Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/40378
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Impacto da intervenção psicossocial aos usuários de drogas no contexto do Judiciário

Impacto da intervenção psicossocial aos usuários de drogas no contexto do Judiciário

Publicado em . Elaborado em .

O estudo discute o impacto da intervenção psicossocial ao usuário de drogas na prática da intervenção psicossocial aplicada pelo serviço aos usuários de substancias químicas do TJDFT-SERUQ.

INTRODUÇÃO

O presente estudo de natureza empírica se inicia considerando diferenciada a intervenção psicológica e a intervenção judicial. Observa-se que o encontro prático das ciências sociais e jurídicas pode constituir um grande problema ou uma grande solução. No âmbito do Judiciário e diante da ótica de cada ciência, os conflitos humanos são uma realidade que produz diferentes questionamentos. Diante do contexto judicial, o psicólogo se depara com um fato jurídico e não simplesmente com um sujeito experimentando sua vida. Sua atuação se limita sujeitando-se a novas diretrizes, não terapêuticas, onde as inferências subjetivas observadas devem ser analisadas considerando a realidade da instituição judicial. A intervenção psicossocial proposta precisa ser modelada e avaliada para o contexto jurídico, que se constitui em um desafio para equipe psicossocial.

O fenômeno não se reduz ao uso da substância, mas o encontro desse uso com as normas sociais que o consideram indevido. É necessário compreender qual a representação social do consumo diante da singularidade de cada sujeito e quais os fatores psicodinâmicos que caracterizam esses usuários pertencentes a grupos sociais diversos e expostos a diferentes fatores de risco, cuja influencia irá estabelecer o comportamento tido como inadequado ou mal adaptado, considerando sua vulnerabilidade (BRASIL, 2012).

No Brasil, a substância ou produto considerado droga e aquele capaz de causar dependência, especificado em lei ou relacionado em listas atualizadas, periodicamente, pelo Poder Executivo (LEI 11.343/06, ANVISA, OMS). É necessário que haja ilicitude no consumo para que o Judiciário seja acionado. No entanto, o consumo de drogas lícitas como o álcool e o tabaco está implícito na vivência do usuário, não podendo ser ignorado no momento da intervenção.

Assim, no contexto estudado, o usuário/dependente é denominado de jurisdicionado ou réu, sujeito passivo, essencial, pessoa contra quem se propõe a ação penal. Sua situação é ambígua. Após acordo proposto pelo Ministério Público, usa de seu direito subjetivo e concorda em cumprir a pena ofertada: participar de um programa ou curso educativo (Lei 11.343/06, art.28 – III) ou ser denunciado. Essa possibilidade permite a própria escolha da punição: uma “medida terapêutica” (DAMÁSIO DE JESUS, 2009) ou um processo judicial, um paradoxo, cujo objetivo seria forçar a “prevenção do uso, a inclusão social e a redução de riscos” (LEI 11.343/06, art. 22 e 23).

O SERUQ - Serviço de assessoramento a Magistrados sobre Usuários de Drogas [1] disponibiliza uma equipe interdisciplinar composta por psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, antropólogos, sociólogos e advogados. Desenvolve um programa psicossocial de caráter socioeducativo e motivacional, utilizando a rede social e a participação da comunidade do sujeito. Primeiramente procura, através de uma avaliação multidisciplinar, identificar o contexto psicossocial, o conflito individual, o tipo de uso, sua frequência e qual a droga utilizada. E assim, encaminha-lo à rede de atenção previamente articulada, motivando à mudança de comportamento e viabilizando sua reinserção social.

O estudo tem como objetivo descrever o impacto do programa psicossocial na execução da “medida terapêutica” (DAMÁSIO DE JESUS, 2009) quanto à produção de mudanças na vida do usuário alcançado pela lei, e quais os seus reflexos sociais, considerando o cumprimento da pena estabelecida. Inicialmente, diante das especificidades do contexto explorado é necessária a descrição da prática da intervenção psicossocial contextualizando suas ações. Existem muitos fatores envolvidos, os quais dificultam o estabelecimento de um modelo. Portanto, é necessário estabelecer indicadores que descrevam quais as mudanças ocorreram na vida do jurisdicionado diante das múltiplas variáveis que envolvem o uso de substancias entorpecente. Deve-se considerar ainda a estratégia de enfrentamento adotada por um modelo jurídico-policial, que por outro lado deve fortalecer ações da rede pública de saúde e de políticas públicas de prevenção.

Considerando a atuação de forma ampla, é necessário se aprofundar na temática das normas sociais e suas especificidades legais. Assim como conceituar vulnerabilidade e risco, princípios norteadores para a aplicação de políticas públicas.  Sendo importante compreender que as regras jurídicas são legitimadas pelas regras sociais, ou seja, primeiro a sociedade reconhece as regras sociais, legítima e, depois atribui a instituição jurídica um poder de ação (MONTEIRO, 2003).

Para tanto, é necessário compreender quais são os processos individuais do usuário de drogas, sua relação com a justiça e as normas sociais estabelecidas, diante de um contexto institucional/jurídico, em que um novo modelo de intervenção psicossocial não terapêutico, se apresenta em sua prática. A obrigatoriedade e coerção de comparecimento definida pela Lei 11.343/06 diferem da adesão voluntária observada na intervenção clínica (CORDIOLI, 2009). Onde a atuação do psicólogo é compreendida como aquele que, em seu “fazer clínico” (DUTRA, 2004), pode tratar e reencaminhar o sujeito à sociedade, bem ajustado.


1. FUNDAMENTOS

1.1 Risco e Vulnerabilidade

Considerando que a legislação estabelece que os usuários sejam objeto de saúde pública, políticas de inclusão social e ações de prevenção devem ser desenvolvidas, entre as quais a oferta de oportunidade de reflexão sobre o uso. Para tanto, conceituar vulnerabilidade e risco se faz necessário, pois a análise das vulnerabilidades sociais deve buscar a existência dos recursos disponíveis e capazes de enfrentar as situações de risco. De acordo com Garmezy (1996, apud CECCONELLO, 2003), definir risco é identificar fatores que acentuam ou inibem distúrbios, transtornos e respostas desadaptadas para a vida em sociedade. Risco é sinônimo de perigo; probabilidade ou possibilidade de perigo (DICIONÁRIO AURÉLIO, 2009, p.1764). Correlacionando, esses fatores as “suscetibilidades individuais” se conceitua vulnerabilidade como sendo a incapacidade individual de buscar alternativas para enfrentar o momento de crise de maneira eficaz (CECCONELLO, 2003). Silveira e Andrade (2000, p.14) relacionam os riscos ao “tipo de droga, ao tipo de uso e de quem é o usuário”, acrescentando que a legalidade ou a ilegalidade não se relaciona diretamente aos riscos, este existe, na forma de uso: leve ou pesado.

Vários estudos (GIGLIOTTI e GUIMARÃES, 2007; BRASIL, 2012) relacionam o período da adolescência e a fase jovem da idade adulta como período de experimentação que pode passar rapidamente para um estágio de consumo grave (BRASIL, 2012), levando à dependência ou à perpetuação do uso de forma controlada e não menos arriscada (COSTA e ASSIS, 2006).  Independente de faixa etária, cor, sexo ou classe social, o consumo de drogas está presente, afetando, direta ou indiretamente, a família, a escola, a economia, a saúde e a segurança social (BRASIL, 2012).

1.2 Anomia

Procurando explicar a conduta tida como desviante, dentre as teorias que abordam o indivíduo em seu contexto psicossocial, destaca-se a teoria da anomia. Inicialmente descrita por Durkheim, foi desenvolvida por Merton[2] (1949, apud em FERRO, 2004), e vem sendo utilizada no discurso dos estudiosos da criminologia, sendo conhecida também como teoria estrutural-funcionalista do desvio e da anomia (FERRO, 2004).

Segundo Merton, quando os meios utilizados pelos indivíduos acarretam insucesso em atingir as metas culturais (objetivos) devido à insuficiência de meios institucionalizados (valores normativos), ocorre à conduta desviante. Assim os meios utilizados pelos indivíduos para que essas metas sejam alcançadas podem ser tanto legítimos (trabalho) como ilegítimos (criminalidade). Ambas as estruturas, social e cultural, indicam os meios legítimos e socialmente aprovados. Quando a estrutura cultural exige atitudes que a estrutura social impede, se estabelece a tendência à anomia (BARATTA, 2002; RIBEIRO, 2002; FERRO, 2004).

De acordo com Baratta (2002) e Ferro (2004), estrutura cultural é o conjunto de metas consolidadas em uma sociedade que governa o comportamento desse grupo. Quando atingidas, o indivíduo considera-se plenamente aceito. Assim, estrutura social é o conjunto organizado de relações sociais, em que os membros da sociedade estão diferentemente inseridos, que permite o alcance de metas. Verifica-se, portanto, que a condição de vulnerabilidade esta relacionada à situação em que o sujeito se insere dinamicamente na sociedade, considerando estabilidade no mercado de trabalho, suas relações sociais e intrafamiliares, em um processo sociocultural.

Merton (1949, apud BARATTA, 2002; FERRO, 2004), considera cinco tipos de adaptação ou adequação social: conformidade, que é o tipo de adaptação mais difundido, onde os padrões estabelecidos são amplamente aceitos pelos membros; a inovação, em que a adaptação ocorre através de meios institucionalmente proibidos, ou seja, adesão aos fins culturais, sem o respeito aos meios institucionais; o ritualismo, onde regras institucionais são seguidas quase que compulsivamente; o retraimento ou evasão, onde ocorre a rejeição dos objetivos culturais e dos meios institucionais; e a rebelião, em que sujeitos que estão fora da estrutura social são levados a encarar e procurar trazer à tona uma estrutura social nova, negando os meios institucionais, mediante meios alternativos.

O usuário de drogas ilícitas, diante da teoria, é um sujeito que toma uma posição de não aceitação, se afasta dos meios legítimos e assume um lugar de criminalidade, sendo este, um lugar de identidade. Estando em descompasso com estrutura cultural e a estrutura social, a primeira exigindo atitudes que a segunda impede, ocorrendo, assim, o enfraquecimento das normas (FERRO, 2004). Estaria incurso no quarto modo de adequação, a evasão ou retraimento, onde o uso de drogas ilícitas se caracteriza como uma solução desviante para o insucesso. O sujeito não consegue enfrentar o sistema “marcado pela competição, desiste e dele escapa dominado por sentimentos de derrotismo, quietismo e resignação” (FERRO, 2004, P. 69) seria a negação dos fins culturais e dos meios institucionais.

1.3Atribuição de causalidade

Ao estudar o modo como às pessoas se relacionam interpessoalmente, Fritz Heider (1958, apud em MACHADO, 2009), considera que um comportamento pode ser explicado em termos de causas por fatores situacionais ou disposicionais. Essa teoria, denominada de atribuição de causalidade, destaca a percepção de causalidade da conduta social, que nada mais é do que a forma como as pessoas processam as explicações dos acontecimentos que ocorrem na vida, sua realidade.

Basicamente são dois tipos: atribuição interna, a partir de disposições da personalidade, das atitudes e do caráter, centrada na pessoa e; atribuição externa, que surge do contexto em que as situações são vivenciadas. O núcleo dessa teoria é um estado de equilíbrio e bem estar, que busca evitar estados indesejáveis (JESUS, 2010; MACHADO, 2009). A teoria busca esclarecer a conduta perante um acontecimento, onde a pessoa vai procurar deduzir uma causa para justificá-lo, permitindo, assim, a possibilidade de predição e de controle (MACHADO, 2009). No caso do usuário/dependente, várias causas de inadequação social se estabelecem: a não aceitação das regras sociais, isolamento, amigos usuários, pressão social, ambiente familiar problemático, entre outras.

Estabelecendo uma relação entre a teoria da atribuição causal e a teoria da anomia, observa-se que o usuário de drogas, no momento de adequar-se socialmente, vivencia situações de frustrações que não consegue romper. Encontrado seu estado de equilíbrio no uso de drogas, escapa e, assume um lugar de identidade que lhe permite dar significado ao seu insucesso social. Nega as frustrações e, assim, justifica seu fracasso, não importa se por disposição interna ou externa, se exclui socialmente. Passa “a pertencer a um grupo marginal que Merton descreve como aqueles que estão na sociedade, mas não são da sociedade” (MERTON, apud em FERRO, 2004, p.68).

1.4 Normas sociais x contexto jurídico

As normas exercem uma função. De acordo como Asch (1977), visam a controlar e limitar a liberdade de ação. É possível afirmar que “há e sempre houve uma norma, uma regra de conduta, pautando a atuação do indivíduo, nas suas relações com os outros indivíduos” (PEREIRA 2001, pg.4). As garantias das condições necessárias à coexistência social são definidas e asseguradas pelas normas (BRUNO, 1969).  Assim, a partir do convívio com o grupo social se constroem as identidades e as regras, inicialmente com a família e, posteriormente, com os outros membros da sociedade da qual faz parte (JOBIM, 2012). Monteiro (2003) afirma que existem normas de convivência impostas na sociedade, que a rigor não se confundem com as jurídicas ou legais, são regras morais. E, ambas se constituem como normas de comportamento estabelecidas na convivência dos diversos grupos sociais sendo, portanto, a expressão da vontade da ação do homem e o seu limite. Logo, se estabelece como controle da liberdade, implicando em uma obrigação (ASCH, 1977).

Portanto, para compreender o contexto jurídico, é necessário reconhecer a realidade jurídica, que se impõe nas limitações impostas ao comportamento humano em sociedade. Essa realidade parte de ações. Usar droga é crime, este é o fato jurídico, tipificado pela lei, que determina o contexto estudado.  O usuário de drogas se distancia das normas sociais, se insere no contexto judicial, rejeita as normas e se adequa ao comportamento desviante, anômico, justificando-se por variantes causais, internas e externas (atribuição de causalidade). 

Conhecer o usuário nesse lugar coercitivo que expõe sua vulnerabilidade é uma posição privilegiada para o psicólogo, pois permite a observação e a investigação de fenômenos que envolvem ambientes de violência e privação, atitudes desviantes associadas à criminalidade, segredos familiares e diversos tipos de comportamentos sociais, compreendendo que tudo é humano.


2. INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL- SERUQ

 O SERUQ desenvolve uma intervenção psicossocial em caráter socioeducativo, avalia e motiva o sujeito para cumprir o acordado em audiência. No âmbito das ações socioeducativas, é muito importante reforçar o protagonismo por meio de projetos de ação coletiva de interesse social, que podem gerar a produção de vídeos, debates e parcerias com a comunidade, entre outros. Desse modo, devido à complexidade do uso drogas e da característica sui generis da aplicação punitiva do art.28 da lei 11.343/06, a equipe desenvolve uma intervenção psicossocial jurídica inovadora, em que a disseminação de informações fomente reflexão e problematização do uso indevido, visando o desenvolvimento de projetos de vida que incluam o efetivo exercício da cidadania.

Para tanto, a cada dois anos, o SERUQ faz levantamentos sócio demográficos buscando identificar características comuns que permitem revelar características específicas desse grupo de jurisdicionados, assim como o tipo de consumo. O último, realizado em 2010, revela o uso de mais de um tipo de droga. Em média, declaram o uso de três tipos diferentes, incluindo o álcool e o tabaco, podendo chegar a nove tipos diferentes. (MADUREIRA e JOBIM, 2012).           

IMG 1

2.1 Descrições do Programa:

Audiência - participação da equipe, realizando palestra sobre os efeitos das drogas (art. 28-I, da Lei nº 11.343/2006): apresentação do filme “Justiça Humanizada – Atenção Multiprofissional a Usuários de Drogas” (15 min); Acolhimento dos beneficiários que aceitaram a transação penal: coleta dos dados sócios demográficos e agendamento de triagem individual; ressaltando que o assessoramento é itinerante, com deslocamento as diversas circunscrições dos juizados criminais do TJDFT.

Triagem – avaliação individual do contexto psicossocial, com identificação do tipo de usuário (dependente ou recreativo) com aplicação de instrumento validado pela – Organização Mundial da Saúde - OMS, ASSIST[3]. Intervenção através da técnica de entrevista motivacional (E.M.) delineada para ser breve em intensidade e duração e focada no problema (ROLLNICK, MILLER e BUTLER, 2009).

Encaminhamento à rede de atenção/reinserção social, com as instituições parceiras previamente articuladas (Grupos em faculdades de psicologia, clínicas sociais, entre outros) ou o encaminhamento para o tratamento da dependência nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas-CAPS ad. Nas cidades onde não existe rede de apoio externo, o SERUQ realiza, de quatro a seis encontros, o grupo socioeducativo avalia, informa e motiva o usuário, articulando a participação de membros da comunidade.

Relatório conclusivo para o Magistrado acerca do cumprimento da transação penal pelo beneficiário, relatando a adesão ao programa ofertado. Considerando que os jurisdicionados dependentes/toxicômanos terão cumprindo a medida com a elaboração de plano de tratamento pelo CAPS-ad sendo sua adesão voluntaria.

2.2 Delineamento do estudo empírico

Conhecer sob a ótica dos usuários/jurisdicionados e da análise interpretativa do pesquisador com base nas teorias psicossociais, as mudanças ocorridas, a satisfação com a intervenção do SERUQ e sua efetividade. Concluindo com uma análise crítica do fenômeno. Observam-se três momentos empíricos: a triagem, o grupo coordenado pelo SERUQ (5 encontros) e o follow-up (5 meses, após a intervenção).

IMG2         

2.2.1 Momento Primeiro: Triagem– Instrumentos

Protocolo de registro de caso, o qual se divide entre os dados do processo: número da ação; data de entrada no serviço; tipo de droga apreendida; fundamento legal; tipo de encaminhamento; reincidência no serviço. Coleta dos dados do perfil sócio demográfico do usuário: idade, sexo, naturalidade, escolaridade, trabalho, moradia (família nuclear ou de origem), religião, problemas de saúde e tratamentos.

A aplicação do instrumento validado pela OMS- ASSIST consiste em um questionário de triagem breve, com oito perguntas, buscando identificar a frequência do uso, os tipos de drogas utilizadas durante a vida, o tipo de envolvimento e a rede de apoio, leva em conta o uso nos últimos três meses. A cada pergunta a frequência do uso é associada ao tipo de droga recebendo uma pontuação, permitindo-se múltiplas escolhas. A soma desta pontuação possibilita o alcance de um escore para cada tipo de droga usada: tabaco; álcool; maconha; cocaína; anfetaminas; inalantes; hipnótico-sedativos; alucinógenos; opióides e outras drogas. Exige pouco tempo para ser respondido. Ao final, aponta para o tipo de intervenção a ser aplicada ao sujeito: nenhuma intervenção (0-3) e para álcool (0-10); intervenção breve (4-26) para o álcool (11-26); tratamento intensivo (27 ou mais).

2.2.2 Momento Segundo: Grupo

Descrição da intervenção em grupo coordenado pelo SERUQ, por meio da observação naturalística ou assistemática (LAKATOS & MARCONI, 2008). Considerando os comportamentos, fatos, opiniões, sentimentos, falas soltas, conflitos pessoais e projetos de vida relatados pelos usuários/jurisdicionados. Assim como, a atenção dispensada, conhecimento sobre a informação dada, planejamento e desenvolvimento da ação socioeducativa e motivacional, realizada pela equipe SERUQ e pelos profissionais parceiros que atuaram diretamente na intervenção em grupo.

2.2.3 Momento Terceiro: Follow-up

Obedecendo a uma rotina: apresentação da pesquisadora e o objetivo do trabalho, compromisso quanto ao sigilo de suas identidades e assinatura do termo de compromisso livre e esclarecido TCLE, reaplicação do ASSIST; apresentação do Instrumento de avaliação de reação à intervenção em grupo já realizada, com 13 itens, associados a uma escala de cinco alternativas: Ótimo (5), Muito Bom (4), Bom (3), Regular (2), Ruim (1). Desenvolvido a partir da adaptação de instrumentos de avaliação de treinamento de Abbad, Gama e Borges-Andrade, (2000). Distribuído em três partes: programação, 3 itens; durante intervenção no grupo, com 5 itens e após a intervenção, com 5 itens (duração de 10 minutos).  Finalizando com entrevista individual, orientada por um roteiro com 11 perguntas semiestruturadas sobre atitudes e mudanças, considerando: quais drogas utilizadas, representação social, riscos, fatores de proteção, projeto de vida.

2.3 Local

A região administrativa estudada foi Brazlândia (RA- IV), localizada a 45 km de Brasília, possui cerca de 54.000 moradores. A Administração da cidade está atenta ao aumento de usuários de drogas e da criminalidade e, mensalmente promove encontros com a rede comunitária procurando articular com as instituições locais, políticas de prevenção, promoção e inclusão social.

2.4 Participantes

Os participantes do programa são 13 homens, usuários de drogas/dependentes que passaram por todo o programa após a audiência. Não apresentam patologia clínica e/ou psiquiátrica aparente.


3. ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS

 Diante dos vários instrumentos e momentos da pesquisa, os dados foram analisados na seguinte ordem: Análise descritiva da triagem; Análise da observação naturalística da intervenção em grupo e; Análise descritiva e inferencial do follow-up, com base na análise de conteúdo da entrevista, do tipo categorial temática.

O perfil sócio demográfico demostra que a faixa etária varia de 18 a 60 anos. Com uma exceção, todos são moradores de Brazlândia, são homens, jovens e solteiros, nascidos no Distrito Federal. A escolaridade se divide entre o ensino médio e o fundamental. Seis estão empregados formalmente. Três estão desempregados e alegam dificuldades para encontrar trabalho, não relacionado ao uso das drogas, mas à falta de oportunidades. Entre esses, um atribui sua dificuldade ao estigma de ser ex-presidiário, considerando-se discriminado. Três se declaram autônomos, entre eles um, também ex-presidiário, trabalha como vendedor de salgados. Com uma exceção, todos declaram uma religião. Quatro residem com a família nuclear, seis com a família de origem e três residem sozinhos. Todos declaram manter laços familiares que incluem ajuda financeira. Destaca-se que nove possuem residência própria e cinco residem de aluguel.

                      Tabela 1 – tipos de droga e frequência de uso - triagem

Tipos de drogas usadas

N

Frequência do uso

Álcool

13

Semanal/mensal

Maconha

12

Diário/semanal

Tabaco

10

Diário

Cocaína

 5

Mensal

Crack, merla

 3

Semanal/mensal

Anfetaminas, êxtase

 2

já usou na vida

Hipnóticos, sedativos

 2

já usou na vida

Inalantes

 1

já usou na vida

Alucinógenos

 1

já usou na vida

Opióides

 1

já usou na vida

Por meio da aplicação do ASSIST, considerando as informações declaradas pelos usuários, foi possível observar o tipo de drogas utilizado e a frequência desse uso (tabela 1).

Durante a realização do grupo, a equipe do SERUQ selecionou cinco temas multiteóricos para reflexão e informação: lei, saúde, projetos de vida, educação e papel sócio/cultural. O comitê de drogas da cidade foi convidado a participar, visando à integração estratégica da rede local no cuidado do seu usuário. Primeiramente, o comitê foi capacitado pela equipe sobre aspectos legais e psicodinâmicos do uso das drogas. Todos os encontros tiveram a participação da equipe do SERUQ e dos 13 participantes.

 O primeiro encontro, realizado pela equipe do SERUQ, apresentou os aspectos legais da transação penal, o papel do Judiciário e o caráter socioeducativo da intervenção. Através de uma dinâmica, os usuários estabeleceram quais os fatores associados ao uso representavam as suas relações sociais e potencializavam, agravando ou diminuído o uso. Assim permitiram-se expor, individualmente, suas percepções e selecionar as comuns, determinado critérios de risco e proteção.

Foram considerados fatores de proteção: a família, o trabalho, a religião e o esporte. Como risco: as amizades e os problemas (estresse) foram sinalizados. No discurso dos usuários, a necessidade de relaxar, “acalmar e não discutir com a companheira”, assim como a necessidade do uso de drogas para dormir, foi ressaltado. Um dos usuários trouxe o frio como fator de vulnerabilidade.

O segundo encontro teve como tema a saúde. Contou com a participação do médico do Centro de Saúde 1, de Brazlândia, que utilizando imagens demonstrou os efeitos do uso das drogas no organismo,  assim como sua relação com outras doenças como diabete, cirrose, hepatite, HIV. O impacto das informações foi percebido de imediato, pois houve muitos questionamentos e solicitações.

O terceiro encontro foi conduzido pelo psicólogo do CREAS-Centro de Referência Especializado em Assistência Social acompanhado da assistente social do CRAS-Centro de Referência em Assistência Social. Através de uma dinâmica interativa, focada nos valores pessoais dos usuários, o psicólogo buscou proporcionar reflexões sobre projetos de vida, amizades, o outro, relacionamentos, perdão, solidão, percepção da vida.  Finalizando com uma técnica de relaxamento e projeção. A assistente social, representando o CRAS, disponibilizou para aqueles que tinham interesse, atendimentos sobre vagas de empregos. Todos os que estavam desempregados agendaram, com exceção do usuário morador de Ceilândia.

O quarto encontro foi com o tema educação, contou com a presença da pedagoga do INCRA8 de Brazlândia. Utilizando uma dinâmica que ressaltava o passado, o presente e o futuro, destacava a importância da educação e profissionalização. Disponibilizou alguns cursos técnicos oferecidos pela comunidade, assim como a possibilidade de integração a projetos de educação acelerada (EJA) para os que desejassem concluir os estudos.  Um dos usuários, que trabalha como mestre de obra, discordou, afirmando ser desnecessária essa continuidade diante de sua realidade e de outros do grupo. A pedagoga trouxe a importância do uso de novas tecnologias na construção civil, onde diante do fenômeno da globalização, só é viável com uma educação ampla. Ao final, este usuário, mestre de obras, foi o único a se interessar pelo curso de inglês ofertado.

O último encontro contou com a participação de uma assistente social da administração da cidade e do grupo HIP-HOP – proativo (dois membros), cujo representante faz parte do conselho tutelar de Brazlândia, radialista e chefe comunitário.  O representante do grupo relatou sua historia pessoal, discorrendo sobre exclusão, preconceito, família, diferenças sociais e projetos de vida, destacando que

“(...) foi desqualificado e chamado de bandido pelo pessoal de Brazlândia. Ninguém acreditava nele, era um cara da rua, no entanto, foi lhe dado um lugar, hoje ele é o cara”.  

 Finalizaram com a apresentação de um vídeo/clipe sobre o tráfico de pessoas, cantado no estilo hip-hop, produzido pelo por eles. Disponibilizaram o espaço para acolher os usuários. O encontro foi permeado pela discussão e troca de experiências. A identificação com as histórias de vida promoveu um espaço de inclusão. Houve emoção e dois usuários se dispuseram participar de outros grupos do SERUQ narrando suas histórias.

Para encerrar o Juiz compareceu e firmou a importância do comparecimento e cumprimento da transação penal e o arquivamento dos autos, acrescentando que espera encontrá-los novamente, em outra situação na vida.

3.1.Follow-Up-Perfil

Após cinco meses da realização do grupo deu-se inicio ao follow-up. Os dois usuários que eram ex-presidiários estavam novamente recolhidos, um por porte ilegal de arma e o outro por violência doméstica.  Apenas quatro usuários participaram. Dos sete que não compareceram, um não quis participar e seis não foram localizados. Portanto, o follow-up se realizou com 30% dos participantes.

Comparando o perfil desses quatro usuários antes e depois da intervenção, verifica-se que o status foi alterado em algumas variáveis.  Um deles, hoje, vive maritalmente, está empregado formalmente e mora com a família nuclear. Antes três estavam desempregados, hoje apenas um está desempregado. Um havia se declarado autônomo, situação que persiste. Outro está empregado formalmente em dois empregos. Três continuam residindo com a família de origem. E, quanto à escolaridade, religião e moradia o status continua o mesmo com a ressalva de que um evangélico e um católico declaram participantes da Igreja, o que antes não ocorria.

Por meio da reaplicação do ASSIST, considerando as informações declaradas pelos usuários, é possível descrever e comparar o tipo de droga e a frequência de uso, antes e após a intervenção dos quatro usuários participantes.

                Tabela 2 – tipos de droga e frequência de uso – Follow- up

Tipos de drogas usadas

N

Frequência do uso

Triagem

N

Frequência do uso

Follow-up

Tabaco

4

Diariamente

3

Diariamente

Álcool

4

Semanal/Mensal

4

Semanal/Mensal

Maconha

4

Diariamente/Semanal

3

Semanal

Cocaína

2

Semanal

1

1 ou 2 vezes nos

 últimos 3 meses

Crack, merla

1

Semanal/mensal

0

 Não usa/parou

 A tabela 2 demonstra que um deixou de usar tabaco e maconha e, três declararam que o uso da maconha é semanal. Enquanto, um deixou de usar cocaína e um reduziu o uso semanal para uma ou duas vezes nos últimos três meses. O uso do álcool se mantém similar e o usuário de crack declara ter parado.

3.2  Avaliação de Reação ao Programa - Follow-up

 Este instrumento busca avaliar a satisfação do usuário acerca da programação da intervenção (expectativa, dias e carga horária), avaliando à audiência e a medida judicial, considerando que a participação no grupo, significa o cumprimento da determinação legal e do acordo firmado. Os itens relacionados aos resultados buscam avaliar a intervenção em grupo, diante da qualidade das informações prestadas, a partir dos temas desenvolvidos e do desempenho da equipe do SERUQ e dos profissionais participantes. Foi calculado o desvio padrão em relação à média buscando indicar a variação.

Tabela 3 – avaliação de reação

Programação

Péssimo

1

Ruim

2

Regular

3

Bom

4

Ótimo

5

Média

Desvio padrão

 O que achou da Audiência.

4

3,0

0,0

O que achou da medida judicial de participar do grupo

1

3

3,7

0,5

O que achou da carga horaria do grupo (5 encontros de 2h)

4

4,0

0,0

Durante a Intervenção

 O que achou das informações apresentadas sobre a Lei 11.343/06

2

2

4,5

0,5

O que achou das informações apresentadas sobre saúde

4

5,0

0,0

O que achou das informações apresentadas sobre educação

1

3

4,7

0,5

Como você avalia a segurança dos profissionais nas orientações sobre os temas

4

5,0

0,0

Como você avalia os profissionais do SERUQ

4

5,0

0,0

Após a Intervenção

Como avalia sua participação no grupo

2

2

3,5

0,5

Como avalia sua aprendizagem no grupo

4

4,0

0,0

Como foi a convivência com os outros beneficiários do grupo

1

3

3,7

0,5

Como avalia a participação no grupo para sua vida

4

4,0

0,0

Como você se sentiu ao participar do programa

2

2

4,5

0,5

4,0

0,2

 A Tabela 3 retrata a avaliação dos quatro usuários do programa quanto à satisfação com programação. Foi calculado o desvio padrão em relação à média buscando indicar a variação, se obtendo uma média de 3, 3,7 e 4 . Quanto ao processo de intervenção, foi avaliada a qualidade das informações obtidas ao longo do grupo, se obtendo uma média de 4,5 e 5. Após a intervenção a média obtida foi de 3,5, 4, 3,7 e 4,5, o que demonstra uma avaliação positiva, ressaltando, que o número de participantes, representa 30% da amostra, portanto, significativo.

3.3 Entrevistas - Follow-up

O roteiro da entrevista semiestruturada dos quatro participantes, com base na análise de conteúdo, do tipo categorial temática, permitiu identificar três categorias temáticas. Essas categorias são descritas abaixo:

1ª Categoria - Mudanças no uso das drogas (N=4): frequência, tipo de droga, redução do dano.

“(...) continuo usando, mas não da mesma forma, moderadamente, hoje uso só maconha (...) o crack, parei (...) era necessário tocar na ferida, senti vergonha de estar usando”.

 “Não era um usuário constante, não fumo mais cigarro (...)”.

“(...) Continuo usando maconha (...) a cocaína (...) diminui, muito caro”.

“Eu gosto de usar, maconha, não vou parar. Sinto muito prazer, é legal. (...) tomo mais cuidado”.

“A gente não tem noção, não vê a destruição vindo pra a gente. Abri minha mente. Aprendi muito. Não uso mais cocaína (...), só maconha às vezes”.

2ª Categoria - Autonomia (N=4): capacidade da de praticar ou abster-se de praticar certos atos de acordo com sua vontade.

“Estou mais decidido. Pensava muito, não tomava decisões (...) me ajudou acordar. Sem estresse, encaro os problemas da melhor forma possível, saio fora não entro em discussão”.

“Estou trabalhando muito, tenho dois empregos, estou pensando em morar sozinho, o trabalho me ajudou muito, sentei com meus pais a gente conversou muito (...) comecei a me perceber”.

“Estou pensando, foi muito legal, não penso em sair de casa, sei lá, sou o mais novo”.

“Encaro os problemas da melhor forma possível, eu gosto de conselho... Faço melhor minhas escolhas”.

3ª Categoria - Projetos de vida (N=4): planejamento pessoal que define um conjunto de metas a ser alcançado

“Quero ter uma vida estável com minha família, vou cuidar da minha filha e da minha namorada. Terminei os estudos, vou fazer um curso no SENAI ou no ETB, vou ser técnico em eletricista, terminar minha casa, vou comprar um carro em agosto”.

“Minha meta e organizar minha vida, (...) morar só, ter meu canto, (...) gosto do meu trabalho, quero arrumar uma namorada, estou crescendo”.

“(...) Ainda não sei, meu pai fala muito. Sou pintor, minha vida está boa”.

“Quero arrumar um emprego melhor, minha mãe falou que estou mais trabalhador, a gente tem mais respeito”.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto estudado, verifica-se que o fenômeno do uso de drogas vai ao encontro das normas sociais e se caracteriza como um comportamento desviante. Diante da Lei, o usuário ou dependente é um sujeito transgressor e também um problema de saúde pública. É uma questão social, onde o sujeito entra no cenário jurídico para ser penalizado por sua inadequação social, as expectativas não são claras. A assistência jurídica disponibilizada é um procedimento psicossocial, coercitivo, realizado através de um programa de assistência psicossocial, onde a equipe do SERUQ se destaca pela inovação.

 Descrever suas ações e avaliar seu impacto é complexo, pois o efeito social do uso de drogas se constitui a partir de uma série de variáveis interligadas tão abrangentes, que falar em proteção, prevenção e reinserção no contexto jurídico requer uma reinvenção de modelo psicossocial, sendo necessário adotar uma postura que mescle: disseminação de informação; reflexão; problematização do uso; desenvolvimento de projetos de vida e, ainda, possibilite o cumprimento da pena, ou seja, o SERUQ se estabelece como executor da pena e fomentador de redes sociais, sem apoio do executivo e sem competência formal estabelecida. Ressalta-se que durante a intervenção os jurisdicionados são tratados pela equipe do SERUQ como beneficiários e, não réus/jurisdicionados, um paradoxo que, no contexto, é o primeiro passo para a conformidade, que deve ser motivada como processo de adequação social elevando o sujeito a cidadão.

Foi possível verificar que a estruturação dessa intervenção diferenciada requer a participação de vários profissionais e a utilização de técnicas, cujo aporte teórico precisa ser abandonado, para dar lugar à experiência prática dos profissionais. A Lei determina a participação em programa socioeducativo (art. 28-III, Lei 11.342/06), o CNJ (provimento 4/2010) estabelece a não intervenção terapêutica, mas a intervenção. O SERUQ assume, então, uma competência de assessoria que torna sua ação investigativa, avaliativa, reflexiva, psicossocial e executora, além de que o usuário/dependente é motivado e informado sobre questões sociais, legais e de saúde que envolve o uso.

  Modificar o comportamento de usar drogas é um ideal a ser alcançado, considerando a certeza de uma situação de risco e vulnerabilidade, portanto, motivar a mudança é o desafio. Todo esse procedimento se encontra sob a tutela do Judiciário. É um novo modelo, piloto, onde se almeja “obrigar” o sujeito à tomada de consciência e reflexão sobre droga em sua vida e, possíveis danos. O modelo de intervenção é único, a metodologia estabelecida surge de um longo processo de estudo e capacitação dos profissionais da equipe do SERUQ, para a criação de uma intervenção que satisfaça um modelo de psicologia judicial, assistência social e processo socioeducativo.

O levantamento do perfil demográfico permite realizar conclusões mais consistentes sobre esses sujeitos, porque indicam o modo de vida e a presença de possíveis fatores comuns que facilitam a intervenção.  Destaca-se que a maioria dos participantes jovens, são homens e são dependentes da família.  A falta de autonomia é latente no grupo, mesmo entre os que moram sozinhos e trabalham, a dependência financeira está presente. Os conflitos familiares e o estresse são relatados pelo grupo assim como a dificuldade de emprego e oportunidades, vários estudos trazem esses fatores como agravantes da vulnerabilidade e risco social. (CECCONELLO; 2003; GIGLIOTTI e GUIMARÃES, 2007; BRASIL, 2012).

É possível estabelecer uma relação causal entre as teorias psicossociais apresentadas e o comportamento dos jurisdicionados, pois esses homens frustrados não encontram na estrutura social a possibilidade de integração. O comportamento anômico se caracteriza na tensão entre a estrutura cultural e a social quando as oportunidades não estão lá. O acesso ao sucesso não está disponível, o usuário se frustra diante da não existência do seu lugar, acreditando que estava garantido.  Ferro (2004) descreve esse descompasso que leva o sujeito a negar os valores sociais, adotando um comportamento desviante, adapta-se através da evasão, se exclui da sociedade (FERRO, 2004; BARATTA, 2002).

A prática psicossocial disponibilizada pela SERUQ se apresenta como um espaço psicossocial em construção capaz de avaliar o risco e absorver a demanda. Os critérios utilizados e quais os indicadores de risco avaliados não ficam claros. Durante a intervenção, os temas são trazidos pela percepção da equipe diante da experiência pessoal de cada membro e, dos fatores de risco e vulnerabilidade prescritos pelos estudos e levantamentos feitos SISNAD (2006), ao estabelecer medidas para a prevenção do uso (BRASIL, 2012).

A intervenção se mostrou eficaz para o cumprimento da determinação legal dentro do prazo. Ao se analisar através do follow up as mudanças ocorridas aos usuários, são significativas e representam a eficiência do programa diante da complexidade do tema e sua adequação. Apenas 30% do grupo estava disponível ao estudo do impacto, no entanto, essa parcela é representativa do grupo. Houve mudanças no uso, na frequência, na autonomia e na percepção diante da vida. Os projetos trazidos se mostram consistentes. Verificam-se mudanças, principalmente, na relação com as drogas associada à relação com o trabalho. A intervenção em grupo, na avaliação dos usuários, foi importante para motivação e percepção da vida. Ressaltaram o último encontro com o grupo do HIP-HOP – proativo, onde a troca de experiências teve muita importância, assim, como aspectos de saúde que eram desconhecidos. Ressalta-se que o sujeito que aparentemente não teve mudanças, revela uma alteração significativa no seu uso de drogas quanto à frequência (3ª momento – instrumento) e comparece ao follow up.

O delineamento longitudinal, do primeiro estudo realizado para avaliação do programa, tenta atráves de três momentos de coleta verificar o impacto do programa socioeducativo único, desenvolvido pelo SERUQ. A perda de 70% dos usuários no terceiro momento (follow-up), apesar de representativa, limita sua projeção.

Esse grupo revela que ao entrar no mercado formal de trabalho modificou o uso, aceita as normas sociais e encontra sua oportunidade, o que o conduz para um novo modelo de adaptação, da evasão para a conformidade. Aceita os fins culturais e os meios institucionais e, se inclui (FERRO, 2004; BARATTA, 2002, RIBEIRO). As causas podem ser externas ou internas, mas influenciam na conduta do sujeito que sai da marginalidade, dando um novo significado as suas escolhas e demandas. Alcançando um estado de equilíbrio e bem estar (JESUS, 2010, MACHADO, 2006), que possivelmente encontrava no uso de drogas.

Diante das possiblidades, considera-se que os objetivos foram alcançados, o estudo é pequeno, no entanto, é possível verificar o impacto da intervenção e descrevê-la. As categorias identificadas confirmam os indicadores trazidos pelo SISNAD, 2006 e, expressam uma avaliação significativamente positiva do trabalho, refletindo efetividade no processo de mudança. A perda de participantes não significa, necessariamente, falta de impacto da intervenção.

Os indicadores sócios demográficos permitiram revelar características específicas desse grupo, assim como, o tipo de consumo, conhecer as variáveis facilita a intervenção e prevenção, assim o resultado deste estudo poderá ser utilizado como parâmetro para o planejamento outras intervenções.

Pelos resultados encontrados ao final da discussão e análise, considera-se o estudo como exploratório, se apresenta como uma tentativa de contribuir para a com­preensão desse contexto, que embora estimulante deixa antevir muitas questões a serem abordadas no futuro.

Recomenda-se que novas pesquisas sejam elaboradas, considerando uma amostra maior. E, novos grupos sejam avaliados para validação do instrumento, permitindo a construção de novos paradigmas e a identificação de indicadores de avaliação, garantido, assim, a implantação, efetivação e melhoria dos programas, ações e atividades de redução de danos (prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social). Recomenda-se a redução para três meses para realização do follow-up, diante da perda de participantes nesta fase.


Referências

ABBAD, Gardênia; GAMA, Ana Lídia Gomes; BORGES, Jairo Eduardo Andrade. Treinamento: Análise do relacionamento da avaliação nos níveis de reação, aprendizagem e impacto no trabalho. Brasília: Rev. de Adm. Contemporânea. Vol.4, n3, Set/Dez, 2000.

ASCH, Solomon.  Psicologia Social. São Paulo: Nacional, 1977.

BARATTA, Alessandro. Criminologia e crítica do direito penal: Introdução à sociologia do direito penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

BRASIL, Ministério da Justiça Secretaria Nacional de Politicas sobre Drogas. Tratamento de dependência de crack, álcool e outras drogas: aperfeiçoamento para profissionais de saúde e assistência social.  Supervisão técnica e cientifica Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte–SENAD. Responsáveis Técnicos Lisia Von Diemem, Silvia Chwartzmann Halpern e Flavio Pechansky –UFRGS – Brasília: SENAD, 2012.     

BRASIl, Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de politicas públicas sobre drogas - SISNAD. Organização Vade Mecum Acadêmico de Direito por Anne Joyce Angher, 11. São Paulo: Rideel, 2010.

BRUNO, Anibal. Direito Penal, parte geral: introdução, norma penal, fato punível. Rio de Janeiro: Forense, 1967.

CAIRES, Maria Adelaide Freitas. Psicologia jurídica, implicações conceituais e aplicações práticas. São Paulo: Vetor, 2003.

CECCONELLO, Alessandra Marques. Resiliência e vulnerabilidade em famílias em situação de risco.  Tese apresentada no curso de pós-graduação em Psicologia pela UFRGS: Rio Grande do Sul, 2003.

DAMASIO, de Jesus. Lei antidrogas anotada, comentários a lei 11.343/2006. São Paulo: Forense, 2009.

DUTRA, Elza. Considerações sobre as significações da psicologia clínica na contemporaneidade.  Rio Grande do Norte: Estudos de Psicologia 9(2), 381-387, 2004.

FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário Aurélio: Dicionário da Língua Portuguesa. 4. ed. atualizada. Curitiba: Ed positivo, 2009 p.1764.

FERRO, Ana Luiza Almeida. Robert Merton e o funcionalismo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004 p.104 (Coleção Ciências Criminais, 11).

GIGLIOTTI, Analice; GUIMARÃES, Angela. Dependência, compulsão e impulsividade. Rio de Janeiro: Rubio, 2007.

HENRIQUE, Iara Ferraz Silva; DE MICHELI, Denise; BOERNGEN, Roseli de Lacerda; LACERDA, Luiz Avelino; FORMIGONI, Maria Lucia Oliveira Souza. Validação da versão brasileira do teste de triagem do envolvimento com álcool, cigarro e outras substâncias (ASSIST). São Paulo: Rev. Assoc. Med. Bras. vol.50 nº.2 São Paulo Apr./Jan. 2004.

JESUS, Fernando. Psicologia aplicada à justiça. Goiânia: AB, 2010.

MADUREIRA, Israel; JOBIM, Cristiana. Perfil sócio demográfico das pessoas atendidas na SEPSI no ano de 2010. (Org) Em Conexões: Teoria e prática do trabalho em rede na SEPSI.  pp. 211-234, Brasília: Lumen.E.BooK, 2012.

MACHADO, Fatima Regina. Experiências anômalas na vida cotidiana. São Paulo: Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2009.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2008.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil parte geral. São Paulo: Saraiva, atualizado por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto, 2003.

RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes. O papel do conflito, da coerção e do consenso na estruturação da sociedade. //www.datavenia.net/artigos/htm. Acessado em 29/11/2012

ROLLNICK, Stephen; MILLER, William R.; BUTLER, Christopher. C. Entrevista motivacional no cuidado da saúde: ajudando pacientes a mudar o comportamento.  Tradução Ronaldo Catalto Costa. Porto Alegre: Artmed, 2009.

SILVA, Fernando Amarante; SILVA, Eli Sinnott. Prevenção das dependências químicas. (Org) Pulcherio, Gilda; Bicca, Carla; Silva, Fernando Amarante. Álcool, outras drogas informação: informação que cada profissional precisa saber p 17-37 São Paulo: Casa do psicólogo, 2002.

SOUZA, Cristiana Jobim. Psicologia jurídica: encontros e desencontros em sua prática. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3992, 6 jun. 2014. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/29184. Acesso em: 7 nov. 2014.


Notas

(1] SERUQ- Serviço de assessoramento a magistrados sobre usuários de drogas – a competência de atuação trabalho esta definida no art. 244, resolução 13/12 do TJDFT abrange atendimento as 28 Regiões Administrativas do Distrito Federal, assistidas por 21 Juizados Especiais Criminais ou de Competência Geral e quatro Varas de Entorpecentes e Contravenções Penais, instalados em um total de doze Fóruns.

[2] O conceito de anomia de MERTON configura um desenvolvimento da concepção de DURKHEIM, em sua obra o suicídio: “... de relativa ausência de normas em uma sociedade ou grupo”. Em Robert Merton, não obstante as diferentes formulações empregadas prevalecem à ideia de “ruptura da estrutura cultural”. As teorias da anomia de Durkheim e de Robert Merton, não são equivalentes, para ele anomia não é apenas “desmoronamento” ou “crise”, a estrutura sociocultural exerce uma pressão sobre os membros da sociedade que pode levar à anomia e ao comportamento desviante, entre os quais o considerado criminoso. Na percepção de DURKHEIM, o “que é normal é simplesmente que haja uma criminalidade, contanto que esta atinja e não ultrapasse, para cada tipo social, certo nível que talvez não seja impossível fixar de acordo com as regras precedentes (FERRO, 2004)

[3] Questionário ASSIST- teste de triagem para envolvimento com álcool, tabaco e outras substancias, desenvolvido pela WHO (Henrique, De Micheli, Boerngen, Lacerda, Formigoni, 2004), cujo objetivo é verificar a frequência do uso de substâncias químicas lícitas e ilícitas em inglês significa dar assistência.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.