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Excludentes de ilicitude:jurisprudência e casos práticos

Excludentes de ilicitude:jurisprudência e casos práticos

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Trata das excludentes de ilicitude, com abordagem doutrinária e exemplos práticos extraídos da jurisprudência.

1. INTRODUÇÃO AOS EXCLUDENTES DE ILICITUDE

Dentre as diversas definições de crime, a mais significante define crime com um fato típico antijurídico e culpável. As descrição das condutas consideradas crimes são dadas pelo Direito Penal, e o procedimento voltado para averiguação da existência e autoria de um crime é dado pelo Processo Penal.

Assim, a primeira coisa a se averiguar é a tipicidade da conduta, que consiste na adequação da conduta ao tipo penal, se a conduta se encaixar no tipo penal descrito, temos um fato típico. Só depois de configurada a tipicidade passa-se averiguar a Ilicitude, assim sendo, se uma conduta é considerada atípica nunca será ilícita. Só haverá crime se a conduta além de típica for ilícita e culpável.

Ilicitude é a contradição entre a conduta praticada pelo agente e o ordenamento jurídico, note-se que a ilicitude é mais ampla que a tipicidade, pois já sendo verificado que a conduta corresponde ao tipo penal na tipicidade, na ilicitude se averigua se mesmo sendo típica, não estaria aquela conduta autorizada por outras normas do sistema jurídico. As normas autorizadoras são chamadas excludentes de ilicitude.

É certo que o fato típico sempre tem um caráter indiciário de ilicitude, conduto, havendo a presença de alguma causa excludente de ilicitude, não haverá crime. Partindo deste pressuposto, como todo fato típico em princípio também é ilícito, o ônus de provar a existência de excludente de ilicitude fica a cargo da defesa, bastando à acusação provar a tipicidade que já traz implicitamente a ilicitude.

Pode-se ainda, fazer distinção entre antijuridicidade e ilicitude, enquanto a maioria utiliza tais expressões como sinônimas, uma vez que antijuridicidade corresponderia à ato contrário ao direito e poderia ser graduada, enquanto ilicitude seria o ato contrário à lei não aceitando graduação, de maneira que uma conduta acobertada por excludente de ilicitude seria ilícita, mas não antijurídica. Tão pouco se pode confundir ilicitude com injustiça, pois são conceitos e valores distintos.

Parte da doutrina defende que do mesmo jeito que o tipo penal que que descreve a conduta do crime, deve respeitar a legalidade estrita, as excludentes de ilicitude submetem-se ao mesmo princípio. Embora haja outra parte que defender que existem causas supra legais que também são capazes de excluir a ilicitude da conduta.

São quatro as causas legais, quais sejam: a) legítima defesa; b) estado de necessidade; c) estrito cumprimento do dever legal e d) o exercício regular de direito.

Vale ressaltar que a inexigibilidade de conduta diversa, configura causa excludente de culpabilidade e não de ilicitude.

2 CAUSAS SUPRA LEGAIS

Causas supra legais são aquelas que apesar de não previstas na lei, posto que o legislador não pode prever todos os casos, de qualquer forma justificam a conduta que se encaixa no enquadramento legal como fato típico, a ponto de não serem consideradas crime. Vez que seria desproporcional e até extremamente injusto punir tais condutas havendo justificativa plausível.

Há discussão doutrinária a respeito de se tais condutas configurariam excludentes de ilicitude supralegais (Bitencourt, Delmanto), ou se ante a teoria constitucional do fato punível (Luiz Flávio Gomes), as excludentes de ilicitude devem também respeitar a regra da legalidade estrita, de maneira que tais justificativas tornariam a conduta atípica, pois seriam formalmente típica, uma vez que se enquadram na previsão legal, mas materialmente atípicas pois justificáveis.

Ex: agente que fura a orelha de outro para colocar um brinco. Pessoa pobre que constrói casa em local irregular de preservação e por isso comete crime ambiental.

Na prática, ante a presença de tais causas não haverá crime, existindo precedentes neste sentido, conforme:

Quesitos – Juri: “é obrigatória a formulação aos jurados das teses sustentadas pela defesa, mesmo quando invocada causa supralegal de exclusão de culpabilidade que, é cediço, não se encontra agasalhada, de forma expressa, no ordenamento jurídico vigente, sob pena de cerceamento de defesa.” (TJMG, Ap. 1.0000.00.254046-6/000 (1), Rel. Reynaldo Ximenes Carneiro, j. 29.08.2002)

Pessoa miserável: “pessoa miserável que, sem recursos para sua mantença e muito menos para locação de imóvel de forma a que tivesse condições de conforto e higiene adequadas, constrói barraco em local de preservação ecológica, sem autorização da autoridade competente. Acusação por crimes ambientais de poluição pelo esgoto e de construção irregular (art. 54, § 2º, V e art. 64 da Lei nº. 9.605/98), restando absorvido aquele por este pela inexistência da existência de rede de esgoto doméstico no local. Condenação em primeiro grau. Não se aplicando à hipótese o estado de necessidade, que tem requisitos específicos, é de se invocar a existência de causa supralegal de exclusão de ilicitude, já ensinada por Bettiol. Responsabilizar-se penalmente quem, numa situação de penúria, procura construir habitáculo para resguardo da família, parece injusto e se trata efetivamente de problema de ordem social que não encontra respaldo no devido amparo da autoridade pública. Não que com isso se justifique invasões organizadas e promovidas de modo a atentar contra a ordem estabelecida. No caso presente, a mera providência administrativa e civil eram suficientes, com a desocupação da área.” (TJSP, 5ª C., Rel. Des. José Damião Pinheiro Machado Cogan, RT 835/545)

2.1. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO

Outra justificativa supra legal seria o consentimento do ofendido, sendo que as consequências podem ser diferentes de acordo com a natureza do crime e suas elementares, bem como dependendo do bem jurídico protegido.

É irrelevante em alguns casos ante a grande relevância e indisponibilidade do bem jurídico tutelado. Ex: homicídio (vida)

Exclui a tipicidade, nos crimes em que a conduta depende da discordância do ofendido, como é o caso dos delitos patrimoniais. Ex: furto, invasão de domicílio, violação de correspondência, violação de segredo.

Exclui a antijuridicidade, quando não houver relevância para o tipo penal a aquiescência ou não da vítima, mas servir como justificadora da conduta, como nos crimes de dano ou de cárcere privado.

Exclui a culpabilidade, quando a vítima consente tacitamente, pela não permissão para que se inicie o processo penal nos casos de ação penal condicionada ou não ingressando com a queixa crime no caso das ações penais privadas.

2.2. CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS

Conforme art. 41 do CPP: “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”

Assim, se a conduta estiver acobertada por excludentes de ilicitude, não haverá crime, podendo o Ministério Público pedir o arquivamento do inquérito sem oferecer denúncia. Se apresentada a denúncia, e o juiz desde logo inaldita altera pars, se convencer de que há manifesta causa excludente de ilicitude, deverá rejeitar a denúncia por ausência de condição da ação (art. 395, II CPP) e mesmo recebendo a denúncia e determinando a citação do réu (art. 396-A, CPP) se após a resposta, se convencer da manifesta existência de excludente de ilicitude, deve absolver o réu sumariamente, rejeitando a denúncia (art. 397, II, CPP).

Ademais, cabe observar que a excludente de ilicitude nestes caos deve ser manifesta, caso haja dúvida, dever vigorar o princípio in dubio pro societatis, seguindo-se no processo com a instrução até a sentença onde haverá cognição exauriente dos fatos, podendo haver na sentença o reconhecimento da existência da causa excludente de ilicitude com a absolvição do réu (art , 386, VI, CPP).

3. ESTADO DE NECESSIDADE

O estado de necessidade consiste no sacrifício de um bem jurídico em detrimento de outro bem jurídico, cuja perda não era razoável em relação ao segundo, pelo agente que não tendo o dever legal de enfrentar uma situação de perigo e o qual, também não pode ter provocado a situação de perigo por sua vontade.

O Estado de Necessidade implica em que para a preservação de um bem jurídico tido como maior é necessária depreciação de outro bem jurídico, tido como menor. De modo a tornar justificável tal sacrifício.

O Código Penal adota a teoria unitária, onde o sacrifício feito é razoável ou não, sem necessidade de comparação detalhada dos valores dos bens, de maneira que ou o sacrifício feito é razoável, de acordo com o homem médio, onde estaremos diante de um estado de necessidade, não havendo ilicitude ou o sacrifício não é razoável e estaremos diante de um crime, que neste caso terá uma causa de redução de pena, sendo o agente beneficiado apenas com a redução 1/3 a 2/3 na pena (art. 24, § 2º).

Já o Código Penal Militar (arts. 39 e 43) adota a teoria da diferenciação, onde deve ser feita uma ponderação entre os valores dos bens e deveres em conflito, de maneira que o estado de necessidade só será considerado causa de exclusão de ilicitude, quando o bem sacrificado depois de tal ponderação for reputado de menor valor.

Existe, ainda, a teoria da equidade (Kant), que aduz que mesmo sendo justificável o sacrifício o fato continuaria a ser antijurídico, constituindo crime, mas não seria punido, apenas por questão de equidade e política penal.

3.1. REQUISITOS

3.1.1 – Situação de Perigo

a) Perigo atual: O perigo deve estar ocorrendo, sendo atual, e o dano deve estar iminente, diferente da legítima defesa que e admite um perigo iminente, ou seja aquele que ainda não aconteceu, mas que pode acontecer a qualquer momento.

b) O perigo deve ameaçar direito próprio ou alheio: o direito aqui seria qualquer bem ainda tutelado pelo ordenamento jurídico, de maneira que um condenado à morte não poderia alegar estado de necessidade contra o carrasco. E quanto ao direito de terceiro não é preciso a autorização do terceiro, basta que seja razoável a conduta.

c) O perigo não pode ter sido causado voluntariamente pelo agente: Há divergência neste ponto, (Damásio de Jesus) entende que o perigo causado culposamente, autoriza o reconhecimento de estado de necessidade ao agente. Ao passo que (Assis Toledo, Nelson Hungria e José Frederico Marques) defendem que o perigo causado por culpa ou por dolo não autorizam o reconhecimento de estado de necessidade.

d) Inexistência do dever legal do agente de enfrentar o perigo: pois quem tem o dever legal de agir (art 13, CP) deve tentar salvar o bem sem sacrificar nenhum outro, o que não significa que o agente não possa se recusar a salvar o bem quando for impossível salvar o bem e o risco for inútil.

3.1.2. Conduta Lesiva

a) Inevitabilidade do comportamento: somente será aceito o sacrifício se não houver outro meio de salvar o bem posto em perigo, devendo o comodus dicessus ser evitado. Ou seja, se puder evitar-se o perecimento do bem sacrificado não haverá estado de necessidade, nestes casos a fuga é preferível ao sacrifício do bem, da mesma maneira que se inevitável, a lesão ao bem sacrificado deve ser a menor possível, do contrário haverá excesso

b) Razoabilidade do sacrifício: a razoabilidade deve levar em conta o homem comum e não o valor do bem, pois ninguém está obrigado a andar por ai com calculadoras e tabelas para avaliar os valores dos bens jurídicos. Salvo tratando-se do Código Penal Militar onde o valor do bem sacrificado deve ser objetivamente menor do que o do bem salvo, sendo conditio sine qua non para o reconhecimento do estado de necessidade

c) Conhecimento da situação justificante: segunda a teoria finalista, só haverá estado de necessidade se o agente tiver conhecimento real da situação de perigo.

3.2. CLASSIFICAÇÕES

a) Quanto à titularidade do interesse protegido: próprio ou de terceiro

b) Quanto ao aspecto subjetivo do agente: real ou putativo

c) Quanto ao terceiro que sofre a ofensa: defensivo (agressão contra o provocador dos fatos) ou agressivo (destrói bem de terceiro inocente)

3.3. JURISPRUDÊNCIA E EXEMPLOS

Passamos a citar alguns exemplos retirados de doutrinas diversas e da jurisprudência, com o entendimento prático do que pode configurar ou não a excludente:

Crimes habituais, permanentes e reiteração criminosa: nestes casos não há estado de necessidade, pois não há atualidade no perigo, embora se admitida excepcionalmente. Ex: exercício ilegal da medicina, salvo se estiver numa ilha deserta estando lá por desastre.

Dificuldades Econômicas e furto famélico: de regra não caracteriza estado de necessidade, senão legitimaria todos os crimes das camadas mais pobres da população, só uma situação extrema autorizaria a conduta típica, em casos extremos com atualidade real do perigo demonstrada. A jurisprudência entende que se o agente podia pedir auxilio econômico para parentes já seria o bastante para não configuração da excludente, falta de dinheiro para cirurgia também não configura. O furto famélico existe na jurisprudência em casos extremos, sendo o crime de roubo, pela violência incompatível com a excludente de ilicitude.

“Não cabe reconhecimento de estado de necessidade se o agente, podendo subtrair gêneros alimentícios de primeira necessidade, opta por bebidas e guloseimas” (TJRS, Ap. 70000864828, Rel. Tupinambá Pinto Azevedo, j. 17.5.2000)

Porte de arma: não basta o agente alegar que passa por locais perigosos, para justificar o porte de arma, pois poderia a qualquer momento pedir a concessão administrativa para tanto. Admissível o porte ilegal, apenas havendo agressão imediata à pessoa que porta a arma sem permissão ou que haja invasão à sua casa.

Maus tratos: não configura crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345) o pai que exercendo o seu direito de visita, retira seus filhos do poder de sua ex-companheira e não os devolve justificando sua atitude diante da constatação de maus-tratos por ela impingidos aos menores, tendo, em seguida, ingressado com ação de modificação de guarda (TACrSP, Ap. 1.391.887/4, j. 1.3.2004, in Bol. IBCCr 141/824)

Direção perigosa: “motorista que, para evitar sua morte quase certa pelo choque de seu veículo com uma jamanta que invadira sua meia pista, devia-o para o acostamento, atropelando um ciclista. Estado de necessidade caracterizado” (RT 560/362)

Motorista não habilitado: “Pai que se utilizou do carro à noite para adquirir medicamento para filho enfermo. Estado de necessidade. Absolvição” (RT 603/354, 725/593)

Acusado que sentindo-se indisposto, entrega a direção do veículo ao filho sem habilitação legal. Estado de necessidade. (RT 561/404)

Jogo do bicho: “estado de necessidade reconhecido. Acusada cujo marido vive de “biscates”, que é mãe de numerosa prole e que auxilia na manutenção da família praticando aquela infração. Absolvição decretada.” (RT 649/290)

4. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL

Tal excludente trata do agente que cumpre seu dever nos limites estritos autorizados e controlados pela lei. Por tais atos, que são obrigações legais do agente não poderia ele, ao mesmo tempo, estar praticando ilícitos penais. Consiste na realização de um fato típico por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei, afinal, o que uma lei autoriza ser feito, não pode ser proibido como crime por outra.

Dever legal: consiste em qualquer obrigação direta ou indiretamente derivada de lei. Pode, portanto, constar de decreto, regulamento ou qualquer ato administrativo infralegal, desde que originário de lei. Vale notar que tais atos devem ter caráter geral, pois se forem endereçados diretamente a um agente subordinado, estaremos diante de obediência hierárquica.

O cumprimento: deve se dar estritamente dentro da lei, se houve excesso haverá ilicitude, podendo configurar abuso de autoridade ou outros delitos.

Função Pública: geralmente o beneficiado é agente ou funcionário público, mas nada impede que seja particular, desde que esteja exercendo função pública.

Coautores: em regra a excludente beneficia a todos os coautores ou partícipes, contudo, segundo como defende (Fernando Capez), se houver desconhecimento pelo partícipe do dever legal do agente público, com o dolo de cometer o delito pelo coautor, deve responder pelo crime.

Não é admissível em crimes culposos, pois a lei que autoriza o ato não pode admitir imperícia, negligência ou imprudência, contudo, eventualmente tal ato pode configurar estado de necessidade como, por exemplo, no caso de motorista de ambulância ou viatura que causa acidente indo atender uma ocorrência.

Para a teoria finalista, tal excludente só é aplicável se o agente público tem conhecimento de que está agindo acobertado por dever legal e não com o dolo de cometer o crime.

4.1. JURISPRUDÊNCIA E EXEMPLOS

Passamos a citar alguns exemplos retirados de doutrinas diversas e da jurisprudência, com o entendimento prático do que pode configurar ou não a excludente:

Crimes culposos: “o estrito cumprimento do dever legal é incompatível com os delitos culposos.” (TACrSP, RT516/346)

Advogados: “estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito. Inocorrência. Causídico que, através de petição, assaca ofensas caluniosas contra o magistrado da causa. Poderes do profissional do Direito na sua esfera de atuação que não são absolutos e incontestáveis. Punibilidade de eventuais excessos e abusos.” (RT 797/559)

Policial militar: “que, para evitar suposta agressão a seu colega de serviço por indivíduo que julgava ser bandido perigoso, nele atira por não atender à ordem de parar” (RT 573/420)

“Policiais que revidam a tiros a reação de marginais, matando um deles, quando cumpriam suas funções.” (RT 473/368, 506/366, 508/398, 519/400, 580/447)

Calúnia: “Testemunha sob compromisso. Narrativa dos fatos pertinentes à causa. Atribuição de fato criminosos a outrem. Atuação no estrito cumprimento do dever legal. Não caracterização de calúnia.” (RT 692/326)

Legitimidade: “excludente só invocável por servidor público.” (RF 326/306)

5. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO

Tal excludente deriva da máxima de que uma ação juridicamente permitida não pode ser ao mesmo tempo, proibida pelo direito penal, de maneira que o exercício de um legítimo direito nunca pode ser antijurídico.

Pode ser definido como causa de exclusão de ilicitude que consiste no exercício de uma prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico, que ao mesmo tempo é caracterizada pelo Direito Penal como fato típico.

Qualquer pessoa pode ser beneficiada. A expressão direito deve ser interpretada num sentido amplo, seja penal ou extra penal, como, por exemplo, o jus corrigendi, decorrente do pode familiar sobre os filhos, as normas internas das associações e estabelecimentos também o são, como o direito de professores castigarem alunos. José Frederico Marques defende que o trote também entraria nesta excludente, pois consagrado pelo costume, embora hajam divergências.

Não pode haver excesso no exercício do direito, senão estaremos diante de crime por abuso de direito. E também é incompatível com homicídio, pois ninguém tem o direito de matar

Segundo a teoria finalista deve o agente ter pleno conhecimento de toda a situação fática autorizadora da excludente, se há desconhecimento por qualquer motivo, bem como dolo de executar a conduta típica, haverá crime.

5.1. JURISPRUDÊNCIA E EXEMPLOS

Passamos a citar alguns exemplos retirados de doutrinas diversas e da jurisprudência, com o entendimento prático do que pode configurar ou não a excludente:

Intervenções médicas e cirúrgicas: configuram tal excludente, mas é indispensável o consentimento do paciente ou de seu representante legal, caso contrário pode-se estar diante de um estado de necessidade de terceiro.

Violência desportiva: Algumas doutrinas consideram aplicável o exercício regular do direito, contudo, alguns doutrinadores entende que pela teoria da imputação objetiva, por tratar-se de risco permitido, trataria-se da fato atípico.

Mesmo assim, enumeram algumas exigências para que a conduta praticada durante a prática desportiva seja tido como permitida, quais sejam: a) agressão cometida por conduta que esteja dentro dos limites da regra do esporte ou de seus desdobramentos previsíveis; b) o praticante vítima da conduta consentiu livremente em praticar tal modalidade esportiva; c) a atividade esportiva não pode ser contrária à ordem pública, à moral ou aos bons costumes de acordo com o senso comum.

Não cumpridas tais exigências, haverá excesso e, portanto, crime: EX; casos no futebol como os xigamentos ao Grafite (injúria racial) e soco recebido por Edmundo (lesão corporal), e no boxe como Mike Tyson mordendo Holyfield (lesão corporal).

Ofendículos: Constitui exercício regular de um direito (CC, art. 1.210, § 1º), embora deva cumprir algumas exigências como: a) conter aviso e/ou serem facilmente perceptíveis e b) estarem colocadas em local razoável. Damásio E. De Jesus entende tratar-se de legítima defesa pré-ordenada e não exercício regular de direito. Excepcionalmente pode haver excesso e diante do excesso haverá crime.

Defesa mecânica pré-disposta: Por ser oculta, na prática quase sempre configurará excesso, sendo tido como crime doloso ou culposo, embora teoricamente pode não haver excesso, e, portanto, pode não haver crime.

Débito conjugal: “não age ao amparo do exercício regular de direito o marido que constrange sua esposa à copula “intra matrimonium”, tendo em vista que a recusa injustificada aos deveres do casamento constitui causa para a separação judicial e não autorização normativa para a prática de crimes sexuais.” (TJRS, Apelação 70009102377, Rel. Marco Antonio Ribeiro de Oliveira, j. 29.9.04)

Direito de denúncia: “não há calúnia, mas exercício regular de direito (CR, art. XXXIV) na conduta de quem denuncia fiscal de tributos a superior hierárquico.” (STJ, RT 686/393)

Desagravo: Não configura crime o advogado que solicita desagravo contra juiz

Advogados – Direito de Representação e Desagravo: “não pratica crime contra a honra de juiz o advogado que representa à Comissão de Prerrogativas da OAB solicitando desagravo, afirmando que a autoridade “passou por cima da lei”, “agiu fora da lei”, “agiu com pura má-fé e intuito preordenado de prejudicar” o advogado representante, “comprovadamente... Demonstrou desconhecer totalmente o Estatuto da Advocacia quanto o Código de Ética da OAB e, sistematicamente, vem ´metendo os pé pelas mãos´, confundindo Jesus (não o filho de Deus) por Genésio, tais e tantos as arbitrariedades, ilegalidades e ofensas a diversos causídicos que vem cometendo”” (STF, HC 82.992/SP, rel. Min Gilmar Mendes, j. 20.9.2005, DJU 14.10.2005)

Direito estatutário: “age no exercício regular de direito presidente de sociedade recreativa que emprega força física para expulsar do recinto pessoa que se comportava desrespeitosamente.” (TJRS, RF 267/318)

Lugar Privado:“Exerce regular direito quem expulsa de seu escritório, empurrando, pessoa que ali fora insultá-lo.” (TACrSP, RT 421/248)

Homicídio: “não se aplica a homicídio, pois a lei não confere a quem quer que seja o direito de matar.” (TJMG, RT 628/352)

Limites e abuso de direito: “há abuso de direito e não o seu exercício regular, quando o agente exorbita dos limites.” (TACrSP, RT 587/340)


Autor

  • Diego dos Santos Zuza

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    Advogado e sócio de Zoboli & Zuza Advogados Associados. Formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo; Especialista de Direito Penal e Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo; Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Advogado atuante nas áreas de Direito Penal, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito de Família e Direito do Trabalho.

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