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A ausência de manifestação prévia do Parquet Federal nas ações expropriatórias para fins de reforma agrária acarreta a nulidade absoluta do feito

A ausência de manifestação prévia do Parquet Federal nas ações expropriatórias para fins de reforma agrária acarreta a nulidade absoluta do feito

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A intervenção do Ministério Público Federal nas ações expropriatórias para fins de reforma agrária deve ser antes de cada decisão proferida e em qualquer instância e a sua ausência acarreta a nulidade absoluta do feito.

A Lei Complementar nº 76/93, que dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, estabeleceu, em seu art. 18, § 2º, a indispensabilidade de intervenção do Parquet Federal, em ações de desapropriação para o fim de reforma agrária, antes de cada decisão proferida e em qualquer instância.

Diz a referida lei:

Art. 18. As ações concernentes à desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, têm caráter preferencial e prejudicial em relação a outras ações referentes ao imóvel expropriando, e independem do pagamento de preparo ou de emolumentos.

(...)

§ 2º O Ministério Público Federal intervirá, obrigatoriamente, após a manifestação das partes, antes de cada decisão manifestada no processo, em qualquer instância.

   No entanto, alguns Juízos e Tribunais têm solenemente ignorado essa determinação legal e, quando alertados da nulidade absoluta em que incorreram, procuram saná-la, enviando extemporaneamente os autos ao Ministério Público Federal apenas para chancelar decisão já proferida, sem a decretação de nulidade.

Todavia, nos termos da lei, a intervenção do Parquet em ações de desapropriação para fins de reforma agrária deve dar-se antes de cada decisão manifestada no processo, em qualquer instância. É dizer: inclusive nas instâncias extraordinárias, perante a qual atua o PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA.

Saliente-se a menção do dispositivo legal à manifestação prévia do Parquet, vale dizer, “antes de cada decisão manifestada no processo”.

Isso porque é próprio da função de custos legis atribuída ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL o papel de subsidiar – e não meramente chancelar – o convencimento do julgador. Não por outro motivo, a lei exige a oitiva obrigatória do Parquet antes de cada decisão manifestada no processo, em qualquer instância. É dizer: em momento anterior ao pronunciamento judicial, nunca posterior. Por essa razão, a abertura de vistas ao Parquet sem a expressa desconsideração do ato decisório preexistente não o convalida.

Nesse sentido, é a compreensão do órgão judiciário responsável por uniformizar a interpretação do artigo 18, § 2.º da LC n.º 76/1993 em nosso ordenamento pátrio, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, in verbis:

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO PARA REFORMA AGRÁRIA. EXECUÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS ESTABELECIDOS NO TÍTULO EXECUTIVO. EMPREGO DE CORREÇÃO MONETÁRIA NOS TÍTULOS DA DÍVIDA AGRÁRIA (TDAs). NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. DECISÃO RECONSIDERADA. DECISUM AGRAVADO TORNADO SEM EFEITO. DETERMINAÇÃO DE REAUTUAÇÃO DO PRESENTE FEITO EM RECURSO ESPECIAL.

(STJ, AgRg no AREsp 138.677/RO (2012/0016535-5). Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES. Julgado em 04/06/2013, publicado no DJe em 10/06/2013)

EMENTA

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AUSÊNCIA. PROCEDÊNCIA DAS ALEGAÇÕES. AGRAVO CONVERTIDO EM RECURSO ESPECIAL PARA MELHOR EXAME DA CONTROVÉRSIA.

(STJ, AgRg no AREsp 294.394/SC (2013/0031949-6). Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES. Julgado em 21/05/2013, publicado no DJe em 23/05/2013)


Releva notar que mesmo acórdãos turmários vêm sendo tornados sem efeito por aquela Corte Superior nos casos em que não se observa a obrigatória manifestação do Parquet Federal em momento anterior ao ato decisório pertinente. Nesse sentido, por todos, vide o EDcl no REsp 1.273.242/PE (2011/0200662-8)[1].

Ademais, a declaração de nulidade da decisão proferida sem a prévia oitiva do Parquet espelha o posicionamento da PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA consubstanciado no Parecer abaixo transcrito, lavrado pela eminente Subprocuradora-Geral da República ANA BORGES COÊLHO SANTOS acerca de Agravo Regimental no qual se suscitou idêntico vício processual, litteris:

       09.  O douto Relator, Ministro HUMBERTO MARTINS, abriu vista dos autos ao Ministério Público Federal “para que se manifeste quanto ao teor do recurso especial apresentado, bem como quanto ao aventado nas razões do agravo regimental”.

          É o Relatório.

          [...]

14.  Merece provimento o agravo regimental interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA.

       É assente o entendimento nesse Colendo Superior Tribunal de Justiça de que obrigatória a intervenção do Ministério Público nas ações de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, com fundamento no art. 18, § 2º, da Lei Complementar nº 76/93, em razão do interesse público tutelado, sob pena de nulidade.

       Portanto, faz-se necessário que, em sede de juízo de retratação, seja reconhecida a nulidade da decisão que deu parcial provimento ao recurso especial.

          [...]

III

16.  Posto isso, opina o Ministério Público Federal pelo provimento do agravo regimental e não conhecimento do recurso especial.

       É o Parecer, s.m.j.

       Brasília, 03 de julho de 2013.

ANA BORGES COÊLHO SANTOS

Subprocuradora-Geral da República

(Parecer da PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA nos autos do REsp 1.275.072/MT (2011/0207755-1))

   Deveras, sendo a falta de intimação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vício que contamina todos os atos decisórios a partir do momento processual em que deveria se manifestar, impõe-se a desconsideração do r. decisum que não observou essa norma de ordem pública, para que, após a manifestação das partes, mas antes de cada decisão manifestada no processo, o Ministério Público Federal ofereça seu judicioso Parecer.

Isso porque, na dicção do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, liderado pelo Ministro LUIZ FUX, “[o] interesse público, acaso existente por força de lei, implica a intervenção do Ministério Público, sua participação resta obrigatória, indisponível e inderrogável, por se tratar de norma cogente.” (REsp 811.530/RN, Primeira Turma, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 14/04/2008).

A intervenção do Ministério Público nos autos da ação desapropriatória, por determinação da norma, mostra-se imprescindível não apenas por ser fiscal da lei, mas também em razão do interesse público envolvido na matéria debatida, evidenciado pela própria natureza da lide e pela qualidade das partes figurantes nos polos da ação.

O entendimento de que a manifestação do MP deve ser prévia encontra-se hoje cristalizado na jurisprudência daquele Tribunal, a quem, repita-se, a Carta Política atribuiu a missão de uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional, litteris:

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ART. 18, § 2º, DA LC 76/93. NULIDADE. PRECEDENTES.

1. Segundo precedentes deste Superior Tribunal, "a intervenção do Ministério Público nas ações de desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária é obrigatória, indisponível e inderrogável, porquanto presente o interesse público. Assim, a falta de intimação do MP para atuar no feito como fiscal da lei é vício que contamina todos os atos decisórios a partir do momento processual em que deveria se manifestar". (cf.: REsp 932.731/BA, SEGUNDA TURMA, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 31.08.2009 e REsp 1061852/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, PRIMEIRA TURMA, DJ de 28.9.2009).

2. Recurso especial não provido.

(STJ, REsp 1.249.358/RJ (2011/0040132-9). Segunda Turma, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES. Julgado em 20/06/2013, publicado no DJe em 28/06/2013)

Registre-se, ainda, que a interpretação uniformizadora daquela Corte Superior a respeito do artigo 18, § 2.º da LC n.º 76/1993 é no sentido de exigir a intervenção do Parquet mesmo em demandas nas quais se trata de matéria coligada com desapropriação para fins de reforma agrária, como as ações executivas, declaratórias de produtividade e cautelares. Nesse sentido:

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. OBRIGATÓRIA A INTIMAÇÃO PESSOAL COM REMESSA DOS AUTOS PARA MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ANTES DO JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. ART. 18, § 2º, DA LEI COMPLEMENTAR N. 76/93 COMBINADO COM O ART. 41, IV, DA LEI 8.625/93.

1. O § 2º do art. 18 da Lei Complementar n. 76/93 obriga a intervenção do Ministério Público Federal nos processos que versem desapropriação para fins de reforma agrária.

2. A exegese desse preceito normativo denota que a manifestação do Parquet é obrigatória, ainda que seja no bojo de execução de título judicial subjacente à ação expropriatória para reforma agrária, porquanto aquela é consectário desta e representa mero desdobramento do processo cognitivo. Precedentes: REsp 1035444/AM, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 10 de novembro de 2008 e REsp 811530/RN, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 14 de abril de 2008.

3. [...]

4. [...]

5. Recurso especial conhecimento parcialmente e, nessa parte, provido, a fim de anular o julgamento relativo ao recurso de apelação. As demais questões suscitadas ficam prejudicadas.

(STJ, REsp 1.061.852/PR (2008/0115749-7). Primeira Turma, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES. Julgado em 22/09//2009, publicado no DJe em 28/09/2009)

   Assim sendo, a não intervenção do Ministério Público Federal nas ações de desapropriação para fins de reforma agrária configura nulidade absoluta, devendo tal nulidade ser decretada até mesmo de ofício, em respeito aos princípios basilares do processo civil, dentre eles, o Princípio do Devido Processo Legal, insculpido no art. 5º, LV da Constituição federal.

É útil frisar que, ao defrontar-se com pedidos idênticos recentemente formulados pelas partes em vários processos, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL vem acolhendo a preliminar suscitada para determinar a remessa dos autos ao órgão máximo do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com a devida manifestação acerca do Recurso Extraordinário eventualmente interposto[2].

Destarte, a inobservância do artigo 18, § 2.º da LC n.º 76/1993 reclama a anulação de todos os atos decisórios a partir do momento processual em que o Ministério Público Federal deveria se manifestar, sendo de rigor a concessão de vistas ao referido órgão ministerial, para que se manifeste nos autos, após o que deverá ser proferido novo julgamento pelo Juízo ou Tribunal.


REFERÊNCIAS

AgRg no AREsp 138.677/RO. 138.677/RO, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES. Julgado em 04/06/2013, publicado no DJe em 10/06/2013 (STJ, 10 de junho de 2013).

AgRg no AREsp 294.394/SC. 294.394/SC, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES. Julgado em 21/05/2013, publicado no DJe em 23/05/2013 (STJ, 23 de maio de 2013).

BRASIL. Coletânea de legislação e jurisprudência agrária correlata/Organizadores Joaquim Modesto Pinto Junior, Valdez Farias. – Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2007.

BRASIL. Lei 8.629/93 Comentada por Procuradores Federais: Uma contribuição da PFE/INCRA para o fortalecimento da reforma agrária e do direito agrário autônomo/ Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Procuradoria Federal Especializada junto ao INCRA. Brasília: INCRA, 2011.

MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

REsp 811.530/RN. 811.530/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, publicado no DJe em 14/04/2008 (STJ, 14 de abril de 2008).

REsp 1.249.358/RJ. 1.249.358/RJ, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES. Julgado em 20/06/2013, publicado no DJe em 28/06/2013 (STJ, 28 de junho de 2013).

REsp 1.061.852/PR. 1.061.852/PR, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES. Julgado em 22/09//2009, publicado no DJe em 28/09/2009 (STJ, 28 de setembro de 2009).

            - Sítios eletrônicos.

AGU. Disponível na URL: http://www.agu.gov.br/.

INCRA. Disponível na URL: http://www.incra.gov.br/portal/.

STJ. Disponível na URL: http://www.stj.jus.br/.

STF. Disponível na URL: http://www.stf.jus.br/.


[1] Por força da não lavratura de acórdão na espécie, veja-se o andamento processual correspondente colhido no sítio eletrônico do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: “20/03/2014 (16:16hs) Proclamação Parcial de Julgamento: A Turma, por unanimidade, decidiu anular o julgamento do recurso especial para ouvir o Ministério Público Federal, em questão de ordem suscitada pelo Sr. Ministro Relator, dispensada a lavratura de acórdão.” (grifos acrescidos).

[2] Vide, por exemplo, o RE 607.355-AgR/PR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe de 01/08/2013, o ARE 777.618/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 04/12/2013, e o RE 787.122/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, despacho de 21/03/2014.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Jose Domingos Rodrigues. A ausência de manifestação prévia do Parquet Federal nas ações expropriatórias para fins de reforma agrária acarreta a nulidade absoluta do feito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4372, 21 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34894. Acesso em: 23 abr. 2024.