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Feliz 2016! O que podemos esperar da convivência humana?

Feliz 2016! O que podemos esperar da convivência humana?

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Do clamor da "paz", as pessoas se esquecem que ela é fruto da civilidade e do respeito a vida.

Qualquer estudioso — filosofia, antropologia, sociologia — reconhece que não há uma religião ou filosofia perfeita, porque o próprio ser humano é ignorante. Dizer "ignorante", ao invés de "imperfeito", porque não há como o ser humano dizer o que seja "perfeição". E a história da humanidade nos conta os detalhes de sua evolução.

Os muçulmanos, por exemplo, jamais fazem seus tapetes com perfeição, isto é, deixam um fio solto. Para eles, não há perfeição, mas sempre há algo a ser feito.

Cristianismo, confucionismo, budismo, hinduísmo, islamismo, zoroastrismo, taoísmo, judaísmo, todos consagram a máxima, cada qual com suas simbologias [concepções teóricas] nas palavras, "Não faça ao outro, o que não queres para ti mesmo!".

A humanidade está aprendendo, e quando vai ser perfeito? Muitas filosofias e religiões dizem quando, mas dizer "Sou perfeito!" foge ao bom senso. E por não saber o que é "perfeição" muitas guerras religiosas, e até políticas, aconteceram, e ainda acontecem.

Ontem assisti U2. Uma homenagem às vítimas dos ataques terroristas na França e, também, pedido de PAZ mundial. Sim, tempos sombrios vive a humanidade, e não me refiro apenas ao Estado Islâmico, mas os corações humanos.

Somos os únicos mamíferos a destruir o meio ambiente, pela ganância, pelo narcisismo, pelo poder. Matar sempre é a primeira solução, quando a situação está fora de controle; porém, jamais se pensa nas causas que permitiram a guerra: étnica, religiosa, sexual; econômica.

A humanidade não adora mais os deuses, como no Egito, Grécia e Roma, antes de Cristo. Contudo, novos “deuses” surgiram para serem adorados: o dinheiro, o culto ao corpo, a fama, o selfie, o poder. A humanidade vive no endeusamento do narcisismo, da felicidade eterna. As publicidades passam a falsa impressão de que só existem brancos, esbeltos, pessoas felizes, siliconada com ou sem botox. A indústria da beleza, por exemplo, das cirurgias plásticas estéticas fazem vítimas. Vítimas hipnotizadas pela ilusão da “beleza e felicidade”. Lembro-me de um dos episódios — Nos Olhos de Quem Vê —, do seriado Além da Imaginação, sobre beleza. A refilmagem, de 2002, foi menos impactante do que a primeira versão, da série original. Por quê? Porque, na década de 1950, as cirurgias plásticas estéticas eram bem menos comuns do que na década de 2000.

O narcisismo da "meritocracia" está em alta. No Brasil, por exemplo, pelas abissais diferenças sociais, quando alguma pessoa sai da zona de sofrimento econômico, acha que alguém está de "olho grande" ou que as pessoas que não conseguiram sair da zona de sofrimento econômico — miséria, endividamentos ou superendividamento — são preguiçosas, incapazes. Há muito tempo venho percebendo comportamentos associados à desigualdade social e ao complexo de inferioridade. Fiquei surpreso quando encontrei um livro, ainda não lançado no Brasil, chamado The Spirit Level. Os autores demonstram que quanto mais desigual for uma sociedade maior a sensação de “inferiores” e “superiores”. Além disso, gravíssimos problemas de ordem emocional e comportamental comprometem à saúde da população, como uso abusivo de drogas, lícitas e ilícitas.

Realmente o Capitalismo atual é uma fábrica de neuroses coletivas — Freud, se vivo, teria que suplementar sua obra O mal-estar da Civilização. A ganância dos lobistas não mede esforços para aumentarem seus ganhos:

• As indústrias de tabaco se instalam em países cujas leis antitabagismo são “complacentes” — negociatas entre governantes e lobistas;

• As indústrias alimentícias se preocupam apenas com sabor e aroma. Sal, açúcar e gordura são os ingredientes preferíveis, em abundância nos alimentos, porque causam dependência;

• Os estilistas perpetuam a anorexia, desde a década de 1960 — a modelo Twiggy estabeleceu a magreza como padrão de beleza, e os estilistas adoraram já que gastavam menos tecido para confeccionar roupas. Nascia, então, a anorexia institucionalizada como forma de beleza —, e modelos se submetem aos ditames da tortura para serem celebridades;

• A produção agrícola deve ser eficiente, e os lobistas incentivam o uso indiscriminado de agrotóxicos. Por sua vez, os agricultores, por receberem muito menos que deveriam receber, veem na aplicação de agrotóxicos como maior possibilidade de ganhos — mesmo que suas saúdes fiquem comprometidas, ou a morte apareça.

Enfim, são tantas as armadilhas criadas, que tudo leva ao “desenvolvimento” econômico de qualquer nação. Os alimentos processados fazem mal à saúde, o que obriga o cidadão a procurar algum médico — a obesidade é mundial, e a OMS já soou o alarme. Por sua vez, as indústrias dos cosméticos e das cirurgias plástica estéticas estabelecem padrões de beleza. A mais perigosa é da cirurgia plástica estética, que vitima homens e mulheres, principalmente através do turismo médico — pacientes viajam para outros países para realizarem cirurgias plásticas. Os produtores de agrotóxicos faturam alto, já que a produção deve satisfazer os investidores e acionistas. Aliás, os acionistas não querem saber se alguma criança de oito anos de idade trabalha em condição análoga à escravidão numa fábrica de tecidos, ou se alguma fábrica despeja substâncias cancerígenas em algum rio. O importante é que o lucro seja certo.

Meditar é preciso sobre o que a humanidade quer para sua real felicidade, e não a felicidade da ilusão.


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