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Recuperação judicial impede a cobrança da dívida de codevedores?

Recuperação judicial impede a cobrança da dívida de codevedores?

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Análise do do Recurso Repetitivo n. 1.333.349.

A PRIMEIRA QUESTÃO 

Um credor propõe execução forçada contra devedor coobrigado a uma dívida da qual o outro devedor é uma empresa QUE teve deferido o processamento de seu pedido de recuperação judicial. 

Por exemplo, suponhamos que um Banco (credor) tenha ajuizado uma execução forçada contra o avalista de uma Cédula de Crédito Bancário em que o avalizado (devedor principal) é empresa em recuperação judicial.

Aqui, estou me referindo ao deferimento do processamento da recuperação judicial de que tratam os arts. 6º, caput, e 52, inciso III, da Lei n. 11.101/2005, no sentido de que "Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato"... "ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor".

A questão é: a execução forçada ajuizada contra o devedor coobrigado deve também ser suspensa, em razão do deferimento do processamento da recuperação judicial da empresa codevedora, ou pode tal execução ter seguimento? 

A PRIMEIRA RESPOSTA

A execução judicial contra o devedor coobrigado deve ter seguimento. No caso do nosso exemplo, é a execução do Banco contra o avalista da Cédula de Crédito Bancário (mas poderíamos tomar por exemplo outras dívidas, decorrentes de um título de crédito ou de um contrato, como fiança). 

Isso porque a Lei n. 11.101 de 2005 diz expressamente (observe a exceção do parágrafo primeiro):

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso." (Grifei)

A SEGUNDA QUESTÃO

Vejamos agora a mesma questão (seguimento ou suspensão da execução contra o devedor coobrigado), em situação semelhante da acima disposta, porém, com a peculiaridade de que o plano de recuperação judicial da empresa codevedora agora foi aprovado pela Assembleia de Credores e a recuperação foi concedida por sentença. 

Neste momento, já estou, portanto, tratando da aprovação do plano de recuperação judicial e da novação daí resultante, conforme art. 59, caput, da Lei n. 11.101 de 2005. 

A questão, então, passa a ser: aquela execução forçada contra o devedor coobrigado (em nosso exemplo, o avalista da Cédula de Crédito Bancário) deve ser suspensa?

A SEGUNDA RESPOSTA.  

Diz a Lei n. 11.101 de 2005:

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei.

§ 1º A decisão judicial que conceder a recuperação judicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III, do caput da Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil."

E, por sua vez, diz o Código Civil: 

Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação.

Art. 365. Operada a novação entre o credor e um dos devedores solidários, somente sobre os bens do que contrair a nova obrigação subsistem as preferências e garantias do crédito novado. Os outros devedores solidários ficam por esse fato exonerados." (Grifei)

Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi chamado, por diversas vezes, para decidir a questão e sedimentou o seguinte entendimento, no Recurso Repetitivo n. 1.333.349 (2010/0142268-4), conforme voto do Ministro Relator Dr. Luis Felipe Salomão:

Com efeito, percebe-se de logo que a novação prevista na lei civil é bem diversa daquela disciplinada na Lei n. 11.101⁄2005. Se a novação civil faz, como regra, extinguir as garantias da dívida, inclusive as reais prestadas por terceiros estranhos ao pacto (art. 364 do Código Civil), a novação decorrente do plano de recuperação traz, como regra, ao reverso, a manutenção das garantias (art. 59, caput, da Lei n. 11.101⁄2005), as quais só serão suprimidas ou substituídas 'mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia', por ocasião da alienação do bem gravado (art. 50, § 1º). 
Por outro lado, a novação específica da recuperação desfaz-se na hipótese de falência, quando então os 'credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas' (art. 61, § 2º). 
Daí se conclui que o plano de recuperação judicial opera uma novação sui generis e sempre sujeita a condição resolutiva, que é o eventual descumprimento do que ficou acertado no plano, circunstância que a diferencia, sobremaneira, daqueloutra, comum, prevista na lei civil. (...) 
Portanto, muito embora o plano de recuperação judicial opere novação das dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias são preservadas, circunstância que possibilita ao credor exercer seus direitos contra terceiros garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral
Deveras, não haveria lógica no sistema se a conservação dos direitos e privilégios dos credores contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (art. 49, § 1º, da Lei n. 11.101⁄2005) dissesse respeito apenas ao interregno temporal que medeia o deferimento da recuperação e a aprovação do plano, cessando tais direitos após a concessão definitiva com a decisão judicial." (Grifei)

Desse modo, a execução forçada contra o devedor coobrigado também tem seguimento mesmo que a empresa (devedora principal) tenha em seu favor, até mesmo, a sentença da recuperação judicial - ainda que transitada em julgado. 

O ENTENDIMENTO FIXADO NA JURISPRUDÊNCIA. 

A partir do Recurso Repetitivo n. 1.333.349, foi fixada a seguinte tese pela Segunda Seção do STJ, à unanimidade:

A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros  devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005." (Grifei)
  • Numa só frase:
  • A suspensão (prevista no art. 6º, caput, da Lei n. 11.101 de 2005) de todas as ações e execuções em face do devedor,  beneficia somente a empresa devedora em regime de recuperação judicial, não impedindo o curso das execuções contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. 


Antigamente, a propósito, a concordata preventiva do devedor já não impedia a execução do credor contra os avalistas e devedores solidários do concordatário e, também, a lei falencial anterior (Decreto-Lei n.º 7.661, de 21 de junho de 1945), no já revogado art. 148, dispunha que "A concordata não produz novação, não desonera os coobrigados com o devedor, nem os fiadores dêste e os responsáveis por via de regresso". 

MAIS DOIS COMENTÁRIOS

 1º) Também é beneficiado pela suspensão das ações e execuções contra si ajuizadas o sócio de responsabilidade solidária da empresa devedora. Assim, se este sócio (de responsabilidade solidária) for devedor coobrigado, a ação ou execução em relação a ele será suspensa, também, pelo deferimento do processamento da recuperação judicial da empresa. Realmente, dispõe o art. 6º da Lei n. 11.101 de 2005: 

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedorinclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário."  (Grifei)
 

E há vários precedentes do STJ quanto a isso. Por exemplo:

Conforme o disposto art. 6º da Lei n. 11.101/05, o deferimento de recuperação judicial à empresa co-executada não tem o condão de suspender a execução em relação a seus avalistas, à exceção do sócio com responsabilidade ilimitada e solidária." (STJ - AgRg nos EDcl no REsp 1280036/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 05/09/2013)

Na categoria de sócio de responsabilidade ilimitada estão quaisquer dos sócios, na sociedade em nome coletivo (art. 1.039 do CC/2002), o comanditado, na sociedade em comandita simples (art. 1.045 do CC/2002) e o acionista-diretor, na sociedade em comandita por ações (art. 1.091 do CC/2002). 

2º) Quando nem mesmo a empresa em recuperação é beneficiada pela Lei n.º 11.101/05, é óbvio que o devedor coobrigado também não o será. Por exemplo, em qualquer caso, seja contra a empresa, seja contra o devedor coobrigado, terá prosseguimento a ação em que se demandar quantia ilíquida (que continuará a correr no juízo no qual já estiver se processando). Para informações mais completas a esse respeito, será útil ler §§ 1º, 2º e 7º, do art. 6º; §§ 3º e 4º, do art. 49; inciso II, do art. 86; e inciso III, do art. 52, todos da Lei n.º 11.101/2005. 


Autor

  • Thiago Cássio D'Ávila Araújo

    Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (PGF/AGU) em Brasília/DF. Foi o Subprocurador Regional Federal da Primeira Região (PRF1). Ex-Diretor Substituto e Ex-Diretor Interino do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (DEPCONT/PGF), com atuação no STF e Tribunais Superiores; Ex-Coordenador do Núcleo de Assuntos Estratégicos do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (NAEst/DEPCONT/PGF); Ex-Coordenador-Geral de Matéria Finalística (Direito Ambiental) e Ex-Consultor Jurídico Substituto da Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente (CONJUR/MMA); Ex-Consultor Jurídico Adjunto da Matéria Administrativa do Ministério da Educação (MEC); Ex-Assessor do Gabinete da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça. Desempenhou atividades de Procurador Federal junto ao Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), dentre outras funções públicas. Foi também Conselheiro Titular do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN/2001) e Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB/2010). Em 2007, aos 29 anos, proferiu uma Aula Magna no Supremo Tribunal Federal (STF).

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