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A função “orçamentação”: sua inclusão em projetos de lei sobre licitação.

Ampliando a utilização da função referente à orçamentação na legislação licitatória

A função “orçamentação”: sua inclusão em projetos de lei sobre licitação. Ampliando a utilização da função referente à orçamentação na legislação licitatória

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A Lei 8.666/93 é fraca quando se refere ao tema da orçamentação. Presta-lhe socorro, na medida do possível, o TCU, em sua obra clássica "Licitações e Contratos". O que se pretende é incluir, de forma aberta, a 'orçamentação' no projeto do Dep. Beto Mansur.

Introdução

Em artigo anterior - “Licitação e o desafio da orçamentação: uma função organizacional” - , publicado neste site jurídico, identificava-se a lacuna existente na Lei 8.666/93 quanto à função “orçamentação”, inda que a palavra “orçamento” esteja presente, surpreendentemente, em poucos artigos como o  7º, § 2º, item II, a exigir que “obras e serviços somente sejam licitados quando, existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários.”, e o 40, § 2º, item II[1], corroborando o anterior, ao mencionar  que “constituem anexos do edital,... o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários”.

Anotávamos: “o orçamento é peça chave que viabiliza o processo  licitatório, - seu eixo central - eis que o órgão licitante passa a dispor de referenciais quantitativos – preços -  que identificados previamente à licitação, possibilitam a comparação  com os preços (unitários)  apresentados na proposta da empresa candidata licitante.”, e ainda será “referência às negociações posteriores que venham a ocorrer para a fixação dos preços finais em licitações dos tipos de melhor técnica ou de técnica e preço, como dispõe o artigo 40, item II da mencionada Lei”.

E para as licitações que envolvem preço, sua preparação, através de orçamentos detalhados, é a alma do negócio, para cujo melhor entendimento colabora o próprio Tribunal de Contas da União – TCU -, cristalizando pontos de vista em sua didática obra intitulada “Licitações e Contratos”, edição Maio de 2010, disponível em seu ‘site’.

Assim, ciente de que o preço é a alma do negócio, exige o TCU a necessária precaução no uso de preços médios na orçamentação,  conforme Acórdão 331/2009, transcrito à pág. 80 da didática obra “Licitações e Contratos”, edição de maio de 2010:

“Tome as precauções necessárias para que o orçamento detalhado da obra, previsto no art. 7o, § 2o, inciso II, da Lei no 8.666/1993, não contenha sobre preço em relação aos preços médios de mercado, duplicidade de orçamentação ou serviços cujos quantitativos não correspondam as previsões reais do projeto básico.”

Como mencionado em nosso artigo anterior: “Ao invocar o conceito de “preços médios”, o TCU começa a suprir, ao menos jurisprudencialmente, a lacuna legal com relação à especificação dos preços, eis que a o artigo 40, II da referida Lei apenas menciona “preços unitários”.”

E quando se fala em preço, expresso em números, desloca-se do campo jurídico – e da própria estrutura legal – para alcançar o campo da administração e do marketing, alcançando uma função “orçamentação” que merece estar melhor representada no diploma legal, como exigência elementar ao administrador da coisa pública.

No referido artigo anterior, invocava-se outro Acórdão, - nº 1732/2009 Plenário, pág. 157  da obra citada -, através do qual buscava o TCU melhor gabaritar a coleta de preços referenciais, instruindo:

“Observe anualmente as disposições constantes das leis de diretrizes orçamentarias segundo as quais o “custo global de obras e serviços executados com recursos dos orçamentos da União será obtido a partir de custos unitários de insumos ou serviços iguais ou menores que a mediana de seus correspondentes no Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI), mantido e divulgado, na internet, pela Caixa Econômica Federal” - redação do art. 109 da Lei no 11.768/2008 (LDO para o exercício de 2009) -, salvo quanto as demais hipóteses previstas em lei.

Elabore as composições analíticas de custo de todos os itens que irão compor a Planilha de Preços Unitários - PPU, observando as orientações expedidas no Acordão 198/2007 Plenário, no sentido de que, em consonância com o disposto no artigo 7o, § 2o, inciso II, e § 4o, da Lei no 8.666/1993, aprimore a metodologia de orçamentação utilizada para se chegar aos orçamentos estimativos.

Atente para a distribuição dos custos diretos e indiretos nos diversos itens, de forma que expressem o custo dos serviços a serem executados, com unidades quantificáveis por meio do projeto básico, abstendo-se de utilizar a unidade “verba - vi”, ressalvadas as hipóteses excepcionais, que devem estar devidamente justificadas no respectivo processo.”

Aprimorar a  “metodologia de orçamentação utilizada para se chegar aos orçamentos estimativos”, exige, tanto respostas práticas a tal intenção, quanto o reconhecimento de que ainda não se preencheu, adequamente, a função ‘orçamentação’, quando pensada no atual estado de arte da matéria.

O TCU luta por aprimorar a metodologia, quando chama a atenção em outro Acórdão emblemático - nº 2014/2007 Plenário (Sumário), à pág. 88 da citada obra – aos preços regionais, dizendo:

“Deve a estimativa ser elaborada com base nos preços colhidos em empresas do ramo pertinente ao objeto licitado, correntes no mercado onde será realizada a licitação, que pode ser local, regional ou nacional. Sempre que possível, devem ser verificados os preços fixados por órgão oficial competente, sistema de registro de preços ou vigentes em outros órgãos.

E imprescindível a fixação, no edital, dos critérios de aceitabilidade de preços. unitários e globais, em face do disposto no art. 40, inciso X, c/c o art. 43, inciso IV, da Lei no 8.666/1993.

Não e possível licitar obras e serviços sem que o respectivo orçamento detalhado, elaborado pela Administração, esteja expressando, com razoável precisão quanto aos valores de mercado, a composição de todos os seus custos unitários, nos termos do art. 7º, § 2º, inciso II, da Lei no 8.666/1993, tendo-se presente que essa peca e fundamental para a contratação pelo preço justo e vantajoso, na forma exigida pelo art. 3º da citada lei.”


Preenchendo a lacuna em Projeto de Lei nº 848/15[2] do Deputado Beto Mansur

Ao buscar o “aprimoramento da metodologia da orçamentação”, o TCU se dirige a um público de administradores e de engenheiros e já não mais a advogados, eis que o conceito  e a prática de preços médios  integram  áreas alheias ao direito, como Administração e Marketing; ferramentas capazes de completar o recheio da orçamentação, nas empresas obrigadas a licitar por força de lei. Eis aí a função organizacional, área semelhante  áreas  contábil, financeira, mercadológica ou de auditoria -  os exemplos mais conhecidos da área de administração– e como tal, além de merecer adequada representação na estrutura organizacional, merece destaque no diploma legal que busque dar novo curso à matéria, para inibir um pouco as fraudes que se espalharam em todos os níveis administrativos do país.

E a função orçamentação se constitui num dos pontos que devem ser agregados a qualquer projeto de lei sobre a matéria, trazendo especificamente nosso foco ao Projeto de Lei nº 848/2015 do Deputado Beto Mansur, adiante referenciado, sugerindo-se assim alguns itens para a inclusão na referida proposta.

Leitura que fizemos à proposta do Tribunal de Contas de São Paulo ao projeto de lei sobre licitações em curso no Senado Federal – PLS 559/2013 – objeto do Ofício GP nº 3559/2014, não nos possibilitou identificar ênfases ao item da função orçamentação.


Necessidade de inclusão em Projetos de Lei da função “orçamentação”.

Ao Projeto de Lei do Deputado Beto Mansur – disponível na página da Câmara dos Deputados (Projetos de Lei e outras Proposições) - sugerem-se as seguintes inclusões que enfatizem a função “orçamentação”:

3.1. Incluir no artigo 6º a expressão “orçamentário”, de modo a que orçamentos elaborados anteriormente sejam igualmente consultados pela fiscalização, e assim permaneçam disponíveis, como fotografia daquele momento decisório anterior:

Art. 6º Os órgãos de controle externo e interno promoverão a fiscalização permanente das empresas estatais, quanto à legitimidade, economicidade e eficácia da aplicação de seus recursos, sob o ponto de vista orçamentário, contábil, financeiro, operacional e patrimonial.

1.Incluir ao final do artigo 12 a expressão “baseado em orçamentação técnica” para ampliar a ênfase à função “orçamentação”:

“Art. 12. As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas estatais destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo , baseado em orçamentação técnica.

2.Acrescentar ainda, ao artigo 12 acima, o seguinte item III, estatuindo que a orçamentação seja elaborada por órgão interno independente da área responsável pela contratação:

“III – orçamentação técnica, implica em orçamentação elaborada por órgão interno da empresa contratante que seja independente da área responsável pela contratação.”

3.Acrescentar ao § 1º do artigo 22, subitem explicitando a obrigatoriedade da empresa dispor de área especializada em orçamentação, independente das áreas decisórias e subordinada ao Conselho de Administração ou órgão equivalente:

“Art. 22. Os contratos destinados à execução de obras e serviços de engenharia admitirão os seguintes regimes:

 ....

§ 1º O custo global de obras e serviços de engenharia deverá ser obtido a partir de custos unitários de insumos ou serviços compatíveis com os preços praticados pelo mercado.”

“I. De modo a recolher e identificar preços de mercado, a empresa deverá contar com área específica para tais levantamentos, atuando de forma independente e subordinada a seu Conselho de Administração, ou órgão equivalente.”

4.Explicitar no artigo 30 que a orçamentação integra a primeira fase do processo licitatório:

“Art. 30. As licitações de que trata esta Lei observarão o seguinte sequenciamento de fases:

I – preparação e orçamentação;

5.Acrescentar ao artigo 61 a obrigatoriedade das empresas estatais manterem normas internas relativas também à orçamentação:

“Art. 61. As empresas estatais deverão expedir e manter atualizadas normas internas compatíveis com o disposto nesta Lei relativas à realização de licitações e à celebração de contratos, especialmente quanto a:

...

X – sistemas de orçamentação”.

6.Explicitar a função “orçamentação” na Lei, é a única maneira de se avançar na direção pretendida pelo TCU quanto à clareza licitatória.

O aprimoramento da orçamentação perseguido pelo TCU advirá dos campos da administração e do marketing do ente licitante, desde que a função ‘orçamentação’ esteja isolada e insculpida na legislação e, derivadamente, na estrutura do ente licitante envolvido com licitação.

Mas se a Lei não vem em seu socorro, permaneceremos todos falando “juridiquês”, sem atingir o cerne do problema que é numérico e não verbal.

Os tratadistas em administração e os acórdãos do TCU fazem este grande esforço de verbalizar conceitos que só se expressam adequadamente através de números: eis que a licitação, quando se conclui, não faz outra coisa senão fixar quantidades – de mercadorias ou de serviços – a determinados preços. Ou, apenas números.

Nosso esforço há que ser diligenciar para que os números – vale dizer os preços - surjam não só com clareza, mas adequadamente referenciados aos mercados dos quais fazem parte.

Está-se diante do império da orçamentação e de seus números, e não mais apenas, ou tão somente, diante do império da lei. Esta faz o arcabouço licitatório e sua estrutura: a orçamentação faz o seu recheio decisório: eis a única forma de se avançar neste processo. Daí as sugestões acima. 

Para consulta do Projeto do Deputado Beto Mansur:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1049385    


Notas

[1] “II - uma vez classificadas as propostas técnicas, proceder-se-á à abertura das propostas de preço dos licitantes que tenham atingido a valorização mínima estabelecida no instrumento convocatório e à negociação das condições propostas, com a proponente melhor classificada, com base nos orçamentos detalhados apresentados e respectivos preços unitários e tendo como referência o limite representado pela proposta de menor preço entre os licitantes que obtiveram a valorização mínima;”

[2] Estabelece o estatuto jurídico das empresas estatais, previsto no § 1º do art. 173 da Constituição Federal, inclusive das empresas estatais de que trata o § 1º do art. 177 da Constituição Federal.


Autor

  • Paulo Guilherme Hostin Sämy

    Experiência anterior em bancos, RH, mercado financeiro, comércio exterior e marketing. Eleito Analista do Ano 2004 da Abamec/Apimec - Associação dos Analistas do Mercado de Capitais. Articulista do Monitor Mercantil desde 1998, com temas correlacionados à área financeira, economia e política. Publicação anterior de artigos na revista da ABAMEC,- sobre mercado financeiro - em 'Tendências do Trabalho', então da Editora Suma Econômica - sobre administração - e na revista "Engenho e Arte", sobre alguns aspectos iniciáticos. Vídeos de treinamento publicados através da Editora Suma Econômica: "Criatividade em Equipe" e "O Príncipe: Estratégias de Ataque e Defesa nas Disputas de Poder".

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SÄMY, Paulo Guilherme Hostin. A função “orçamentação”: sua inclusão em projetos de lei sobre licitação. Ampliando a utilização da função referente à orçamentação na legislação licitatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4343, 23 maio 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38192. Acesso em: 19 abr. 2024.