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A psicografia como meio de prova no processo penal brasileiro

A psicografia como meio de prova no processo penal brasileiro

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Conceitos e remissão ao sistema de provas admitidos no direito penal, com argumentos contrários e favoráveis à admissibilidade da Psicografia como meio de Prova em Processo Penal.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por escopo a análise da utilização da psicografia como meio de prova documental no processo penal brasileiro sob o prisma constitucional, tendo em vista os diversos casos públicos em que a mensagem enviada por alguém que já faleceu foi considerada decisiva na absolvição de acusados.

Sem adentrar ao mérito de questões filosóficas, ideológicas e/ou religiosas, se faz mister a análise dos argumentos de renomados juristas que já se posicionaram acerca do tema, favoráveis e contrários.

Inicialmente, será apresentado um estudo dirigido ao instituto das provas no processo penal, bem como a análise legal e doutrinária de cada uma daquelas reconhecidas pela legislação processual. 

 Posteriormente, alguns conceitos inerentes à mediunidade e a psicografia serão demonstrados, além de um breve estudo histórico dos temas, para que o leitor possa compreender o que é a psicografia e qual seu principal objetivo, com base no entendimento de renomados estudiosos acerca do assunto.

 Por fim, para uma melhor compreensão do complexo assunto, serão analisados dois dos nove casos públicos em que a “mensagem do além” figurou como meio de prova e foi decisiva para a absolvição dos acusados, na história do judiciário brasileiro.


DAS PROVAS NO DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

Conceito de prova e considerações iniciais.

 A palavra prova, do latim “probatio”, advinda do verbo “probare”, significa: verificar, inspecionar, examinar, aprovar, argumentar ou confirmar.

 Nas palavras de Vicente Greco Filho, “prova é todo elemento que pode levar o conhecimento de um fato a alguém”[1].                                   

Assim, pode-se dizer, em âmbito processual, que prova é o meio pelo qual a parte atesta a veracidade de um fato que alega.

Em sede criminal, a prova é elemento essencial para que o juiz possa formar sua convicção e proferir seu “decisum”. Neste sentido, para que haja condenação do acusado, por exemplo, deverá haver certeza do magistrado quanto à culpa do réu. Caso inexista esta certeza, o réu deverá ser absolvido, ante a insuficiência do conjunto probatório.

Fernando Capez leciona que:

Sem dúvida alguma, o tema referente à prova é o mais importante de toda a ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. Sem provas idôneas e válidas, de nada adianta desenvolverem-se aprofundados debates doutrinários e variadas vertentes jurisprudenciais sobre temas jurídicos, pois a discussão não terá objeto[2].

Neste sentido, o Código de Processo Penal, em seu artigo 155, disciplina como o magistrado formará sua convicção:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente[3].

Nessa esteira, deve o magistrado buscar a verdade no processo. Contudo, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci:

É preciso destacar que a descoberta da verdade é sempre relativa, pois o que é verdadeiro para uns, pode ser falso para outros. A meta da parte, no processo, portanto, é convencer o magistrado, através do raciocínio, de que a sua noção da realidade é correta, isto é, de que os fatos se deram no plano real exatamente como está escrito em sua petição. Convencendo-se disso, o magistrado ainda que possa estar equivocado, alcança a certeza necessária para proferir a decisão[4].

Sendo certo que o magistrado deve buscar a verdade no processo, este também poderá requisitar determinada prova de ofício, como preconizado no artigo 156 e incisos do Código de Processo Penal:

        Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

        I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

        II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante[5]

Nesse mesmo sentido, ensina José Frederico Marques:

Cumpre ao magistrado cingir-se às provas que se lhe deparam no processo, muito embora tenha poderes e faculdades para determinar a produção dos meios probatórios que entenda úteis à descoberta da verdade[6].

Com efeito, verifica-se que a prova trazida ao processo é elemento essencial para que o magistrado possa julgá-lo de maneira justa e, ainda, possa fundamentar sua sentença, sob pena de nulidade, conforme reza o artigo 93, IX da Magna Carta:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;[7]

Objeto da prova

 Também conhecido como “thema probandum”, pode ser definido como todo fato, acontecimento ou alegação referente ao processo, que mereça ser demonstrado ao magistrado para que, consequentemente, possa formar sua convicção para futura decisão.

Conceituando o tema, assim se expressa José Frederico Marques:

Como o juiz se presume instruído sobre o direito a aplicar, os atos instrutórios só se referem à prova das “quaestiones facti”. O juiz deve conhecer o Direito, obrigação essa que é elementar para o exercício da jurisdição (“jura novit curia”). Donde se segue que, abstratamente falando, constitui objeto de prova tão só o que diz respeito às questões de fato surgidas no processo[8].

Constata-se, pois, que nem todos os fatos necessitam de prova. Via de consequência, fatos que não dizem respeito ao deslinde da causa, não devem ser submetidos à atividade probatória.

A bem da verdade, somente os fatos relevantes necessitam de prova, conforme ensina o professor Vicente Greco Filho: “Além de pertinentes, só devem ser provados os fatos relevantes, que são os que podem influir, em diferentes graus, na decisão da causa (...)”[9].

Existem, ainda, os fatos que independem de prova, quais sejam: fatos axiomáticos ou intuitivos, que são aqueles que são evidentes; fatos notórios, que são aqueles que são de conhecimento da sociedade; presunções legais, que são as conclusões decorrentes da lei; fatos inúteis, que são os fatos que não influenciam na solução da causa.

Contudo, em processo penal, a “contrariu sensu” da área cível, os fatos incontroversos, admitidos pelas partes, estão sujeitos à instrução probatória, sendo certo que o magistrado não está vinculado a aceitar o argumento de que as partes se afirmam contestes, podendo requerer prova daquilo que lhe pareça controverso.

Ademais, para que sejam produzidas provas processuais, existem alguns requisitos, cumulativos, quais sejam: admissibilidade, não podendo ser contrárias ao ordenamento jurídico; pertinência, devendo ter relação ao processo; concludência, visando esclarecer uma questão controvertida; passível de realização, devendo ser possíveis a produção das provas.

Caso a prova não esteja em conformidade com o mencionado anteriormente, poderá ser denegada, nas palavras de Fernando Capez:

(...) se o fato não se inclui entre aqueles que independem de prova, mas, por outro lado, o meio pretendido seja admissível, pertinente, concludente e possível, a prova não poderá ser denegada, sob pena de manifesta ilegalidade, corrigível via correição parcial, dado o “error in procedendo”[10]

Em apertada síntese, o objeto da prova são os fatos pertinentes, relevantes, e não submetidos à presunção legal.

Meios de prova

Meios de prova, como ensina Mirabete “(...)são as coisas ou ações utilizadas para pesquisar ou demonstrar a verdade (depoimentos, perícias etc.)”[11]. Neste sentido, meios de prova é tudo aquilo que sirva para a formação da convicção do magistrado a respeito da veracidade do fato alegado. Abrangendo, pois, todos os elementos históricos inerentes ao fato ou circunstância apontada.       

O Código de processo penal traz os seguintes meios de prova: exame de corpo de delito e outras perícias, o interrogatório do acusado, a confissão, as perguntas ao ofendido e as testemunhas, o reconhecimento de pessoas ou coisas, a acareação, os documentos e a busca e apreensão.

Todavia, um dos princípios que regem as normas do direito processual penal brasileiro é o da verdade real, por este princípio tem-se que não deverá existir qualquer limitação a produção de provas, de maneira que se conclui que o rol constante na lei processual é meramente exemplificativo. É o que explica Vicente Greco Filho: “Outros, porém são admissíveis, desde que consentâneos com a cultura do processo moderno, ou seja, que respeitem os valores da pessoa humana e a racionalidade”[12].

Do exame de corpo de delito e outras perícias

É o exame realizado por peritos nos crimes que deixam vestígios materiais, também chamados de “delicta facti permanentis”, sendo impossível sua realização nos delitos que não deixam vestígios “delicta facti transeuntis”. Na lição de José Frederico Marques:

O exame de corpo de delito é o meio ou o instrumento da verificação do “corpus delicti”, e o termo com que se documenta, devidamente, a investigação para esse fim levada a efeito[13].

O exame de corpo de delito poderá ser realizado de maneira direta ou indireta. Exame de maneira direta é aquele realizado no próprio corpo vitimado pelo delito, como por exemplo, o cadáver, vítima de homicídio. Exame de maneira indireta é aquele elaborado de acordo com a convicção do perito, após ouvir pessoas que presenciaram o fato criminoso. Destarte, esta segunda maneira deverá ser realizada subsidiariamente, sempre que impossível o exame de maneira direta, sob pena de nulidade.

Nesse diapasão, caso inexista a possibilidade da realização do exame de corpo de delito, em decorrência do desaparecimento dos vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta, conforme literalidade do artigo 167 do Código de Processo Penal: “Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”.

Por fim, o exame de corpo de delito é realizado por peritos oficiais, via de regra, em sua falta “por duas pessoas idôneas, escolhidas de preferência as que tiverem habilitação técnica”, conforme disposto no artigo 159 do Código de Processo Penal.

Do interrogatório do acusado

Do latim “interrogare” (“inter”, entre, e “rogare”, pedir), é o momento em que o magistrado questiona e ouve o réu. Sobre o tema, ensina Fernando Capez:

É o ato judicial no qual o juiz ouve o acusado sobre a imputação contra ele formulada. É ato privativo do juiz e personalíssimo do acusado, possibilitando a este último o exercício da sua defesa, da sua autodefesa[14]

O interrogatório do acusado poderá ser realizado não só durante a fase processual, mas também no inquérito policial, no auto de prisão em flagrante, no Tribunal do Júri.

O interrogatório é constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. Para a realização do interrogatório, o magistrado deverá observar os temas das perguntas, observando o disposto no artigo 187 do Código de Processo Penal, “ipsis litteris”:

O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos.

§ 1o Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais.

§ 2o Na segunda parte será perguntado sobre:

I - ser verdadeira a acusação que lhe é feita;

II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou depois dela;

III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta;

IV - as provas já apuradas;

V - se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas;

VI - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido;

VII - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração;

VIII - se tem algo mais a alegar em sua defesa[15].

Imperioso destacar que no interrogatório deverá estar presente o defensor do acusado, constituído ou nomeado. E, ainda, o direito de conversar com seu defensor antes da audiência deverá ser preservado.

Em se tratando de interrogatório, é certo que poderá o acusado exercer seu direito ao silêncio, permanecendo calado diante do interrogatório. Garantia constitucional inclusive, tutelada no inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal, transcrito abaixo:

o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;[16]

Entrementes, ao contar sua versão dos fatos, o acusado certamente fornecerá ao magistrado elementos essenciais para a instrução, podendo, inclusive, refutar todos os fatos a ele imputados.

Da confissão

Pode ser definida como o aceite voluntário do acusado à acusação que lhe é imputada.

A confissão poderá ser simples, quando o acusado reconhece o cometimento de uma única infração penal; qualificada, quando além de reconhecer a infração, opõe um fato impeditivo ou modificativo, como, por exemplo, uma excludente de antijuridicidade; complexa, quando o acusado reconhece mais de uma infração penal; judicial, quando realizada no curso do processo judicial; extrajudicial, aquela realizada em inquérito policial, ou fora do processo; explícita, quando o acusado reconhece de forma espontânea a prática da infração penal e, ainda, implícita, quando o acusado procura minimizar os efeitos causados pela infração penal.

Para Fernando Capez, são fatores determinantes para realização da confissão:

(...) destacam-se o remorso, a possibilidade de abrandar o castigo, a religião, a vaidade, a obtenção de certa vantagem, o altruísmo (representado pelo amor fraterno, paterno etc.), o medo físico, o prazer da recordação etc[17].

Vale salientar a limitação ao convencimento do juiz na apreciação desta prova, isso porque a exposição de motivos do Código de Processo Penal aduz que referida prova não constitui, obrigatoriamente, prova plena da culpabilidade. Portanto, deverá ser sopesada junto ao conjunto probatório, se estiver em consonância com este último.

Das testemunhas

Advinda do latim “testari”, testemunhar significa declarar, revelar, confirmar. A prova testemunhal está prevista no art. 203 do Código de Processo Penal e de acordo com Guilherme de Souza Nucci, testemunha é:

Testemunhas são pessoas que depõem sobre fatos, sejam eles quais forem. Se viram ou ouviram dizer, não deixam de ser testemunhas, dando declarações sobre a ocorrência de alguma coisa. A pessoa que presencia um acidente automobilístico, por exemplo, narra ao juiz os fatos, tais como se deram na sua visão. Lembremos, sempre, que qualquer depoimento implica uma dose de interpretação indissociável da avaliação de quem o faz, significando, pois, que, apesar de ter visto, não significa que irá contar, exatamente, o que e como tudo ocorreu[18].

Dentre as características da prova testemunhal estão a judicialidade, ou seja, deverá ser produzida em juízo; a oralidade, pois o testemunho deverá ser prestado de maneira verbal; a objetividade, expondo fatos relevantes, sem emissão de juízos ou valores acerca dos fatos; a retrospectividade, pois não poderá depor sobre fatos futuros, somente o que presenciou; a imediação, que significa relatar aquilo que captou através de seus sentidos e, por fim, a individualidade, já que o testemunho será prestado de maneira isolada de outros testemunhos.

Dentre os deveres da testemunha destacam-se o comparecimento em local determinado, a identificação anterior ao depoimento, prestar as informações que lhe foram solicitadas e dizer a verdade, sob pena de cometer o crime de falso testemunho.

Do reconhecimento de pessoas e coisas

É o ato pelo qual alguém deverá analisar e, se for o caso, confirmar a identidade de uma pessoa ou coisa que é exibida. O procedimento para o reconhecimento de pessoas e coisas está previsto entre os artigos 226 e 228 do Código de Processo Penal.

Nos ensinamentos de Fernando da Costa Tourinho Filho, para que o reconhecimento seja realizado, se faz necessária uma fusão entre uma imagem presente com uma imagem pretérita:

No reconhecimento há a fusão de uma percepção presente com outra pretérita. A pessoa que procede ao reconhecimento faz uma evocação à reminiscência e procura ver a semelhança entre aquela figura guardada na memória e aquela que lhe é apresentada. Às vezes a memória não é boa, Por outro lado, quanto mais passa o tempo, mais se distancia a lembrança, o que dificulta seriamente o reconhecimento[19].

O reconhecimento, doutrinariamente, subdivide-se em imediato, quando é realizado de pronto, sem maiores reflexões; mediato, quando o reconhecedor necessita de uma análise mais profunda para concluir; analítico, quando o reconhecedor, após, recordar os fatos pretéritos, necessita examinar detalhes da coisa ou pessoa; mediante recordação mental, quando não se lembra com riqueza de detalhes do fato passado e necessita de alguns dias para chegar ao resultado final; direito que é realizado de maneira visual ou auditiva ou indireto, através fotografias, vídeo, sons etc.

Da acareação

Pode ser definido como o confronto entre pessoas com depoimentos conflitantes acerca do mesmo tema. Para Fernando Capez, a acareação é um ato processual que tem por objetivo ofertar ao julgador o conhecimento necessário sobre a verdade fática:

Ato processual consistente na colocação face a face de duas ou mais pessoas que fizeram declarações substancialmente distintas acerca de um mesmo fato (pode ser entre testemunha e testemunha, acusado e acusado, testemunha e vítima etc.), destinando-se a ofertar ao juiz o convencimento sobre a verdade fática, reduzindo-se a termo o ato de acareação (art. 229, parágrafo único). A acareação poderá ser feita a requerimento de qualquer das partes ou ex officio, por determinação da autoridade judiciária ou da polícia[20].

Dentre os pressupostos da acareação destacam-se a necessidade de que os acareados tenham sido previamente ouvidos e que haja conflito entre os depoimentos colhidos, para que possa justificar a determinação de tal ato.

Dos documentos

De acordo com a definição legal, prevista no artigo 232 do Código de Processo Penal, consideram-se documentos “quaisquer escritos, instrumento ou papéis, públicos ou particulares”.

Para Guilherme de Souza Nucci, documento “é toda base materialmente disposta a concentrar e expressar um pensamento, uma ideia ou qualquer manifestação de vontade do ser humano[21]”. Nessa esteira, podem ser considerados como documentos: escritos, fotos, fitas de vídeo e som, desenhos, esquemas, gravuras, disquetes, CDs, dentre outros.

Convém anotar que, por força do que dispõe o artigo 233, “caput”, do Código de Processo Penal, o juiz não poderá admitir a juntada de documentos obtidos por meios criminosos, entendimento este trazido pela Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, que veda a utilização de provas derivadas de provas ilícitas.

Ademais, é certo que, para que seja utilizado como meio de prova, o documento deverá ter sua autenticidade comprovada, para que haja certeza de que o documento provém do autor nele indicado.

Provas ilícitas e ilegítimas

Provas ilícitas são aquelas inadmissíveis em sede processual, conforme disposto no artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Para Fernando Capez, provas ilícitas são aquelas produzidas mediante a prática de crime ou contravenção ou as leis:

(...) serão ilícitas todas as provas produzidas mediante a prática de crime ou contravenção, as que violem normas de Direito Civil, Comercial ou Administrativo, bem como aquelas que afrontem princípios constitucionais. Tais provas não serão admitidas no processo penal[22]

E caso uma prova seja juntada ao processo criminal, a consequência está prevista no artigo 157 da lei processual, que impõe o desentranhamento da prova, ou seja, sua retirada compulsória.

No que concerne as provas ilegítimas, é certo que esta viola normas de natureza processual, sendo igualmente vedadas.

Neste sentido, também leciona Fernando Capez:

Assim, será considerada prova ilegítima: o documento exibido em plenário do Júri, com desobediência ao disposto no art. 479, caput (CPP); o depoimento prestado com violação à regra proibitiva do art. 207 (CPP) (sigilo profissional) etc[23].

Via de consequência, as provas produzidas em caráter de substituição serão nulas e ilegítimas, não podendo ser sopesadas no momento do julgamento pelo magistrado, conforme disciplina o artigo 564, inciso III, alínea b, do Código de Processo Penal.

Conclui-se, portanto, que a prova ilícita ofende norma de direito material ou princípio constitucional, por outro lado a prova ilegítima viola norma de direito processual. Ademais, é certo que a prova ilícita será obtida em um momento anterior à fase processual, enquanto que a prova ilegítima é obtida no momento de sua produção, durante a fase processual.


DA PSICOGRAFIA

Conceito

A palavra “Psicografia”, advinda do grego “psychée” e “graphô”, tem como significado “escrita da alma ou escrita da mente”. Nas palavras de Allan Kardec, psicografia pode ser definida como:

a transmissão do pensamento dos Espíritos por meio da escrita pela mão do médium. No médium escrevente, a mão é o instrumento, porém, a sua alma ou espírito nele encarnado é intermediário do espírito estranho que se comunica[24].

O defensor público Vladmir Polízio, em artigo publicado no site “O Consolador” definiu “psicografia” como: “um dos meios de comunicação utilizados pela espiritualidade para poder expressar-se com os vivos da Terra, pela escrita, através de uma pessoa que seja médium escrevente ou psicógrafo”[25].

Assim, a psicografia é a escrita realizada por alguém com uma capacidade espiritual específica para tal ato, conforme será apresentado posteriormente. Esta escrita é a tradução do pensamento de uma pessoa que morreu, que dita ao escrevente (médium) a mensagem que deseja transmitir.

Ademais, a psicografia pode ser dividida em imediata e mediata, de acordo com a doutrina espírita. A primeira ocorre quando o próprio médium (escritor) escreve normalmente com o lápis, a segunda ocorre quando o lápis é adaptado a um objeto qualquer, servindo como uma sustentação, como por exemplo, uma prancheta ou um cesto. Sendo a primeira forma mais utilizada atualmente pelos médiuns.

Escorço histórico da psicografia

Sabe-se que o surgimento da psicografia ocorreu há muito tempo na sociedade, os primeiros relatos foram por volta do ano de 1850, onde, a partir daí, diversos pesquisadores deram início ao estudo deste “fenômeno”.

Em 1857, tem-se como marco o início da doutrina espírita, uma doutrina que, além do cunho religioso, une a ciência e a filosofia. A partir do surgimento desta doutrina, as escritas mediúnicas recebem o nome de “psicografia”. O precursor deste estudo mediúnico foi Allan Kardec[26].

Em nosso país, o Espiritismo surgiu por volta do ano de 1865, sendo considerado atualmente o país que possui o maior número de adeptos no mundo. Umas das pessoas que mais contribuíram com o desenvolvimento da doutrina no país foi o médium mineiro Francisco Candido Xavier, mais conhecido como Chico Xavier[27].

Da mediunidade

Mediunidade, de acordo com o entendimento da doutrina espírita, pode ser definida como uma capacidade humana de comunicação entre as pessoas vivas e as pessoas que já faleceram, sendo, as pessoas com esta capacidade desenvolvida, denominadas “médiuns”.

Sobre o tema, Chico Xavier, em obra ditada pelo espírito Emmanuel, define mediunidade como:

(...) Sendo luz que brilha na carne, a mediunidade é atributo do Espírito, patrimônio da alma imortal, elemento renovador da posição moral da criatura terrena, enriquecendo todos os seus valores no capítulo da virtude e da inteligência, sempre que se encontre ligada aos princípios evangélicos na sua trajetória pela face do mundo”[28].

Contudo, não se pode olvidar que, para a Doutrina Espírita, todas as pessoas detêm um grau de mediunidade, algumas com menor intensidade, outras com maior. Aliás, este é o entendimento do codificador da doutrina espirita, Allan Kardec:

“Toda pessoa que sente, em um grau qualquer, a influência dos Espíritos, por isso mesmo, é médium. Esta faculdade é inerente ao homem e, por consequência, não é privilégio exclusivo, também são poucos nos quais não se encontrem alguns rudimentos dela. Pode-se, pois, dizer que todo mundo é, mais ou menos, médium. Todavia, usualmente, esta qualificação não se aplica senão àqueles nos quais a faculdade medianímica está nitidamente caracterizada, e se traduz por efeitos patentes de uma certa intensidade, o que depende, pois, de um organismo mais ou menos sensível. De outra parte, deve-se anotar que esta faculdade não se revela em todos do mesmo modo; os médiuns tem, geralmente, uma aptidão para tal ou tal ordem de fenômenos, o que lhes resulta tantas variedades quantas sejam as espécies de manifestações”[29].

Insta salientar que, no tocante à mediunidade, existem diversas espécies de médiuns, isto porque, existem diferentes formas de manifestação dos espíritos, uma vez que existem médiuns que têm ou não aptidão para determinada manifestação, sendo a psicografia uma delas. Porquanto, diante da temática do presente estudo, será analisado o trabalho desenvolvido pelo médium escrevente ou psicógrafo, que é aquele que detém a capacidade de escrever sob a influência de um espírito.

No que tange aos médiuns psicógrafos, sabe-se que, com relação à caligrafia destes, durante a elaboração da psicografia, em alguns casos é alterada substancialmente, prevalecendo, pois, a caligrafia do espírito desencarnado que se comunica. Um grande exemplo destes médiuns foi Chico Xavier, uma vez que em suas cartas sobressaía a grafia do espírito emissor da mensagem.

Da psicografia sob a ótica da grafoscopia

Atualmente, muito se discute se a psicografia poderia ser objeto de perícia grafocópica, contudo, conforme discorrido alhures, há de se levar em conta que nem todos os médiuns produzem mensagens com a grafia predominante do espírito emissor. Neste sentido, o professor universitário e perito Carlos Augusto Perandrea, em sua obra: “Psicografia à Luz da Grafoscopia”, assim posicionou-se:

A mudança de caligrafia só se dá com os médiuns mecânicos ou semimecânicos, porque neles é involuntário o movimento da mão e dirigido unicamente pelo Espírito. O mesmo já não se sucede com os médiuns puramente intuitivos, visto que, neste caso, o Espírito apenas atua sobre o pensamento, sendo a mão dirigida, como nas circunstâncias ordinárias, pela vontade do médium[30].

Aliás, neste mesmo livro, Perandréa analisou uma psicografia emitida por Chico Xavier, em 1978, atribuída ao Espírito de Ilda Mascaro Saullo, sendo que, após a perícia, concluiu o seguinte:

(...) contém, conforme demonstração fotográfica (figs. 13 a 18), em “número” e em “qualidade”, consideráveis e irrefutáveis características de gênese gráfica para a revelação e identificação de Ilda Mascaro Saullo como autora da mensagem questionada[31].

Convém anotar que todos os laudos emitidos por este perito foram reavaliados e confirmados por outros peritos, o que denota um grau confiabilidade no trabalho desenvolvido por Perandréa, dada a importância de tal perícia para eventual utilização destas cartas em processo judicial.

Por fim, com vistas às condições expostas anteriormente, de que nem todos os médiuns possuem a capacidade de psicografar de acordo com a grafia do Espírito emissor da mensagem, conclui-se que a psicografia poderá ser objeto de perícia grafoscópica, uma vez que nela podem ser encontrados traços da grafia do Espírito emissor da mensagem, tendo em vista que, independentemente das convicções filosóficas ou religiosas, para a ciência da grafoscopia não interessa o conteúdo de tal documento, mas sim a análise do teor da grafia e eventual assinatura.

Da psicografia e de sua credibilidade

Uma vez que nem todas as psicografias podem ser objeto da perícia grafotécnica, abre-se margem para discussão da credibilidade das psicografias emitidas por médiuns que não preservam a grafia do Espírito emissor da mensagem.

Sobre esta questão, a advogada Patrícia Gonçalves dos Santos Guedes, em sua obra que analisou casos da psicografia como meio de prova no judiciário, opinou pela identificação da credibilidade do médium, conforme trecho de sua obra:

Portanto, a idoneidade do médium fica ao arbítrio do receptor da mensagem, dos jurados e do magistrado ao aceitar a psicografia como base de uma suposta verdade, pois a honradez e a credibilidade são as questões de foro íntimo que não podem ser medidas pela ciência e, talvez, verificar se o sensitivo faz parte de algum Centro Espírita legalmente constituído, se possui alguma condenação judicial e se não é parte interessada na causa sejam tentativas de confirmá-las ou, pelo menos, minorar a incerteza”[32].

Contudo, há de se convir que, diante dos atuais estudos científicos que apontam a psicografia como um meio de comunicação segura com os mortos, após uma análise minuciosa de sua veracidade, está deverá ser aceita, uma vez que, normalmente, são portadoras de mensagens de amor, esperança e, ainda, conforto às famílias das pessoas que já morreram. Ademais, conforme será demonstrado posteriormente, não viola os princípios constitucionais de nosso Estado, em especial o de sua “laicidade”.


A PSICOGRAFIA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL

Considerações iniciais

 Inicialmente, convém anotar o que dispõe a Constituição Federal de 1988, que veda a produção de provas ilícitas em sede processual, vejamos:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;[33]”

O Código de Processo Penal, por sua vez, em seu art. 155, disciplina que as provas ilícitas, bem como as derivadas das ilícitas, são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais[34].

Nesta esteira, nasce a divergência quanto à possibilidade da utilização da psicografia como meio de prova em processo penal, vez que, para alguns juristas, referida prova seria uma afronta constitucional, pois fere diversos princípios constitucionais, sendo, portanto, uma prova ilícita.

É certo que o tema, inevitavelmente, pode trazer a baila discussões de eminentemente religiosas e até mesmo filosóficas. Entretanto, para uma análise técnica, mister se faz visualizar o “documento psicografia”, além de convicções ou crenças, encarando-o como uma realidade presente no mundo jurídico.

Por outra banda, são grandes as evidências de que a psicografia não se trata de um fenômeno espírita, mas sim um fenômeno da existência humana, muito embora tal fenômeno seja estudado de maneira sistemática pela Doutrina Espírita há muitos anos.

Por fim, é cediço que a psicografia não está prevista no rol da Lei Processual como provas admissíveis. Todavia, a corrente jurídica que defende sua admissibilidade, aponta para enquadrá-la como prova documental, com vistas ao que dispõe o artigo 232 do CPP, que aceita como “documento” quaisquer escritos, instrumentos ou papéis públicos ou particulares.

Psicografia como meio de prova documental

É certo que, pelos que defendem a aceitação da psicografia como meio de prova, esta deve figurar como “documento”, por motivos de exclusão, conforme será demonstrado.

Neste sentido, é o que defende a ilustre advogada, Dra. Michele Ribeiro de Melo, em sua “Psicografia e Prova Judicial”:

Das espécies de prova aceitas pelo direito pátrio compreendemos que a psicografia quando juntada aos autos processuais terá o caráter de prova documental, tendo em vista não se tratar de prova oral, nem tampouco testemunhal[35].

O Desembargador Renato Marcão, em entrevista publicada na obra do defensor público Vladmir Polízio, comunga do mesmo entendimento apresentado acima, vejamos:

O material psicografado apresentado em processo criminal para valoração probatória tem a natureza de “prova documental” que exprime declaração de quem já morreu, e exatamente por isso a prova, quanto à fonte, encontra-se exposta a questionamentos os mais variados.[36]

Indubitavelmente, sendo a psicografia admitida como prova documental, deverá ser submetida às regras concernentes às provas documentais previstas no Código de Processo Penal, podendo, assim, ser impugnada, ser arguida sua falsidade, dentre outros procedimentos previstos.

 Argumentos favoráveis

Certamente, o maior dos argumentos favoráveis para a admissibilidade da psicografia como meio de prova processual é a inexistência de uma norma que a vede expressamente, tanto na Constitucional Federal como no Código de Processo Penal.

E na seara constitucional, é de bom alvitre considerar a regra contida no inciso VI, do art. 5º, da Constituição Federal, que reza: "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias". Infere-se desta norma o princípio da laicidade estatal, ou seja, o estado não possui uma religião oficial, mas respeita todas.

Por conseguinte, o inciso LV, do art. 5º da Magna Carta consagra o princípio do contraditório e ampla defesa que assegura aos litigantes a possibilidade de se defenderem com todos os meios de provas juridicamente aceitos. Portanto, sendo certo que a psicografia, na maioria das vezes, pode ser submetida à pericia grafotécnica, não estaria afrontando o princípio do contraditório.

Neste contexto, as palavras do jurista e professor de direito, Ismar Estulano Garcia, opinando pela aceitação da referida prova:

A apresentação de mensagem psicografada pela defesa, no processo penal, não significa desigualdade de tratamento das partes, porquanto a acusação, também poderá apresentar prova psicografada em desfavor do réu, se for o caso. Pelo princípio processual de igualdade das partes, a defesa deverá ter ciência de tal mensagem, inclusive requerendo, se possível, o exame grafotécnico.[37]

Nesse compasso, o entendimento do Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Jardel de Freitas Soares, em artigo publicado na internet, a carta psicografa é considerada constitucional, conforme exposto abaixo:

(...)a prova psicografada é uma prova Constitucional como qualquer outra, é dizer, possui a mesma importância de uma exumação, de um testemunho, ou até mesmo de uma confissão. O que será levado em conta é se o documento psicografado, desde que devidamente comprovada a sua autenticidade com uma perícia técnica, possui uma harmonia com as demais provas do processo criminal. Em caso positivo, o referido meio de prova será considerado plenamente hábil para elucidar o fato litigioso e servir de motivação para o julgamento do juiz[38].

Desta forma, de acordo com a corrente favorável, os princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa, da igualdade e o devido processo legal não são feridos. E, ainda, sustentam que as partes envolvidas na lide terão o ônus, ao longo da demanda, de impugnar e recorrer das decisões que versem sobre o valor da prova psicografada, concedendo a ambos os litigantes o conhecimento prévio e amplo do conjunto probatório para o devido desfecho do processo.

Argumentos contrários

Pela inadmissibilidade, os principais argumentos são a falta de credibilidade e a falibilidade da psicografia que, em tese, é oriundo de uma religião e, ainda, a possibilidade de fraude do escrevente (médium). No que tange ao aspecto jurídico, a aceitação desta prova contraria o princípio da laicidade do Estado.

Dentre os juristas que já se posicionaram a respeito, merece registro o entendimento do Professor e Desembargador Guilherme de Souza Nucci, que considera o tema como uma medida como uma medida “perigosa”.

O perigo na utilização da psicografia no processo penal é imenso. Fere-se preceito constitucional de proteção à crença de cada brasileiro; lesa-se o princípio do contraditório; coloca-se em risco a credibilidade das provas produzidas; invade-se a seara da ilicitude das provas; pode-se, inclusive, romper o princípio da ampla defesa[39].

Ainda há o argumento de que afrontaria o princípio do contraditório e ampla defesa, tendo em vista que a psicografia não poderia ser submetida ao crivo do contraditório, por ser um prova “sobrenatural”.

Aliás, neste sentido, o professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica se posicionou de maneira semelhante, conforme registrado do livro do Dr. Vladmir Polízio, citado anteriormente, que diz haver uma “descaracterização dos princípios do Estado constitucional moderno”, e ainda prossegue:

Não podem se definir posições sobre casos jurídicos a partir de uma percepção religiosa do mundo. A partir do momento que esses magistrados não conseguem se desvincular é um problema gravíssimo para o Estado de Direito, que parte do princípio de ser um Estado laico e que posições religiosas diversas não podem ser determinantes no processo de decisão jurisdicional[40].

Em suma, conclui-se que, para esta corrente, a utilização desta prova seria inconstitucional, e, ainda, não existe certeza quanto a veracidade das cartas, bem como da fonte de que se originam.

Dos casos concretos                     

De acordo com o Defensor Público Vladmir Polízio, nove foram os casos em que a psicografia figurou como parte do conjunto probatório, e, ainda, em ao menos seis destes casos, as psicografias foram emitidas pelo renomado psicógrafo Chico Xavier:

Dos nove casos conhecidos no Brasil, em que o plano espiritual se empenhou, conforme será constatado a seguir, e até interferiu na condução processual para aplicação da justiça terrena, seis deles foram originados da mediunidade de Frâncisco Cândido Xavier e diretamente ligados à área criminal[41].

Desta feita, a seguir será demonstrado os desdobramentos de dois destes casos, o segundo e o último registrado, uma vez que repercutiram consideravelmente no universo jurídico, sem menosprezo aos demais. São eles: 1º caso - Maurício Garcez Henrique (vítima) e José Divino Nunes (réu – inocentado pelo crime de homicídio); 2º caso – Ercy da Silva Cardoso (vítima), Leandro Rocha de Almeida (réu – condenado) e Iara Marques Barcellos (ré – mandante – inocentada).

1º caso – réu José Divino Nunes (homicídio)

Dos fatos           

Os fatos ocorreram na cidade de Goiânia, no dia 08 de maio de 1976, onde José Divino Nunes, de 18 anos, foi acusado de ter praticado homicídio contra seu amigo Maurício Garcez Henrique, de 15.

Nesta data, os jovens encontravam-se na residência de José Divino para estudar. Nos depoimentos consta que os jovens estavam na cozinha procurando por cigarros, quando Maurício encontrou revolver, do pai de José Divino, na despensa.

Maurício, acreditando ter retirado todos os cartuchos, começou a brincar com a arma. Posteriormente, passou para José Divino, que, acidentalmente, apontou a arma para Maurício disparando-a por duas vezes.

José Divino apresentou-se espontaneamente e colaborou com a reconstituição do crime, sendo certo que a tese de “acidente” coincidia com a do resultado da perícia e reconstituição.

No dia 27 de maio de 1978, 19 dias após o ocorrido, o médium Chico Xavier psicografou uma carta assinada por Maurício, inocentando o amigo José. É certo que a carta trazia em seu conteúdo riqueza de detalhes do malfadado acontecimento e, ainda, continha a assinatura de Maurício, idêntica à assinatura constante em sua identidade.

Do processo

A carta psicografada foi juntada ao processo, sendo certo que os detalhes revelados em seu conteúdo coincidiam com a tese de disparo acidental, apresentada pela polícia. Entretanto, José Divino foi regularmente processado pelo crime de homicídio doloso, autos nº 1.486, 2ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia – GO).

No dia 16 de julho de 1979, o juiz responsável, Orimar de Bastos decidiu, por bem, absolver sumariamente o acusado, fundamentando sua decisão de acordo com o resultado da perícia, mas, também, pela psicografia acostada aos autos, que revelava a inocência do réu.

O Ministério Público, por sua vez, apelou, sendo que, posteriormente, o Tribunal de Justiça de Goiás reformou a sentença absolutória e remeteu ao Tribunal do Júri, sendo que, em 02 de junho de 1980, o acusado foi absolvido por seis votos a um.

Posteriormente, o Ministério Público recorreu. Contudo, o Tribunal de Justiça manteve a absolvição.

A obra “O Justo Juiz, História de uma sentença, de Orimar de Bastos

Em 2011, o juiz responsável pela primeira absolvição de José Divino, Dr. Orimar de Bastos, publicou a obra “O Justo Juiz História de uma Sentença”, em que descreve como se deram os fatos, bem como o que o levou a decidir daquela maneira, contrariando o que, até então, era considerado “direito”.

Em uma passagem da obra relata seus sentimentos à época, vejamos:

O envolvimento a que me vi colocado, posso dizer sem sombra de dúvida, foi fruto do meu próprio destino, ou, então, da própria vida em que vivemos.

O Juiz, aquele que julga, sempre com desejo de aplicar a justiça, no dar a cada um o que é seu, tem que olhar seus semelhantes como a um igual, membros da sociedade em que vive,. Irmãos que são todos os seres viventes na face da Terra. E foi como irmão que olhei a figura do acusado e tive o auxílio e um Poder Superior (...)[42]

Ao final, Dr. Orimar relata uma visita ao médium Chico Xavier, após os acontecimentos, na data de 01 de outubro de 1979, bem como a psicografia recebida e assinada por Dr. Adalberto Pereira da Silva, felicitando-o por sua sentença.

2º caso – réus – Leandro Rocha de Almeida e Iara Marques Barcellos (homicídio)

Dos fatos

Os fatos ocorreram na cidade de Viamão, Estado do Rio Grande do Sul, em 01 de julho de 2003, onde o tabelião Ercy da Silva Cardoso foi assassinado com dois tiros na cabeça, em sua casa. Foram acusados como autores dos crimes Iara Marques Barcellos, ex-esposa da vítima, e Leandro da Rocha Almeida, caseiro da vítima.

Ao ser preso, Leandro confessou que, para realizar o crime, teria agenciado um terceiro para a execução, conhecido pelo apelido de “Pitoco”, e a mandante do crime seria a ex-esposa da vítima. Iara, por sua vez, negou qualquer envolvimento no crime. Ambos foram pronunciados na primeira fase do Tribunal do Júri.

Nesse ínterim, o médium Jorge José Santa Maria, de Porto Alegre, psicografou duas cartas com autoria atribuída à vítima Ercy que inocentavam Iara.

Do processo

Ambas as cartas foram juntadas aos autos pela defesa. O Ministério Público, por sua vez, não impugnou as cartas. Iara foi absolvida por cinco votos a dois.

O “parquet” apelou, alegando nulidade posterior a pronuncia, vez que havia um jurado supostamente suspeito. O processo foi remetido ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e distribuído à 1ª Câmara de Direito Criminal.

Em acórdão publicado em 11 de novembro de 2009, o Tribunal, por dois votos a um, decidiu que não havia motivos para que fosse o caso submetido a novo julgamento.


CONCLUSÃO

O presente trabalho conceituou de forma singela o instituto das provas no processo penal brasileiro, bem como os meios permitidos na legislação processual, com enfoque na prova documental, vez que a psicografia, se admitida, enquadra-se neste meio de prova.

Cumpre esclarecer, que o principal objetivo do trabalho foi trazer ao debate uma situação real na vida profissional dos operadores do direito, tendo em vista que a mensagem psicografada já fora utilizada em diversos processos criminais pelo Brasil.

Após uma análise sobre o tema, com a devida “vênia” aos colegas com entendimento diverso, a admissibilidade da psicografia como meio de prova não fere nenhum dos princípios constitucionais suscitados por alguns estudiosos do assunto.

Nesta esteira, não há que se falar em afronta ao princípio da laicidade do Estado, tendo em vista o caráter científico da carta psicografada que, aliás, na maioria das vezes, poderá ser submetida ao contraditório, que se traduz na perícia grafotécnica. As evidências são gritantes, e inúmeros são os relatórios conclusivos acerca do tema.

Ademais, é certo que, em direito, o juiz formará sua convicção pela livre apreciação das provas. Neste sentido, é certo que a psicografia deverá ser analisada juntamente com o conjunto probatório trazido pela defesa e acusação aos autos, para uma decisão fundamentada em todo o conjunto probatório.

Por fim, é certo que o tema é extenso e ao mesmo tempo apaixonante, dando margem a uma longa discussão, onde todos os argumentos são válidos. Afinal, enquanto não houver uma norma que discipline o assunto, o que nos resta, felizmente, é o debate.


REFERÊNCIAS

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XAVIER, Francisco Candido. O consolador, ditado pelo espírito Emmanuel. 5. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2008.

[1] GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal, p. 211.

[2] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 367.

[3] Código de Processo Penal. Art. 155

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 389

[5] Código de Processo Penal. Art. 156

[6] MARQUES, José Frederico. Elementos do Direito Processual Penal – Volume II, p. 330

[7] Constituição Federal. Art. 93

[8] MARQUES, José Frederico, op. cit., p. 331

[9] GRECO FILHO, Vicente, op. cit., p. 213

[10] CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 374.

[11] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado, p. 454.

[12] GRECO FILHO, Vicente. op cit., p. 214.

[13] MARQUES, José Frederico. op. cit., p. 436.

[14] CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 427.

[15] Código de Processo Penal. Art. 187

[16] Constituição Federal. Art. 5º

[17] CAPEZ, Fernando. op. cit, p. 438

[18] NUCCI. Guilherme de Souza. op. cit. p. 457

[19] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 3, p. 376

[20] CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 459

[21] NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 461

[22] CAPEZ, Fernando. op. cit. p. 371.

[23] CAPEZ, Fernando. op. cit. p. 370.

[24] KARDEC, Allan. Livro de introdução ao estudo da doutrina espírita. São Paulo: Lúmen, 1996, p. 36

[25] POLIZIO. Vladmir. Psicografia. Disponivel em www.oconsolador.com.br/ano7/338/vladimir_polizio.html. Acesso em 05/08/2014

[26] Hippolyte Léon Denizard Rivail (03/10/1804 – 31/03/1869), mais conhecido pelo codinome “Allan Kardec”, foi escritor, professor, cientista e considerado o responsável pela codificação da doutrina espírita e, até hoje, uma das figuras mais importantes para a doutrina. Allan Kardec muito contribuiu com o avanço do estudo da psicografia, uma vez que publicou diversas obras de grande relevância sobre o assunto, algumas, inclusive, com mensagens psicografadas por outros médiuns, já que Kardec não possuía esta faculdade mediúnica, dentre elas: “O Livro dos Espíritos” (1857) e “O Livro dos Médiuns” (1861), “Obras Póstumas” (publicada “post-mortem”) (1890).

[27] Francisco Cândido Xavier (02/04/1910 – 30/06/2002), médium e psicografo, apresentou traços de mediunidade desde a infância. Já na idade adulta, publicou diversas obras, todas psicografadas. Aliás, todas as obras foram atribuídas aos Espíritos, o que, em razão disso, fez com que doa-se os valores recebidos pelas publicações de tais obras. Dentre os principais títulos destacam-se: “Parnaso de Além-Túmulo” (1932), “Crônicas de Além-Túmulo” (1937), “Emmanuel” (1938), “Nosso Lar” (1944), “Religião dos Espíritos” (1960), “Escada de Luz” (1999), dentre muitos outros, todos com uma mensagem de amor e esperança aos homens. Este médium é, também, uma figura marcante na história do judiciário brasileiro, tendo em vista que psicografou diversas mensagens de pessoas falecidas que tiverem destaque em diversos julgamentos criminais, onde, algumas delas, foram determinantes na absolvição dos acusados, em conjunto com outras provas e evidências trazidas aos autos.

[28] XAVIER, Francisco Candido. O consolador, ditado pelo espírito Emmanuel, p. 201.

[29] KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. p. 135.

[30] PERANDREA, Carlos Augusto. A Psicografia à Luz da Grafoscopia. p. 35.

[31] PERANDREA, Carlos Augusto. op. cit. p. 56.

[32] GUEDES, Patrícia Gonçalves dos Santos. A psicografia como meio de prova – O sobrenatural no judiciário brasileiro. p. 41

[33] Constituição Federal. Art. 5º

[34] Código de Processo Penal. Art. 157

[35] MELO, Michele Ribeiro de. Psicografia e Prova Judicial. Editora Lex Magister. São Paulo 2013. p. 174 e 175.

[36] POLÍZIO, Vladmir. A Psicografia no Tribunal. São Paulo. Editora Blutterfly. p. 152.

[37] GARCIA, Ismar Estulano. Psicografia como Prova Jurídica. Goiânia: AB, 2010. p. 312

[38] SOARES, Jardel de Freitas. Disponível em: http:<//www.artigonal.com/direito-artigos/a-psicografia-como-prova-na-solucao-de-crimes-1730554.html>. Acesso em: 20 set. 2014.

[39] NUCCI, Guilherme de Souza. Disponível em: <http://www.guilhermenucci.com.br/artigos/guilherme-nucci/processo-penal/ilegitimidade-da-utilizacao-da-psicografia-como-prova-processo-penal>. Acesso em: 20 set. 2014.

[40] POLIZIO. Vladmir. op. cit. p. 157.

[41] POLIZIO. Vladmir. op. cit. p. 157

[42] BASTOS, Orimar de. O Justo Juiz, História de uma Sentença. Editora Kelps. Goiânia 2011. p. 11/12.



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