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A aparente inconstitucionalidade quanto à responsabilidade dos sócios na dissolução das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte

A aparente inconstitucionalidade quanto à responsabilidade dos sócios na dissolução das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte

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A situação privilegiada de ME e EPP nem sempre se faz presente. O artigo analisa a extensão da responsabilidade de tais empresas quando da existência de débitos tributários.

A responsabilidade dos sócios na dissolução das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte traz uma aparente Inconstitucionalidade.

Os que militam na área fiscal, seja no polo ativo, seja no polo passivo, deparam-se com uma situação bastante singularizada. A dissolução das Microempresas (MEs) e Empresas de Pequeno Porte (EPPs) com a averbação de distrato, não obstante possuírem pendências com o fisco Federal, Estadual ou Municipal.

A primeira indagação que surge é: como foi possível a averbação do distrato tendo em conta as particularidades? A segunda: qual o alcance das responsabilidades pelos débitos tributários a serem satisfeitos? Objetivando responder a esses questionamentos, impõem-se alguns apontamentos.

De início, afaste-se eventual redirecionamento fulcrado na dissolução irregular da empresa (súmula 435 do STJ[1]), tendo em conta que o desfazimento do empreendimento deu-se de forma regular. Da mesma forma que houve a sua constituição, também houve a sua desconstituição. Portanto, sob tal enfoque, inexiste qualquer responsabilidade, não estando presentes os requisitos legais[2] a ensejar a responsabilização, nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional.

O viés para responder à primeira inquirição passa pela seguinte máxima: as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, quando das suas baixas, estão desobrigadas de apresentar certidões negativas de débitos tributários. Assim, mesmo que devedoras, a Junta Comercial não pode obstaculizar o distrato.

Na dicção do art. 9º da Lei Complementar 123/2006 (Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte):

“O registro dos atos constitutivos, de suas alterações e extinções (baixas), referentes a empresários e pessoas jurídicas em qualquer órgão envolvido no registro empresarial e na abertura da empresa, dos 3 (três) âmbitos de governo, ocorrerá independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, do empresário, da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de que participem”.

A contraponto, impôs-se que a dissolução ocorra “sem prejuízo das responsabilidades do empresário, dos sócios ou dos administradores por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato de extinção”. Assim, apesar de o legislador ter oferecido facilidades no ato de constituição e desconstituição das empresas, cominou que os débitos existentes, sejam antes, sejam depois do término contratual, continuem sendo do empresário, dos sócios ou dos administradores.

Dita responsabilidade vai reforçada pelo §5º do art. 9º do normativo supra, o qual dispõe que “A solicitação de baixa na hipótese prevista no §3º deste artigo importa responsabilidade solidária dos titulares, dos sócios e dos administradores do período de ocorrência dos respectivos fatos geradores”, restando cristalino os encargos de todos os sócios que compunham o empreendimento.

Analisando os efeitos de tais obrigações infere-se que as situações não abrangidas pela norma em comento (diga-se, as demais empresas) possuem situação privilegiada em face das MEs e EPPs. Nestas, as responsabilidades são extensíveis a todo o quadro societário, independentemente se as pessoas envolvidas no empreendimento possuíam cargo de gerência. Naquelas, a responsabilidade recai somente sobre aqueles que exerciam a administração ao tempo da dissolução, caso seja irregular[3].

Extrai-se disso que, apesar da facilidade na desconstituição das empresas catalogadas como MEs e EPPs, o ônus subsequente em muito supera o dos demais empreendimentos.

Assim sendo, o suposto tratamento privilegiado que a norma deveria oferecer às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte[4], ao menos nesse particular, não é feito, na medida em que a norma mostra-se mais rigorosa, surgindo daí nova indagação: se a Constituição Federal, no seu art. 146 da CF/88 destaca que cabe à lei complementar a definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, na medida em que tal não acontece, se comparado com as outras empresas, não estaríamos diante de patente inconstitucionalidade?

A nosso sentir, ou a lei deveria ser mais rigorosa no que atine à responsabilidade em caso de dissolução para aquelas empresas não enquadradas na Lei Complementar 123, ou abrandar as normas de responsabilidade àqueles que compõem o normativo supra, sob pena de subverter o espírito da norma Constitucional.


Notas

[1] Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

[2] PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS MODIFICATIVOS – EXECUÇÃO FISCAL – DISSOLUÇÃO IRREGULAR COM FUNDAMENTO EM CERTIDÃO DE OFICIAL DE JUSTIÇA – SÓCIO-GERENTE – REDIRECIONAMENTO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 135, INCISO III, DO CTN – POSSIBILIDADE. (...) 2. Em matéria de responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, é necessário fazer a distinção entre empresa que se dissolve irregularmente daquela que continua a funcionar. 3. Em se tratando de sociedade que se extingue irregularmente, impõe-se a responsabilidade tributária do sócio-gerente, autorizando-se o redirecionamento, cabendo ao sócio-gerente provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. 4. A empresa que deixa de funcionar no endereço indicado no contrato social arquivado na junta comercial, desaparecendo sem deixar nova direção, comprovado mediante certidão de oficial de justiça, é presumivelmente considerada como desativada ou irregularmente extinta. (EDCL NOS EDCL NO RESP 1089399/MG, REL. MINISTRA ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 15/10/2009, DJE 23/10/2009).

[3] Tal regra somente sofre pequena exceção quando estamos diante de imposto sonegado. Nesse caso a responsabilidade é do sócio-gerente ao tempo do fato gerador.

[4] A título de adendo, a mesma responsabilidade resta imposta ao Microempreendedor Individual (MEI). Conforme prescreve o art. 9º da LC 123/06, nos seus § 10 “No caso de existência de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, o MEI poderá, a qualquer momento, solicitar a baixa nos registros independentemente do pagamento de débitos tributários, taxas ou multas devidas pelo atraso na entrega das respectivas declarações nesses períodos, observado o disposto nos §§ 1o e 2o, acrescentando-se no § 11 do mesmo artigo que “A baixa referida no § 10 não impede que, posteriormente, sejam lançados ou cobrados do titular impostos, contribuições e respectivas penalidades, decorrentes da simples falta de recolhimento ou da prática comprovada e apurada em processo administrativo ou judicial de outras irregularidades praticadas pela empresa ou por seu titular”. 


Autor

  • Leandro Brescovit

    Graduado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Analista Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, lotado na Procuradoria Regional de Caxias do Sul/RS, Pós graduado em Direito Tributário.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRESCOVIT, Leandro. A aparente inconstitucionalidade quanto à responsabilidade dos sócios na dissolução das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4344, 24 maio 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39406. Acesso em: 20 abr. 2024.