que delimita até onde se estende a soberania de um Estado.

Frisa Maluf que o território é patrimônio sagrado e inalienável do povo, assim como:

É o espaço certo e delimitado onde se exerce o poder do governo sobre os indivíduos. Patrimônio do povo, não do Estado como instituição. O poder diretivo se exerce sobre as pessoas, não sobre o território. Tal poder é de imperium, não de dominium. Nada tem em comum com o direito de propriedade. A autoridade governamental é de natureza eminentemente política, de ordem jurisdicional. O território, sobre o qual se estende esse poder de jurisdição, representa-se como uma grandeza a três dimensões, abrangendo o supra-solo, o subsolo e o mar territorial.[25]

Ademais, o território possui a característica do princípio da impenetrabilidade, que significa dizer que o Estado possui o monopólio de ocupação do território, sendo defeso àqueles Estados estranhos entrarem no território sem permissão expressa do Estado Soberano.[26]

Outro ponto a ser destacado de suma importância é o estudo do alcance da extensão territorial, isto é, a demarcação do solo, subsolo, mar e espaço aéreo. A fixação desses limites é tarefa dos próprios Estados em seus tratados internacionais, bem como em suas leis internas, onde estabelecem critérios de demarcação. No que se refere ao solo e subsolo não há problemas, contudo, no que diz respeito à extensão do mar e do espaço aéreo encontram-se problemas. Para a solução de tais problemas, têm-se utilizado de critérios objetivos como duzentas milhas para o mar, fixação de altura-limite para o ar.[27]

Por último, cumpre tratar acerca da finalidade do Estado, que é a busca pelo bem geral, de modo a garantir o benefício da maioria, mormente em uma democracia.

Sabe-se que a insuficiência do homem isolado o leva a unir-se com outro homem, constituindo-se, assim, a sociedade humana. Inobstante, com o passar do tempo, os homens percebem a insuficiência da própria sociedade, no sentido de promover o bem geral, pois são egoístas por natureza, descambando na verdadeira desordem. Para a solução deste problema, os homens fazem um acordo, no qual a liberdade humana é restringida para preservar a ordem e a paz, nascendo, desse modo, o Estado. Este, por sua vez, deve ter o fim precípuo de promover o bem-comum (teoria contratualista).

Como mencionado acima, o fim do Estado é o bem comum, “que consiste no conjunto das condições para que as pessoas, individualmente ou associadas em grupos, possam atingir seus objetivos livremente e sem prejuízo dos demais”.[28] Esse conjunto de condições para o desenvolvimento integral das pessoas varia de Estado para Estado, segundo suas particularidades.[29]

Destarte, o Estado não pode se desvirtuar do bem comum, sob pena de ilegitimidade e crise do mesmo. Para tanto, é mister que o Estado seja o meio para alcance do fim geral da sociedade (bem-comum). Do contrário, o Estado deixa de ser democrático e se torna totalitário ou autoritário (quando o fim for a autoridade do governante). No mesmo contexto, Cicco e Gonzaga lecionam que:

O bem comum pode ser desconfigurado quando o Estado, de meio ou instrumento para atingir o bem comum, se torna fim em si mesmo, assumindo formas totalitárias em que as pessoas se sacrificam pelo Estado, social e economicamente e nada recebem dele que justifique suas exigências tributárias ou imposições legais.[30]

Em síntese, o Estado como ente mantedor da ordem interna, deve ter a finalidade principal do bem comum e jamais tornar-se fim em si mesmo, sob pena de desconfiguração do Estado Democrático de Direito (nomenclatura usada pela Constituição Federal do País).


5 DIFERENÇA ENTRE NAÇÃO E ESTADO

A Nação deve ser entendida a partir da junção de pessoas com afinidades espirituais e teleológicas comuns.

A Nação está ligada ao sentimento popular de se unir. Ela não precisa de um território específico para existir, tampouco é delimitada por um. Destarte, o vínculo gerado pela Nação é transcendente, porquanto ultrapassa fronteiras, haja vista que se forma pelo sentimento de semelhança, origem, costumes, etnia, idioma, etc., enfim, aspectos culturais apenas, de tal forma que quando se fala em nação também se fala em comunidade.

A doutrina tradicional entende a Nação sob os seguintes aspectos: a) elementos naturais, abarcando raça, língua e território; b) elementos históricos, compreendendo as tradições, os costumes, a religião e as leis; c) elemento psicológico, que é a consciência nacional, a aspiração comum.[31]

No tocante aos elementos naturais, têm-se que a raça e o território não podem ser considerados elementos constitutivos da Nação. A raça não é fator determinante de uma Nação, haja vista que no Brasil e nos Estados Unidos, constituídos de muitos imigrantes, a raça não é elemento distintivo de uma Nação. Do mesmo modo o território não é elemento constitutivo, prova disso são os ciganos, os judeus, os palestinos, os cristãos, etc. Todavia, a língua é traço característico da Nação, uma vez que a língua é adaptada às peculiaridades de cada Nação, como ocorre com o português no Brasil.[32] Assim entende Filomeno ao afirmar que:

Já não existe mais uma língua portuguesa falada no Brasil, mas sim uma língua brasileira. Isto porque não apenas a embelezamos, tornando-a muito mais sonora, clara, cadenciada e inteligível, com supressão dos sons marcadamente guturais dos lusitanos ou então exageradamente sibilados, ou ainda com supressão de sílabas inteiras, como também a tornamos praticamente uniforme na grafia e com pequenas variações semânticas de acordo com as diversas regiões do País.[33]

Quanto aos elementos históricos, tratam-se dos fatores sociais instituídos que mudam com o passar do tempo e acompanham os anseios e necessidades grupais. Como já dito, eles são as tradições, os costumes, a religião e as leis.

Entende-se por tradições “o conjunto das conquistas culturais de um povo”[34], portanto, é possível dizer que as tradições são fatores característicos de uma Nação.

Os costumes, igualmente, permitem a mesma inferência, uma vez que eles compreendem o conjunto de usos reiterados ao longo do tempo, que varia de lugar para lugar, de nação para nação.[35]

Todavia, analisando a religião, percebe-se que ela não pode seguir o mesmo viés, bem como não pode ser considerada como um aspecto da Nação, porquanto no mundo contemporâneo o fenômeno religioso se propaga de maneira integradora, ultrapassando as fronteiras estatais e abarcando diversos povos. Não há que se considerar, pois, a religião como elemento da Nação.

Cabe ainda esclarecer o assunto quanto às leis. Para tanto, é preciso escolher um prisma do qual se partirá a análise, se é o formal ou o material. Sob o ponto de vista formal, a lei como norma abstrata, geral, permanente, emanada de um órgão competente, de cunho obrigatório e escrita, em outras palavras, norma jurídica positiva emanada do Estado, não deve ser entendida como elemento da nação. Por outro lado, sob a ótica material, a lei deriva do costume popular, que é obedecido pelas pessoas para a conservação da ordem social, de modo que um costume por demais importante para a referida ordem alcança o status de lei, sendo apropriado afirmar que a lei é elemento da nação.[36]

No que tange ao elemento psicológico, conclui-se que este é o mais importante, pois sintetizam todos os demais elementos e moldam os sentimentos nacionalistas de consciência nacional, aspiração comum, alma coletiva ou mesmo simpatia por fins semelhantes.

Sob o prisma da doutrina moderna, comunga-se da ideia de que a diferenciação essencial entre Estado e Nação é que o primeiro é uma sociedade, e a segunda uma comunidade. Enquanto a sociedade se forma por atos de vontade humana, objetivando o bem da maioria, de modo que é perfeitamente possível a convivência de pessoas com concepções divergentes nela; a comunidade independe da vontade para existir, surge como fato antes mesmo dos seus integrantes tomarem ciência de sua existência, e orienta-se para o fim da preservação da própria comunidade.[37] Além disso, a Nação vincula os seus membros por aspectos psicossociais e culturais, enquanto que o Estado vincula os seus membros via ordem jurídica comum.

No mesmo sentido, a Nação está ligada mais ao fator tempo do que o Estado, pois a história daquela é fundamental à sua própria conceituação.[38]Com efeito, fica assentada, enfim, a diferença entre Estado e Nação.


6 CONCEITO DE DIREITO

A palavra direito deriva do latim directum, que significa direção, regra.[39] Portanto, em sua origem, a palavra direito já remetia à ideia de não desvio, retidão, e mesmo justiça, podendo-se até mesmo extrair a essência da noção jurídica a partir do aspecto etimológico.

 Cabe, antes de prosseguir à conceituação do Direito, destacar as acepções da palavra Direito no vernáculo, pois como a maioria das palavras, o direito não possui rigor semântico, isto é, o direito não é um vocábulo unívoco.

Uma delas é a palavra direito tomada no sentido de direito objetivo (conjunto de normas), aqui o Direito reduz-se às normas de conduta. Outra é a do Direito sob o aspecto subjetivo, no sentido de regalia, prerrogativa, faculdade, donde o termo direito subjetivo. Há, também, o direito no sentido de sistema de conhecimento, isto é, o direito como Ciência Jurídica. Fala-se, ainda, em direito como sinônimo de justiça (direito no sentido axiológico).

Esclarecida esta fase puramente etimológica e semântica, parte-se agora para os estudos epistemológicos e teóricos.

Como afirma a professora Maria Helena Diniz “a definição essencial do direito é problema supracientífico, constituindo campo próprio das indagações da ontologia jurídica”[40]Portanto, a noção de Direito é metajurídica, isto quer dizer que a fixação do conceito de Direito cabe às ciências jurídicas auxiliares, sobretudo a Filosofia Jurídica.

O Direito possui uma gama de definições e conceituações. Por se tratar de uma ciência humana, passível de inexatidão, defini-la de modo absoluto e definitivo é tarefa inócua. Inobstante, é preciso conceituar o Direito em linhas gerais para posteriormente correlacioná-lo ao Estado.

O conceito de Direito pode ser vislumbrado sob vários prismas. Na Religião, o direito é visto como conjunto de normas feitas pelo homem sob o mandamento e a benção divinas. Na política, o direito apresenta-se como as regras de controle e poder, falando-se, assim, das normas de organização estatal e de conduta. Na filosofia, o Direito é um conjunto de normas segundo uma valoração dos fatos ocorridos em determinado momento histórico (teoria tridimensional do direito). E cientificamente falando, o Direito é visto como o conjunto de regras advindas das normas positivas, dos costumes, dos princípios, da doutrina e da jurisprudência, sendo devido a estas que a convivência humana se torna possível.[41]

Além dos pontos de vista supramencionados, não se pode esquecer de tratar das correntes doutrinárias da Teoria do Direito, cada uma entendendo o Direito de uma maneira.

No enfoque juspositivista o Direito é entendido como um conjunto de normas emanadas e impostas pelo Estado. Trata-se do Direito vigente em determinada sociedade e momento histórico. É um direito mutável, que precisa se adaptar constantemente às vicissitudes sociais. No mesmo viés, o normativismo jurídico, defendido, sobretudo, por Kelsen, reduz o Direito à norma, a fim de torná-lo uma ciência autônoma e pura.  Por conseguinte, esta concepção também é chamada de Teoria Pura do Direito. Portanto, estas duas correntes creem que o Direito é a norma a posteriori.

De lado diametralmente oposto, o jusnaturalismo, cujo corifeu foi Hugo Grócio, propugna que o Direito é um conjunto de normas preexistentes, anteriores ao homem, por isso universais e eternas. Nascem com a razão humana, e são iguais para todos. É o direito existente em todas as sociedades e em todos os tempos. Não pode ser violado, pois é constituído de leis naturais e inatas. São, pois, normas a posteriori.

É importante, ainda, mencionar outra corrente de relevância na explicação do Direito: o Historicismo Jurídico. Seu precursor foi o jurista alemão Savigny. O historicismo vê o direito como um fenômeno espontâneo do povo, manifestado na forma de costume. Isso porque para os historicistas, o costume é “fonte do direito por excelência, por corresponder mais fielmente aos ideais e necessidades da sociedade em dado momento histórico e por acompanhar de perto as transformações dos demais fatos históricos (econômicos, éticos, políticos, etc.)”[42]

Os historicistas se opõem ao jusnaturalismo, porque esta linha de pensamento exclui o direito da história, assim como se opõem ao juspositivismo, cujos seguidores reduzem o direito à norma positivada. Para o historicista, o direito está na história e a acompanha, de modo imperceptível e espontâneo, na forma de costume emanado pelo povo. Ademais, compara o direito à linguagem, que aparece e se desenvolve espontaneamente, do mesmo modo que o direito se forma na sociedade. Assim, “o legislador não cria o direito”.[43] Tampouco aos juristas cabe a criação do Direito. Cabe a eles somente a sistematização do Direito. Por isso, na concepção historicista, “as normas jurídicas identificadas e sistematizadas só serão válidas e eficazes se fiéis ao espírito do Direito consuetudinário”.[44]

Passando-se para o enfoque da Dogmática Jurídica, deve-se atentar para algumas notas características do Direito que o diferenciam das outras ordenações sociais, como as morais, religiosas, costumeiras, etc.

Há muito tempo, nos primórdios da sociedade, o Direito não era visto como ente autônomo. Era confundido com a Moral e a Religião, sendo impossível estudar o Direito de forma específica. Mesmo os gregos, na Idade Antiga, não foram capazes de destacar o direito das demais normas sociais. Somente a partir dos estudos dos juristas romanos é que o Direito passou a se apresentar como ordenação e ciência autônoma. A partir daí, o Direito começa a ganhar importância para os estudiosos, sendo que hoje em dia o Direito é uma das ciências humanas mais relevantes para a vida social das pessoas. Ciência prática por excelência, o Direito ordena a sociedade na busca do bem comum.

Ganhando força para os estudiosos, o Direito enseja a criação da Teoria Geral do Direito. Os pesquisadores desta ciência, os doutrinadores, comungam que o Direito possui características peculiares que o distinguem dos demais meios de controle social: a bilateralidade (bilateralidade-atributiva segundo Reale), generalidade, objetividade e coercibilidade. É bilateral porque se apresenta nas relações humanas na forma de obrigações de um lado e pretensão de exigir de outro (credor e devedor, por exemplo). É geral porque se aplica a inúmeros sujeitos que se encontrem sob domínio de um dado Estado. É objetivo porque advém do Estado e obriga indiferentemente da vontade individual (Lex jubeat, non saudeat). Além disso, é coercível porque dispõe do aparato e da força repressiva do Estado para garantir o adimplemento de suas normas. 

Não se pode olvidar que esta última característica do Direito só é legítima se tiver como razão última a garantia da segurança e da justiça sociais. Do contrário, o Direito será utilizado como instrumento de opressão e controle apenas.

 Assim, entende Gusmão, que o Direito é definido como “a garantia da ordem e da paz sociais com o mínimo sacrifício da justiça”.[45] Essa definição de Gusmão quer ressaltar que o Direito é o conjunto de normas que asseguram a ordem e a paz (valor da segurança jurídica), que ao mesmo tempo protegem de um mínimo de justiça razoável. A Justiça é o valor último do Direito, entretanto, não deve ser visado de modo absoluto em detrimento da segurança (a recíproca também é verdadeira), tendo-se que sopesá-los para a existência de um Direito legítimo, senão ideal.

Tal definição aparenta ser perfeita, contudo, não demonstra como o Direito se forma e como ele se estrutura no seio social.

Por isso, é preciso atentar para a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, que parecer ser a teoria que melhor explica o Direito. Como é comum, as melhores definições e conceituações são oriundas da Filosofia, nesse caso da Jusfilosofia.

Para Reale, o Direito possui três aspectos, um normativo (o Direito como sistema de normas), um fático (Direito em sua efetividade social) e um axiológico (o Direito como valor Justiça).[46]Portanto, o Direito possui uma estrutura tridimensional (fato/valor/norma).

No mesmo diapasão, o professor Reale afirma que “desde o aparecimento da norma jurídica – que é síntese integrante de fatos ordenados segundo valores – até ao momento final de sua aplicação, o Direito se caracteriza por sua estrutura tridimensional”.[47]

Nesse sentido, o Direito é explicado da seguinte forma: se um determinado fato social (econômico, geográfico, político, moral, religioso, etc.) em um dado momento histórico se avultar de importância tal para uma sociedade (valor) que tiver necessidade de ser ordenado, de modo integrador entre o fato e o respectivo valor, formar-se-á a norma jurídica. Isto posto, Reale conclui:

Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum numa estrutura tridimensional bilateral atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos e valores.[48]

Em conclusão, conceituado o Direito, partir-se-á, na sequência, para o estabelecimento da correlação entre Direito e o Estado, que é essencial à compressão da estrutura política e jurídica de uma dada sociedade, uma vez que a relação dialética entre estes dois entes institucionalizados formam todo o sistema administrativo e normativo de uma sociedade.


7 RELAÇÃO ENTRE ESTADO E DIREITO

São três as principais teorias que explicam a relação entre o Direito e o Estado: a monística, a dualística e o paralelismo. Antes de proceder ao estudo da relação entre Estado e Direito na doutrina atual, é preciso expor cada uma das citadas teorias na quais os estudiosos se apóiam em suas elucubrações a respeito, a fim de demonstrar a concepção que possui a maioria de adeptos na comunidade científica, bem como tentar explanar de forma sistemática a referida relação.

A teoria monística, também chamada de estatismo jurídico, considera o Direito e o Estado como entes iguais, redudando em confusão entre os dois.

Para os monistas, o direito estatal é o único existente, sendo um de seus defensores Hans Kelsen. Para ele só o direito positivo, ou seja, o direito advindo do Estado é válido, bem como somente os atos estatais só são válidos se apresentados sob formas jurídicas.[49]

De lado diametralmente oposto está a teoria dualística. Também chamada pluralística, a teoria dualística sustenta que o Estado e o Direito são realidades independentes e distintas. Tal teoria defende que o Estado não é a única fonte do Direito, mas só uma categoria delas, pois o Direito é formado por diversas fontes sociais como os costumes, os princípios, que são aplicados em caso de omissão da norma jurídica estatal. Essa teoria propugna, pois, que o Direito é um fato social e não estatal.[50]

Como é comum nas ciências humanas da atualidade, procura-se encontrar o meio-termo para dois extremos teóricos. É assim, pois, que se manifesta a teoria do paralelismo, que comunga da ideia de que o Direito e o Estado são realidades distintas, contudo, interdependentes.

Teve como defensor o jurista e jusfilósofo italiano Giorgio Del Vecchio, que embora defendesse o pluralismo jurídico de um lado, admitia a preponderância do direito estatal, de outro.[51] Assim comentam Cicco e Gonzaga:

Giorgio Del Vecchio apresenta uma graduação da positividade jurídica, reconhecendo a existência de um Direito não estatal, ou seja, existem outros centros de determinação jurídica que não o Estado, embora este seja o principal centro de irradiação do Direito Positivo.[52]

 Para o pleno entendimento da relação entre Direito e Estado é preciso partir de um dos três troncos doutrinários ora explicados. A compreensão da relação entre os dois necessita de uma base teórica na qual irá se assentar.

Com efeito, na relação entre o Estado e o Direito há uma relação de complementaridade. “O Direito emana do Estado e este é uma instituição jurídica”.[53] Nesse sentido, o Estado é “a um só tempo, a fonte irradiadora de Direito e ente garantidor de sua efetiva observância, mediante meios coercitivos.”[54]

Deve-se atentar para o fato de que a intervenção estatal no Direito não se resume à elaboração de leis, mas também aplicar o Direito aos casos concretos com que os homens sociais se deparam na vida civil.[55]

Do mesmo modo, o Estado surge a partir de uma institucionalização normativa do Direito, por presunção de aquiescência do povo. Este, por sua vez, mormente em um Estado Democrático, é o titular do poder constituinte (poder de elaborar a norma fundamental do Estado, a Constituição), cujo poder é exercido mediante mandato político outorgado aos membros do Poder Legislativo, que elaboram as normas jurídicas de um Estado.

Nessa relação entre Direito e Estado é patente a eficácia do direito positivo (ou direito estatal), que decorre do aparelho de segurança estatal, bem como da força do Juridiciário.[56]

O Direito positivo é estatal por excelência e representa, na prática, a relação do Estado e do Direito de forma clara. Todavia, o Estado não pode preterir os direitos fundamentais, os direitos humanos, bem como os princípios gerais do Direito, que configuram o direito natural, uma vez que o fim precípuo do Estado é garantir o bem comum de forma ordenada e direcionada, e sem a consideração dos direitos anteriores ao homem isso é impossível de ser realizado. Assim, o Estado deve ser capaz de fomentar um aparato jurídico cuja estruturação seja um sistema de normas positivas e naturais, que se complementam dialeticamente. Como já se tratou anteriormente, o valor Justiça não é desprezado no seio social, por isso o Estado deve estar atento a aproximar os indivíduos da concretização desse valor.

Reitera-se que o Estado é um instrumento para alcance de fins populares, por isso, o Estado não pode atuar de modo arbitrário na sociedade, utilizando-se da força coercitiva do Direito para se impor de forma discricionária, sob pena de destruição do Estado Democrático e impossibilidade de efetivação do bem comum.

Para tanto, o Estado precisa estar limitado a algum parâmetro, e este parâmetro é o próprio Direito emanado do Estado. Assim, tem-se que o Estado deve estar submetido ao Direito, para que ambos possam atingir seus respectivos fins, surgindo, dessarte, o Estado de Direito.

O Estado de Direito, segundo a maioria da doutrina, é aquele Estado que se subordina ao próprio ordenamento jurídico. Sendo assim, deve-se considerar a personalidade jurídica do Estado, para que este, de fato, obedeça aos ditames jurídicos.  

Sabe-se que a personalidade jurídica “é a qualidade que tem a pessoa de ser sujeito de direitos e de obrigações.”[57] Por conseguinte, o Estado deve ser considerado como pessoa para que tenha deveres jurídicos para com os seus cidadãos, bem como direitos sobre eles. Por exemplo, o Estado possui o direito de cobrar tributos de seus súditos. Em contrapartida, o Estado deve utilizar a arrecadação como forma de desenvolvimento dos bens públicos, tanto culturais, como materiais.

Nesse sentido, infere Dallari que:

A própria natureza dos fins do Estado exige dele uma ação intensa e profunda, continuamente desenvolvida, para que ele possa realizá-los, o que produz, inevitavelmente, uma permanente possibilidade de conflitos de interesses, que serão melhor resguardados e adequadamente promovidos só através do direito. É por meio da noção do Estado como pessoa jurídica, existindo na ordem jurídica e procurando atuar segundo o direito, que se estabelecem limites jurídicos eficazes à ação do Estado, no seu relacionamento com os cidadãos. Se, de um lado, é inevitável que o Estado se torne titular de direitos que ele próprio cria por meio de seus órgãos, há, de outro, a possibilidade de que os cidadãos possam fazer valer contra ele suas pretensões jurídicas, o que só é concebível numa relação entre pessoas jurídicas.[58]

Em conclusão, fica assentado como se dá a estreita relação entre Direito e Estado na ordem social. Dois entes institucionalizados que são instrumentos na busca do bem comum. De um lado o Direito garantidor da segurança e da justiça, de outro, o Estado com seu escopo de assegurar a paz e o equilíbrio social, assim como tornar possível a concretização do bem estar social e do bem coletivo, onde os dois entes trabalham juntos para garantir o bom funcionamento da sociedade.


8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho procurou demonstrar a intrínseca relação entre Estado e Direito, que regula a vida das pessoas na sociedade. Partindo-se da Teoria Geral do Estado e da Teoria Geral do Direito, estudou-se a referida relação de modo sistemático e analítico.

É oportuno reiterar que ao mesmo tempo em que o Direito emana do Estado, este é um instituto jurídico. Portanto, ambos devem ser vislumbrados de modo conjunto, pois em um Estado de Direito, eles atuam desse modo em diversas questões sociais, um ente complementando o outro, embora tanto o Estado quanto o Direito possuam campos de ação próprios de cada um.

No mesmo sentido, o Estado, para que não ultrapasse os limites do bem comum e se torne um fim, é mister que se considere a personalidade jurídica do Estado, de forma que o habilite à contrair obrigações e adquirir direitos, tratando-se do Estado de Direito, ou Estado Democrático de Direito (terminologia usada na Constituição de 1988, em seu art. 1º, caput.). Dessa maneira, a relação de imperium entre Estado e Povo fica regulada pelo Direito e pela Justiça. Assim, o Estado pessoa jurídica, no Estado Democrático de Direito, com o seu poder de imperium sobre o Povo, é capaz de assegurar à sociedade, equilíbrio, paz, segurança e justiça.


REFERÊNCIAS

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Notas

[3] MENEZES, Aderson de.  Teoria geral do Estado.  8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 41

[4] MENEZES, loc. cit.

[5] MENEZES, op. cit., p. 42.

[6] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 65.

[7]DALLARI, op. cit., p. 67.

[8] Ibidem, p. 70.

[9] DALLARI, op. cit., p. 115.

[10] FILOMENO, José Geraldo Brito.  Manual de teoria geral do Estado e ciência política. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 55.

[11] DALLARI, loc. cit.

[12] DALLARI, op cit., p. 116.

[13] DALLARI, op cit., p. 118.

[14] MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 23.

[15] DALLARI, op. cit., p. 95.

[16] FILOMENO, op. cit., p. 66.

[17] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 18ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 348-349.

[18] DALLARI, op. cit., p. 99-100.

[19] DALLARI, op. cit., p. 76.

[20] FILOMENO, op. cit., p. 129.

[21] BODIN, apud DALLARI, op. cit., p. 77.

[22] DALLARI, op. cit.,. p. 79-80.

[23] DALLARI, op. cit., p. 81.

[24] MALUF, op. cit., p. 25.

[25] Ibidem, p. 26.

[26] DALLARI, op. cit., p. 90.

[27] Ibidem, p. 91-93 passim.

[28] CICCO, Cláudio de; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência política. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 53.

[29] DALLARI, op, cit., p. 107.

[30] CICCO, GONZAGA, loc. cit.

[31] FILOMENO, op. cit., p. 47.

[32] FILOMENO, op. cit., p. 48.

[33] Loc. cit.

[34] Ibidem, p. 49.

[35] FILOMENO, op. cit., p. 50.

[36] FILOMENO, op. cit., p. 50-51.

[37] DALLARI, op. cit., p. 134-136 passim.

[38] CICCO; GONZAGA, op.cit., p. 58.

[39] GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 49.

[40] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 239.

[41] GAMA, Ricardo Rodrigues.  Curso de introdução ao direito. Curitiba: Juruá, 2005. p. 51-53.

[42] GUSMÃO, op. cit.,. p. 384.

[43] NUNES, Rizzato. Manual de introdução de estudo ao direito. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 81.

[44] NUNES, loc. cit.

[45] GUSMÃO, op. cit., p. 408.

[46] REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 65.

[47] REALE, op. cit., p. 67.

[48] REALE, op. cit., p. 67.

[49] CICCO; GONZAGA, op. cit., p. 42-43.

[50] MALUF, op. cit., p. 2.

[51] Ibidem, p. 3.

[52] CICCO, op. cit, p. 45.

[53] NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 125.

[54] FILOMENO, op. cit., p. 63.

[55] NADER, op. cit., p. 126.

[56] GUSMÃO, op. cit.,. p. 349.

[57] Ibidem, p. 271-272.

[58]. DALLARI, op. cit., p. 125-126.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULINO, Luan Lincoln Almeida. A relação entre Estado e direito sob os prismas da teoria geral do direito e teoria geral do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4540, 6 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33632. Acesso em: 26 abr. 2024.