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Ministério Público de Contas brasileiro: ser ou não ser, eis a questão

Ministério Público de Contas brasileiro: ser ou não ser, eis a questão

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A melhor interpretação do art. 130 da Constituição é aquela que alberga o máximo de garantias institucionais aos Ministérios Públicos de Contas, em igual extensão às outorgadas a todos os ramos ministeriais.

"To be, or not to be, that is the question:

Whether 'tis nobler in the mind to suffer

The slings and arrows of outrageous fortune,

Or to take arms against a sea of troubles,

And by opposing end them? To die, to sleep,

No more; and by a sleep to say we end

The heart-ache, and the thousand natural shocks

That flesh is heir to: 'tis a consummation

Devoutly to be wished. To die, to sleep;

To sleep, perchance to dream – ay, there's the rub:

For in that sleep of death what dreams may come,

When we have shuffled off this mortal coil,

Must give us pause – there's the respect

That makes calamity of so long life.

For who would bear the whips and scorns of time,

The oppressor's wrong, the proud man's contumely,

The pangs of despised love, the law’s delay,

The insolence of office, and the spurns

That patient merit of the unworthy takes,

When he himself might his quietus make

With a bare bodkin? Who would fardels bear,

To grunt and sweat under a weary life,

But that the dread of something after death,

The undiscovered country from whose bourn

No traveller returns, puzzles the will,

And makes us rather bear those ills we have

Than fly to others that we know not of?”

(William Shakespeare, Hamlet, 1623)

 SUMÁRIO: Introdução. 1. Breve histórico do Ministério Público de Contas. 2. A ADI 789/DF e os precedentes do Supremo Tribunal Federal. 3. Independência funcional e autonomia financeira/administrativa: realidades indissociáveis (poderes implícitos). 4. A terminologia Ministério Público e o sistema ministerial constitucional. 5. Interpretação constitucional e a autonomia do Ministério Público de Contas. 5.1 O direito essencial do membro do Ministério Público de trabalhar numa instituição autônoma 6. Junto não é dentro. Até a interpretação gramatical corrobora a autonomia dos MPCs 7. O constituinte não vedou ao Ministério Público de Contas autonomia financeira e administrativa 8. A geografia constitucional a conspirar em favor da autonomia dos MPCs 9. Interpretação sistemática e teleológica do art. 130. 10. Método tópico-problemático e a solução para ofensas à independência funcional dos Procuradores de Contas 11. O federalismo como um laboratório de experiências legislativas: a questão dos Ministérios Públicos de Contas estaduais autônomos 12. Mutação constitucional, Convenção de Mérida e o reposicionamento do Ministério Público de Contas. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO 

O Ministério Público de Contas é órgão centenário que, com o advento da Constituição Federal de 1988, passou a ter previsão expressa no seu art. 130, norma de extensão que fez por replicar aos membros desse Parquet com atuação especializada perante os Tribunais de Contas o mesmo regime jurídico dos membros do Ministério Público em geral.

A redação econômica e tímida do dispositivo causou – desde a promulgação constitucional – profundas polêmicas interpretativas que vieram a culminar, ainda no começo da década de 90, na propositura da ADI 789/DF, na qual se debateram principalmente três teses contrapostas.

A primeira, sustentada pelo autor da ação, o Procurador-Geral da República, arguia que os Ministérios Públicos de Contas não passavam de mera lotação e procuradoria especializada do Ministério Público regular, devendo ser composto por membros do MPF, no tocante ao ofício no TCU.

A segunda, defendida pela Subprocuradora-Geral Anadyr de Mendonça Rodrigues, que, na qualidade de custos legis, emitiu parecer pela total independência do Parquet de Contas em relação tanto ao Ministério Público Federal quanto ao Tribunal de Contas da União, sustentando, por conseguinte, sua autonomia financeira e administrativa como ancilares ao ofício ministerial.

 E, finalmente, a terceira corrente, que se saiu vencedora, aduzia que, embora o Ministério Público atuante no Tribunal de Contas da União não fossem mera lotação especializada do Parquet Federal, estariam eles inseridos na “intimidade estrutural” da Corte de Contas na qual seus membros oficiassem. Uma espécie de apêndice do TCU, despido de gestão própria e autonomia financeira-administrativa, a despeito de serem garantidas aos seus membros independência funcional.    

Passados mais de vinte anos do julgado, é esta a tese que ainda persiste no seio do Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que o intervalo de duas décadas foram mais que suficientes para evidenciar que cindir as garantias subjetivas dos membros das garantias objetivas da instituição é, mais que um convite à disfuncionalidade do Ministério Público de Contas, uma verdadeira contradição insuperável. As garantias subjetivas só encontram abrigo e terreno para florescer se plantadas no solo fértil das garantias institucionais. São como duas faces da mesma moeda.

Ademais, estão na pauta do dia dos estudos jurídicos e dos anseios da sociedade soluções para o incremento do controle da administração pública, de modo a tributar efetividade no combate à corrupção. Nesse cenário, apresenta-se imperioso fortalecer o Ministério Público de Contas como ator que, por ocupar posição estratégica no cenário institucional brasileiro, tem muito a contribuir se atuar sem amarras ou limitações de ordens externas.

Avultam de importância, outrossim, considerações sobre uma viragem federalista na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que vem reconhecendo que o espaço de criação do direito reservado às unidades federativas são bem-vindos laboratórios de experiência legislativa exitosas a servirem de parâmetro para toda a federação.

Diante do exposto, este trabalho tem como objetivo demonstrar que, à luz da hermenêutica constitucional, não há outra conclusão melhor senão o imbricamento necessário entre independência funcional dos Procuradores de Contas e autonomia financeira e administrativa dos Ministério Públicos de Contas, urgindo que em mutação constitucional o Supremo Tribunal venha a reconhecer ou a autonomia expressa dos Ministérios Públicos de Contas ou, ao menos, a não vedação de que a prerrogativa federalista de auto-organização estadual/distrital venha a criar Ministérios Públicos de Contas locais autônomos.

Para tanto, traçar-se-á inicialmente um breve histórico da atuação ministerial perante os Tribunais de Contas, bem como analisar-se-á a repercussão da nova configuração constitucional dada pela Constituição ao Ministério Público brasileiro. Em seguida, serão analisadas as teses debatidas na ADI 789/DF e a evolução jurisprudencial sobre o tema, para daí desnudá-las diante dos principais métodos, elementos e princípios da hermenêutica constitucional.


1. BREVE HISTÓRICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

Embora a proposta de criação de um Tribunal de Contas para o controle da receita e das despesas públicas remonte ao primeiro Império brasileiro, haja vista o teor do art. 170 da Constituição de 1824[1], foi apenas com o advento da República que a ideia saiu do papel e ganhou vida através do Decreto nº 966-A, de 07 de novembro de 1890, cujo primeiro artigo assentava: “É instituído um Tribunal de Contas, ao qual incumbirá o exame, a revisão e o julgamento de todas as operações concernentes à receita e despeza da Republica”.

O nascedouro do Tribunal de Contas adveio dos ideais republicanos de Rui Barbosa, tendo o “Águia de Haia”[2] fincado, já na Exposição de Motivos da norma, que a funcionalidade dessa nova instituição dependeria de vultosas garantias institucionais.

Disse Rui Barbosa:

A medida que vem propor-vos é a criação de um Tribunal de Contas, corpo de magistratura intermediária à Administração e à Legislatura que, colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil.

A genialidade de Rui Barbosa já faria por prever que um Tribunal encarregado de analisar as contas das maiores autoridades brasileiras só seria verdadeiramente funcional – e não um mero ornato aparatoso e inútil – se colocado em posição autônoma e cercado de garantias contra quaisquer ameaças[3].

A constitucionalização dos Tribunais de Contas seguiu incontinenti na primeira Constituição republicana, a de 1891[4], que tatuou a instituição no histórico constitucional brasileiro.

Por sua vez, o Ministério Público de Contas surgiu com o Decreto nº 1.166, de 17 de dezembro de 1892, que expressamente previu que, dentre os membros do corpo deliberativo dos Tribunais de Contas, um deles atuaria como representante do Ministério Público.

Daí em diante, várias leis e outros atos normativos vieram a incrementar o perfil institucional do Ministério Público de Contas, seja para incluir requisitos na ocupação do cargo de procurador, seja para especificar as atribuições inerentes à função ou instituir a vedação à advocacia privada por seus procuradores.

Foi a Constituição de 1967[5] a primeira a fazer referência, ainda que de forma oblíqua e tímida, a um Ministério Público atuando nos Tribunais de Contas ao referenciar que a Corte de Contas poderia, de ofício ou mediante provocação do Ministério Público (ou das Auditorias Financeiras e Orçamentárias e demais órgãos auxiliares), tomar uma série de medidas caso verificasse a ilegalidade de qualquer despesa.

Justificável que em um ambiente ditatorial, como no qual se formou a Constituição de 1967, houvesse pouco espaço para uma instituição congenitamente de controle como o Ministério Público de Contas, aparentemente igualado naquela oportunidade a uma mera auditoria financeira e orçamentária, presente na intimidade do próprio do Tribunal de Contas.

Por sinal, o próprio Ministério Público comum também recebia tratamento equivalente, já que, longe de ser órgão com a independência financeira e administrativa atuais, estava alocado dentro do Poder Judiciário[6], e responsável, não pela defesa dos interesses da sociedade, mas da União Federal, no caso do Ministério Público da União.

A visão de que o Ministério Público compunha uma espécie de magistratura subalterna ou complementar era tão presente, que em alguns Estados, como o de São Paulo, o Decreto n. 5.179, de 27 de agosto de 1931, permitia que os Promotores Públicos da Capital concorressem com os juízes de direito para o preenchimento dos cargos de juízes de direitos das comarcas de 1ª, 2ª e 3ª entrâncias[7]. Em Pernambuco, por muito tempo o Conselho de Justiça fazia a correção também dos Promotores (art. 65 da Lei n. 2.567/1956). O Ministério Público era visto, assim, como um primo órfão que morava de favor na casa dos tios.

A Constituição de 1969{C}[8]{C}, por sua vez, alocou o Ministério Público comum dentro do Poder Executivo, com os caracteres de uma secretaria especial encarregada de negócios correlatos com a justiça, especialmente a representação em juízo da União (em papel hoje da Advocacia-Geral da União) e o ajuizamento de ações penais.

A rigor, tanto o Ministério Público de Contas quanto o Ministério Publico comum caminharam, antes de 1988, ao sabor das marés políticas de momento, igualando-se na carência de autonomia administrativa e financeira, embora já se reconhecesse aos seus membros independência funcional.

Órgão sem autonomia administrativa ali, órgão sem autonomia administrativa aqui, por que essa era a vontade da Constituição da época[9].

Então, adveio a Constituição de 1988 e tudo mudou (ou deveria ter mudado).

O Ministério Público brasileiro foi laureado com inédita autonomia administrativa e financeira, e os direitos e garantias de seus membros foram analiticamente expostos em equiparação aos dos magistrados, em seção própria dentro do capítulo IV referente às Funções Essenciais à Justiça, do Título IV da Organização dos Poderes.

Por sua vez, o art. 130{C}[10] constitucionalizou de vez o Ministério Público de Contas ao estatuir que aos seus membros estendem-se os direitos, as vedações e as formas de investidura que dizem respeito à Seção do Ministério Público com atuação junto ao Poder Judiciário.

Bem diferentemente de como era previsto na Constituição de 1967 – onde se ombreava a uma mera auditoria intestina do Tribunal de Contas –, o Ministério Público de Contas passou a ser previsto em dispositivo próprio, inserido não na Seção respeitante aos Tribunais de Contas, mas dentro da Seção própria do Ministério Público, em topografia constitucional que muito já indica de sua posição autônoma.

No entanto, o ineditismo do art. 130 da Constituição Federal logo suscitou dúvida. Seria o Ministério Público de Contas uma mera lotação dos membros do Ministério Público em geral? Uma fisionomia própria, com igual configuração jurídica do Ministério Público regular? Ou uma carreira de Procuradores que funcionariam num órgão apêndice dos Tribunais de Contas?

Enquanto no âmbito da União, a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, Lei Federal nº 8.443/92, em primeira reação a tais dúvidas, escolheu criar um Ministério Público rabilongo da estrutura do próprio Tribunal de Contas da União[11], despido de autonomia administrativa e financeira, outras unidades federativas, como o Estado do Pará, captando com sensibilidade a profunda alteração do perfil constitucional dado ao Ministério Público pela Constituição de 1988, editaram leis e regramentos constitucionais em que se passou a prever expressamente a independência administrativa e financeira do Parquet de Contas local[12].

A Lei Orgânica do TCU foi posta em xeque de constitucionalidade.

Estava proposta em 1992 a ADI 789/DF cujo estudo será feito a seguir.


2. A ADI 789/DF E OS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Tão logo editada a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei 8.443/92), foi ela contestada pelo Procurador-Geral da República no ponto em que previa uma carreira ministerial própria a funcionar perante a Corte de Contas Federal.

Argumentou o Procurador-Geral da República que a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União invadiu esfera que não lhe dizia respeito, ao criar um Ministério Público Especial, denominado de “Ministério Público junto ao Tribunal de Contas”, e dispôs sobre o seu regime jurídico. Aduziu o Procurador-Geral da República que a Constituição não criou um Ministério Público próprio e distinto do geral a atuar perante os Tribunais de Contas, à míngua de não estar previsto no rol do art. 128 da Constituição Federal[13].

Assim, para o Procurador-Geral da República, as funções ministeriais haveriam de ser desempenhadas, no caso do Tribunal de Contas da União, pelos membros do Ministério Público Federal, e não por membros de um Ministério Público de Contas inserido na própria estrutura do Tribunal de Contas da União como previa a lei. A ação fulcrava-se especialmente no escólio doutrinário de Hugo Nigro Mazzilli:

O dispositivo do art. 130 será fonte perpétua de dúvidas, dispositivo de péssima técnica legislativa. Apenas para argumentar, se tivesse ele criado um novo Ministério Público, que não o da União nem o dos Estados, e que se destinasse a oficiar junto aos Tribunais e Conselhos de Contas, imperdoável erro técnico teria sido não estar incluído entre os diversos Ministérios Públicos de que trata o art.128; imperdoável, ainda, não tivesse cuidado a Constituição do processo legislativo para sua organização, da escolha de sua chefia, das suas autonomias, da definição de suas atribuições, pois o art. 130 só lhe torna aplicáveis as normas da Seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura. Entretanto, se não criou novo Ministério Público, não deveria dizer que se aplicam as disposições da Seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura, pois que todos os membros do Ministério Público, oficiando ou não junto aos Tribunais e Conselhos de Contas, já teriam evidentemente tais garantias...[14]

Na decisão que negou o pleito cautelar, o Ministro Celso de Mello teceu interessantes considerações sobre a recém-inaugurada fase constitucional do Ministério Público e sua nova institucionalização, dando ênfase à ampliação das garantias institucionais que o novo modelo constitucional trouxe:

Ao apreciar as implicações decorrentes da institucionalização do novo Ministério Público, pude acentuar, nesta Corte, que foram plenas de significação as conquistas institucionais obtidas pelo Parquet ao longo do processo constituinte de que resultou a promulgação da nova Constituição do Brasil. Com a reconstrução da ordem constitucional, emergiu o Ministério Público sob o signo da legitimidade democrática. Ampliaram-se-lhe as atribuições; dilatou-se-lhe a competência; reformulou-se-lhe a fisionomia institucional; conferiram-se-lhe os meios necessários à consecução de sua destinação constitucional, atendendo-se, finalmente, a antiga reivindicação da própria sociedade.

Mais à frente, o Ministro Celso de Mello, seguido por todos os seus pares, fez questão de frisar a ligação íntima entre as garantias institucionais deferidas ao Ministério Público e as garantias funcionais de seus membros, funcionando as primeiras como instrumento para as segundas:

Posto que o Ministério Público não constitui órgão ancilar do Governo, institui o legislador constituinte um sistema de garantias destinado tanto a proteger a instituição quanto a tutelar o membro que a integra. A atuação independente do membro do Parquet impõe-se como exigência de respeito aos direitos individuais e coletivos e delineia-se como fator de certeza quanto à efetiva submissão dos Poderes à lei e à ordem jurídica. É indisputável que o Ministério Público ostenta, em face do ordenamento constitucional vigente, posição especial na estrutura do Poder (grifo nosso).

Nessa oportunidade, concluiu o Ministro Celso de Mello que “a independência institucional constitui uma das mais expressivas prerrogativas político-jurídicas do Parquet. Garante-lhe o livro desempenho, em toda a sua plenitude e extensão, das atribuições que lhe foram conferidas” (grifo nosso)

Vê-se que fincou o STF, na decisão da cautelar, o laço umbilical entre garantias institucionais e garantias funcionais do Ministério Público. Em Português simples, o STF atestou com todas as letras: sem independência institucional não se garante ao membro do Ministério Público toda a plenitude no desempenho de suas nobres funções.

A liminar restou negada à míngua de periculum in mora.

Negada a liminar em 1992, dois anos depois a ADI foi levada a julgamento definitivo.

O parecer da Procuradoria-Geral da República, funcionando na qualidade de custos legis, foi da lavra da Subprocuradora-Geral Anadyr de Mendonça Rodrigues, que trouxe novas luzes ao debate, ao defender ostensivamente não só a autonomia institucional do Ministério Público de Contas em relação ao Ministério Público Federal, como também a sua autonomia institucional referente ao próprio Tribunal de Contas da União, garantindo-lhe autonomia financeira e administrativa.

Assentou a Subprocuradora-Geral no bojo da ADI 789/DF que, no tocante aos membros do Ministério Público de Contas, “se compusessem o quadro do próprio Ministério Público comum, não seria necessário prescrevesse o art. 130 CF, ao fim das disposições alusivas à instituição, que “aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura”.

Concluiu a representante da Procuradoria-Geral da República que a Lei Orgânica do TCU seria inconstitucional por ter investido “contra a autonomia funcional e administrativa que a Carta Magna outorgou ao Ministério Público, em seu art. 127, §2º” (grifo nosso).

No voto final, o relator Ministro Celso de Mello, apesar de repetir a lógica interpretativa de que a independência institucional assegura, em plenitude, o livre desempenho das atribuições que foram conferidas ao Ministério Público, caminhou no sentido de, ao mesmo tempo, preservar a identidade própria do Ministério Público de Contas em relação ao Ministério Público Federal e introduzi-lo, por outro lado, na intimidade estrutural do Tribunal de Contas da União.

Para tanto, o Supremo Tribunal Federal, contrariamente ao que vinha sustentando, cindiu as garantias de ordem subjetiva dos membros do Parquet das garantias de ordem objetiva da instituição, ao defender que, embora a Constituição tenha deferido aos membros do Ministério Público de Contas todos os numerosos direitos previstos no regime jurídico dos membros do Ministério Público comum, não teria, por outro lado, outorgado garantias institucionais ao Ministério Público de Contas.

Inobstante ter o Supremo Tribunal Federal dito, redito e tresdito, seja no julgamento da cautelar, seja no mérito final da ADI 789/DF, da ligação necessária entre independência institucional do Ministério Público e independência funcional de seus membros, em relação aos Procuradores de Contas trilhou inesperado caminho diverso, regalando seus membros de garantias a serem fruídas numa instituição sem fisionomia própria e despida de toda e qualquer respaldo institucional.

Isto é, reconheceu-se um Ministério Público de Contas bem diferente do Ministério Público inaugurado pela nova ordem constitucional e que se assemelhava, para todos os efeitos, a um registro atávico do regime ministerial de antes de 1988.

Finalmente, o Supremo Tribunal Federal clareou sua linha decisória, marcando que preferiu seguir uma linha intermediária dentre os bolsões interpretativos tidos como possíveis, como se percebe de importante aresto do Ministro Relator:

Entendo, na realidade, Sr. Presidente, que o preceito consubstanciado no art. 130 da Constituição reflete uma solução de compromisso adotada pelo legislador constituinte brasileiro que, tendo presente um quadro de alternativas institucionais (outorga ao Ministério Público comum das funções de atuação perante os Tribunais de Contas ou criação de um Ministério Público especial autônomo para atuar junto às Cortes de Contas), optou, claramente, a meu  juízo, por uma posição intermediária, consistente na atribuição, a agentes estatais qualificados, de um status jurídico especial, ensejando-lhes, com o reconhecimento das já mencionadas garantias de ordem meramente subjetiva, a possibilidade de atuação funcional independente, sem que essa peculiaridade, contudo, importasse em correspondente outorga de autonomia institucional ao órgão a que pertencem (grifo nosso).

Nesse viés, restou claro que, na ADI 789/DF, o Supremo Tribunal Federal advogou a tese de que a Constituição não laureou o Ministério Público de Contas com autonomia administrativa-financeira, porém, de outro lado, não firmou a Corte maior que a Constituição teria vedado tais garantias institucionais, e nesse sentido, seria permitido concluir que a opção legislativa tomada na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União não seria inconstitucional, uma vez que dentro de um feixe interpretativo possível da norma do art. 130 da Constituição Federal.

Estava decidida a ADI 789/DF{C}[15], que declarou como constitucional a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União que criou um Ministério Público de Contas próprio e inserido em sua intimidade estrutural.

Chegando até aqui, é importante abrir parênteses.

A decisão tomada na ADI 789/DF, a despeito de apresentar sinais claros de envelhecimento, como se mostrará ao longo deste trabalho, representou à época uma grande vitória do Ministério Público de Contas brasileiro, na medida em que foi reconhecido como um órgão distinto do Ministério Público regular. À época eram pouquíssimos os Procuradores de Contas no país, e o movimento de absorção das funções ministeriais nos Tribunais de Contas pelo Ministério Público regular era esmagadoramente superior à minguada, porém combativa, resistência oferecida pela carreira de Procuradores de Contas existente. Os juízes possuem limitações fáticas que condicionam suas decisões. A realidade concreta tem inequívoco peso no caminho a ser tomado pelos Tribunais. Era pouquíssimo provável que o Supremo Tribunal Federal conseguisse, a partir de uma penada judicial, criar do nada, um órgão pulsante de controle externo, com autonomia administrativa e financeira que jamais tinham exercido. Foi o Supremo Tribunal Federal até onde aparentemente conseguiria ir. Há nítidos matizes pragmáticos na ADI 789/DF. Fechados estão os parênteses.

O precedente firmado na ADI 789/DF foi seguido pouco tempo depois no julgamento de mérito da ADI 160/TO[16]. Interessante destacar, para fins de contextualização, que, no bojo da ADI 160/TO, restou inscrito, na pena do Ministro Sepúlveda Pertence, que “é ínsita à noção de Ministério Público na Constituição brasileira a autonomia funcional, que nada mais significa que a independência em relação a instruções e ingerências dos Poderes do Estado”.

Vê-se que, para o STF da época – frise-se, em momento pouco após a promulgação da Constituição de 1988 –, ao mesmo tempo que a independência funcional era característica indispensável do próprio conceito de Ministério Público, a independência administrativa e financeira, por sua vez, seria um regalo dispensável, uma característica não-imanente.

Tal linha de pensamento ocasionava uma importante consequência interpretativa: se apenas a independência funcional dos membros é ínsita ao conceito de Ministério Público, tudo que for além da independência funcional dos membros haverá de ser previsto expressamente.

Foi esta a lógica que presidiu a confirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nos anos posteriores: à míngua de previsão expressa, não seria o Ministério Público de Contas laureado com garantias institucionais.

É até natural que assim tenha perfilhado o Supremo, já que a independência funcional do Parquet já era consagrada e consolidada muito antes do advento da Constituição de 1988, esta sim novidadeira no que pertine às autonomias administrativas e financeira.

Para os julgadores de um momento recente ao fenômeno constituinte, parece inevitável que a falta de distanciamento temporal dificulte a percepção das muitas mudanças que o recém-inaugurado regime constitucional teria trazido. O advento de uma nova Constituição é muito mais que a adoção de um novo texto, trata-se, na verdade, do recalibramento de valores e princípios sociais que só poderão ser bem captados com o passar dos anos e um novo pálio constitucional. Tirar os óculos da constituição anterior para pôr as novas lentes de 1988 leva tempo e demanda reflexões.

Outro ponto digno de se levar em consideração no julgamento da ADI 160/TO é que sequer a autonomia administrativa e financeira dos Tribunais de Contas era pacífica naquela ocasião, o que dificultava sobremaneira reconhecê-la aos quase inexistentes Ministérios Públicos de Contas.

A dúvida sobre a independência dos Tribunais de Contas é denunciada no voto do Ministro Sidney Sanches ao afirmar que a Constituição do Estado de Tocantins teria ido longe demais, conferindo autonomia administrativa e financeira ao Tribunal de Contas do Estado, prerrogativas que, segundo ele, sequer o Tribunal de Contas da União teria. Ainda se imaginava por muitos naquela ocasião que os Tribunais de Contas eram órgãos subalternos do Legislativo.

Ressalte-se, ainda, que, na ADI 160/TO, o Supremo Tribunal Federal fez por exigir a replicação do modelo de Ministério Público de Contas atuante no Tribunal de Contas da União como obrigatório para os Estados e para o Distrito Federal, privilegiando uma suposta “simetria constitucional” em desfavor do federalismo legislativo como fautor de experiências bem-sucedidas.

Não se conteve o Pretório Excelso em dar por constitucional a opção interpretativa do legislador federal, como vinculou-a a todas unidades federativas.

É, no entanto, na ADI 160/TO que nasce a primeira dissidência resultando em voto em prol da autonomia administrativa e financeira dos Ministérios Públicos de Contas, ou, pelo menos, da desnecessidade das unidades federativas seguirem o modelo federal. Tal voto é da lavra do Ministro Marco Aurélio, que, mudando seu posicionamento firmado na ADI 789/DF, aduziu:

Atente-se para a relevante função do órgão a ser exercida perante as cortes de contas. Não se quis, simplesmente, ver agindo uma simples procuradoria. Partiu-se para a inserção, nesse meio, do próprio Ministério Público, objetivando, com isto, a atividade em tão sensível campo, de órgão que gozasse não só de autonomia funcional, inerente a tal espécie de atuação, como também de autonomia administrativa. Aliás, não vejo como dissociá-las, quando o que se busca, em última análise, é uma atuação equidistante, independente, daqueles que, a rigor, laboram, precipuamente, como fiscais da aplicação irrestrita do que se contém no arcabouço normativo (grifo nosso)

O Ministro Marco Aurélio rebateu com vigor a tese de cisão entre garantias subjetivas e objetivas que respaldou o decisum tomado na ADI 789/DF, fazendo questão de ressaltar que as mencionadas garantias são indissociáveis e que a vontade constitucional seria de construir para atuar nos Tribunais de Contas não uma simples procuradoria, mas sim o próprio Ministério Público com todas suas características imanentes.

Nessa toada, o Ministro Marco Aurélio entendeu como constitucional o texto da Constituição Estadual de Tocantins que previa independência administrativa e financeira ao Ministério Público de Contas, já que não haveria subversão aos mandamentos da Constituição de 1988, e cumprir-se-ia de modo mais eficiente os desideratos constitucionais na criação de um Ministério Público de Contas.

O voto, no entanto, foi vencido, mantendo-se na ADI 160/TO[17], julgada em 1998, desta vez por maioria, e não à unanimidade, o entendimento da ADI 789/DF, com o agravo de, sob a existência de uma suposta exigência de simetria[18], ter o Supremo Tribunal Federal vinculado os modelos estaduais do Ministério Público de Contas ao manejado pela União.

Ainda em 1998, no julgamento da ADI 1.791 MC/PE[19], o STF pareceu avançar um pouco e chegou a admitir uma institucionalidade própria do Ministério Público de Contas, garantindo que cabe ao próprio Parquet de Contas (“à própria instituição”, nos dizeres do Relator) formular a lista tríplice dos nomes a serem escolhidos, pelo Chefe do Poder Executivo, a ascender ao cargo de Procurador-Geral, vedada qualquer interferência do Tribunal de Contas.

Na ADI 2.378/GO, julgada em 2004, além da reafirmação do voto do Ministro Marco Aurélio pela autonomia administrativa e financeira do Ministério Público de Contas[20], aderiu a esse pensamento o Ministro Ayres Britto, que assim subscreveu:

Pois bem, diante dessa pelo menos aparente diversificação de trato normativo-constitucional para as duas tipologias de Ministério Público, parece-me que os questionamentos centrais a fazer só podem ser estes: a Constituição Republicana parificou tão-somente os membros de ambas as espécies de Ministério Público, porque sua real intenção foi a de atribuir relevo sistêmico desigual às respectivas instituições, ou tal igualação não passou de uma simples opção legislativa pro uma estrutura de linguagem mais sintética, restando implícito que somente faz sentido conferir idêntico regime normativo aos membros do Ministério Público Especial se estes puderem atuar sob o guarda-chuva de uma instituição paritariamente forrada de prerrogativas quanto as que vigem para o Ministério Público geral? Creio que o segundo questionamento é que fala por si[21].

Ayres Britto afirmou em seu voto que não foi intenção constitucional tratar diferentemente instituições com igual destinação de defensoras dos interesses sociais e coletivos pelo tão simples fato de um Ministério Público funcionar junto ao Poder Judiciário, e o outro junto aos Tribunais de Contas.

Manteve-se, contudo e uma vez mais, a linha de decisão da ADI 789/DF e da ADI 160/TO.

Mais adiante, em julgados de 2009, precedentes do STF sinalizaram nova evolução ao atestarem, por exemplo, que o Parquet de Contas é “órgão dotado de estrutura própria que confere a mais ampla independência a seus membros”, expressão referenciada na ADI 328/SC[22], da Relatoria do Ministro Ricardo Lewandovski.

Aliás, em parecer jurídico tratando do assunto, Juarez Freitas observa o seguinte:

[...] o Relator da ADI 328/SC não parou na assertiva de que se trata de órgão com estrutura própria. Como que para não deixar dúvida e, ao que tudo indica, numa louvável evolução em relação às teses que a negavam, ou não a reconheciam por inteiro, acolheu a autonomia ampla do Ministério Público de Contas (distinta da independência funcional atinente aos seus membros). Isso porque, consta no voto do Min. Ricardo Lewandowski, com precisão certeira, que a Constituição catarinense, ao admitir que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas fosse exercido por Procuradores da Fazenda, atentou “contra a autonomia da instituição”[23].

Reconheceu-se, portanto, uma autonomia institucional.

O MS 27.339/DF, seguindo uma clara evolução no trato da matéria, manteve a linha de que os Ministérios Públicos de Contas possuem fisionomia própria[24], em contraponto direto e inequívoco ao decidido na ADI 789/DF.

Tais processos, contudo, não trataram diretamente da questão central da autonomia administrativa e financeira, já que seus pedidos e causas de pedir eram outras. Embora sinalizem uma evolução do entendimento do Supremo Tribunal Federal, não podem ser tidos como definidores de uma viragem jurisprudencial definitiva.


3. A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E A AUTONOMIA FINANCEIRA-ADMINISTRATIVA COMO REALIDADES INDISSOCIÁVEIS (PODERES IMPLÍCITOS)

Para negar autonomia financeira e administrativa aos Ministérios Públicos de Contas, o Supremo Tribunal Federal teve que enveredar numa inconsistente cisão entre garantias subjetivas dos Procuradores de Contas (asseguradas) e garantias objetivas do Ministério Público de Contas (negadas).

Contudo, independência funcional e independência institucional são, nas palavras do Ministro Marco Aurélio[25], indissociáveis, ligadas que estão numa relação meio-fim absolutamente necessária.

Sem independência da instituição, nem o mais belo e recheado rol de direitos e garantias funcionais conferidas aos membros do Parquet de Contas serão capazes de ganhar vida e sair do papel: faltar-lhe-ás terreno fértil para florescer e dar frutos.

O membro do Ministério Público, seja o de Contas, ou o comum, só pode atuar com verdadeira independência no bojo de uma instituição igualmente independente, que lhe garanta todos os meios materiais necessários para a consecução de seus deveres/poderes funcionais, como também o resguarde da ingerência indevida de todos aqueles que possam investir em face de suas funções.

Por sinal, a necessidade de autonomia financeira e administrativa dos Ministérios Públicos de Contas mostra-se ainda mais pujante que a do Ministério Público comum, haja vista o Parquet de Contas ter como missão precípua e diária defender os interesses da sociedade na prestação de contas de todos administradores públicos, dentre eles as mais altas autoridades do Poder Público[26], como os chefes do Poder Executivo e seus assessores diretos (ministros e secretários), os chefes das casas legislativas, do Poder Judiciário, do Ministério Público comum, da Defensoria Pública, e, também, a do próprio Tribunal de Contas perante o qual os Procuradores de Contas oficiam.

Isto é, está no círculo cotidiano de seus afazeres verificar a legitimidade, a legalidade e a economicidade de todos os atos e contratos administrativos firmados pelos agentes que compõem o topo da pirâmide estatal, o que muitas vezes pode gerar (e gera!) incômodos na cúpula política do poder público onde atua[27].

Os Procuradores de Contas são, assim, verdadeiros fautores do sistema republicano, já que funcionam como advogados da sociedade na prestação de contas de todos aqueles que vierem a gerir recursos públicos, missão mais que propensa a despertar antipatias e perseguições.

A se enfileirar pela tese de cisão entre as garantias subjetivas (referente ao membro) e objetivas (referente à instituição), conclui-se inevitavelmente que teria sido da vontade da Constituição dotar os Procuradores de Contas de delicadas e importantíssimas funções, bem como de direitos equivalentes aos dos membros do Ministério Público comum, a serem exercidos e vivenciados com dependência direta e total dos Tribunais de Contas perante os quais oficiam, e que, em última instância, são responsáveis, até mesmo, por definir o valores de seus salários, a concessão ou não de férias, a autorização para viagens a serviço, a estruturação de seus gabinetes, o fornecimento de papel, a compra de computadores, a disponibilidade de internet.

Se esta é a interpretação correta, temos que rematar que a Constituição Federal não idealizou apenas um Procurador de Contas, mas sim um sobre-humano e destemido advogado da sociedade, dotado dos deveres e das competências mais relevantes, em ofício propenso a desafiar poderosíssimas autoridades políticas da República, mas despido da possibilidade de comprar papel para sua atuação, destinado a mendigar estrutura de trabalho, política remuneratória e independência funcional a outrem. Quase um Dom Quixote dos tempos modernos a vituperar sua condição de fiscal da lei e da sociedade, mas que sequer pode assinar os cheques que lhe pagam os salários.

E se está franqueado o uso de metáforas, o Ministério Público de Contas tracejado pela ADI 789/DF lembra muito um jovem de 18 anos, que grita a plenos pulmões sua maioridade civil e penal, e sua vasta esfera de direitos políticos, mas que desempregado e sem renda, chega em casa e vive da mesada dos pais. Alguém faticamente incapaz de definir com independência real seu futuro e cumprir seu destino na vida.

Na verdade, o reconhecimento de um Ministério Público de Contas sem autonomia financeira e administrativa é a exaltação de um Ministério Público amputado, absolutamente incapaz de executar com efetividade máxima a portentosa e honrada missão que a constituição lhe deferiu à míngua da gestão de recursos financeiros próprios.

Quem, uma vez mais, bem anotou essa percepção foi Carlos Ayres Britto, ao assinalar que “um Ministério Público sem a compostura de um aparelho substante em si não passa de um aparelho administrativo tão burocrático quanto subalternamente hierarquizado, pra não dizer uma sonora mas quase ornamental nominalidade, uma vez que privado daquela dignidade institucional que tipifica o fenômeno da desconcentração política da autoridade”[28] (grifo nosso).

O permanente e imprescindível enlace entre independência funcional e autonomia financeira e administrativa é unânime na doutrina.

Disserta sobre o assunto Hugo Nigro Mazzilli:

Com efeito, sem autonomia financeira, nem sequer haveria efetiva autonomia funcional. A autonomia orçamentária é complemento necessário da autonomia e da independência funcional. Como anota, com razão, Eurico de Andrade Azevedo, “é evidente, porém, que essa independência funcional (..) só poderá ser exercida eficazmente, só será verdadeira e efetiva se estiver acompanhada de autonomia administrativa e financeira”[29] (grifo nosso).

Aliás, Hugo Nigro Mazzilli, evoluindo seu pensamento, passou a reconhecer a confirmação constitucional de um Ministério Público de Contas próprio e assinalou sua autonomia financeira e administrativa como decorrência lógica do sistema constitucional:

Se foi vontade do legislador constituinte criar um Ministério Público especial – e foi isso o que afirmou o Supremo Tribunal Federal – forçoso seria reconhecer que faltou ao sistema melhor explicitação dos necessários predicamentos de autonomia funcional, administrativa e financeira para essa instituição, assim como já detém os demais Ministérios Públicos ditos comuns. Não o tendo feito por expresso a Constituição de 1988, caberia às Cortes Judiciais, e especialmente à mais alta delas, dentro de uma interpretação sistemática da Lei Maior, reconhecer ao Ministério Público especial os atributos completos de autonomia funcional, administrativa e financeira, sob pena de termos um dos ramos do Ministério Público desfigurado da vocação institucional que a Constituição quis imprimir a essa instituição como um todo[30] (grifo nosso).

Emerson Garcia, em obra específica sobre o Ministério Público brasileiro, assenta ser a autonomia financeira “verdadeira pedra angular da autonomia da instituição e da independência de seus membros, isto porque certamente não passariam de vãos ideários acaso ausentes os recursos financeiros necessários à sua estruturação e manutenção”[31] (grifo nosso).

Uadi Lâmego Bulos também disserta sobre o laço umbilical entre independência funcional e autonomia administrativa:

O estudo dos atributos da autonomia institucional do “Ministério Público de Contas” demonstra a faculdade que os seus integrantes possuem para agir sem mordaças, medos, cabrestos ou receios de qualquer espécie. Se eles gozam dos mesmos direitos e vedações dos membros do Parquet comum, evidente que as suas responsabilidades, e deveres, promanam da magnitude de suas próprias funções institucionais. Suponhamos, a título ilustrativo, que um integrante do Parquet de Contas comece a ser perseguido por defender a observância da cláusula do devido processo legal e de seus respectivos desdobramentos. Perguntamos: a total liberdade de atuação, reconhecida pelo Supremo Tribunal desde a ADIn 160/TO, impediu a atrocidade sofrida pelo representante do “Ministério Público de Contas”? Ora, não basta propalar a plena autonomia funcional do Parquet de Contas. É preciso mais que isso, porque sem autonomia administrativa, orçamentário-financeira, normativa e organizacional o órgão não desenvolverá o seu papel na grandiosidade da missão para a qual foi criado, colaborando, inclusive, no combate à corrupção e à imoralidade pública. Também de nada adianta se reconhecer, num ângulo, que o Parquet de Contas é instituição autônoma em face do Ministério Público comum, da União ou dos Estados, ou do Distrito Federa, e, noutro, negar-lhe fisionomia institucional própria[32] (grifo nosso).

Uma vez mais, Carlos Ayres Britto:

Está implícita no tracejamento de regime jurídico igual no plano subjetivo a outorga de prerrogativas iguais no plano objetivo (que já é de caráter institucional ou colegial). Pois na autonomia administrativa de uma Instituição é que as prerrogativas funcionais de cada qual dos seus membros ganham plena possibilidade factual de expressão. Uma coisa a manter com a outra identidade de natureza, como no dito popular de que “O vento que venta ali é o mesmo que venta aqui”[33] (grifo nosso). 

Igualmente dedicou estudo sobre a temática José Afonso da Silva:

Confesso que tenho muita dificuldade de entender que os membros de um órgão tenham autonomia funcional, individualmente, prerrogativa que compreende a plena independência de atuação perante os poderes, inclusive perante a Corte junto à qual oficiam, sem que o próprio órgão seja igualmente dotado de tal prerrogativa. [...] Pois, se não tiver autonomia administrativa, significa que fica subordinado à estrutura administrativa em que insere. Assim, se falta a autonomia administrativa, seus membros e seu pessoal ficam na dependência de outro órgão, e, conseqüentemente, carecerá daquelas prerrogativas que configuram a autonomia funcional [...][34] (grifo nosso). 

Além da vasta doutrina constitucional e administrativista, o próprio Supremo Tribunal Federal, por mais das vezes, reafirmou a indissociabilidade entre independência funcional do membro do Ministério Público e autonomia administrativa e financeira do Parquet, em precedentes que restaram vencedores na sua jurisprudência.

A título de exemplo, veja-se o teor do julgado tomado na MC ADI 2.513/RN[35], em 2002, na qual ficou lançado com tintas grossas e à unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal que a autonomia financeira e administrativa do Ministério Público são ferramentas imprescindíveis para uma atuação verdadeiramente independente dos seus membros.

Nessa toada, asseverou o Ministro Celso de Mello que “A autonomia do Ministério Público [...] visa a um só objetivo: conferir-lhe, em grau necessário, a possibilidade de livre atuação orgânico-administrativa e funcional, desvinculando-o, no quadro dos Poderes do Estado, de qualquer posição de subordinação [...]” (grifo nosso).                          

Continuando, o Ministro Celso de Mello referencia que:

A outorga constitucional de autonomia, ao Ministério Público, traduz um natural fator de limitação dos poderes dos demais órgãos do Estado, notadamente daqueles que se situam no âmbito institucional do Poder Executivo. A dimensão financeira dessa autonomia constitucional - considerada a instrumentalidade de que se reveste - responde à necessidade de assegurar-se, ao Ministério Público, a plena realização dos fins eminentes para os quais foi ele concebido, instituído e organizado (grifo nosso).

Daí arremata o Ministro de forma indisputável: 

Sem que disponha de capacidade para livremente gerir e aplicar os recursos orçamentários vinculados ao custeio e à execução de suas atividades, o Ministério Público nada poderá realizar, frustrando-se, desse modo, de maneira indevida, os elevados objetivos que refletem a destinação constitucional dessa importantíssima Instituição da República, incumbida de defender a ordem jurídica, de proteger o regime democrático e de velar pelos interesses sociais e individuais indisponíveis (grifo nosso). 

De fato, como bem assinalou o Ministro Celso de Mello, sem que se disponha de orçamento próprio, o Ministério Público nada poderá realizar, frustrando-se, desse modo, sua missão constitucional.

É evidente que toda essa linha argumentativa, pela igualdade de razões, pode e deve ser transportada, sem qualquer prejuízo, para o Ministério Público de Contas.

São oportunas as indagações de Michael Reiner[36]:

Caso se assente negativamente para o MPC (a autonomia institucional), o que impedirá que se desenvolva entendimento de que não se trata de uma garantia essencial (ontológica) do próprio Ministério Público, a exemplo do que ocorria em seu desenho anterior a 1988? O panorama aqui descrito reverbera, de fato, no discurso de unidade do Ministério Público brasileiro, recém noticiado?

Ou o Ministério Público que oficia no Controle Externo é uma locução equivocada da Constituição Cidadã e uma ilusão de ótica do STF, não se tratando, em desafio à objetividade jurídica, de Ministério Público?

Com efeito, se o Ministério Público comum não pode curar de seus deveres constitucionais sem orçamento próprio, por que haveria de conseguir esta façanha o Ministério Público de Contas?

Aliás, perfeitamente suscitável aqui a tese dos poderes implícitos[37] (implied powers), useira e vezeira na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que consiste em reconhecer que, para o desencargo dos vultosos deveres constitucionais a qual fora laureado o Ministério Público de Contas, deferiu a Constituição, mesmo que implicitamente, igual carga de poderes do qual a independência administrativa e financeira estão marcados com a nota de imprescindibilidade.

Sem autonomia financeira e administrativa, a independência funcional vira obra de ficção científica, uma quimera do Supremo Tribunal Federal a empalidecer as funcionalidades e a própria razão de ser de um Ministério Público de Contas. O sistema de controle externo não encaixa, impossibilitando a plena efetividade da função ministerial no ofício perante os Tribunais de Contas em prejuízo à sociedade, ao erário e ao combate à corrupção.


4. A TERMINOLOGIA “MINISTÉRIO PÚBLICO” E O SISTEMA CONSTITUCIONAL MINISTERIAL

A falta de previsão constitucional expressa de autonomia financeira e administrativa do Ministério Público de Contas não é argumento que convença para sua negativa, ou, ainda pior, para sua proibição pelo Supremo Tribunal Federal.

Isso porque a mera terminologia empregada pela Constituição “Ministério Público” já faz por estender automaticamente o regime jurídico ministerial ao Ministério Público de Contas, na premissa de que a coincidência de nome revela uma coincidência de substância e de características. Afinal, para que serve nominar e rotular as coisas senão para identificá-las a partir de um conceito comum e próprio?

Hoje, a autonomia financeira e administrativa são dados essenciais da própria caracterização e definição terminológica do Ministério Público brasileiro, e, por assim dizer, são pilastras inafastáveis para o exato uso do termo.

Falar de Ministério Público brasileiro, seja qual for seu ramo e atuação, sem autonomia financeira e administrativa, é exatamente o mesmo que designar de avião um veículo sem asas. Um disparate vernacular!

Se desejasse a Constituição um Ministério Público de Contas capenga e claudicante de garantias institucionais, seria o caso de abrir exceção expressa na norma, em redação que viesse a amputá-lo inequivocamente de autonomia administrativa e financeira, visto que toda norma de exceção há de ser interpretada restritivamente[38].

Tendo usado o termo “Ministério Público” a presunção é que transferiu a Constituição a esse órgão ministerial o vasto regime jurídico que ela mesma havia delineado em relação ao sistema Ministério Público em geral.

Compondo tais características parte da conceituação do vocábulo, reiterá-las em relação ao Ministério Público de Contas apenas albergaria um enfadonho exercício de repetição normativa vã e inútil.

O que se verifica, no entanto, é que a vetusta jurisprudência do Supremo inverte a milenar lição interpretativa e acaba, no final das contas, por exigir que haja menção expressa à autonomia financeira e administrativa, quando tais caracteres já fazem parte do próprio conceito de Ministério Público inaugurado pela Constituição de 1988.

Nada mais incorreto.

A regra geral da Constituição de 1988 é que se é Ministério Público, é dotado de independência financeira e administrativa. Aqui, eventual economia das palavras constitucionais milita em prol do Parquet de Contas, pelo simples fato de ser Ministério Público, jamais o contrário.


5. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E A AUTONOMIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS 

A interpretação jurídica é a busca da excelente captação do texto normativo (ou outros elementos normativos) pelo aplicador do direito. A tarefa de interpretar um texto jurídico é tão fundamental para o Direito, que hoje há certo consenso que a norma jurídica em si é o resultado da interpretação do jurista sobre o texto normativo. Isto é, só existe norma jurídica interpretada por ser exatamente a interpretação que transforma o texto normativo de um emaranhado de palavras a uma norma jurídica exigível que vai repercutir na vida das pessoas e cumprir sua função social.

Todo um ramo da ciência jurídica nasceu com o anseio de desvendar e estudar os meandros da interpretação jurídica, conferindo cientificidade a essa atividade essencial para o fenômeno jurídico. Estava criada a hermenêutica jurídica.

A consolidação do constitucionalismo como expressão máxima do Direito nacional e da Constituição como centro gravitacional do sistema jurídico veio a trazer importantes repercussões no estudo da hermenêutica jurídica, incentivando estudo voltado especificamente para a interpretação das normas constitucionais e sua exata captação, desenvolvendo-se a partir de então uma hermenêutica constitucional.

A própria estrutura da norma constitucional – normalmente de textura aberta e farta no manejo de princípios jurídicos e de conceitos jurídicos indeterminados – e a sua superior missão de levar o Direito às relações políticas, disciplinando a partilha e o exercício do poder, bem como impondo o respeito aos direitos fundamentais e de cidadania[39], impôs um novo pálio interpretativo que bem aproveitasse a potencialidade constitucional e a sua exata tradução normativa, cônscios de que essa tarefa, no âmbito constitucional, acaba por extrapolar os limites da mera argumentação jurídica, devendo trazer à baila considerações também sobre a separação dos poderes, os valores éticos da sociedade e a moralidade política[40].

Neste ponto, toma-se como norte as lições de Juarez Freitas que estatui:

Ademais, nunca é demais salientar que o texto da Constituição apenas se torna significativo na sua interação com o intérprete, motivo pelo qual não deve ser visto como mero objeto, porém, antes, como significado resultante da construção a partir do texto. Precisamente: não se esposam posturas exclusivamente historicistas, nem disjuntivistas, monológicas ou de relativismo cético, em função do papel constitutivo do intérprete, especialmente do intérprete constitucional, na geração da identidade e na decifração do que é o melhor para o sistema[41] (grifo nosso).

A interpretação do art. 130[42] da Constituição Federal enquadra-se exatamente nessas peculiaridades das normas constitucionais, o que demanda um estudo específico através dos métodos, elementos e princípios de interpretação constitucional mais consagrados pela doutrina.

5.1. O método hermenêutico clássico e o direito do membro do Ministério Público de Contas de trabalhar numa instituição autônoma. 

Embora a hermenêutica constitucional tenha enveredado por métodos e princípios próprios, ela também se vale dos estudos já desenvolvidos no âmbito da hermenêutica jurídica clássica, com ênfase nos elementos de interpretação de Savigny – gramatical, histórico, lógico e sistemático – aos quais se agregou o elemento teleológico de Ihering[43].

Debruçando-se sobre o teor da decisão tomada na ADI 789/DF, e recordando alguns de seus excertos já transcritos no tópico II deste artigo, percebe-se a proeminência de dois elementos interpretativos da hermenêutica clássica que tomaram à proa dos debates e acabaram prevalecendo: o gramatical e o histórico.

De fato, em razão de o art. 130 da Constituição Federal ter redação direcionada “aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas”, o Egrégio Supremo Tribunal Federal entendeu que os direitos e garantias só seriam extensíveis, efetivamente, aos membros do Ministério Público de Contas, mas não à instituição em si. Haveria ali uma extensão meramente subjetiva de prerrogativas.

Tal linha interpretativa resta meridianamente clara ao longo de todo acórdão, tomando-se a título de exemplo o excerto presente às fls. 275-276 do decisum:

A extensão constitucional determinada pelo art. 130 da Carta Política, que tem por únicos destinatários os membros integrantes da Procuradoria que atua perante o Tribunal de Contas da União, não implicou, contudo, e no que se refere a esses servidores públicos, a necessidade formal de edição de lei complementar para a proclamação dos direitos, vedações e demais prerrogativas [...].

Ocorre que é sabida e consabida a insuficiência do elemento meramente gramatical na interpretação jurídica, havendo na literatura, como nos lembra Barroso, uma série de antológicas passagens acerca das limitações que a interpretação literal encerra[44].

Na verdade, deve-se tomar o elemento gramatical como apenas o início da tarefa interpretativa já que o texto servirá para delinear uma moldura de intelecções possíveis, sendo, entretanto, insuficiente tirar da gramática toda a potencialidade normativa. Como ensina Juarez Freitas, “A boa interpretação da Carta procura zelar pela vitalidade do sistema, sem desprezar o texto, mas indo além dele, quando necessário, como requer o próprio texto constitucional”[45].

Além do mais, o elemento gramatical ganha maiores dificuldades na interpretação constitucional, haja vista o manejo pelas normas constitucionais de termos e conceitos jurídicos indeterminados. O uso de termos vagos incrementa a participação do intérprete na criação da norma jurídica.

O art. 130 da Constituição Federal incide nessas peculiaridades ao utilizar-se de expressões como “direitos”, “vedações” e “prerrogativas” que comportam significantes e significados mais ou menos elásticos.

Nessa senda, é perfeitamente extraível do texto constitucional que o principal direito de um membro do Ministério Público é trabalhar em uma instituição autônoma que lhe garanta o exercício excelente de suas funções e o agasalhe contra investidas externas, já que todos os direitos previstos na Seção do Ministério Público são meramente ancilares a uma atuação independente de seus membros.

Assim se defende porque, pondo uma lupa no rol dos direitos dos membros do Ministério Público e da magistratura (extensível aos do Ministério Público em razão do § 4º do art. 129 da Constituição Federal)[46] percebe-se que estão voltados todos, ou quase todos, a membros de uma instituição que tem a capacidade de se autogerir e administrar[47], como não nos deixa mentir o rol a seguir:

1.      a previsão da promoção de concurso próprio pela própria instituição para o ingresso na carreira (inciso I do art. 93),

2.      a promoção de seus membros a ser definida pela própria instituição (inciso II do art. 93),

3.    a previsão de cursos de aperfeiçoamento realizados por uma escola nacional (inciso IV do art. 93),

4.      a fixação dos vencimentos de seus membros por iniciativa da instituição (inciso V do art. 93),

5.      o regime previdenciário específico (inciso VI do art. 93),

6.    regras de remoção (inciso VII do art. 93),

7.     a necessidade de motivação de suas decisões administrativas (inciso X do art. 93),

8.      a previsão de feriados, férias e do expediente (inciso XI do art. 93),

9.     a fixação do número de membros do órgão (inciso XII do art. 93) e

10.  a delegação a servidores do órgão para a execução de atos de administração (inciso XIV do art. 93).

São todos esses direitos citados aplicáveis aos membros do Ministério Público regular, e por conseguinte aos membros do Ministério de Contas, pressupondo todos eles a auto-administração e auto-gestão do órgão ministerial.

A rigor, é impensável a promoção de membros, a fixação de vencimentos, a edição de decisões administrativa e a delegação de atos de administração se o órgão não tem qualquer ingerência administrativa própria, agindo à ribalta de outrem, no caso, os Tribunais de Contas.

Reforça essa linha de pensamento, o fato das principais garantias dos membros dos Ministérios Públicos, como a inamovibilidade, a irredutibilidade do subsídio e a vitaliciedade, e as mais notáveis vedações, como a de não exercer a advocacia, serem objeto de ulterior regulamentação por intermédio de lei complementar de iniciativa dos Procuradores-Gerais[48] de cada Ministério Público, numa demonstração de que o usufruto das garantias e a incidência das vedações demandam uma iniciativa legislativa e de auto-organização ínsita a quem possui autonomia administrativa e financeira.

Ora, se tais garantias e vedações são estendidas plenamente aos membros do Ministério Público de Contas, parece claro que idêntica iniciativa legislativa e regulamentatória terão os Procuradores-Gerais de Contas. Há aqui uma extensão evidente da capacidade de auto-organização e de iniciativa legislativa, pressupostos de uma autonomia financeira e administrativa.

Além disso, é mais que sugestivo que as vedações e garantias estejam capituladas em incisos e alíneas do § 5º do art. 128 da Constituição Federal, dispositivo que, por sua vez, consagra a capacidade de auto-organização dos Ministérios Públicos, como que para mostrar à toda evidência que só com capacidade de auto-organização é que poderão os membros dos Ministérios Públicos fruirem daqueles direitos e sofrerem daquelas vedações.

Na sua sabedoria, a Constituição mais uma vez deixou para quem quiser ver que todo o rol de garantias dos membros do Ministério Público só pode jorrar de uma entidade que detém o poder de se auto-organizar, da mesma maneira que os incisos I e II e suas alíneas jorram do parágrafo 5º do art. 128.

Vê-se, portanto, que todos os direitos conferidos aos membros do Ministério Público acabam por se constituir em mera decorrência de um direito anterior e fundamental: o de funcionarem num órgão dotado do poder de auto-gestão e de auto-administração, isto é, com autonomia financeira e administrativa. 

Por assim dizer, o grande direito dos membros de um Ministério Público é o de trabalhar numa instituição independente, que os protejam e os agasalhem para o bem desempenhar de suas funções e a preservação de suas independências funcionais.

 Se é conhecida e reconhecida a extensão aos membros do Ministério Público de Contas a extensão de todos os direitos atribuíveis aos membros do Ministério Público comum, acompanha essa extensão, por óbvio, o mais importante deles: o direito fundamental a trabalhar numa instituição independente, todo o resto é ancilar, tudo que vem é decorrência desse direito primeiro e essencial.

5.2. Junto não é dentro. A interpretação gramatical só corrobora a autonomia dos MPCs

Ademais, se o caso é de se imiscuir na interpretação gramatical, é bem pertinente destacar que a Constituição cunhou os Procuradores de Contas como membros do Ministério Público de Contas. E o termo membro só faz sentido se disser respeito a uma parte integrante de uma instituição própria, autônoma e distinta de qualquer outra.

Por sinal, se o Ministério Público de Contas fosse parte integrante do Tribunal de Contas, haveria então de se concluir que os Procuradores de Contas são membros desses mesmos Tribunais de Contas, o que é afastado peremptoriamente pelo art. 73 que só menciona os Ministros do TCU e Conselheiros dos TCE como seus integrantes.[49]

De igual modo, o art. 130 da Constituição Federal refere-se a um Ministério Público junto ao Tribunal de Contas. Junto é locução adverbial que traz a ideia de proximidade, mas jamais de pertencimento. O que está junto não está dentro, se é junto é porque são coisas distintas em arrabalde. Junto é termo nitidamente referencial de elementos autônomos em comunicação, e não de um corpo único. Ninguém pode estar junto de si mesmo.

Ayres Britto é preciso em destacar a importância hermenêutica dos termos “junto” e “membros” presentes no art. 130 da Constituição Federal:

Essa locução adverbial, junto, foi repetida no artigo 130, debaixo da seguinte legenda: aos membros do Ministério Público, já no capítulo próprio do Poder Judiciário e na seção voltada para o Ministério Público. Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas, a locução adverbial, junto à, foi repetida, aplicam-se às disposições dessa seção pertinentes a direitos, vedações e formas de investidura. Curioso, na Constituição anterior não se falava de membros, se falava da instituição em si, Ministério Público, agora com imediatidade não se fala da instituição Ministério Público, e sim, de membros do Ministério Público. Isso me parece ter relevo, ter importância interpretativa, de monta. Quando a Constituição disse, junto à, quis resolver um impasse surgido com a legenda da Constituição anterior, porque se está junto é porque não está dentro, está ao lado, numa linguagem bem coloquial, ali no oitão da casa, mas não no interior dela, junto à, por duas vezes. E ao falar de membros, me parece que deixou claro, também, que quem é membro de uma instituição não pode ser membro da outra, só pode ser membro da própria instituição a que se vincula, gramaticalmente. A nova linguagem, membros do Ministério Público, dissipando a dúvida, membro do Ministério Público é membro do Tribunal de Contas? Eu respondo que não, até porque os membros do Tribunal de Contas da União são assim literalmente grafados no artigo 102, inciso I, letra c, da Constituição Federal, a propósito da competência judicante do Supremo Tribunal Federal, da competência originária. Então, membros do Tribunal de Contas constitui uma realidade normativa, membros do Ministério Público de Contas, outra realidade normativa. Junto à ou junto ao, não pode ser dentro de. Se o Ministério Público de Contas está fora do Ministério Público tradicional, também está fora do próprio Tribunal de Contas, em que esse Ministério Público atua ou oficia. Essa mudança de linguagem me pareceu sintomática a nos desafiar para uma nova tese, reformular uma tese. Existe mesmo um Ministério Público de Contas, ou Especial, atuando não junto aos órgãos jurisdicionais, mas junto às Cortes ou Casas de Contas. Assim como o Ministério Público usual desempenha uma função essencial à jurisdição, o Ministério Público de Contas desempenha uma função essencial ao controle externo[50].

A própria legislação referente ao Ministério Público da União é pródiga em utilizar a locução adverbial junto para se referir ao local de atuação de algum membro deste Ministério Público, como se percebe de vários excertos da Lei Complementar nº 75/93:

Art. 46. Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência.

Art. 47. O Procurador-Geral da República designará os Subprocuradores-Gerais da República que exercerão, por delegação, suas funções junto aos diferentes órgãos jurisdicionais do Supremo Tribunal Federal.

§ 1º As funções do Ministério Público Federal junto aos Tribunais Superiores da União, perante os quais lhe compete atuar, somente poderão ser exercidas por titular do cargo de Subprocurador-Geral da República.

Art. 66. Os Subprocuradores-Gerais da República serão designados para oficiar junto ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça, ao Tribunal Superior Eleitoral e nas Câmaras de Coordenação e Revisão.

Art. 68. Os Procuradores Regionais da República serão designados para oficiar junto aos Tribunais Regionais Federais.

 Art. 70. Os Procuradores da República serão designados para oficiar junto aos Juízes Federais e junto aos Tribunais Regionais Eleitorais, onde não tiver sede a Procuradoria Regional da República.

 Art. 72. Compete ao Ministério Público Federal exercer, no que couber, junto à Justiça Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral.

Art. 79. O Promotor Eleitoral será o membro do Ministério Público local que oficie junto ao Juízo incumbido do serviço eleitoral de cada Zona.

Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

 Art. 90. Compete ao Procurador-Geral do Trabalho exercer as funções atribuídas ao Ministério Público do Trabalho junto ao Plenário do Tribunal Superior do Trabalho, propondo as ações cabíveis e manifestando-se nos processos de sua competência.

Art. 107. Os Subprocuradores-Gerais do Trabalho serão designados para oficiar junto ao Tribunal Superior do Trabalho e nos ofícios na Câmara de Coordenação e Revisão.

Art. 110. Os Procuradores Regionais do Trabalho serão designados para oficiar junto aos Tribunais Regionais do Trabalho.

Art. 112. Os Procuradores do Trabalho serão designados para funcionar junto aos Tribunais Regionais do Trabalho e, na forma das leis processuais, nos litígios trabalhistas que envolvam, especialmente, interesses de menores e incapazes.

Art. 116. Compete ao Ministério Público Militar o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça Militar:

Art. 123. Compete ao Procurador-Geral da Justiça Militar exercer as funções atribuídas ao Ministério Público Militar junto ao Superior Tribunal Militar, propondo as ações cabíveis e manifestando-se nos processos de sua competência.

 Art. 140. Os Subprocuradores-Gerais da Justiça Militar serão designados para oficiar junto ao Superior Tribunal Militar e à Câmara de Coordenação e Revisão.

Art. 143. Os Procuradores da Justiça Militar serão designados para oficiar junto às Auditorias Militares.

Art. 175. Os Procuradores de Justiça serão designados para oficiar junto ao Tribunal de Justiça e nas Câmaras de Coordenação e Revisão.

 Art. 178. Os Promotores de Justiça serão designados para oficiar junto às Varas da Justiça do Distrito Federal e Territórios (grifos nossos).

Ninguém em sã consciência defende que os Procuradores do Ministério Público da União que atuam junto aos Tribunais e órgãos do judiciário referidos na Lei Complementar 75/93 o fazem na qualidade de servidores destes Tribunais, ou de membros de um organismo pertencente à intimidade estrutural do Poder Judiciário.

Não há razão para crer que o uso da locução adverbial junto venha a minar a existência autônoma do Ministério Público de Contas.

5.2. Interpretação histórica e falta de intenção do constituinte em manietar os MPCs de autonomia

O outro elemento que preponderou no acórdão da ADI 789/DF foi o histórico.

O elemento interpretativo histórico consiste na busca da vontade do legislador ao editar o texto normativo a ser interpretado, com atenção sobre os antepassados normativos do instituto legislado.

A tese vencedora na ADI 789/DF argumentou que aparentemente a questão teria sido decidida no seio da assembleia constituinte, tendo preferido o legislador constitucional originário adotar uma posição intermediária e de compromisso: criou-se um Ministério Público de Contas especializado, mas não lhe outorgou autonomia financeira e administrativa, nos exatos moldes de como já acontecia antes de 1988.

Os constituintes, assim, teriam produzido um retrato em preto e branco do Ministério Público de Contas, fiel ao seus antepassados como organismo interno dos Tribunais de Contas. A este especializadíssimo Ministério Público estariam negados todos os avanços que a mesmíssima Constituição teria outorgado ao Ministério Público comum.

Antes de mais nada, é preciso fincar que o elemento interpretativo histórico que preponderou no seio da ADI 789/DF, se não pode ser tido como irrelevante, vem perdendo todo o seu prestígio na doutrina constitucional, em especial quando aumenta o intervalo de tempo entre o momento constituinte e a nova realidade fática a ser decidida.

A busca de uma vontade do legislador constituinte há sempre que ser encarada com reservas, sob pena de recairmos num originalismo[51] démodé que escraviza a intepretação constitucional a um tempo e a valores não condizentes com a atualidade.

Nesse viés, Luís Roberto Barroso aponta que “à medida que a Constituição e as leis se distanciam no tempo da conjunta histórica em que foram promulgadas, a vontade subjetiva do legislador (mens legislatoris) vai sendo substituída por um sentido autônomo e objetivo da norma (mens legis) [...]”[52].

Por sinal, o STF, bem recentemente, na ADPF n. 132[53], ao estender em boníssima hora os benefícios da união estável aos casais homoafetivos, decidiu expressamente por relevar o elemento histórico que apontava para uma decisão expressa do constituinte em vedar a possibilidade de união estável entre casais homoafetivos. Preferiu-se atualizar a jurisprudência do Supremo com os novos valores e anseios sociais, em prestígio à vontade da Constituição e não do constituinte.

Outrossim, é precioso assinalar da impossibilidade fática da extração de uma “vontade constituinte” una e coesa quando se está diante de um fenômeno constitucional marcadamente democrático cuja centenas de pessoas participaram de sua feitura, representando cada uma distintas visões de vida e de ideologias muitas vezes contrárias.

É o que nos lembra Daniel Sarmento e Cláudio de Souza Neto:

[...] a Constituição não é uma obra acabada, produzida por uma geração, mas um instrumento dinâmico, que deve se adaptar aos novos valores e expectativas sociais. Apontam, ainda, que sendo o texto constitucional uma obra coletiva, produzida por pessoas com propósitos e ideias diferentes, não há muitas vezes como se atribuir uma intenção subjetiva única ao constituinte. Ademais, a própria escolha pelo constituinte de cláusulas vagas exprimiria a sua intenção de permitir o seu preenchimento, no futuro, de acordo com concepções e valores das novas gerações a serem regidas pelo mesmo texto[54].

O que se percebe, além da dificuldade de se extrair uma vontade do constituinte, é que tal suposta vontade perde força com o passar dos anos, na exata medida das transformações sociais, axiológicas e políticas.

Natural, contudo, numa decisão datada de 1994, pouco menos de 6 anos da promulgação da nova Constituição, que a ADI 789/DF deferisse largo espaço ao elemento histórico. Não parece, no entanto, que acertou o Supremo naquela ocasião em auferir uma suposta e inconteste vontade do constituinte em castrar o Ministério Público de Contas de autonomia financeira e administrativa.

Senão, vejamos os resumos constituintes sobre o tema de José Afonso da Silva:

Foi, porém, a Constituição de 1988 que o erigiu (o Ministério Público de Contas) em instituição constitucional. Surgiu durante a elaboração constitucional, por meio de uma proposta de emenda do Constituinte Ézio Ferreira como um parágrafo do art. 89 do Projeto “A” de Constituição, projeto a ser discutido e votado no primeiro turno. A proposta veio assim redigida: “Ao Ministério Público junto aos Tribunais de contas, aplicam-se as disposições contidas no inciso VI do art. 113, no art. 114 e, nos parágrafos dos artigos 156 e 157, desta Constituição”.

Essas remissões estendiam ao Ministério Público junto aos Tribunais de Contas todas as prerrogativas e direitos que se previam para o Ministério Público em geral. Os arts. 156 e 157 do Projeto correspondem aos vigentes arts. 128 e 129. Houve também uma proposta de Emenda do Constituinte Oscar Corrêa, que mandava aplicar, no que coubesse, o disposto na seção ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União. Um acordo, na Seção de 8.4.1988, entre diversos Constituintes que apresentaram emendas ao capítulo do Ministério Público gerou a redação do art. 159 do projeto com o seguinte enunciado: “Ao Ministério Público junto aos Tribunais, aplicam-se às disposições desta seção pertinentes às garantias, vedações, forma de investidura nos respectivos cargos e aposentadoria”.

Esse texto, com o resto da matéria referente às funções essenciais à Justiça, foi aprovado na Seção constituinte do dia 13.4.88. Entrou, porém, no Projeto “B” de Constituição para o Segundo Turno, no art. 136, com pequena alteração na redação:

“Ao Ministério Público junto aos Tribunais de Contas e Conselhos de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a garantias, vedações e forma de investidura de seus membros”.

Não consegui apurar a origem dessas alterações.

Assim foi a matéria ao Segundo Turno da Constituinte. Veja-se bem a redação aprovada: “Ao Ministério Público junto aos Tribunais de Contas e Conselhos de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a garantias, vedações e forma de investidura de seus membros”. Na votação do Segundo Turno, acho até que indevidamente, as lideranças firmaram novo acordo que mudou a redação do art. 136, que passou a ser a seguinte: “Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura”. O Constituinte Ibsen Pinheiro, que era e acho que ainda é Promotor de Justiça, justificou a mudança, dizendo que se dava ao art. 136, com arrimo regimental na correção, tinha em vista tão-somente compatibilizar as diversas tendências que se manifestaram ao longo do primeiro turno em produzir um texto consolidado que assegurasse aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas todas as disposições da seção relativamente a direitos, vedações e forma de investidura, informa que “esta construção, além de ter envolvido todas as partes interessadas dos segmentos sociais, teve o apoio unânime das lideranças com assento na Casa” (DANC, p. 13213).

Foi, pois, em tais termos que a matéria foi aprovada e assim incluída no atual art. 130 da Constituição de 1988[55].

Do relato, não é possível extrair dos debates constituintes a intenção deliberada de extirpar do Ministério Público de Contas as autonomias administrativa e financeira deferidas aos Ministério Público comum, e muito menos de inseri-los na intimidade estrutural dos Tribunais de Contas.

Longe disso.

À míngua de maiores explicações constituintes, é até mais crível que a ausência de previsão expressa de autonomia financeira e administrativa tenha se dado em razão de uma lógica que o próprio sistema construído pela nova constituição já impunha.

O ambiente constituinte de amplíssimo fortalecimento da instituição Ministério Público não permitia dúvidas sobre o máximo de autonomia a ser deferido a qualquer de seus ramos, inclusive o que oficiaria perante os Tribunais de Contas.

A rigor, o grande conflito sobre o Ministério Público de Contas indubitavelmente presentes na Assembleia Constituinte estava longe do debate sobre sua autonomia financeira e administrativa, mas sim sobre o fato de constituir-se em carreira autônoma ou mera procuradoria especializada do Ministério Público comum.

Era essa a questão debatida, em torno dela era que gravitavam os conflitos.

Foi diante da controvérsia respeitante à existência ou não de uma carreira ministerial própria a atuar perante os Tribunais de Contas que aparenta ter preferido o constituinte originário não dar a palavra final sobre o tema, focalizando numa redação econômica e aberta do texto normativo, como que para deixar aos interpretes constitucionais e aos legisladores infraconstitucionais a exata interpretação que viria a ter aquele recém-criado art. 130 da Constituição.

5.3 A geografia constitucional é reveladora da autonomia do Ministério Público de Contas

A própria topografia constitucional do órgão, inserido na Seção do Ministério Público, e não na Seção que trata dos Tribunais de Contas, é reveladora de sua vida própria e apartada dos Tribunais de Contas.

Se quisesse criar um apêndice dos Tribunais de Contas, mais natural que fosse o art. 130 da Constituição Federal um mero parágrafo do art. 73, e não uma disposição autônoma, encartada mais de 50 artigos à frente e enraizado na seção do Ministério Público.

Um apêndice, um órgão intestino que seja, jamais poderia sobreviver tão longe de seu corpo hospedeiro. A distância na geografia constitucional entre o Ministério Público de Contas e os Tribunais de Contas é até maior daquela que separa o Poder Judiciário do Ministério Público comum.

Essa distância é mais que sugestiva, é reveladora da independência do Parquet de Contas.

5.4 Interpretação sistemática e teleológica do art. 130 da Constituição Federal

O elemento sistemático ensina que as normas jurídicas não devem ser interpretadas isoladamente, mas em conjunto e em comunicação com as demais. Não se trata, apenas, de traçar uma conexão das partes com o todo (elemento lógico que para fins deste artigo, será visto como parte integrante do elemento sistemático), mas de, verdadeiramente, delinear o laço invisível e interno que unem todas as normas do ordenamento jurídico.

Diz respeito a um imperativo de coerência e de sistematicidade que o Direito deve pretender, de modo a que não venha recair em contradições nem em lacunas. É solução de compromisso entre as diversas tendências e forças sociais, que, em contraste permanente no mundo dos fatos, encontra sob a força irradiante da constituição uma saída jurídica de consenso.

O elemento sistemático está claramente ligado ao princípio da unidade da Constituição, que impõe o dever ao interprete de harmonizar tensões e contradições, tendo como premissa que é a Constituição que dá unidade ao sistema e todos os seus valores devem se irradiar por todo o seu corpo, e também para fora dele.

Assim, a configuração constitucional do Ministério Público de Contas vai muito além do art. 130, e deve ter como inspiração todas as normas constitucionais com foco no direito fundamental à boa administração pública.

Sobre o assunto, anotou Juarez Freitas:

A exegese sistemática da Constituição tem de promover a maior sinergia possível do Estado inteiro, respeitado o princípio da deferência e reforçada a autonomia das Carreiras de Estado como uma insuprimível condição para o cumprimento dos objetivos fundamentais da República, tais como estampados no art. 3º da CF. É que a boa interpretação favorece a defesa integrada dos direitos e garantias das Carreiras de Estado como maneira de preservar e assegurar, ao máximo, os direitos fundamentais em conjunto, notadamente o direito fundamental à boa administração pública. Nesse sentido, não cabe subtrair autonomia e independência para privilegiar esta ou aquela instituição de Estado, uma vez que a aludida sinergia é meta republicana, por excelência[56].

Nesse diapasão, e tendo a Constituição enumerado nobres objetivos ao Estado brasileiro, que só podem ser cumpridos na exata medida do bom funcionamento das instituições públicas, é pouco crível que tenha idealizado um Ministério Público manietado de garantias para atuar na estratégica posição de guardião da lei e curador da sociedade nos processos em curso nos Tribunais de Contas.

Se a Constituição previu em seu art. 130 que perante os Tribunais de Contas, à maneira como ocorre com os Tribunais judiciários, funcionaria um Ministério Público próprio, dotado os seus membros dos mesmos direitos e deveres outorgados aos membros do Ministério Público atuante junto ao Poder Judiciário[57], resta nítida e deliberada a intenção de lançar como modelo aos Tribunais e Ministérios Públicos de Contas o perfil já estatuído ao Poder Judiciário e ao Ministério Público de justiça[58]. Uma espécie de espelho entre a dignidade e a estrutura do Poder Judiciário a refletir-se no Controle Externo, num recado do constituinte mais do que claro acerca do pareamento entre as instituições da Justiça e as instituições do controle externo.

Igualados que estão em prerrogativas os Tribunais judiciários e os Tribunais de Contas, o sistema jurídico não fecha ao se interpretar pela total e substancial desigualação entre o Ministério Público atuante perante o Judiciário e o Ministério Público atuante perante as Cortes de Contas.

Interpretação nesse sentido, além de anti-isonômica, desconsidera toda a sistemática de amplas prerrogativas ministeriais inauguradas pela Constituição de 1988, e promove a disfuncionalidade dos Ministérios Públicos de Contas, na exata medida em que passam a ser simulacros de Ministério Público, um arremedo de Parquet a vagar na intimidade estrutural de outrem.

Por sinal, é novamente Juarez Freitas que assinala da importância da maior otimização sistemática do texto constitucional, cabendo ao intérprete prezar pela busca de efetividade, no mundo real, do sistema constitucional:

A boa interpretação sistemática constitucional precisa buscar a maior otimização possível do discurso normativo. Quer dizer, ao intérprete cumpre guardar vínculo com a efetividade, no mundo real, das finalidades da Carta. Além disso, tudo que se encontra na Constituição é visto como tendente à eficácia, como no caso do disposto no art. 130 da CF. De fato, nada há nos comandos da Lei Maior que não deva repercutir no sistema. Na dúvida, convém preferir, em lugar da leitura estéril ou ablativa eficacial, uma exegese conducente à plenitude vinculante e inclusiva dos princípios de caráter essencial, entre os quais o da autonomia institucional e o  da independência funcional do Ministério Público de Contas.

A boa interpretação sistemática constitucional é aquela que se faz, desde sempre, contemporânea. Quer dizer, o intérprete constitucional de modo precípuo, na linha do efetuado pelo Supremo Tribunal em julgamentos colacionados a seguir, tem de atuar como atualizador permanente do texto constitucional, dele extraindo as melhores possibilidades subjacentes à indeterminação, voluntária ou não, dos conceitos e das categorias.

A boa interpretação sistemática da Constituição só declara a inconstitucionalidade quando a afronta se revelar gritante e insanável, assim como sucedeu com a Constituição catarinense, ao não respeitar a Carreira Autônoma do MP de Contas, num vício estridente, tempestivamente escoimado pelo Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, que não comportou qualquer modulação[59].

Outro elemento da hermenêutica clássica de grande prestígio é o elemento teleológico.

Não se busca dar sentido às normas em vão. Dar sentido às normas constitucionais é sempre tarefa qualificada para conformar a vida social e cumprir os valores e finalidades constitucionais. O Direito, assim, não é um fim em si mesmo. É instrumento de convivência harmônica entre as pessoas. Toda norma, portanto, possui uma finalidade específica que virá a agregar e contribuir com a finalidade geral do Estado.[60]

Demarcada a existência de uma finalidade normativa, o elemento teleológico é fundamental para qualquer interpretação jurídica, na medida em que visa extrair exatamente qual seria o intuito normativo do texto a ser interpretado, isto é, qual sua finalidade social.[61]

Nesse viés, a edição do art. 130 da Constituição Federal teve como finalidade justamente a de granjear a atuação dos membros dos Ministérios Públicos de Contas com o máximo de garantias possíveis, equivalentes às dos seus congêneres com atuação junto ao Poder judiciário, de modo que atuem sem amarras e sem peias na destemida missão de zelar, no âmbito dos Tribunais de Contas, pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis.

É dispositivo, portanto, umbilicalmente ligado ao direito fundamental à boa (e republicana) administração e à efetividade do controle externo, sendo pouco crível que logo na especializada jurisdição dos Tribunais de Contas, nevrálgica para a moralidade pública e para o republicanismo, seja intenção da Constituição fragilizar o Parquet lá atuante, empalidecendo, por consequência inarredável, as próprias garantias outorgadas a seus membros.

O método teleológico há de ser inspirado pelos ares do princípio da efetividade da Constituição, que significa, em última instância, que o jurista deve prestigiar a interpretação que permita, na vida real, o alcance da vontade constitucional[62].

Tudo que se refere a atuação dos membros do Ministério Público de Contas se envereda para um caminho de máxima liberdade de atuação, havendo de se ter como indevida interpretação que, advertida ou inadvertidamente, contribua para um déficit assecuratório da atuação de seus membros e do controle das verbas públicas.

A teleologia superior de otimizar o controle externo das contas públicas por intermédio de um Ministério Público de Contas forte, altivo, autônomo e garantidor do direito fundamental à boa administração é evidente, consoante argumenta Juarez Freitas: 

Por outras palavras, da exegese sistemática do art. 130 da CF, em sinapse com o todo constitucional, resulta que, insofismavelmente e sem prejuízo da especialidade “ratione materiae” do Ministério Público de Contas, seria lesivo às diretrizes hermenêuticas citadas, qualquer intelecção restritiva do alcance e do significado desse dispositivo constitucional que confere direitos[63]

Ultrapassada a análise de todos os elementos tradicionais da hermenêutica jurídica, aplicáveis também à intepretação constitucional, passa-se aos métodos consagrados pela doutrina alemã e de grande prestigio da nova hermenêutica constitucional.

5.5 O método tópico-problemático e a resolução de problemas de funcionalidade do Ministério Público de Contas

O método tópico-problemático, idealizado por Viewheg[64], direciona suas atenções para o problema, para daí buscar a exata interpretação que melhor o equacione. A função do juiz será sempre apreender a melhor solução ao problema, podendo ir além do texto expresso, e a partir dele extrair uma solução razoável e proporcional do imbróglio. O Direito seria, dessa forma, um elemento prático voltado para a resolução de problemas concretos.

Desde que não ultrapasse as possibilidades do texto, o método tópico-problemático vem sido festejado pelos doutrinadores constitucionais, e reconhecido como importante método interpretativo.

Para melhor entender o método tópico-problemático, é imprescindível esclarecer a definição de topos, para o que nos valemos das lições de Sarmento e Souza Neto:

O conceito de topos é fundamental para a tópica. O topos configura um “lugar comum” da argumentação, que não vincula necessariamente o intérprete, mas lhe apresenta uma alternativa possível para a solução de um problema. Os topoi (plural de topos) são diretrizes que podem eventualmente servir à descoberta de uma solução razoável para o caso concreto. Eles não são certos ou errados, mas apenas mais ou menos adequados para a solução do problema; mais ou menos capazes de fornecer uma resposta razoável para o caso, que se mostre persuasiva à comunidade de intérpretes[65].

O método tópico-problemático, portanto, parte de um pressuposto que dentro da moldura normativa são permitidas determinadas linhas interpretativas, devendo prevalecer ao cabo e ao fim, aquela que se mostrar mais adequada para a resolução do problema.

Pois bem.

Sendo inconteste que o art. 130 da Constituição Federal é uma norma de extensão dos vários direitos dos membros do Ministério Público comum aos membros do Ministério Público de Contas, tudo com o fito de assegurar a atuação mais livre e desimpedida possível dos Procuradores de Contas no controle externo da administração pública, parece óbvio que, para o melhor equacionamento de problemas concernentes à independência funcional dos Procuradores de Contas, há de se reconhecer igual carga de independência institucional dos Ministérios Públicos de Contas.

Isso porque é até mesmo possível que os Procuradores de Contas se insurjam contra atos do próprio Tribunal de Contas perante o qual atuem, e, neste cenário, caso dependessem da Corte de Contas para receber seus salários, galgar promoções, fixar suas políticas remuneratórias e gozar de suas prerrogativas, poderiam ser tolhidos ou amedrontados para o desempenho de seus misteres constitucionais.

Por sinal, situações de franco e contundente desrespeito às prerrogativas funcionais dos Procuradores de Contas em represália às suas atuações não são raras no noticiário, tendo culminado em constantes judicializações.

Dentre os vários fatos recentemente presentes no noticiário jornalístico, estão desde a intromissão de Tribunal de Contas na feitura da lista tríplice para a escolha do Procurador-Geral de Contas do Estado de São Paulo[66], possivelmente em razão de representações promovidas por alguns procuradores que contestavam verbas pagas a magistrados[67], até a edição de emenda à Constituição do Cearpa com o fito de reduzir o número de Procuradores de Contas, logo após representação de um membro do Ministério Público de Contas denunciando possível superfaturamento na contratação de artistas pelo governo do Estado[68][69].

No Mato Grosso do Sul, chegou o Tribunal de Contas do Estado a ordenar a suspensão de procedimentos investigatórios promovidos pelo Ministério Público de Contas local, o que culminou na recente impetração de mandado de segurança para a defesa de prerrogativas institucionais[70].

Em São Paulo, o Tribunal de Contas vedou ao Ministério Público de Contas que remetesse ofício diretamente ao Ministério Público do Estado dando notícia de possíveis crimes que tivesse conhecimento, embora tal prerrogativa seja um verdadeiro dever de todos os servidores públicos[71] [72]. Na mesma toada, há seguidas tentativas de obstaculizar o poder investigatório do Parquet de Contas.[73]

É comum também, por parte de alguns Tribunais de Contas, vedar o uso do poder requisitório de informações[74] por parte dos membros dos Ministérios Públicos de Contas, o que chegou a gerar judicialização em Alagoas[75].

Também em Alagoas, estamparam as manchetes dos jornais locais que o Ministério Público de Contas era sucateado pelo Tribunal de Contas local. O jornal alagoano, A Tribuna Independente, de 29 de setembro de 2011[76], trazia a seguinte manchete: “MP de Contas está sem estrutura para funcionar”.

Em Roraima, a Portaria 418/2009, publicada em 17 de julho de 2009, submeteu os Procuradores de Contas à correição[77] promovida por um dos Conselheiros do Tribunal de Contas local, tipificando como falta impeditiva ao vitaliciamento a desobediência ou insubordinação do membro do Ministério Público às deliberações do Tribunal de Contas.

De igual modo, no Acre também a Corregedoria do TCE, presidida por Conselheiro, se imiscuiu nas atividades dos membros do Ministério Público de Contas[78].

No Paraná, só através de mandado de segurança{C}[79] que os Procuradores de Contas conseguiram afastar a aplicação de normas regimentais do TCE local que inibiam a atuação dos membros do Ministério Público e intervinham na independência funcional, ao limitar a interposição de recursos e sujeitar a atuação dos procuradores à correição dos conselheiros.

Praticamente todas as unidades do Ministério Público de Contas brasileiro têm histórico de agressões à independência funcional de seus membros por ato direto do Tribunal de Contas onde estão alocados administrativamente.

Esses são apenas alguns de uma miríade de relatos que chegaram ao conhecimento da grande mídia em que a ausência de independência institucional repercutiu diretamente na atuação dos membros do Ministério Público de Contas, seja impedindo a investigação de possíveis ilícitos, seja na não disponibilização de estrutura digna de trabalho, ou ainda, pelo uso de ameaças como instrumento de intimidação da livre e desimpedida atuação dos Procuradores de Contas.

De outro lado, nas unidades federativas em que se optou por um modelo de Ministério Público de Contas autônomo e independente, em equivalência ao Ministério Público comum, o que se vê é justamente o contrário, em atuação marcada pela harmonia e independência.

A título de exemplo, no Estado do Pará, onde a organização local previu um Ministério Público de Contas autônomo[80], não se têm notícias de limitações impostas pelo Tribunal de Contas local.

Recentemente, por sinal, em sessão do Tribunal de Contas do Estado do Pará, realizada no dia 19 de março de 2015, foi lançada veemente exortação pelo Presidente do Tribunal de Contas, o Conselheiro Luís Cunha, pela autonomia dos Ministérios Públicos de Contas do país como medida necessária para a verdadeira independência de seus membros.

Eis a palavra do Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Pará, Conselheiro Luís Cunha, que ao se referir à independência do Ministério Público de Contas local assim deixou assente:

[...] eles precisavam conhecer melhor a experiência do Estado do Pará, não tem como dar certo no resto do Brasil se não tiver independência, autonomia administrativa financeira, é por isso que o nosso é um sucesso aqui no estado do Pará e tem que ser dito para o Brasil. A manifestação nossa hoje, como instituição dando um testemunho, confirmando que aqui deu certo, há respeito, autonomia, independência, a gente não teve conflito de relacionamento em nenhum momento durante esses anos, tem que dizer isso para o resto do Brasil, e como bem disse o conselheiro Cipriano que ele participou de vários congressos reuniões, e a gente ouvia reclamações de outros tribunais de contas, tanto da parte dos tribunais de contas, quanto também do Ministério Público de contas. Imaginemos o Ministério Público de um determinando estado o seu procurador, os seus membros tendo que se dirigir ao presidente daquela instituição para pedir autorização para uma diária para poder viajar a serviço do Ministério Público, isso é uma humilhação, para pedir autorização para comprar caneta, papel, para comprar computador para Ministério Público, e será que ao fazer isso o Ministério Público vai ficar independente? Eu tive a sensação em todos os momentos em que me deparei com a problemática do relacionamento institucional dos TCE’s e do Ministério Público, que eles olhavam o Ministério Público como subordinados, e para muitos é importante que continue essa visão equivocada de subordinação, justamente para poder tentar conduzir o trabalho do Ministério Público, isso é um erro![81] (grifo nosso).

São emblemáticas as palavras do Conselheiro Luís Cunha.

Estão nelas fincadas, com meridiana clareza, que a resolução para boa parte dos problemas do recorrente tensionamento entre os Tribunais e Ministérios Públicos de Contas reside na outorga de independência institucional ao segundo, e que só assim ambos os órgãos conseguirão cumprir excelentemente suas missões constitucionais de salvaguardar o dinheiro público, já que independentes e harmônicos entre si.

É de se chamar a atenção o trecho em que o Conselheiro chega a dizer que tem a impressão, confirmada na sua experiência do controle externo, que de um modo geral, nas unidades federativas onde não se tem um Ministério Público de Contas independente, os Tribunais de Contas veem os procuradores de Contas como seus subordinados, e não agentes independentes.

E vai além: ressalta ser humilhante que um Procurador de Contas dependa de anuência da administração do Tribunal de Contas para gozar de elementos básicos de sua atuação, como viajar a serviço, ou adquirir materiais essenciais para sua atuação, como papel, caneta e computador.

Na oportunidade da sessão do dia 19 de março de 2015, não só o Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Pará, mas também todos os Conselheiros então presentes[82][83] [84][85], abonaram unanimemente que somente com independência institucional é possível evitar déficits de funcionalidade tanto do Ministério Público de Contas quanto do Tribunal de Contas do Estado, o que culminou em Moção de Apoio à manutenção da autonomia e independência administrativa e financeira do Ministério Público de Contas do Estado do Pará[86], subscrita em 19 de março de 2015 por todos os Conselheiros e Conselheiros-Substitutos do Tribunal de Contas do Estado do Pará, em resposta à ADI 5.254/PA, que visa extirpar dos Ministérios Públicos de Contas do Pará a independência estabelecida há mais de vinte anos.

Curiosa e inesperadamente, a referida Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta por aquele que deveria se engajar pela maior autonomia possível aos Ministérios Públicos brasileiros, o Procurador-Geral da República, o que foi objeto de crítica da doutrina especializada[87].

Em português simples: o Tribunal de Contas do Estado do Pará veio a público e atestou com todas as letras que apenas com independência institucional é que o Ministério Público de Contas poderá vencer suas gloriosas missões constitucionais.

São tais documentos uma comprovação inequívoca, vinda de atores diretamente interessados na funcionalidade do controle externo, de que, partindo-se das molduras interpretativas cabíveis a partir do art. 130 da Constituição Federal, a que melhor soluciona os problemas de achaque à independência funcional dos membros do Ministério Público de Contas é aquela que exatamente garante a independência da instituição.

5.2. Outros métodos de interpretação constitucional são pela independência do Parquet de Contas[88]

Diferentemente do método tópico-problemático, a hermenêutica-concretizadora, embora comungue da mesma preocupação na excelente resolução do problema, tem seu primado não nele, mas no texto constitucional.

Dessa maneira, para extrair o exato significado da norma, o interprete deverá contextualizá-la faticamente, mensurando a repercussão que terá o acatamento de uma ou de outra possibilidade normativa, figurando como mediador entre o texto e as circunstâncias sobre a qual ele incide.

Nessa hipótese, há verdadeira confluência entre texto e contexto, ocorrendo o chamado “ir e vir hermenêutico”, que resultará na escolha interpretativa que melhor concilie ambos. As normas, assim, trazem o início da solução, que deverá ser compreendida holisticamente com o complemento dos fatos.

Novamente, aqui o método hermenêutico-concretizador, depois repaginado para o jurídico-estruturante, corroborará a autonomia administrativa e financeira dos Ministérios Públicos de Contas, na exata medida em que a realidade social vem mostrando, com eloquentes exemplos, que os membros do Parquet de Contas não conseguem fruir da plena potencialidade de suas funções quando atuantes dentro de uma estrutura emprestada, alheios a sua gestão, dependentes (ou reféns, em alguns casos) da boa vontade alheia.

Já o método científico-espiritual conclama que, na interpretação, o jurista se aproxime dos valores culturais do povo subjacentes à Constituição, aproveitando a decisão para otimizar a axiologia constitucional. Nessa perspectiva, numa Constituição marcadamente republicana, pródiga na criação de instrumentos de controle da administração pública e de garantias para a boa gestão do erário, é muito mais condizente com seus valores interpretação que prestigie a existência de um Ministério Público forte e independente perante os Tribunais de Contas.


6. O FEDERALISMO COMO UM LABORATÓRIO DE EXPERIÊNCIAS LEGISLATIVAS. A QUESTÃO DOS MINISTÉRIOS PÚBLICO DE CONTAS ESTADUAIS AUTONOMOS.

A federação é uma forma de Estado que envolve a partilha vertical do poder entre diversas entidades políticas autônomas, as quais coexistem no interior de um Estado soberano. Nesse passo, Sarmento e Souza Neto dizem que se trata de um modelo de organização política que possui elementos favoráveis aos valores do constitucionalismo democrático, porque busca aproximar o pluralismo e a diversidade, “ao preservar espaços para o poder local, que tende a ser mais receptivo às demandas e às peculiaridades das respectivas populações”[89].

No Brasil, a federação materializou-se com a República – especificamente com o Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889, editado pelo Governo Provisório –, modelo que foi mantido em todas as Constituições brasileiras posteriores (art. 1º da Constituição de 1891; art. 1º da Constituição de 1934; arts. 1º e 3º da Constituição de 1937; art. 1º da Constituição de 1946; e art. 1º da Constituição de 1967).

Seguindo tal tradição, a Constituição de 1988 dispõe, no art. 1º, que o Brasil é uma República Federativa, voltando especial atenção para o tema da federação no Título III – Da Organização do Estado, em que arrola as regras de atuação e de convivência dos seus integrantes.

Convém assinalar, no entanto, que não existe um único modelo de federalismo. A federação, que surgiu nos Estados Unidos em 1787, é a forma de Estado adotada hoje por 24 países, cada um deles adotando um pacto federal que lhe é peculiar[90]. A título de exemplo, é suficiente lembrar que a descentralização das competências legislativas no federalismo norte-americano é muito maior do que no modelo brasileiro, que, por sua vez, incluiu os municípios no pacto federal.

Todavia, ainda na esteira de Sarmento e Souza Neto, pode-se dizer que há alguns elementos mínimos que devem ser observados sob pena de a federação descaracterizar-se ou de o pacto federativo ser posto em xeque. Assim, é preciso:

a) que exista partilha constitucional de competências entre os entes da federação , de modo a assegurar a cada um uma esfera própria de atuação; b) que tais entes desfrutem de efetiva autonomia política, que se expressa na prerrogativas do autogoverno, auto-organização e autoadministração; c) que haja algum mecanismo de participação dos Estados-membros na formação da vontade nacional; e d) que os entes federais tenham fontes próprias de recursos para o desempenho dos seus poderes e competências, sem o que a autonomia, formalmente proclamada, será, na prática, inviabilizada (grifo nosso).[91]

Destarte, a federação exige que os seus entes possuam efetiva autonomia política, que se traduz pela auto-organização – a capacidade de produzir as suas próprias normas (auto legislação)[92] –, pelo autogoverno – a capacidade de eleger seus próprios governantes – e pela autoadministração – diretamente relacionada com a distribuição de competências legislativas, administrativas e administrativas entre os entes da federação.

A originalidade da federação, portanto, está em fazer surgir um Estado soberano a partir de Estados autônomos[93], que terão a capacidade de criar direito novo desde compatíveis com a Constituição Federal.

É na competência legislativa e na auto-organização dos Estados Federados que mais avulta a forma federal de Estado, transformando as unidades federativas em verdadeiros laboratórios legislativos, já que se tornam partícipes importantes do desenvolvimento do direito nacional, a atuar ativamente na construção de possíveis experiências que poderão ser adotadas por outros entes ou em todo território federal, como fez questão de assinalar bem recentemente o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2.922, julgada em abril de 2014[94]

 Antes mesmo de 2014, o STF já sinalizava que deveria auxiliar na arquitetura da autonomia estadual com “uma verdadeira reconstrução jurisdicional da própria teoria do federalismo, afastando aquela anterior subordinação dos Estados-membros e dos Municípios ao denominado ‘standard federal’ tão excessivamente centralizador da CF/69, na qual estabelecida uma concentração espacial do poder político na esfera da União”[95].

Continuando sua viragem federalista, o Supremo Tribunal Federal na ADI 4.060/SC[96], julgada em fevereiro de 2015, fez questão de frisar a necessidade de rever sua postura histórica, de modo a prestigiar iniciativas legislativas locais que se mostrassem potencializadoras dos valores constitucionais e concatenadas com o sistema de princípios da Lei Maior.

É o que deixou assente o voto do Ministro Relator, Luiz Fux:

A Corte destacou a necessidade de rever sua postura “prima facie” em casos de litígios constitucionais em matéria de competência legislativa, de forma a prestigiar as iniciativas regionais e locais, a menos que ofendam norma expressa e inequívoca da Constituição. Pontuou que essa diretriz se ajustaria à noção de federalismo como sistema que visaria a promover o pluralismo nas formas de organização política. [...] Frisou a necessidade de não se ampliar a compreensão das denominadas normas gerais, sob pena de se afastar a autoridade normativa dos entes regionais e locais para tratar do tema.

O reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal de que os Estados são laboratórios de experiências legislativas é de suma importância, já que, além de conferir merecido prestígio ao princípio federativo, e, portanto, aos espaços de poder locais, desponta como verdadeira viragem de sua conservadora jurisprudência, que condenavam as legislações estaduais a serem meras réplicas das leis federais, reduzindo quase à supressão o espaço de qualquer inventividade estadual

De fato, a auto-organização estadual como característica do federalismo era constantemente manietada pela jurisprudência histórica do Supremo Tribunal Federal, que, a pretexto de um “princípio da simetria” – cuja existência é fonte de fundadas dúvidas[97] –, amputava a criatividade legislativa estadual, exigindo que as leis estaduais fossem cópia fiel e incondicional dos padrões heteronomamente firmados pela própria União, como suposto fator de compulsória aplicação a todas unidades federativas.

Na prática, vertia-se o Estado brasileiro numa unidade legislativa, capitaneada pela União e com obrigação de clonagem pelos Estados, sob pena da pecha da inconstitucionalidade.

A possibilidade – agora reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal – de os Estados transformarem-se em laboratórios de experiências legislativas exitosas ganha especial relevo quando o assunto é a autonomia e a independência do Ministério Público de Contas.

Como já afirmamos nas linhas iniciais do presente trabalho, na ADI 789/DF, que representou o primeiro precedente acerca do perfil constitucional dos Ministérios Públicos de Contas, o Supremo Tribunal Federal julgou pela constitucionalidade da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, que fez por prever um Ministério Público inserido na estrutura administrativa da Corte de Contas Federal, despido de autonomia administrativa e financeira.

Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal compreendeu que, dentre as várias interpretações possíveis do art. 130 da Constituição Federal, seria legítima a adotada pelo legislador federal, que introduziu o Ministério Público de Contas da União na intimidade dos Tribunal de Contas da União.

Já nas ADI 160/TO e 2.378/GO, o Supremo Tribunal Federal foi além: deu como inconstitucionais os arranjos organizacionais dados pelos Estados do Tocantins e de Goiás na estruturação de seus Ministérios Públicos de Contas, na medida que não seguiram o modelo federal ao preverem um Parquet de Contas dotado de autonomia financeira e administrativa.

Para o Supremo Tribunal Federal, as unidades federativas que assim enveredaram feriram o chamado “princípio da simetria”. Isto é, sustentou o STF que, além do fragilizado modelo de Ministério Público de Contas adotado pelo legislador federal ser constitucional, ele seria compulsório a todas unidades federativas!

Todavia, não parece que resista esse vetusto entendimento pretoriano aos novos ares federalistas que a Corte Suprema respira, e tendo em vista a intepretação de uma norma de tessitura aberta a diversas interpretações como o art. 130 da Constituição Federal.

Sarmento e Souza Neto, citando James Thayer, lembram que não é raro a norma Constitucional suscitar diversas interpretações, e nesses casos a lei maior não imporia nenhuma posição específica ao legislador, deixando variável liberdade de escolha do modelo a ser adotado Consequência disso é reconhecer como constitucional escolha legislativa tomada pelos poderes constituídos desde que racionalmente esteja dentro do círculo hermenêutico possível[98].

A lição parece caber como uma luva no que diz respeito às normas estaduais que deferem independência institucional ao Ministério Público de Contas.

Com efeito, se é para insistir que não se extrai do art. 130 da Constituição Federal preceito que estenda direta e inequivocamente todo arsenal de independência institucional do Ministério Público regular ao Ministério Público de Contas[99], ao menos há de se admitir que foi deferido um espaço de discricionariedade legislativa conformatória aos poderes constituídos de cada unidade federativa, que, munidos da procuração de representantes eleitos do povo de cada Estado, acharão a saída que melhor atenda o interesse público regional.

Reside aí nada menos, nada mais que a auto-organização dos Estados federados autônomos e os espaços locais de poder, base do federalismo.

De outra banda, nem a golpes duros de interpretação é possível concluir que o art. 130 da Constituição Federal teria vedado peremptoriamente ao Ministério Público de Contas sua independência.

Na pior das hipóteses, a cláusula extensiva de prerrogativas do art. 130 da Constituição Federal seria uma espécie de rol mínimo de direitos, uma pauta mínima existencial desse especializado Parquet, e não um produto pronto e acabado de seu arranjo constitucional. Corrobora essa conclusão a lembrança que o art. 130 da Constituição Federal é dispositivo ampliativo de direitos, e não cerceador deles.

Logo, ainda que se entenda não ser extraível direta e automaticamente do art. 130 que aos Ministérios Públicos de Contas aplica-se a mesma independência institucional do Ministério Público regular, é impertinente caminhar em direção oposta para referendar que estaria naquele conciso artigo constitucional a pá-de-cal da possibilidade de intepretação pela independência do Parquet de Contas e do manejo dessa conformação pelos Estados federados.

Melhor compreender que o art. 130 da Constituição Federal é uma pauta mínima de direitos passível de ser melhor debruçada, detalhada e recrudescida a partir dos processos políticos locais, que debateriam a melhor configuração do Ministério Público de Contas em cada unidade federativa.

Nesse horizonte, jamais restaria vedado aos Estados criar um Ministério Público de Contas independente pelo simples fato de a opção da União ter sido outra, especialmente pelo fato de a escolha federal corresponder a modelo débil em garantias e comprovadamente comprometedor da funcionalidade constitucional do órgão.

Fincado que o art. 130 da Constituição Federal é uma pauta mínima de direitos, e não um teto deles, caberia ao Supremo Tribunal Federal, ao se debruçar sobre a organização do Ministério Público de Contas de determinada unidade federativa, analisar se estaria violada a pauta mínima de direitos do art.130, incorrendo em inconstitucionalidade a lei local apenas e tão somente quando o rol de direitos básicos delineados pela Constituição Federal não fosse contemplado na legislação local.

Sem embargo, tendo a lei local oferecido um modelo ainda mais recheado de garantias e propenso a uma melhor funcionalidade do órgão, estaria refutada qualquer pecha de inconstitucionalidade.

Logo, qualquer distinção entre o modelo federal e o estadual haveria de passar pelo crivo de constitucionalidade, não pelo pálio da necessidade da completa coincidência normativa federal-estadual, mas sim da obediência dos direitos mínimos estampados no art. 130.

Nesse sentido – e não custa repetir –, arranjos organizacionais locais que venham a criar um Ministério Público de Constas dotado de prerrogativas institucionais e com independência perante a Corte na qual oficiam, longe de degenerar os valores republicanos que motivaram a previsão de um Ministério Público de Contas na Constituição Federal, vêm, ao contrário, a reforçá-los e são, portanto, constitucionais.

Iniciativas estaduais desse jaez devem ser recebidas com entusiasmo pelo Pretório Excelso, e não com a pecha de inconstitucionalidade, já que muito mais condizentes com o regime geral do Ministério Público inaugurado pela Constituição Federal de 1988 e consentâneas com a esperada eficiência dos órgãos de controle externo. Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal atuaria com fortes pendores federalistas, fazendo jus ao Federal que carrega na alcunha e que está presente indelevelmente no espírito da Constituição.

Para que não nos limitemos ao campo teórico, e naquelas boas oportunidades em que teoria e prática se encontram, pegue-se o exemplo marcante do Ministério Público de Contas do Estado do Pará, referenciado nas primeiras linhas deste trabalho e que goza de autonomia administrativa e financeira desde 1992, com a edição de sua Lei Complementar 09/92.

O modelo paraense do Ministério Público de Contas é realidade que permeia o controle externo local há mais de 23 anos e é tido pelo próprio Tribunal de Contas local como um exemplo a ser seguido pelas outras unidades federativas como fez questão de salientar recentemente o Presidente do Egrégio Tribunal de Contas do Estado do Pará, Conselheiro Luis Cunha, em excerto já transcrito acima.

Na oportunidade, o Sr. Conselheiro-Presidente tecia críticas à ADI 5.254/PA, proposta pelo Procurador-Geral da República e que impugna a constitucionalidade da legislação do Pará que granjeou com autonomia administrativa e financeira seus Ministérios Públicos de Contas (tanto o do Estado quanto os dos Municípios).

A opinião de que o melhor modelo de Ministério Público de Contas é o que alberga o máximo de garantias institucionais, paralela e complementarmente às garantias funcionais, não foi isolada do Presidente daquela Corte de Contas, mas sim seguida à unanimidade por seus pares, e culminou, até mesmo, em divulgação de Moção de Apoio à manutenção da autonomia e independência administrativa e financeira do Ministério Público de Contas do Estado do Pará, subscrita em 19 de março de 2015, por todos os Conselheiros e Conselheiros-Substitutos do Tribunal de Contas do Estado do Pará.

Aqui resta mais que evidente e palpável a ideia de laboratório de experiências legislativas exitosas. Não há nessas incursões legislativas estaduais, incrementadoras da eficiência dos Ministérios Públicos de Contas, qualquer ofensa expressa e inequívoca à Constituição Federal.

Corrobora esses matizes, o princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos, um dos princípios da hermenêutica constitucional e que faz presumir que os atos do normativos do poder público, oriundos de agentes públicos eleitos e no pleno gozo de legitimidade democrática, são constitucionais na medida em que são editados como resultado de sua intelecção de que são o melhor caminho para prover o interesse público[100].

Como se sabe, a tarefa de interpretar as leis não é exclusiva do Poder Judiciário. Os Poderes Legislativo e Executivo também interpretam a Constituição diariamente, e a interpretação que esses atores estatais conferem ao texto constitucional é digna de ser tida em alta conta pelas Cortes judiciais, exatamente por traduzirem a intenção dos representantes eleitos do sistema democrático.

Ensina Barroso[101] que do princípio hermenêutico da presunção de constitucionalidade das leis surgem três consequências práticas relevantes: 1) a inconstitucionalidade não será declarada se não for patente e inequívoca, havendo tese jurídica razoável que abrigue a intepretação dada pelo legislativo e o executivo; 2) não será declarada a inconstitucionalidade se for possível decidir a questão por outro fundamento, evitando-se a invalidação do ato normativo; e 3) não será inconstitucional a norma, se for possível conferir uma interpretação a ela compatível com a Constituição.

Todas essas lições são perfeitamente aplicáveis às normas estaduais que deferem autonomia aos Ministérios Públicos de Contas, visto que se movimentam dentro de um espaço hermenêutico possível do art. 130 da Constituição Federal, e nem de perto podem ser tidas como lesivas aos valores constitucionais, pelo que hão de se presumir e de se confirmar como constitucionais.

Nem se diga ainda que o art. 75 da Constituição Federal[102] imporia um centralismo do modelo federal de Ministério Público de Contas a todos os Estados Federados. Isso porque a norma em comento – além de se referir aos Tribunais de Contas, e não aos Ministérios Públicos de Contas – é expressa em estender aos Estados e ao Distrito Federal os preceitos respeitantes à organização do Tribunal de Contas da União presentes na Seção da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária da Constituição.

Ocorre que, na mencionada Seção constitucional, não há uma linha qualquer sobre o perfil do Ministério Público de Contas, instituição que foi referida muitos artigos depois, já dentro da Seção atinente ao Ministério Público.

Permite-se até inferir disso, e valendo-se de interpretação a contrario sensu, que, se a Constituição vinculou a organização dos Tribunais de Contas locais ao modelo federal apenas nos pontos mencionados na multicidada Seção de fiscalização contábil, financeira e orçamentária, é conclusão indisputável que nos pontos que não tratou a Constituição Federal estaria aberta a liberdade de conformação dos legislativos estaduais.

O art. 75 da Constituição seria dispositivo inundado de federalismo, ao abrir margens para a criatividade do legislador estadual no tocante à organização de seus Tribunais de Contas nas matérias não tratadas pela Seção de fiscalização contábil, financeira e orçamentária.

Por fim, tratando-se o Ministério Público de Contas de um integrante da família do Ministério Público brasileiro, como se admitiu na própria ADI 789/DF, e relembrando que foi o próprio Supremo Tribunal Federal que reconheceu, também na ADI 789/DF, ser irrelevante o fato dos Ministérios Públicos de Contas não constarem no rol do art. 128 da Constituição Federal, é mais do que razoável concluir que sua organização há de ser feita nos moldes referenciados no § 5º deste mesmo art. 128[103], que reforça as competências locais de organização dos Ministérios Públicos, por intermédio de lei complementar de iniciativa dos Procuradores-Gerais, em federalismo que permeia as instituições ministeriais.


7. MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL, CONVENÇÃO DE MÉRIDA E O IMPRESCINDÍVEL REPOSICIONAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

É consenso que a Constituição pode sofrer processo de mudanças formais ou informais. As mudanças formais se dão pela via das emendas constitucionais, proposições legislativas com quórum qualificado de votação (3/5 de ambas as casas) e procedimento especial (dois turnos de votação tanto na Câmara quanto no Senado)[104].

Por sua vez, as mudanças informais se dão por via da chamada mutação constitucional e consistem na alteração dos sentidos dados ao texto constitucional, com consequências diretas no alcance da norma constitucional. Isto é, mudança de percepção sobre o texto a despeito da permanência de seus exatos termos gramaticais. A mutação constitucional pressupõe um entendimento preexistente sobre a norma[105], modificado após novo pálio atualizante sobre ele.

Sendo a intepretação constitucional o produto do seu tempo, é mais que natural que a percepção sobre as normas jurídicas sofram o influxo e refluxo da constante metamorfose social e de seus valores. A repaginação da estrutura social demanda, por consequência lógica, uma nova leitura constitucional.

Na seara constitucional, é mais fácil e frequente esse fenômeno, na justa medida em que a peculiar estrutura das normas constitucionais, pródigas em conceitos jurídicos indeterminados e na fixação de locuções abertas, funcionam como portas e janelas abertas para a circulação de novos ares jurídicos, sociais e políticos, como que para espantar mofos interpretativos afixados e renitentes.

A mutação ocorre por força, por assim dizer, de um poder constituinte difuso e permanente, vivo no cotidiano da sociedade e que revela uma constituição igualmente viva (living Constitution), a que faz menção a doutrina americana.

A descoberta de um novo sentido à norma constitucional é resultado da mobilidade do direito, que, embora muitas vezes em atraso, tenta acompanhar a mobilidade social[106]. Mobilidade social quase supersônica em tempos de moderníssimas tecnologias de informação e comunicação. A mutação é, desta feita, consequência da plasticidade das normas da constituição somada à constante alteração da percepção jurídica da sociedade e dos Tribunais.

Sarmento e Souza Neto frisam quem a possibilidade de mutação constitucional decorre exatamente da dissociação entre norma e texto:

Se a norma constitucional não se confunde com o seu texto, abrangendo também o fragmento da realidade sobra a qual esse incide, é evidente que nem toda mudança na Constituição supõe alteração textual. Mudanças significativas da sociedade – seja no quadro fático, seja no universo dos valores compartilhados pelos cidadãos -, podem também provocar câmbios constitucionais, sem que haja qualquer mudança formal no texto magno[107].

Barroso, citando Bruce Ackerman, chega a citar que a mutação constitucional foi responsável pelas principais modificações constitucionais americanas, muito além das alcançadas pelas alterações formais, em especial quando pautas de valores humanos e sociais importantes não contavam com força de movimentação político-legislativa suficiente[108].

Os limites da legitimidade da mutação constitucional estão demarcados no ponto de equilíbrio que deve haver entre dois dos conceitos mais importantes à teoria constitucional, mas que guardam certa tensão entre si: o de rigidez constitucional (apanágio de sua supremacia) e o da plasticidade de suas normas.[109]

Nesse diapasão, só será legítima a mutação constitucional que respeite os limites semânticos do texto e que, ao mesmo tempo, preserve os valores fundamentais da Constituição.

O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de reconhecer a mutação constitucional em diversos casos, em algumas das suas mais relevantes decisões.

Cita-se como exemplo sempre lembrado a viragem de 180° acerca da intepretação dada à extensão do foro por prerrogativa de função na hipótese de saída do réu do cargo ou função que ocupava, quando o Supremo Tribunal Federal moveu-se da admissão da extensão (entendimento sumulado sob o nº 394 dos enunciados de jurisprudência) para a sua negativa expressa[110].

De igual forma, a mudança acerca da constitucionalidade do regime integralmente fechado para os condenados por crimes hediondos, que de constitucional passou a ser tido como ofensivo à Constituição pelo Supremo Tribunal Federal[111].

Digna de nota também foi a alteração dada pelo Supremo Tribunal Federal acerca da funcionalidade do mandado de injunção, que era tido como instrumento de pouca ou quase nenhuma eficácia, mas, após o writ constitucional, tornou-se instrumento dotado de poderosa carga concretizante dos valores constitucionais[112][113][114].

Outros exemplos de grande repercussão dizem respeito à titularidade dos mandatos eletivos[115], a vedação aos prefeitos itinerantes[116] e o reconhecimento à união estável homoafetiva[117] já referenciada em linhas pretéritas, onde o Supremo Tribunal Federal chegou a destacar que seu novo entendimento se opunha à opção deliberada do constituinte de 1988, decorrente das mudanças valorativas no seio social desde então.

A rigor, o que deve guiar o intérprete constitucional não é determinada concepção embutida no bojo da Constituição, mas o conceito que a lei maior traz em si. Quem muito bem explica a distinção entre concepção e conceito é Dworkin[118], ao narrar a história de um pai que aconselha os filhos a sempre obedecerem à equidade na vida. O que o pai exorta não é a sua concepção pessoal e temporal de equidade, mas que cada filho busque ser equânime em compasso com suas próprias concepções e com o desenvolvimento que o tempo dará ao conceito de equidade.

É por isso que um conceito pode ter determinada concepção num momento histórico e passar a outra concepção diametralmente distinta em outra época.

Tudo isso calha bem de vir à tona quando se trata de pensar numa mutação constitucional a respeito dos Ministérios Públicos de Contas e o reconhecimento de sua autonomia financeira e administrativa pela Constituição, ou, pelo menos, da não proibição que venham a usufruí-las por obra da auto-organização estadual/distrital e do princípio.

Todos os elementos que dão azo a uma mutação constitucional que altere a interpretação do Supremo Tribunal Federal acerca do alcance do art. 130 da Constituição Federal estão presentes.

A repaginação de um Ministério Público de Contas autônomo, por intermédio de intepretação atualizadora, incrementa sobremaneira a independência funcional de seus membros na atuação de fiscal da lei e na condição de representante da sociedade nos processos em trâmite nos Tribunais de Contas.

É compartilhado pela comunidade jurídica em geral, e até mesmo em eloquentes decisões do Supremo Tribunal Federal, que o usufruto de independência funcional plena só pode se dar quando o membro do Ministério Público está inserido numa estrutura institucional independente e que se auto-administre. A ideia de um Ministério Público de Contas autônomo e independente, assim sendo, é mais que aceita pela comunidade jurídica, é tida como premente.

De outra banda, é nos Tribunais de Contas que o princípio republicano de prestar contas ganha contornos mais relevantes, desembocando nesta Corte minudente e estratégico material acerca da legalidade e moralidade dos gastos do erário.

A jurisdição do Tribunal de Contas é, portanto, fundamental para o efetivo combate à corrupção e o exato controle da administração pública, o que induz que deve atuar nessa importante jurisdição de controle externo um Ministério Público tão forte e independente quanto o que funciona perante o Poder judiciário.

A necessidade de fortalecer os órgãos de controle na luta contra os malfeitos ao erário é premissa que quase monopoliza os anseios populares e está consagrada como verdadeira pretensão coletiva[119]. De fato, pulsa na moderna sociedade brasileira clamores pela probidade pública, com a detecção e punição dos responsáveis por atos de improbidade administrativa. Está na pauta do dia das discussões nacionais a eficiência no combate à corrupção, como um dos objetivos fundamentais do Estado. Mote que vem levando milhões de brasileiros às ruas, em instigante capacidade de mobilização poucas vezes vistas na história brasileira[120].

Basta singela atenção ao noticiário nacional para se verificar que grande parte do espaço jornalístico[121][122][123][124] é destinado ao tema anticorrupção e em prol da moralidade administrativa, reforçando que há sinergia de valores e condutas na efetivação do direito fundamental à administração pública proba e eficiente.

Portanto, interpretação em prol da independência do Ministério Público de Contas se amolda à perfeição aos objetivos mais relevantes da sociedade brasileira, em deferência clara com os valores sociais unânimes por um Estado eficiente e probo.

Outro ponto de grande destaque que alimenta a necessidade de mutação do entendimento pretoriano é a adesão brasileira à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003, mais conhecida como a Convenção de Mérida.

Dito instrumento internacional tem como foco o combate à corrupção e foi internalizada ao ordenamento jurídico brasileiro por intermédio do Decreto Presidencial 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Em seu art. 6º, item 2, a Convenção de Mérida estatui que os Estados signatários deverão prover seus órgãos de combate à corrupção com a independência necessária para o bom desempenho de suas funções.

É preciso sublinhar: a Convenção de Mérida exige a independência do órgão de combate à corrupção, não se contentando com a independência de determinada categoria de servidores públicos.

A propósito, convém transcrever esse dispositivo do tratado internacional:

Artigo 6

Órgão ou órgãos de prevenção à corrupção

1. Cada Estado Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, garantirá a existência de um ou mais órgãos, segundo procede, encarregados de prevenir a corrupção com medidas tais como:

a) A aplicação das políticas as quais se faz alusão no Artigo 5 da presente Convenção e, quando proceder, a supervisão e coordenação da prática dessas políticas;

b) O aumento e a difusão dos conhecimentos em matéria de prevenção da corrupção.

2. Cada Estado Parte outorgará ao órgão ou aos órgãos mencionados no parágrafo 1 do presente Artigo a independência necessária, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, para que possam desempenhar suas funções de maneira eficaz e sem nenhuma influência indevida. Devem proporcionar-lhes os recursos materiais e o pessoal especializado que sejam necessários, assim como a capacitação que tal pessoal possa requerer para o desempenho de suas funções.

Sabendo-se que na doutrina brasileira os tratados internacionais ingressam, via de regra, com o status de lei ordinária, e recapitulando que na ADI 789/DF o Supremo Tribunal Federal reconheceu que, dentre as interpretações constitucionais possíveis, a opção interpretativa constante na Lei 8.443/92 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União) de inserir o Ministério Público de Contas dependente do Tribunal de Contas da União era possível e legítima, parece bem claro que com a internalização da Convenção de Mérida, houve revogação parcial da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União nesta matéria, de modo que outra opção legislativa – perfeitamente compatível com a Constituição, diga-se – tomou corpo e veio a prevalecer: a de granjear o Ministério Público de Contas da União – órgão nato de combate à corrupção – com a independência necessária a que se refere o item 2 do art. 6º da Convenção de Mérida.

Aqui, a norma posterior – a da Convenção de Mérida – prevalece sobre a anterior – a da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União –, em homenagem ao consagrado critério cronológico[125] posto ser incompatível a independência necessária do órgão a qual se refere a Convenção de Mérida, com sua subordinação administrativa a uma estrutura alheia.

É até de se cogitar que, nesse ponto, a Convenção de Mérida de combate à corrupção traz forte imbricação com os direitos humanos [126], na medida em que visa assegurar que os esforços e poupanças públicas sejam direcionados em benefício de todos, e não em favor do governante de ocasião e seus apaniguados. Exatamente por isso que o combate à corrupção estatal está inserido no conceito de direitos humanos desde a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789[127], um dos primeiros e mais notáveis marcos da ideia moderna de direitos humanos.

Sobre a ligação íntima entre corrupção e desrespeito aos direitos humanos, é eloquente a fala de Navy Pillay, Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos:

A corrupção é um enorme obstáculo à realização de todos os direitos humanos – civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, bem como o direito ao desenvolvimento. A corrupção viola os princípios fundamentais de direitos humanos da transparência, responsabilização, não discriminação e participação significativa em todos os aspectos da vida da comunidade. Correspondentemente, estes princípios, quando garantidos e implementados, são o meio mais eficaz para combater a corrupção[128].  

Nesse diapasão, não seria exagero enveredar pela linha de pensamento que a Convenção de Mérida seria dotada da supralegalidade conferida a todos os tratados internacionais de direitos humanos[129], posto ser tributária do aperfeiçoamento estatal no combate à corrupção. Corrupção estatal conhecida e reconhecida como um dos maiores obstáculos à efetivação dos direitos humanos, notadamente em países de grandes desigualdades sociais como o Brasil.

Sublinhe-se que, seja qual for o status da Convenção de Mérida no Brasil – se equivalente ao de lei ordinária, ou dotada de supralegalidade – o advento de novas normatizações infraconstitucionais muito podem e devem influenciar a hermenêutica constitucional, porquanto a interpretação dada pelos órgãos legislativos a determinada solução de conformação constitucional merece respeito especial das Cortes Supremas.

Não é por outro motivo que Barroso[130], citando Bruce Ackerman, relembra que boa parte da conquista dos direitos civis pelos negros, na década de 60, ocorreu em virtude do advento de legislação ordinária que veio a repercutir na interpretação da própria constituição, mobilizando uma mutação constitucional.

A Convenção de Mérida é um reforço do que pode representar a “aquisição de direitos civis” do Ministério Público de Contas brasileiro.

Vê-se, portanto, que mutação constitucional que reconheça a independência do Ministério Público de Contas passa bem por todos os requisitos lançados pela doutrina e jurisprudência para a ocorrência de uma mutação constitucional, funcionando a exegese atualizadora como antena de captação para as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea.

Por outro lado, além de preenchidos os requisitos para a mutação constitucional, não se constata qualquer óbice para que ela ocorra.

Isso porque mutação constitucional atualizadora da feição institucional do Ministério Público de Contas é perfeitamente conciliável com o texto normativo presente no art. 130 da Constituição Federal, seja por serem indissociáveis as garantias subjetivas deferidas aos membros do Ministério Público de Contas das garantias objetivas do próprio órgão, seja pelo próprio texto conter indicativos claros de que o Ministério Público de Contas é uma institucionalidade própria e distinta do Tribunal perante o qual atua.

 A mutação constitucional, neste ponto, jamais enveredaria por interpretação constitucional fora das possibilidades apresentadas pelo texto normativo.

A intelecção de um Ministério Público independente, ademais, é muito mais consentânea com os princípios constitucionais que regeram a nova feição que o Ministério Público em geral recebeu da Constituição de 1988, não apenas preservando os valores e a identidade da Constituição Federal, mas como potencializando-os. Interpretação atualizadora nessa linha é prestigiosa e respeitadora do sistema constitucional como um todo.

Finalmente, declarar a independência do Ministério Público de Contas, longe de ofender quaisquer das cláusulas pétreas, é agente catalizador delas, uma vez que, ao reforçar o controle externo da administração pública, automaticamente presta-se tributo ao sistema federativo como um laboratório de experiências legislativas exitosas, rendem-se loas ao exercício responsável dos direitos políticos, incrementa-se substancialmente a separação dos poderes com a fragmentação de poder entre órgãos autônomos a protagonizarem o sistema de pesos e contrapesos e finalmente, e em especial, reforça-se substancialmente o direito individual e difuso a uma administração pública proba e eficiente.


CONCLUSÃO

O Ministério Público de Contas é instituição permanente, essencial ao controle externo, responsável por promover na jurisdição dos Tribunais de Contas a função de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Encarregado da responsabilidade de exercer a missão de custos legis e de custos constitutionis na estratégica jurisdição dos Tribunais de Contas, já seria intuitivo concluir que a este órgão ministerial se deve guardar o mesmo rol de independência institucional que alcançou seu congênere com atuação perante o Poder Judiciário. Até porque é na jurisdição dos Tribunais de Contas que avulta cotidianamente a defesa do republicanismo e da moralidade administrativa como bandeiras da própria razão de ser do controle externo brasileiro.

Seria mínimo estranho e máximo contraditório imaginar que a Constituição Federal, ao idealizar um Ministério Público com atuação perante os Tribunais de Contas, tenha desejado manietar esse mesmo órgão ministerial das características essenciais que definem o Ministério Público brasileiro.

É como se a Lei Maior, num átimo de esquizofrenia constitucional, dissesse: “ És, mas não és”. Uma contradição que longe de trazer à tona um reflexivo “Ser ou não ser” de Hamlet, provoca um “Ser ou não ser” paralisante, obstáculo quase que intransponível para o pleno aproveitamento social das potencialidades de um Ministério Público de Contas.

O Ministério Público de Contas tracejado pela ADI 789/DF sofre do mal da falta de identidade. Tenta equilibrar-se na confusão interpretativa que impera sobre si e que impede que seja o que constitucionalmente é: um Ministério Público, igual a todos os outros ramos do Ministério Público brasileiro.

Na mesma medida que sonha e briga por bem executar suas atividades de advogado da sociedade no combate à corrupção, frustra-se inevitavelmente diante dos limites que a ausência de autonomia lhe impõe. O Ministério Público de Contas parecer ser aquele que foi, sem nunca ter sido, só para parafrasear um marcante artigo jurídico que ajudou a mudar o rumo do mandado de injunção no país[131].

E nesse dilema de identificação, perde-se muito de sua funcionalidade, esbarrando a todo instante em acrobacias jurídicas sempre voltadas para embaraçar o seu funcionamento e o cumprimento de seu destino constitucional. É o que aconteceu em diversas hipóteses citadas ao longo deste trabalho, que culminaram, invariavelmente, na retaliação ao poder investigativo dos Ministérios Públicos de Contas, na mitigação de sua faculdade recursal, ou na simples e escancarada amputação de estrutura administrativa.

A rigor, se não fosse a notável disposição ao combate de boa parte de seus membros, é bem possível que os Ministérios Públicos de Contas se tornassem aquilo que há mais de cem anos previu Rui Barbosa sobre instituições de controle sem autonomia: um ornato aparatoso e inútil. Um parecerista de luxo, bem remunerado, pouco relevante e sem tarimba para a investigação.

Recusa-se a extrair do art. 130 da Constituição Federal interpretação tão tacanha.

Proclamar um Ministério Público de Contas pertencente à intimidade estrutural da Corte perante o qual atuam, mesmo que com a ressalva da independência funcional de seus membros, é linha interpretativa que, na prática, fulmina a atuação livre e desimpedida dos Procuradores de Contas. Isso porque, ninguém é verdadeiramente livre se mora de favor ou se precisa do cheque alheio para dar conta de seus gastos. Liberdade sem disponibilidade financeira é o pior dos cárceres. Sequer são necessárias grades.

Vimos neste trabalho que o enlace imprescindível entre autonomia financeira e administrativa do Ministério Público com a independência funcional de seus membros é mais do que conhecida e reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. Não há razões jurídicas para excepcionar o Ministério Público de Contas dessa conclusão. Logo o Ministério Público de Contas, sempre tão sensível a toda série de perseguições por funcionar numa jurisdição voltada a atuar em nome do republicanismo, num país de tradição clientelista e patrimonialista.

Na verdade, por qualquer ângulo que se ponha a questão, e seja qual for a metodologia, os princípios, os elementos ou as técnicas interpretativas usadas, a conclusão não pode ser outra que não reconhecer que, se foi criado um Ministério Público com atuação nos Tribunais de Contas, gozará este, até por imperativo terminológico, das mesmas características essenciais do Ministério Público com atuação no Poder Judiciário. Do contrário, não haveria razão de nominá-lo de Ministério Público, nem haveria motivo de prevê-lo na Seção do Ministério Público em vez de situá-lo da Seção referente aos Tribunais de Contas.

Não há déficit de normatividade sobre a independência dos Ministérios Público de Contas, o déficit é de interpretatividade do alcance do art. 130 da Constituição Federal. Se é inconteste que todos os direitos dos membros do Ministério Público de justiça são extensíveis aos membros do Ministério Público de Contas, deve-se incluir neste rol, por óbvio, o mais importante desses direitos: o de trabalhar numa instituição autônoma que agasalhe, promova e proteja sua atuação funcional independente.

De outra banda, ainda que num exercício interpretativo mais tímido e descompromissado com a efetividade venha a se definir que a Constituição Federal não teria deferido automaticamente os atributos de autonomia administrativa e financeira aos Ministérios Públicos de Contas, nem o mais apocalíptico dos intérpretes constitucionais chegaria ao ponto de afirmar que essa mesma Constituição teria, além de tudo, vedado que o legislador infraconstitucional pudesse deferir tais prerrogativas institucionais ao órgão ministerial de contas, como se, além da queda, viesse o coice.

Ora, se repousa no princípio federalista uma das bases fundamentais do constitucionalismo brasileiro, e diante da norma ampliativa de direitos que é o art. 130 da Constituição Federal, parece evidente ao menos que resta franqueado aos entes federativos, com fulcro nos seus poderes auto organizativos, ampla margem legislativa acerca do modelo de Parquet de Contas, que só recairá em inconstitucionalidade caso prejudique e degenere a boa atuação do órgão. Por outro vértice, não há inconstitucionalidade em se fortalecer o Ministério Público de Contas. Nada mais constitucional que fortalecer órgãos de controle e de combate à corrupção.

Dito de outra maneira: ainda que se entenda que a Constituição não tenha tornado obrigatória a autonomia institucional dos Ministério Público de Contas, é inadmissível ancorar em linha interpretativa contrária, e virar o leme no sentido da vedação absoluta de autonomia, proibindo-se aos entes federativos a outorga a seus Ministérios Públicos de Contas do máximo aparato de independência institucional possível, potencializadora e concretizadora da independência funcional de seus membros.

À míngua de norma proibitiva, é perfeitamente cabível, e muito mais alinhada aos valores constitucionais, a interpretação local que confira independência aos seus Ministérios Públicos de Contas.

Em tempos em que o combate à corrupção é um dos principais motes de atuação do Poder Público, pôr abaixo as armas de um importante protagonista desta luta – os Ministérios Públicos de Contas –, é mais que fogo amigo, é verdadeira interpretação infiel aos desideratos moralizadores da Constituição.

A bem da verdade, a decisão tomada na ADI 789/DF, embora tenha sido de extrema importância nos idos de 1994 para a sobrevivência de um Ministério Público especializado na jurisdição de contas – um verdadeiro marco de sua existência –, envelheceu com o tempo, desbotou diante 21 anos de desafios que se apresentaram à efetivação dos Ministérios Públicos de Contas brasileiros e tornou-se insuficiente para o desempenho das atividades ministeriais nos Tribunais de Contas.

Uma mutação constitucional urge. Seja para reconhecer que o art. 130 da Constituição Federal diretamente prescreve independência institucional ao Ministério Público de Contas, seja para, ao menos, reconhecer que fica no espaço de conformação legislativa local a possibilidade de as unidades federativas adotarem um Ministério Público de Contas dotado de autonomia financeira e administrativa, em franca homenagem ao princípio federativo como laboratório de experiências legislativas exitosas.

Ser ou não ser Ministério Público, eis a questão?

“Dormir... Talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo”[132]. 


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DILMA Rousseff divulga detalhes do pacote de combate à corrupção. G1, 18 mar. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2015/03/dilma-rousseff-divulga-detalhes-do-pacote-de-combate-corrupcao.html>. Acesso em: 28 maio 2015.

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PGR apresenta dez propostas para melhorar o combate à corrupção. G1, 20 mar. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/03/pgr-apresenta-dez-propostas-para-melhorar-o-combate-corrupcao.html>. Acesso em: 28 maio 2015.

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TCE barra investigação do Ministério Público sobre salários de secretários do governo Alckmin. Estadão, São Paulo, 07 jun. 2015. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tce-barra-investigacao-do-ministerio-publico-sobre-salarios-de-secretarios-do-governo-alckmin,1701733>. Acesso em: 09 jun. 2015.

TCE-SP tenta limitar atuação de procuradores e abre crise. Estadão, São Paulo, 18 abr. 2013. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tce-sp-tenta-limitar-atuacao-de-procuradores-e-abre-crise,1022561>. Acesso em: 28 maio 2015.

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Notas

[1]  Art. 170. A Receita, e despeza da Fazenda Nacional será encarregada a um Tribunal, debaixo de nome de “Thesouro Nacional” aonde em diversas Estações, devidamente estabelecidas por Lei, se regulará a sua administração, arrecadação e contabilidade, em reciproca correspondencia com as Thesourarias, e Autoridades das Provincias do Imperio.

[2] Assim ficou conhecido Rui Barbosa, depois de sua atuação destacada na Segunda Conferência da Paz em 1907, em Haia na Holanda, onde se notabilizou pela defesa da soberania dos países periféricos e a preferência à arbitragem como meio de solução de controvérsias internacionais.

[3] Cf. CHEKER, Monique. Ministério Público junto ao Tribunal de Contas. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

[4] Art. 89. É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso. Os membros deste Tribunal serão nomeados pelo Presidente da República com aprovação do Senado, e somente perderão os seus lugares por sentença.

[5]  Art. 73. O Tribunal de Contas tem sede na Capital da União e jurisdição em todo o território nacional. [...]  § 5º O Tribunal de Contas, de ofício ou mediante provocação do Ministério Público ou das Auditorias Financeiras e Orçamentárias e demais órgãos auxiliares, se verificar a ilegalidade de qualquer despesa, inclusive as decorrentes de contratos, aposentadorias, reformas e pensões, deverá: a) assinar prazo razoável para que o órgão da Administração Pública adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei; b) no caso do não atendimento, sustar a execução do ato, exceto em relação aos contratos; c) na hipótese de contrato, solicitar ao Congresso Nacional que determine a medida prevista na alínea anterior, ou outras que julgar necessárias ao resguardo dos objetivos legais.

[6] Art. 137. A lei organizará o Ministério Público da União junto aos Juízes e Tribunais Federais. Art. 138. O Ministério Público Federal tem por Chefe o Procurador-Geral da República, o qual será nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos com os requisitos indicados no art. 113, § 1º. § 1º Os membros do Ministério Público da União, do Distrito Federal e dos Territórios ingressarão nos cargos iniciais de carreira, mediante concurso público de provas e títulos. Após dois anos de exercício, não poderão ser demitidos senão por sentença judiciária, ou em virtude de processo administrativo em que se lhes faculte ampla defesa; nem removidos, a não ser mediante representação do Procurador-Geral, com fundamento em conveniência do serviço. § 2º A União será representada em Juízo pelos Procuradores da República, podendo a lei cometer esse encargo, nas Comarcas do interior, ao Ministério Público local.  Art. 139. O Ministério Público dos Estados será organizado em carreira, por lei estadual, observado o disposto no parágrafo primeiro do artigo anterior.  Parágrafo único. Aplica-se aos membros do Ministério Público o disposto no art. 108, § 1º, e art. 136, § 4º.

[7] GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 94.

[8] Formalmente a Emenda n. 1, de 17 de outubro de 1969.

[9] [...] o próprio Ministério Público geral era regrado pela Constituição Federal como segmento do Poder Executivo. Fazia parte de um conjunto normativo que resumia o Capítulo então aberto para cuidar das coisas do Poder Executivo da União (Capítulo VII do Título I). Ao lado dos Ministros de Estado, das Forças Armadas e dos Funcionários Públicos. Logo, se nem o Ministério Público geral era regrado como instância a gravitar em torno do seu próprio eixo, mas na órbita de um outro órgão público, natural que seria que o Ministério Público Especial (de Contas) também figurasse como unidade de serviço interna aos Tribunais de Contas, a partir do TCU. Órgão sem autonomia administrativa ali, órgão sem autonomia administrativa aqui, por que essa era a vontade da Constituição da época. (Trecho do voto do Ministro Ayres Britto proferido nos autos da ADI 2.378/GO).

[10] Art. 130. Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura.

[11] Ministério Público Junto ao Tribunal

Art. 80. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, ao qual se aplicam os princípios institucionais da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional, compõe-se de um procurador-geral, três subprocuradores-gerais e quatro procuradores, nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros, bacharéis em direito.

§ 1° (Vetado)

§ 2° A carreira do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União é constituída pelos cargos de subprocurador-geral e procurador, este inicial e aquele representando o último nível da carreira, não excedendo a dez por cento a diferença de vencimentos de uma classe para outra, respeitada igual diferença entre os cargos de subprocurador-geral e procurador-geral.

§ 3° O ingresso na carreira far-se-á no cargo de procurador, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização e observada, nas nomeações, a ordem de classificação, enquanto a promoção ao cargo de subprocurador-geral far-se-á, alternadamente, por antigüidade e merecimento.

Art. 81. Competem ao procurador-geral junto ao Tribunal de Contas da União, em sua missão de guarda da lei e fiscal de sua execução, além de outras estabelecidas no Regimento Interno, as seguintes atribuições:

I - promover a defesa da ordem jurídica, requerendo, perante o Tribunal de Contas da União as medidas de interesse da justiça, da administração e do Erário;

II - comparecer às sessões do Tribunal e dizer de direito, verbalmente ou por escrito, em todos os assuntos sujeitos à decisão do Tribunal, sendo obrigatória sua audiência nos processos de tomada ou prestação de contas e nos concernentes aos atos de admissão de pessoal e de concessão de aposentadorias, reformas e pensões;

III - promover junto à Advocacia-Geral da União ou, conforme o caso, perante os dirigentes das entidades jurisdicionadas do Tribunal de Contas da União, as medidas previstas no inciso II do art. 28 e no art. 61 desta Lei, remetendo-lhes a documentação e instruções necessárias;

IV - interpor os recursos permitidos em lei.

Art. 82. Aos subprocuradores-gerais e procuradores compete, por delegação do procurador-geral, exercer as funções previstas no artigo anterior.

Parágrafo único. Em caso de vacância e em suas ausências e impedimentos por motivo de licença, férias ou outro afastamento legal, o procurador-geral será substituído pelos subprocuradores-gerais e, na ausência destes, pelos procuradores, observada, em ambos os casos, a ordem de antigüidade no cargo, ou a maior idade, no caso de idêntica antigüidade, fazendo jus, nessas substituições, aos vencimentos do cargo exercido.

Art. 83. O Ministério Público contará com o apoio administrativo e de pessoal da secretaria do Tribunal, conforme organização estabelecida no Regimento Interno.

Art. 84. Aos membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União aplicam-se, subsidiariamente, no que couber, as disposições da Lei orgânica do Ministério Público da União, pertinentes a direitos, garantias, prerrogativas, vedações, regime disciplinar e forma de investidura no cargo inicial da carreira.

[12] Eis a redação da LC 09/92 do Estado do Pará, a título de exemplo. Art. 2º O Ministério Público Especial de que trata esta Lei e na forma da Constituição Federal e da Constituição do Pará, tem como princípios institucionais: a unidade, a individualidade e a independência financeira e administrativa, dispondo de dotação orçamentária global própria.

[13] Art. 128. O Ministério Público abrange: I - o Ministério Público da União, que compreende: a) o Ministério Público Federal; b) o Ministério Público do Trabalho; c) o Ministério Público Militar; d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; II - os Ministérios Públicos dos Estados.

[14] MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 64-66.

[15] ADIN - LEI N. 8.443/92 - MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TCU - INSTITUIÇÃO QUE NÃO INTEGRA O MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - TAXATIVIDADE DO ROL INSCRITO NO ART. 128, I, DA CONSTITUIÇÃO - VINCULAÇÃO ADMINISTRATIVA A CORTE DE CONTAS - COMPETÊNCIA DO TCU PARA FAZER INSTAURAR O PROCESSO LEGISLATIVO CONCERNENTE A ESTRUTURAÇÃO ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE PERANTE ELE ATUA (CF, ART. 73, CAPUT, IN FINE) - MATÉRIA SUJEITA AO DOMÍNIO NORMATIVO DA LEGISLAÇÃO ORDINARIA - ENUMERAÇÃO EXAUSTIVA DAS HIPÓTESES CONSTITUCIONAIS DE REGRAMENTO MEDIANTE LEI COMPLEMENTAR - INTELIGENCIA DA NORMA INSCRITA NO ART. 130 DA CONSTITUIÇÃO - AÇÃO DIRETA IMPROCEDENTE. - O Ministério Público que atua perante o TCU qualifica-se como órgão de extração constitucional, eis que a sua existência jurídica resulta de expressa previsão normativa constante da Carta Política (art. 73, par. 2., I, e art. 130), sendo indiferente, para efeito de sua configuração jurídico-institucional, a circunstância de não constar do rol taxativo inscrito no art. 128, I, da Constituição, que define a estrutura orgânica do Ministério Público da União. - O Ministério Público junto ao TCU não dispõe de fisionomia institucional própria e, não obstante as expressivas garantias de ordem subjetiva concedidas aos seus Procuradores pela própria Constituição (art. 130), encontra-se consolidado na "intimidade estrutural" dessa Corte de Contas, que se acha investida - até mesmo em função do poder de autogoverno que lhe confere a Carta Política (art. 73, caput, in fine) - da prerrogativa de fazer instaurar o processo legislativo concernente a sua organização, a sua estruturação interna, a definição do seu quadro de pessoal e a criação dos cargos respectivos. - Só cabe lei complementar, no sistema de direito positivo brasileiro, quando formalmente reclamada a sua edição por norma constitucional explicita. A especificidade do Ministério Público que atua perante o TCU, e cuja existência se projeta num domínio institucional absolutamente diverso daquele em que se insere o Ministério Público da União, faz com que a regulação de sua organização, a discriminação de suas atribuições e a definição de seu estatuto sejam passiveis de veiculação mediante simples lei ordinária, eis que a edição de lei complementar e reclamada, no que concerne ao Parquet, tão-somente para a disciplinação normativa do Ministério Público comum (CF, art. 128, par. 5.). - A cláusula de garantia inscrita no art. 130 da Constituição não se reveste de conteúdo orgânico-institucional. Acha-se vocacionada, no âmbito de sua destinação tutelar, a proteger os membros do Ministério Público especial no relevante desempenho de suas funções perante os Tribunais de Contas. Esse preceito da Lei Fundamental da Republica submete os integrantes do MP junto aos Tribunais de Contas ao mesmo estatuto jurídico que rege, no que concerne a direitos, vedações e forma de investidura no cargo, os membros do Ministério Público comum.

(STF - ADI 789, Relator:  Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 26-05-1994, DJ de 19-12-1994).

[16] A autonomia financeira e administrativa dos Tribunais de Contas passou a ser inconteste com o julgado da ADI 1194, cuja ementa segue adiante: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 6º DO ARTIGO 74 E ARTIGO 279 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, COM A REDAÇÃO QUE LHE FOI CONFERIDA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 17/99. ARTIGOS 25, §§, 26, 27, CAPUT E PARAGRÁFO ÚNICO, 28, §§, TODOS DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 32/93, COM A REDAÇÃO QUE LHE FOI CONFERIDA PELA LC N. 142/99. TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. CRIAÇÃO DO CARGO DE SUBSTITUTO DE CONSELHEIRO. DISCREPÂNCIA DO MODELO DELINEADO NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 73, 75, PARAGRÁFO ÚNICO, 96, INCISO II, ALÍNEA "B", DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Estrutura dos Tribunais de Contas Estaduais. Observância necessária do modelo federal. Precedentes. 2. Não é possível ao Estado-membro extinguir o cargo de Auditor na Corte de Contas estadual, previsto constitucionalmente, e substituí-lo por outro cuja forma de provimento igualmente divirja do modelo definido pela CB/88. 3. Vício formal de iniciativa no processo legislativo que deu origem à LC 142/99. A CB/88 estabelecendo que compete ao próprio Tribunal de Contas propor a criação ou extinção dos cargos de seu quadro, o processo legislativo não pode ser deflagrado por iniciativa parlamentar [artigos 73 e 96, inciso II, alínea b]. 4. Pedido julgado procedente para declarar inconstitucionais o § 6º do artigo 74 e o artigo 279, ambos da Constituição do Estado do Espírito Santo, com a redação que lhes foi atribuída pela Emenda Constitucional n. 17/99, e toda a Lei Complementar n. 142/99, que promoveu alterações na Lei Complementar n. 32/93, do mesmo Estado-membro.

(STF - ADI 1994, Relator:  Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 24-05-2006, DJ de 08-09-2006).

[17] 1 - MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL JUNTO AOS TRIBUNAIS DE CONTAS. Não lhe confere, a Constituição Federal, autonomia administrativa. Precedente: ADI 789. Também em sua organização, ou estruturalmente, não é ele dotado de autonomia funcional (como sucede ao Ministério Público comum), pertencendo, individualmente, a seus membros, essa prerrogativa, nela compreendida a plena independência de atuação perante os poderes do Estado, a começar pela Corte junto à qual oficiam (Constituição, artigos 130 e 75). 2 - TRIBUNAIS DE JUSTIÇA. A eles próprios compete (e não ao Governador) a nomeação dos Desembargadores cooptados entre os Juízes de carreira (Constituição, art. 96, I, c). Precedentes: ADI 189 e ADI 190. Inconstitucionalidade da previsão, pela Carta estadual, de percentual fixo (4/5), para o preenchimento das vagas destinadas aos oriundos da magistratura, pela possibilidade de choque com a garantia do provimento, do quinto restante, quando não for múltiplo de cinco o número de membros do Tribunal. Inconstitucionalidade, por igual, da dispensa de exigência, quanto aos lugares destinados aos advogados e integrantes do Ministério Público, do desempenho de dez anos em tais atividades. Decisões tomadas por maioria, exceto quanto à prejudicialidade, por perda de objeto, dos dispositivos transitórios referentes à instalação da Capital e à criação de municípios do Estado do Tocantins.

(STF - ADI 160, Relator:  Min. Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, julgado em 23-04-1998, DJ de 20-11-1998).

[18] Dedicaremos maiores linhas ao suposto princípio da simetria mais à frente.

[19] DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ART. 75 DA LEI Nº 10.651, DE 25/11/91, ALTERADA PELA LEI Nº 11.435, DE 28/05/97, DO ESTADO DE PERNAMBUCO. NOMEAÇÃO PARA OS CARGOS DE PROCURADOR-GERAL, PROCURADOR-GERAL ADJUNTO E PROCURADORES DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE PERNAMBUCO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 128, § 3º, 129, §§ 2º E 3º, C/C ART. 130, E, AINDA, DOS ARTS. 75, 73, § 2º, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR. 1. O dispositivo questionado permite que seja investido, na Chefia do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado, quem não integra a carreira, para a qual somente se ingressa por concurso público de provas e títulos, em aparente conflito com o disposto no art. 129, §§ 2º e 3º, c/c art. 130 da Constituição Federal. Aliás, em se tratando de investidura no cargo de Procurador-Geral, no Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado, ela há de observar, também, o disposto no § 3º do art. 128 c/c art. 130, competindo à própria instituição a formação de lista tríplice para sua escolha, depois, por nomeação pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução. 2. Permite, também, o texto impugnado, a nomeação de Procurador-Geral Adjunto e de cinco Procuradores, bastando, para isso, que sejam portadores de diploma idêntico ao exigido para Procurador-Geral, e sempre sem impor que a escolha recaia em membro do Ministério Público, nela ingressado por concurso. 3. Na ADI nº 1.545-1-SE, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por votação unânime, deferiu medida cautelar, para suspender a execução e aplicabilidade dos arts. 26 e 83 da Lei Complementar nº 04, de 12.11.1990, do Estado de Sergipe. Do art. 26, porque vinculava "a normas elaboradas pela Procuradoria Geral da Justiça", ou seja, à Chefia do Ministério Público comum do Estado, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (fls. 10 e 18). Do art. 83, porque transferia, para o Ministério Público, como de Procuradores de Justiça, os cargos de Procurador da Fazenda Pública junto ao mesmo Tribunal (D.J. de 24.10.97, Ementário nº 1.888-01). 4. No caso presente, a nomeação para os cargos de Procurador-Geral, Procurador-Geral Adjunto e Procuradores do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, poderia recair, não apenas sobre membros do Ministério Público do Estado, ou da Procuradoria do Estado, como até sobre pessoas estranhas à Administração Pública. E, além disso, mediante nomeação, não pelo Governador do Estado, mas pelo Presidente do Tribunal, com aprovação de pelo menos dois terços dos Conselheiros. Tudo em dissonância aparente com a Constituição Federal. 5. O Plenário, em precedente mais recente, na ADI nº 1.748- 9-RJ, suspendeu ato da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que determinou aos Juízes a nomeação de Promotores "ad hoc", ou seja, de pessoas estranhas ao Ministério Público estadual, para, em certas circunstâncias, exercer as funções constitucionais privativas deste último (julgamento ocorrido a 15.12.97). 6. Há, portanto, "prima facie", uma aparente antinomia entre o dispositivo ora impugnado e as normas constitucionais focalizadas. 7. Está, igualmente, preenchido o requisito do "periculum in mora", ou o da alta conveniência da Administração Pública, relacionada ao regular funcionamento, não só do Ministério Público mas também do próprio Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, junto ao qual deve atuar. 8. Medida Cautelar deferida, para se suspender, "ex nunc", até o julgamento final da ação, a eficácia do art. 75 da Lei nº 11.435, de 28.05.1997, do Estado de Pernambuco.

(STF - ADI 1791 MC, Relator:  Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 23-04-1998, DJ de 11-09-1998).

[20] “É certo que, no artigo 130 da Carta, ao versar prerrogativas dos membros do Ministério Público, há alusão apenas a direitos, vedações e forma de investidura. Mas, além dessa previsão, tendo em conta o objetivo buscado com as prerrogativas, com a atividade, com a autonomia do órgão, encontra-se a regra que diz respeito à instituição, o º2º do artigo 127, que entendo apropriada em se tratando também do Ministério Público que exerce atividades junto ao Tribunal de Contas. Em síntese, não vejo transgressão ao Diploma Maior, no que, numa opção político-legislativa, acima de tudo saudável, colou-se à Entidade as prerrogativas constantes do §7º do artigo 28da Constituição do Estado de Goiás.”

[21] Trecho do voto do Ministro Ayres Britto proferido nos autos da ADI 2.378/GO.

[22] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. DISPOSITIVO SEGUNDO O QUAL OS PROCURADORES DA FAZENDA JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS EXERCERÃO AS FUNÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INADMISSIBILIDADE. PARQUET ESPECIAL CUJOS MEMBROS INTEGRAM CARREIRA AUTÔNOMA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. I. O art. 73, § 2º, I, da Constituição Federal, prevê a existência de um Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, estendendo, no art. 130 da mesma Carta, aos membros daquele órgão os direitos, vedações e a forma de investidura atinentes ao Parquet comum. II. Dispositivo impugnado que contraria o disposto nos arts. 37, II, e 129, § 3º, e 130 da Constituição Federal, que configuram "clausula de garantia" para a atuação independente do Parquet especial junto aos Tribunais de Contas. III. Trata-se de modelo jurídico heterônomo estabelecido pela própria Carta Federal que possui estrutura própria de maneira a assegurar a mais ampla autonomia a seus integrantes. IV - Inadmissibilidade de transmigração para o Ministério Público especial de membros de outras carreiras. V. Ação julgada procedente. (STF - ADI 328, Relator:  Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 02/02/2009, DJe de 06-03-2009).

[23] FREITAS, Juarez. Parecer jurídico em consulta formulada pela AMPCON. Porto Alegre, 02 set. 2009. Disponível em: <http://mpc.tce.am.gov.br/wp-content/uploads/Parecer_Juarez_Freitas.pdf>. Acesso em: 28 maio 2015.

[24] Mandado de segurança. Ato do Conselho Nacional do Ministério Público. Atuação de Procuradores de Justiça nos Tribunais de Contas. Ofensa à Constituição. 1. Está assente na jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas possui fisionomia institucional própria, que não se confunde com a do Ministério Público comum, sejam os dos Estados, seja o da União, o que impede a atuação, ainda que transitória, de Procuradores de Justiça nos Tribunais de Contas (cf. ADI nº 2.884, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 20/5/05; ADI nº 3.192, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 18/8/06). 2. Escorreita a decisão do CNMP que determinou o imediato retorno de dois Procuradores de Justiça que oficiavam perante o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul às suas funções próprias no Ministério Público estadual, não sendo oponíveis os princípios da segurança jurídica e da eficiência, a legislação estadual ou as ditas prerrogativas do Procurador-Geral de Justiça ao modelo institucional definido na própria Constituição 3. Não se pode desqualificar decisão do Conselho Nacional do Ministério Público que, no exercício de suas atribuições constitucionais, identifica situação irregular de atuação de Procuradores de Justiça estaduais junto ao Tribunal de Contas, o que está vedado em julgados desta Corte Suprema. O argumento de que nasceu o exame de representação anônima, considerando a realidade dos autos, não malfere a decisão do colegiado que determinou o retorno dos Procuradores de Justiça às funções próprias do Ministério Público estadual. 4. Denegação da segurança.

(STF - MS 27339, Relator:  Min. Menezes Direito, Tribunal Pleno, julgado em 02-02-2009, DJe de 06-03-2009)

[25] ADI 160/TO.

[26] Ministério Público de Contas rejeita contas do ex-governador de Alagoas, Teotônio Vilela, notícia veiculada pelo site Aqui Acontece: <http://aquiacontece.com.br/noticia/2015/03/18/ministerio-publico-de-contas-rejeita-contas-do-exgovernador-de-alagoas-teotonio-vilela>. Acesso em: 28 maio 2015.

[27] Cf., por exemplo, notícia em que o Procurador de Contas do Ministério Público da União, Júlio Marcelo de Oliveira, visa impedir acordos de leniência do Executivo Federal com empresas ligadas à fraudes e superfaturamento na Petrobrás, investigadas na famosa Operação Lava-Jato: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/02/mp-quer-suspender-acordos-feitos-por-empresas-da-lava-jato-cgu.html>. Acesso em: 28 maio 2015.

[28] Trecho do voto do Ministro Ayres Britto no bojo da ADI 2.378/GO.

[29] MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 2013, p.166.

[30] MAZZILLI, Hugo Nigro. Os membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas. In: ALVIM, Eduardo Arruda; TAVOLARO, Luiz Antonio. Licitações e contratos administrativos: uma visão atual à luz dos Tribunais de Contas. Curitiba: Juruá, 2007, p. 105-111. 

[31] GARCIA, Emérson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.186.

[32] BULOS, Uadi Lâmego. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1213. 

[33] Trecho do voto do Ministro Ayres Britto no bojo da ADI 2.378/GO.

[34] SILVA, José Afonso. O Ministério Público junto aos Tribunais de Contas. Revista Interesse Público, Belo Horizonte: Fórum, v. 26, p. 255-264, jul./ago. 2004.

[35] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONTROLE INTERNO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO PODER EXECUTIVO – IMPOSSIBILIDADE – AUTONOMIA INSTITUCIONAL COMO GARANTIA OUTORGADA AO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DAS EXPRESSÕES CONSTANTES DA NORMA IMPUGNADA - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - A alta relevância jurídico-constitucional do Ministério Público - qualificada pela outorga, em seu favor, da prerrogativa da autonomia administrativa, financeira e orçamentária - mostra-se tão expressiva, que essa Instituição, embora sujeita à fiscalização externa do Poder Legislativo, com o auxílio do respectivo Tribunal de Contas, dispõe de uma esfera própria de atuação administrativa, livre da ingerência de órgãos do Poder Executivo, aos quais falece, por isso mesmo, competência para sustar ato do Procurador-Geral de Justiça praticado com apoio na autonomia conferida ao “Parquet”. A outorga constitucional de autonomia, ao Ministério Público, traduz um natural fator de limitação dos poderes dos demais órgãos do Estado, notadamente daqueles que se situam no âmbito institucional do Poder Executivo. A dimensão financeira dessa autonomia constitucional - considerada a instrumentalidade de que se reveste - responde à necessidade de assegurar-se, ao Ministério Público, a plena realização dos fins eminentes para os quais foi ele concebido, instituído e organizado. Precedentes. Doutrina. - Sem que disponha de capacidade para livremente gerir e aplicar os recursos orçamentários vinculados ao custeio e à execução de suas atividades, o Ministério Público nada poderá realizar, frustrando-se, desse modo, de maneira indevida, os elevados objetivos que refletem a destinação constitucional dessa importantíssima Instituição da República, incumbida de defender a ordem jurídica, de proteger o regime democrático e de velar pelos interesses sociais e individuais indisponíveis. - O Ministério Público - consideradas as prerrogativas constitucionais que lhe acentuam as múltiplas dimensões em que se projeta a sua autonomia - dispõe de competência para praticar atos próprios de gestão, cabendo-lhe, por isso mesmo, sem prejuízo da fiscalização externa, a cargo do Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas, e, também, do controle jurisdicional, adotar as medidas que reputar necessárias ao pleno e fiel desempenho da alta missão que lhe foi outorgada pela Lei Fundamental da República, sem que se permita, ao Poder Executivo, a pretexto de exercer o controle interno, interferir, de modo indevido, na própria intimidade dessa Instituição, seja pela arbitrária oposição de entraves burocráticos, seja pela formulação de exigências descabidas, seja, ainda, pelo abusivo retardamento de providências administrativas indispensáveis, frustrando-lhe, assim, injustamente, a realização de compromissos essenciais e necessários à preservação dos valores cuja defesa lhe foi confiada. - Suspensão, com eficácia “ex nunc”, da execução e da aplicabilidade das expressões “e do Ministério Público” e “e do Poder Executivo”, constantes do § 1º, do art. 55, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. - A questão dos controles interno e externo da atividade financeira e orçamentária dos órgãos e entidades do Poder Público e a relação de complementaridade existente entre esses tipos de controle.

(STF - ADI 2513 MC, Relator:  Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 03-04-2002, DJe de 15-03-2011).

[36] REINER, Michael Richard. Discussão estrutural detém o Ministério Público no combate à corrupção. Revista Consultor Jurídico, 8 abr. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-abr-08/michael-reiner-discussao-estrutural-detem-mp-combate-corrupcao>. Acesso em: 28 maio 2015.

[37] Alguns exemplos: STF - RE 570392, Relator:  Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 11-12-2014, DJe de 19-02-2015, STF - AP 611, Relator:  Min. Luiz fux, Primeira Turma, julgado em 30-09-2014, DJe de 10-12-2014, (RE 128881, Relator:  Min. Moreira Alves, Primeira Turma, julgado em 26-04-1994, DJ de 07-10-1994.

[38] STF é tributário desse ensinamento. Cf. ADI 1920 MC, Relator:  Min. Nelson Jobim, Tribunal Pleno, julgado em 23-06-1999, DJ de 20-09-2002.

[39] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 306.

[40] BARROSO, Luis Roberto. op. cit., p. 307.

[41] FREITAS, Juarez. Parecer jurídico em consulta formulada pela AMPCON. Porto Alegre, 02 set. 2009. Disponível em: <http://mpc.tce.am.gov.br/wp-content/uploads/Parecer_Juarez_Freitas.pdf>. Acesso em: 28 maio 2015.

[42] “Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura”.

[43] SARMENTO, Daniel, SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 413.

[44] Cita Barroso o exemplo da saga Tristão e Isolda. “Tristão e Isolda eram apaixonados entre si; mas, por injunções diversas da vida, Isolda casou-se com o rei, e não com Tristão. Algum tempo depois, a paixão deles se reacendeu e eles se encontravam furtivamente. Isolda foi denunciada por traição e levada a um tribunal eclesiástico, onde seria interrogada. A mentira a levaria à morte. Isolda pediu a Tristão que, no dia da audiência, esperasse por ela à porta do Tribunal, vestido como um mendigo. Lá chegando em sua carruagem, dirigiu-se a ele e gritou: “Você aí, leve-me no colo até o local do julgamento. Não quero sujar minhas roupas na poeira desse caminho”. Vestido como maltrapilho, Tristão obedeceu. Iniciada a audiência, Isolda é interrogada se traía o rei. E respondeu: “Juro solenemente que jamais estive nos braços de outro homem que nãos os do meu marido e os desse mendigo que me trouxe até aqui”. BARROSO, Luis Roberto. op. cit., p. 327.

[45] FREITAS, Juarez. Parecer jurídico em consulta formulada pela AMPCON. Porto Alegre, 02 set. 2009. Disponível em: <http://mpc.tce.am.gov.br/wp-content/uploads/Parecer_Juarez_Freitas.pdf>. Acesso em: 28 maio 2015

[46] § 4º Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

[47] Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:

a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento;

b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;

c) aferição do merecimento pelos critérios da presteza e segurança no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos reconhecidos de aperfeiçoamento;

c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

d) na apuração da antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação;

d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

III o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antigüidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

IV previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

V - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

VI - a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o disposto no art. 40; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

VII - o juiz titular residirá na respectiva comarca; 

VII o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VIII o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VIIIA a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a, b , c e e do inciso II; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

X as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

XI nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

XII a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

XIII o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

XIV os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

XV a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

[48] § 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

I - as seguintes garantias:

a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado;

b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - as seguintes vedações:

a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;

b) exercer a advocacia;

c) participar de sociedade comercial, na forma da lei;

d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;

e) exercer atividade político-partidária; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

[49] Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.

§ 1º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:

I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;

II - idoneidade moral e reputação ilibada;

III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública;

IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.

§ 2º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:

I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento;

II - dois terços pelo Congresso Nacional.

§ 3º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo quando o tiverem exercido efetivamente por mais de cinco anos.

§ 3° Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 4º - O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.

[50] BRITO, Carlos Ayres. O regime jurídico do Ministério Público de Contas. Disponível em: <http://www.tcm.ba.gov.br/tcm/DiretorioPublicacao/DoutrinaMPC/O%20Regime_Juridico_do_MPC_Carlos_Ayres_Brito.pdf>. Acesso em: 28 maio 2015.

[51] “Nessa ordem de considerações, impõe-se perceber as epistemológicas debilidades do ‘originalismo’ extremado e das premissas atadas ao interpretativismo estrito. Entre outras falácias, o originalismo exacerbado crê na idéia de que, naquele ponto em que o Direito parasse, nele o juiz deveria parar. Não é assim. Parte do pressuposto equivocado de que a ordem jurídica, em algum momento, poderia estar em completo repouso. Ora, o Direito encontra-se em incessante movimento, e reclama ser interpretado à vista dessa evidência solar. Mesmo o textualismo de Antonin Scalia, por exemplo, merece reparos centrais, seja por não assumir a circularidade hermenêutica - com a dialética tensão entre sujeito e objeto -, seja por não conseguir, em função disso, dar conta das ordens constitucionais que determinam ir além do texto (vide, para ilustrar, a Emenda IX à Constituição Norte-Americana e, no sistema brasileiro, o art. 5o, § 2o, da CF).  [...] Originalismo estrito à parte e respeitada em sua alteridade, a Constituição não intenta, nem de longe, excluir o MP de Contas da incidência de qualquer uma das normas atinentes a ‘direitos, vedações e dispositivos sobre forma de investidura’, consoante o rol que figura na mencionada Seção, alusiva ao Ministério Público em gênero. De sorte que não se admite que sejam ladeados aqueles dispositivos concernentes ao Ministério Público, já que, sem tautologia, o Ministério Público ‘junto’ (não atrelado, nem inerente, mas ligado e com autonomia) ao Tribunal de Contas, em que pesem atribuições e competências especializadas, não deixa de observar, no cerne, o regime autêntico do Ministério Público. Com os traços irrenunciáveis, indelegáveis e característicos de Carreira Autônoma de Estado, cuja autonomia jamais implica atitude antagonista ou insular”. FREITAS, Juarez. Parecer jurídico em consulta formulada pela AMPCON. Porto Alegre, 02 set. 2009. Disponível em: <http://mpc.tce.am.gov.br/wp-content/uploads/Parecer_Juarez_Freitas.pdf>. Acesso em: 28 maio 2015

[52] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 328.

[53] STF - ADPF 132, Relator:  Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05-05-2011, DJe de 14-10-2011.

{C}[54]{C} SARMENTO, Daniel, SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 418

[55] SILVA, José Afonso. O Ministério Público junto aos Tribunais de Contas. Revista Interesse Público, Belo Horizonte: Fórum, v. 26, p. 255-264, jul./ago. 2004.

[56] FREITAS, Juarez. Parecer jurídico em consulta formulada pela AMPCON. Porto Alegre, 02 set. 2009. Disponível em: <http://mpc.tce.am.gov.br/wp-content/uploads/Parecer_Juarez_Freitas.pdf>. Acesso em: 28 maio 2015.

[57] Art. 130. Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura.

[58] Tanto que também equiparou os direitos dos membros dos Tribunais de Contas aos do Poder Judiciário de grau equivalente, Art. 73 [...] § 3° Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40. § 4º - O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.

[59] FREITAS, Juarez. Parecer jurídico em consulta formulada pela AMPCON. Porto Alegre, 02 set. 2009. Disponível em: <http://mpc.tce.am.gov.br/wp-content/uploads/Parecer_Juarez_Freitas.pdf>. Acesso em: 28 maio 2015.

[60] Os objetivos gerais do Estado brasileiro estão assinalados no art. 3º da Constituição Federal. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[61] A lei de introdução às normas do direito brasileiro prevê expressamente, em seu art. 5º, o elemento teleológico da interpretação: Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

[62] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação constitucional como interpretação específica. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 91-97.

[63] FREITAS, Juarez. Parecer jurídico em consulta formulada pela AMPCON. Porto Alegre, 02 set. 2009. Disponível em: <http://mpc.tce.am.gov.br/wp-content/uploads/Parecer_Juarez_Freitas.pdf>. Acesso em: 28 maio 2015.

[64] Cf. VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. Tradução de Kelly Susanen Alflen da Silva. 5. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008.

[65] SARMENTO, Daniel, SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 423.

[66] O Supremo já proibiu tal prática na ADI 1.791/MC, onde deixou assente que “Aliás, em se tratando de investidura no cargo de Procurador-Geral, no Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado, ela há de observar, também, o disposto no § 3º do art. 128 c/c art. 130, competindo à própria instituição a formação de lista tríplice para sua escolha, depois, por nomeação pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução” (STF - ADI 1791 MC, Relator:  Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 23-04-1998, DJ de 11-09-1998).

[67] TCE tira da disputa à Procuradoria quem pediu fim de auxílio. Revista Exame, 23 mar. 2015. Disponível: <http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/tce-tira-da-disputa-a-procuradoria-quem-pediu-fim-de-auxilio>. Acesso em: 28 maio 2015.

[68] ASSEMBLEIA aprova PEC no Ceará que reduz número de procuradores. G1, 03 out. 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/ceara/noticia/2013/10/assembleia-aprova-pec-no-ceara-que-reduz-numero-de-procuradores.html>. Acesso em: 28 maio 2015.

[69] Em outra oportunidade, o Governador do Estado do Ceará chegou a resumir o Ministério Público de Contas “como um garoto que quer aparecer”, em resposta à interposição de um recurso pelo membro de Ministério Público de Contas acerca uma contratação pública.

[70] TRIBUNAL de Contas barra investigação de contratos milionários do Detran. Correio do Estado, Campo Grande, 06 mar. 2015. Disponível em: <http://www.correiodoestado.com.br/cidades/tribunal-de-contas-barra-investigacao-de-contratos-milionarios-do/241148/>. Acesso em: 28 maio 2015.

[71] TCE-SP tenta limitar atuação de procuradores e abre crise. Estadão, São Paulo, 18 abr. 2013. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tce-sp-tenta-limitar-atuacao-de-procuradores-e-abre-crise,1022561>. Acesso em: 28 maio 2015.

[72] JUSTIÇA analisa acusação de censura no TCE de São Paulo. Folha de São Paulo, São Paulo, 03 maio 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/05/1272584-justica-analisa-acusacao-de-censura-no-tce-de-sao-paulo.shtml>. Acesso em: 28 maio 2015.

{C}[73]{C} TCE barra investigação do Ministério Público sobre salários de secretários do governo Alckmin. Estadão, São Paulo, 07 jun. 2015. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tce-barra-investigacao-do-ministerio-publico-sobre-salarios-de-secretarios-do-governo-alckmin,1701733>. Acesso em: 09 jun. 2015.

[74] Previsto constitucionalmente no Art. 129, VI da CF/88: “Art. 129: São funções institucionais do Ministério Público: [...] VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva”.

[75] Sabiamente, e em lapidar voto do Desembargador Tumés Airan de Albuquerque Melo, o Tribunal de Justiça de Alagoas decidiu pelo amplo direito dos membros do Parquet de Contas em requisitar informações de autoridades públicas. TRIBUNAL de contas não pode impedir MP de requerer documentos, diz TJ. G1, 21 out. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2014/10/tribunal-de-contas-nao-pode-impedir-mp-de-requerer-documentos-diz-tj.html>.28 maio 2015.

[76] Edição nº 1.256.

[77] Sobre a impossibilidade de correição dos membros do Ministério Público de Contas por outras autoridades que não Procuradores de Contas, cf. REINER, Michael Richard. O controle da Magistratura de Contas sobre o Ministério Público: reflexões em torno da criação conjunta do CNTC/MPjTC. Interesse Público, Belo Horizonte, a. 12, n. 60, mar./abr. 2010.

[78] É o que prevê o Art. 3ºC, IV, da LCE nº 38/93, com a redação dada pela LCE nº 192, de 31/12/2008.

[79] Mandado de Segurança n˚ 788767-0, e por unanimidade declara inconstitucional artigos da Resolução n˚ 24/2010, que, ao aprovar a revisão Regimento Interno do Tribunal de Contas, institui dispositivos cerceando a autonomia funcional dos membros do Ministério Público de Contas.

[80] Autonomia contestada recentemente na ADI 5.254/PA, proposta inesperada e justamente por quem deveria incentivar a franca autonomia de todos os Ministérios Públicos, o atual Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot.

[81] TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARÁ. ATA Nº 5.295 – Sessão Ordinária, 19 mar. 2015. Disponível em: <http://www.tce.pa.gov.br/images/pdf/SP_atas/2015/2015-03-19-ata.pdf>. Acesso em: 28 maio 2015. p. 483 e 484.

[82] Conselheiro Nélson Chaves: “[...] de maneira que se pode dizer aos demais ministérios que atuam junto aos Tribunais de Contas, que penso que o Estado do Pará, tem um relacionamento exemplar, de respeito de consideração, de atuação, não vejo nenhuma dificuldade que possa o MP ter criado, no sentido do embaraçamento das decisões do tribunal, muito pelo contrário o relacionamento com membros não se faz uma distinção no batente da porta, praticamente há uma integração, de forma que eu vejo esse fortalecimento. Tivemos aqui muitas vezes notícias de alguns estados em que o relacionamento é muito dificultado entre o Ministério Público de Contas que é indispensável para a tramitação para a consumação das nossas decisões de plenário, nós tivemos sempre relacionamento muito positivo além de ser harmônico, de ser prazeroso, de ser amigo, mas institucionalmente não temos nada a fazer de reparo(...)  Eu não vejo nenhum tipo de relacionamento que precise ser aperfeiçoado, talvez os outros pudessem, mas fica até mais fácil porque são instituições independentes que comandam na mesma direção, o mérito da questão judicial não posso descer tanto, me faltam as ferramentas do advogado que sobram em todos, praticamente constitui o plenário, mas do ponto de vista operacional eu não vejo nenhum reparo, fizemos justiça ao longo desse tempo é testemunhado por todos e todas as nossas manifestações. Todos os nossos eventos que a gente busca o acompanhamento e trazer para essa forma de atuar, a sociedade, aqui na nossa Casa, no nosso auditório, trazendo nos mais variados níveis da sociedade, o Ministério Público de Contas tem sempre estado presente conosco de forma harmônica. Então eu tenho o meu desejo de expressar aqui nesse momento da luta, a solidariedade à causa que Vossa Excelência está expressando, está defendendo e espero que a luta de Vossa Excelência com os demais procuradores seja consagrada, mais o testemunho desse relacionamento, dessa atuação competente correta, não poderia deixar de fazer por uma questão absoluta de justiça.

[83] Conselheiro Cipriano Sabino: “Então, essa independência, esse fortalecimento a liberdade ela quando é saudável ela traz essa independência e esse fortalecimento e essa independência, liberdade total independência que tem, faz com que ele possa fazer. Esse trabalho extraordinário que vem fazendo no estado do Pará o Ministério Público de Contas e tem a liberdade também de ter essa integração total com o Tribunal de Contas do Estado. (...)então é importante a gente tentar mostrar para a sociedade paraense e para o Brasil, que isto sim é o verdadeiro exemplo de instituição livre e independente e que esta independência permite esta integração, faz com que essa integração seja de forma grandiosa, produzindo um único resultado que a sociedade que é o nosso patrão e nos paga, na busca da melhoria da qualidade de vida da população isso aí é inquestionável. Então doutor Antônio Maria, e a todos integrantes do Ministério Público de Contas e também servidores do Ministério Público de Contas, já está se manifestando o conselheiro Nelson, não sei se os outros conselheiros vão se manifestar, no sentido de que para o Tribunal é importante essa constituição que foi feita, permaneça que isso tem dado resultado extraordinário para a sociedade é um modelo que deveria ser copiado e é um modelo que está funcionando muito bem, senhor presidente muito obrigado”.

[84] Conselheiro André Dias: “Pugno [...] pela necessidade de que as nossas instituições tenham esta autonomia. Autonomia para se determinarem dentro de um conceito constitucional estabelecido em lei, mas se determinarem. Por isso, quando Vossa Excelência traz para a pauta de hoje a discussão de um tema que pode reduzir a autonomia de uma das instituições, ela se choca diretamente com a minha pregação como homem público. (...) E que o Pará em vez de ser a exceção ele seja o modelo, porque esta é a forma que eu idealizo por uma sociedade melhor”.

[85] Conselheiro Odilon Inácio: [...] autonomia conquistada, em nenhum momento interferiu no trabalho de nenhuma instituição ou muito menos, criou algum embaraço para que ambas as instituições pudessem trilhar os seus próprios caminhos e usar as suas atribuições e competências. E como bem frisou o conselheiro André é muito salutar que a autonomia exista, haja vista o compartilhamento do poder entre todos os gestores [...] Esse nosso sistema constitucional infelizmente ele ainda não amadureceu o suficiente em relação ao Ministério Público de Contas é preciso que isso ocorra, e tenha o meu apoio e minha solidariedade”.

[86] Verificar nos documentos comprobatórios da ADI 5254-PA, Relator Min. Roberto Barroso. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=8408759&ad=s#25%20-%20Documentos%20comprobat%F3rios%20-%20Documentos%20comprobat%F3rios%201>. Acesso em 09 jun. 2015.

[87] REINER, Michael Richard. Discussão estrutural detém o Ministério Público no combate à corrupção. Revista Consultor Jurídico, 8 abr. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-abr-08/michael-reiner-discussao-estrutural-detem-mp-combate-corrupcao>. Acesso em: 28 maio 2015.

[88] MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gonet. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 91-93.

[89] SARMENTO, Daniel, SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 303.

[90] Ibid., p. 303.

[91]Ibid., p. 303-304.

[92] A União se auto-organiza pela Constituição Federal e pela legislação federal; os Estados, pelas Constituições Estaduais e pela legislação estadual, conforme o art. 25, CF/88; os Municípios, pelas Leis Orgânicas e pela legislação municipal, em consonância com o disposto no art. 29, CF/88; e o Distrito Federal, por sua Lei Orgânica e por sua legislação distrital, nos termos do art. 32, CF/88.

[93] MENEZES DE ALMEIDA, Fernanda Dias, Comentários ao art. 1º. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, 109-112, p. 110.

[94] Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Estadual que disciplina a homologação judicial de acordo alimentar firmado com a intervenção da Defensoria Pública (Lei 1.504/1989, do Estado do Rio de Janeiro). 3. O Estado do Rio de Janeiro disciplinou a homologação judicial de acordo alimentar nos casos específicos em que há participação da Defensoria Pública, não estabelecendo novo processo, mas a forma como este será executado. Lei sobre procedimento em matéria processual. 4. A prerrogativa de legislar sobre procedimentos possui o condão de transformar os Estados em verdadeiros “laboratórios legislativos”. Ao conceder-se aos entes federados o poder de regular o procedimento de uma matéria, baseando-se em peculiaridades próprias, está a possibilitar-se que novas e exitosas experiências sejam formuladas. Os Estados passam a ser partícipes importantes no desenvolvimento do direito nacional e a atuar ativamente na construção de possíveis experiências que poderão ser adotadas por outros entes ou em todo território federal. 5. Desjudicialização. A vertente extrajudicial da assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública permite a orientação (informação em direito), a realização de mediações, conciliações e arbitragem (resolução alternativa de litígios), entre outros serviços, evitando, muitas vezes, a propositura de ações judiciais. 6. Ação direta julgada julgada improcedente. (STF - ADI 2922, Relator:  Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 03-04-2014, DJe de 30-10-2014).6

[95] Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Nomeação de Chefe de Polícia. Exigência de que o indicado seja não só delegado de carreira – como determinado pela Constituição Federal – como também que esteja na classe mais elevada. 3. Inexistência de vício de iniciativa. 4. Revisão jurisprudencial, em prol do princípio federativo, conforme ao art. 24, XVI, da Constituição Federal. 5. Possibilidade de os Estados disciplinarem os critérios de acesso ao cargo de confiança, desde que respeitado o mínimo constitucional. 6. Critério que não só se coaduna com a exigência constitucional como também a reforça, por subsidiar o adequado exercício da função e valorizar os quadros da carreira. 7. Ação julgada improcedente. (STF - ADI 3062, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 09-09-2010, DJe de 12-04-2011).

[96] Informativo 775 de 18 a 25 de fevereiro de 2015.

Competência concorrente para legislar sobre educação

Lei editada por Estado-membro, que disponha sobre número máximo de alunos em sala de aula na educação infantil, fundamental e média, não usurpa a competência da União para legislar sobre normas gerais de educação (CF, art. 24, IX, e § 3º). Com base nessa orientação, o Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face das alíneas a, b e c do inciso VII do art. 82 da LC 170/1998 do Estado de Santa Catarina. A Corte destacou a necessidade de rever sua postura “prima facie” em casos de litígios constitucionais em matéria de competência legislativa, de forma a prestigiar as iniciativas regionais e locais, a menos que ofendam norma expressa e inequívoca da Constituição. Pontuou que essa diretriz se ajustaria à noção de federalismo como sistema que visaria a promover o pluralismo nas formas de organização política. Asseverou que, em matéria de educação, a competência da União e dos Estados-membros seria concorrente. Aduziu que, com relação às normas gerais, os Estados-membros e o Distrito Federal possuiriam competência suplementar (CF, art. 24, § 2º) e a eles caberia suprir lacunas. Frisou a necessidade de não se ampliar a compreensão das denominadas normas gerais, sob pena de se afastar a autoridade normativa dos entes regionais e locais para tratar do tema. Enfatizou que o limite máximo de alunos em sala de aula seria questão específica relativa à educação e ao ensino e, sem dúvida, matéria de interesse de todos os entes da federação, por envolver circunstâncias peculiares de cada região. Ademais, a sistemática normativa estadual também seria compatível com a disciplina federal sobre o assunto, hoje fixada pela Lei 9.394/1996, que estabelece “as diretrizes e bases da educação nacional”. Em seu art. 25, a lei federal deixaria nítido espaço para atuação estadual e distrital na determinação da proporção professor e aluno dos sistemas de ensino. Possibilitaria, assim, que o sistema estadual detalhasse de que maneira a proporção entre alunos e professores se verificaria no âmbito local. Sob o prisma formal, portanto, a Lei 9.394/1996 habilitaria a edição de comandos estaduais como os previstos nas alíneas a, b, e c do inciso VII do art. 82 da LC 170/1998 do Estado de Santa Catarina. Sob o ângulo material, a lei catarinense ainda apresentaria evidente diretriz de prudência ao criar uma proporção aluno-professor que se elevaria à medida que aumentasse a idade dos alunos. ADI 4060/SC, rel. Min. Luiz Fux, 25.2.2015. (ADI-4060).

[97] “Ao se analisar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da autonomia dos estados-membros e dos poderes que em nome dessa autonomia tais entes estariam autorizados a exercer, é notável a quantidade de julgados em que se fez uso de um hipotético postulado constitucional que a própria Corte convencionou denominar ‘princípio da simetria’.

Sem explicitar a origem, a natureza ou mesmo o significado de tal ‘princípio’, aquele Tribunal da Federação aproveitou-se reiteradamente desse “fundamento” para tornar sem efeito uma série de leis e atos normativos editados principalmente pelos poderes públicos estaduais, sem falar em incontáveis atos concretos das mesmas autoridades igualmente nulificados por ‘desconformidade’ com o referido postulado.

Ante a indefinição daquela Corte quanto à fixação de um sentido claro e uniforme para o ‘princípio da simetria’, uma parcela da doutrina constitucional, a pretexto de desvendar-lhe um significado supostamente oculto na jurisprudência, associa-o à ideia de que os estados, quando no exercício de suas competências autônomas, devem adotar tanto quanto possível os modelos normativos constitucionalmente estabelecidos para a União, ainda que esses modelos em princípio não lhes digam respeito por não lhes terem sido direta e expressamente endereçados pelo poder constituinte federal”. LEONCY, Léo Ferreira. Uma proposta de releitura do “princípio da simetria”. Consultor Jurídico, 24 nov. 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-nov-24/observatorio-constitucional-releitura-principio-simetria>. Acesso em: 28 maio 2015.

[98] SARMENTO, Daniel, SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 460-461.

[99] Nossa posição é a de que o art. 130 já confere diretamente autonomia institucional aos Ministérios Públicos de Contas, em razão da indissociabilidade das garantias objetivas e subjetivas.

[100] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 335.

[101] BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 336.

[102] Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.

[103] Art. 128. § 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

I - as seguintes garantias:

a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado;

b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[104] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

[105] Cabe distinguir a mutação constitucional das interpretações construtivas e evolutivas. Enquanto a mutação constitucional pressupõe a alteração de um sentido preexistente, a interpretação construtiva estende a aplicação de uma norma a uma situação que poderia ter sido prevista, mas não o foi, e a intepretação evolutiva estende a uma circunstância que sequer poderia ter sido prevista na época da produção do texto constitucional.

[106] Sem negar que também o Direito pode estar à frente, causando, ele mesmo, a mudança de valores sociais.

[107] SARMENTO, Daniel, SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014, p. 341.

[108] BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 160.

[109] BARROSO, Luís Roberto. op. cit., p. 162.

[110] DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. PROCESSO CRIMINAL CONTRA EX-DEPUTADO FEDERAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. INEXISTÊNCIA DE FORO PRIVILEGIADO. COMPETÊNCIA DE JUÍZO DE 1º GRAU. NÃO MAIS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CANCELAMENTO DA SÚMULA 394. 1. Interpretando ampliativamente normas da Constituição Federal de 1946 e das Leis nºs 1.079/50 e 3.528/59, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência, consolidada na Súmula 394, segunda a qual, "cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício". 2. A tese consubstanciada nessa Súmula não se refletiu na Constituição de 1988, ao menos às expressas, pois, no art. 102, I, "b", estabeleceu competência originária do Supremo Tribunal Federal, para processar e julgar "os membros do Congresso Nacional", nos crimes comuns. Continua a norma constitucional não contemplando os ex-membros do Congresso Nacional, assim como não contempla o ex-Presidente, o ex-Vice-Presidente, o ex-Procurador-Geral da República, nem os ex-Ministros de Estado (art. 102, I, "b" e "c"). Em outras palavras, a Constituição não é explícita em atribuir tal prerrogativa de foro às autoridades e mandatários, que, por qualquer razão, deixaram o exercício do cargo ou do mandato. Dir-se-á que a tese da Súmula 394 permanece válida, pois, com ela, ao menos de forma indireta, também se protege o exercício do cargo ou do mandato, se durante ele o delito foi praticado e o acusado não mais o exerce. Não se pode negar a relevância dessa argumentação, que, por tantos anos, foi aceita pelo Tribunal. Mas também não se pode, por outro lado, deixar de admitir que a prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo. Aliás, a prerrogativa de foro perante a Corte Suprema, como expressa na Constituição brasileira, mesmo para os que se encontram no exercício do cargo ou mandato, não é encontradiça no Direito Constitucional Comparado. Menos, ainda, para ex-exercentes de cargos ou mandatos. Ademais, as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente, numa Constituição que pretende tratar igualmente os cidadãos comuns, como são, também, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos. 3. Questão de Ordem suscitada pelo Relator, propondo cancelamento da Súmula 394 e o reconhecimento, no caso, da competência do Juízo de 1º grau para o processo e julgamento de ação penal contra ex-Deputado Federal. Acolhimento de ambas as propostas, por decisão unânime do Plenário. 4. Ressalva, também unânime, de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, com base na Súmula 394, enquanto vigorou.

(STF - Inq 687 QO, Relator:  Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 25-08-1999, DJ de 09-11-2001).

[111] PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.

(STF - HC 82959, Relator:  Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 23-02-2006, DJ de 01-09-2006).

[112] MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito de greve --- artigo 37, inciso VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. 8. Na relação estatutária do emprego público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos do sujeito detentor de capital --- indivíduo ou empresa --- que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos interesses dos trabalhadores não correspondem, antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar --- o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] --- é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil.(STF - MI 712, Relator: Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 25-10-2007, DJe de 31-10-2008).

[113]Cf. MESQUITA, Patrick Bezerra. Aspectos normativos do mandado de injunção e sua evolução jurisprudencial. 2008. 71f. Trabalho de conclusão de Curso (Bacharelado). Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2008.

[114] Cf. BARROSO, Luís Roberto. Mandado de injunção: o que foi sem nunca ter sido: uma proposta de reformulação. In: ______. Estudos em homenagem ao Prof. Caio Tácito. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 429-436.

[115] CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. DESFILIAÇÃO. PERDA DE MANDATO. ARTS. 14, § 3º, V E 55, I A VI DA CONSTITUIÇÃO. CONHECIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, RESSALVADO ENTENDIMENTO DO RELATOR. SUBSTITUIÇÃO DO DEPUTADO FEDERAL QUE MUDA DE PARTIDO PELO SUPLENTE DA LEGENDA ANTERIOR. ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA QUE NEGOU POSSE AOS SUPLENTES. CONSULTA, AO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, QUE DECIDIU PELA MANUTENÇÃO DAS VAGAS OBTIDAS PELO SISTEMA PROPORCIONAL EM FAVOR DOS PARTIDOS POLÍTICOS E COLIGAÇÕES. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MARCO TEMPORAL A PARTIR DO QUAL A FIDELIDADE PARTIDÁRIA DEVE SER OBSERVADA [27.3.07]. EXCEÇÕES DEFINIDAS E EXAMINADAS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. DESFILIAÇÃO OCORRIDA ANTES DA RESPOSTA À CONSULTA AO TSE. ORDEM DENEGADA. 1. Mandado de segurança conhecido, ressalvado entendimento do Relator, no sentido de que as hipóteses de perda de mandato parlamentar, taxativamente previstas no texto constitucional, reclamam decisão do Plenário ou da Mesa Diretora, não do Presidente da Casa, isoladamente e com fundamento em decisão do Tribunal Superior Eleitoral. 2. A permanência do parlamentar no partido político pelo qual se elegeu é imprescindível para a manutenção da representatividade partidária do próprio mandato. Daí a alteração da jurisprudência do Tribunal, a fim de que a fidelidade do parlamentar perdure após a posse no cargo eletivo. 3. O instituto da fidelidade partidária, vinculando o candidato eleito ao partido, passou a vigorar a partir da resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta n. 1.398, em 27 de março de 2007. 4. O abandono de legenda enseja a extinção do mandato do parlamentar, ressalvadas situações específicas, tais como mudanças na ideologia do partido ou perseguições políticas, a serem definidas e apreciadas caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral. 5. Os parlamentares litisconsortes passivos no presente mandado de segurança mudaram de partido antes da resposta do Tribunal Superior Eleitoral. Ordem denegada.

(STF - MS 26602, Relator:  Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 04-10-2007, DJe de 17-10-2008).

[116] RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. REELEIÇÃO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. I. REELEIÇÃO. MUNICÍPIOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. PREFEITO. PROIBIÇÃO DE TERCEIRA ELEIÇÃO EM CARGO DA MESMA NATUREZA, AINDA QUE EM MUNICÍPIO DIVERSO. O instituto da reeleição tem fundamento não somente no postulado da continuidade administrativa, mas também no princípio republicano, que impede a perpetuação de uma mesma pessoa ou grupo no poder. O princípio republicano condiciona a interpretação e a aplicação do próprio comando da norma constitucional, de modo que a reeleição é permitida por apenas uma única vez. Esse princípio impede a terceira eleição não apenas no mesmo município, mas em relação a qualquer outro município da federação. Entendimento contrário tornaria possível a figura do denominado “prefeito itinerante” ou do “prefeito profissional”, o que claramente é incompatível com esse princípio, que também traduz um postulado de temporariedade/alternância do exercício do poder. Portanto, ambos os princípios – continuidade administrativa e republicanismo – condicionam a interpretação e a aplicação teleológicas do art. 14, § 5º, da Constituição. O cidadão que exerce dois mandatos consecutivos como prefeito de determinado município fica inelegível para o cargo da mesma natureza em qualquer outro município da federação. II. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL. NECESSIDADE DE AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para o regular transcurso dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição. O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE 633.703). Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. III. REPERCUSSÃO GERAL. Reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais atinentes à (1) elegibilidade para o cargo de Prefeito de cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos em cargo da mesma natureza em Município diverso (interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição) e (2) retroatividade ou aplicabilidade imediata no curso do período eleitoral da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que implica mudança de sua jurisprudência, de modo a permitir aos Tribunais a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de retratação ou declaração de inadmissibilidade dos recursos repetitivos, sempre que as decisões recorridas contrariarem ou se pautarem pela orientação ora firmada. IV. EFEITOS DO PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Recurso extraordinário provido para: (1) resolver o caso concreto no sentido de que a decisão do TSE no RESPE 41.980-06, apesar de ter entendido corretamente que é inelegível para o cargo de Prefeito o cidadão que exerceu por dois mandatos consecutivos cargo de mesma natureza em Município diverso, não pode incidir sobre o diploma regularmente concedido ao recorrente, vencedor das eleições de 2008 para Prefeito do Município de Valença-RJ; (2) deixar assentados, sob o regime da repercussão geral, os seguintes entendimentos: (2.1) o art. 14, § 5º, da Constituição, deve ser interpretado no sentido de que a proibição da segunda reeleição é absoluta e torna inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos (reeleito uma única vez) em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da federação diverso; (2.2) as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem mudança de jurisprudência, não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior.

(STF - RE 637485, Relator:  Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 01-08-2012, DJe de 21-05-2013).

[117] 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

(STF - ADPF 132, Relator:  Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05-05-2011, DJe de 14-10-2011).

[118] Cf. DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously, p. 134 apud SARMENTO, Daniel, SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 356.

[119] “O fortalecimento dos órgãos de controle é uma tendência das sociedades desenvolvidas modernas. Isso porque contribui para o desenvolvimento de uma Administração Pública proba, impessoal, eficiente e transparente. E tal circunstância, em última análise, colabora com a efetivação dos direitos fundamentais de que a sociedade tanto necessita. Veja-se o exemplo da Defensoria Pública, que, embora não seja um órgão de controle, também contribui com o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito. Há pouco tempo o órgão inseria-se na intimidade do Poder Executivo e não desfrutava de mínima estrutura.  Atualmente, por outro lado, o órgão possui autonomia administrativa e financeira consagrada na Constituição da República, havendo se tornado um poderoso instrumento de promoção da cidadania e inclusão social.

Da mesma forma, conferir-se autonomia plena ao Ministério Público de Contas, através de leitura constitucional contemporânea, certamente transformará o órgão numa referência em fiscalização dos gastos públicos e combate à corrupção. Isso resultará em preservação do erário e incentivo à boa gestão da coisa pública.

No atual contexto histórico, não é possível conceber que um órgão de controle externo possua autonomia funcional sem autonomia administrativa e financeira. Seguramente a ausência destas últimas acabaria por tornar sem efeito a primeira. De fato, a retenção de recursos para o custeio de despesas essenciais poderia servir de instrumento de pressão para coibir a atuação independente dos membros do órgão de controle.

Imagine-se que o Ministério Público da União ou que o Ministério Público dos Estados se encontrasse inserido na estrutura orgânica do Poder Executivo, sendo por este custeado. Provavelmente, nessa hipótese, a atuação do órgão não seria marcada, como hoje, pela defesa incondicional e independente do Estado Democrático de Direito.

De igual modo, o Ministério Público de Contas tem mitigada sua atuação em virtude da falta de reconhecimento de sua autonomia plena. Isso compromete o controle efetivo dos gastos públicos, tão reclamado pela sociedade contemporânea. Portanto, o texto constitucional deve ser lido à luz das necessidades sociais, de forma a conferir ao Ministério Público de Contas os instrumentos necessários à sua atuação efetiva. 

O Ministério Público de Contas é uma instituição essencial à função de controle externo das contas públicas, cuja atuação primordial dá-se mediante a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública. O órgão é mencionado expressamente nos arts. 73, §2º, II, e 130 da Constituição da República de 1988”. MASSARIA, Glaydson. O Ministério Público de Contas e a evolução social: uma releitura 26 anos após a promulgação da Constituição da República de 1988. Jus Navigandi, Teresina/PI, nov. 2014, Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/33516/o-ministerio-publico-de-contas-e-a-evolucao-social-uma-releitura-26-anos-apos-a-promulgacao-da-constituicao-da-republica-de-1988>. Acesso em: 28 maio 2015.

[120] COMBATE à corrupção motivou os protestos, diz Datafolha. Valor Econômico, 17 mar 2015. Disponível em: <http://www.valor.com.br/politica/3958246/combate-corrupcao-motivou-protestos-no-domingo-diz-datafolha>. Acesso em: 28 maio 2015.

[121] EXECUTIVO e judiciário fecham acordo contra a corrupção. Brasil 247, 25 mar. 2015. Disponível em: <http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/174635/Executivo-e-Judici%C3%A1rio-fecham-acordo-contra-a-corrup%C3%A7%C3%A3o.htm>. Acesso em: 28 maio 2015.

[122] DILMA Rousseff divulga detalhes do pacote de combate à corrupção. G1, 18 mar. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2015/03/dilma-rousseff-divulga-detalhes-do-pacote-de-combate-corrupcao.html>. Acesso em: 28 maio 2015.

[123] PRESIDENTE da OAB entrega a Dilma plano de combate à corrupção. G1, 17 mar. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/03/presidente-da-oab-entrega-dilma-plano-de-combate-corrupcao.html>. Acesso em: 28 maio 2015.

[124] PGR apresenta dez propostas para melhorar o combate à corrupção. G1, 20 mar. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/03/pgr-apresenta-dez-propostas-para-melhorar-o-combate-corrupcao.html>. Acesso em: 28 maio 2015.

[125] Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (Cf. Lei nº 3.991, de 1961)

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

[126] Cf. CASIMIRO, Tatiane. Os efeitos da corrupção sobre os direitos humanos. Relações Internacionais, 07 abr. 2015. Disponível em: <http://relacoesinternacionais.com.br/politica-internacional/os-efeitos-da-corrupcao-sobre-os-direitos-humanos/>. Acesso em 28 maio 2015.

[127] Art. 12º. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada.

[128] Navi Pillay, durante a 22ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, 2013.

[129] PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.

(STF - RE 466343, Relator: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 03-12-2008, DJe de 05-06-2009).

[130] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 168-169.

[131] BARROSO, Luís Roberto. Mandado de injunção: o que foi sem nunca ter sido: uma proposta de reformulação. In: ______. Estudos em homenagem ao Prof. Caio Tácito. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 429.

[132] “Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre / Em nosso espírito sofrer pedras e flechasCom que a Fortuna, enfurecida, nos alveja, / Ou insurgir-nos contra um mar de provocaçõesE em luta pôr-lhes fim? Morrer.. dormir: não mais. / Dizer que rematamos com um sono a angústia / E as mil pelejas naturais-herança do homem: / Morrer para dormir... é uma consumação / Que bem merece e desejamos com fervor. / Dormir... Talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo: / Pois quando livres do tumulto da existência, / No repouso da morte o sonho que tenhamos / Devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita / Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios. / Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo, / O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso, / Toda a lancinação do mal-prezado amor, / A insolência oficial, as dilações da lei,Os doestos que dos nulos têm de suportar / O mérito paciente, quem o sofreria, / Quando alcançasse a mais perfeita quitação / Com a ponta de um punhal? Quem levaria fardos,/ Gemendo e suando sob a vida fatigante, / Se o receio de alguma coisa após a morte, –Essa região desconhecida cujas raias / Jamais viajante algum atravessou de volta – / Não nos pusesse a voar para outros, não sabidos?”. SHAKESPEARE, William. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. Hamlet. São Paulo: Abril, 1976.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA, Patrick Bezerra. Ministério Público de Contas brasileiro: ser ou não ser, eis a questão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4364, 13 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39898. Acesso em: 24 abr. 2024.