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O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais

O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais

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A saúde, como premissa básica no exercício da cidadania do ser humano, constitui-se de extrema relevância para a sociedade, pois a saúde diz respeito a qualidade de vida, escopo de todo cidadão, no exercício de seus direitos.

A saúde como premissa básica no exercício da cidadania do ser humano, se constitui de extrema relevância para a sociedade, pois a saúde diz respeito a qualidade de vida, e o direito sanitário se externa como forma indispensável no âmbito dos direitos fundamentais sociais.

SUMÁRIO: Introdução. Cap. I - VISÃO GERAL SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS: 1.1.) A Teoria dos Direitos Fundamentais. 1.1.1.) Os Direitos Fundamentais de primeira geração. 1.1.2.) Os Direitos Fundamentais de segunda geração. 1.1.3.) Os Direitos Fundamentais de terceira geração. 1.1.4.) Os Direitos Fundamentais de quarta geração. 1.1.5.) Delimitação Conceitual e Terminológica: distinção entre Direitos Naturais, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. 1.2.) Os Direitos Fundamentais como parte nuclear da Constituição em um Estado Social Democrático de Direito. 1.3.) A Aplicabilidade Imediata e a Eficácia Plena dos Direitos Fundamentais. 1.4.) Os Direitos Fundamentais como um Sistema Aberto e Flexível. Cap. II – O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: 2.1.) A saúde como um direito fundamental social. 2.2.) O dever do Estado. 2.1.) As políticas sociais e econômicas. 2.2.2.) A redução de doenças e de outros agravos. As ações preventivas. 2.2.3.) Regulamentação, fiscalização e controle. Cap. III – O PROBLEMA DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL: 3.1.) Mazelas e Descasos. 3.2.) Alternativas para Efetivação do Direito à Saúde. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO

O objetivo do presente estudo versou sobre o direito à saúde como obrigação do Estado, buscando externar toda sua relevância na sociedade como um todo e no campo jurídico-constitucional.

A Constituição Brasileira de 1988, garante a todos os cidadãos o direito à saúde, por força de vários dispositivos constitucionais, onde está prescrito em vários deles, que a saúde é um direito de todos e dever do Estado (art. 196).

Entretanto, o que se pode analisar, é de que após todo o tempo decorrido da promulgação da nossa Lei Maior de 1988, a saúde padece de efermidades profundas, fazendo com que o direito à saúde, enquanto direito fundamental não tenha a total efetivação conforme os ditames constitucionais.

A saúde, como premissa básica no exercício da cidadania do ser humano, constitui-se de extrema relevância para a sociedade, pois a saúde diz respeito a qualidade de vida, escopo de todo cidadão, no exercício de seus direitos. Isto posto, na esfera jurídica, o direito à saúde se consubstancia como forma indispensável no âmbito dos direitos fundamentais sociais.

Assim, a presente pesquisa, procura externar o tema de forma clara e concisa, de modo que se diminua a complexidade do mesmo, fazendo com que os dispositivos constitucionais que a permeiam, sejam interpretados com certa sistemática, buscando a racionalização do problema, externando uma perspectiva hermenêutica adequada do texto constitucional.

O principal meio para consecução do presente trabalho, foi através de uma atenta pesquisa bibliográfica, revendo as principais obras de teoria constitucional, bem como a bibliografia pertinente ao comportamento humano, designando teores filosóficos, bem como a exegese constitucional sobre os direitos fundamentais.

Por estar entre os direitos fundamentais sociais, ou prestacionais, o direito à saúde se configura como um dos elementos que marcam o constitucionalismo liberal para o constitucionalismo social, para a existência no texto constitucional de direitos à prestação, direitos estes que impõem um dever ao Estado, que passam a exigir do Estado enquanto ente propiciador da liberdade humana, não mais aquela atividade negativa, de restrição de sua atuação, mas uma ação positiva, através de uma efetiva garantia e eficácia do direito fundamental prestacional à saúde.

Isto posto, os direitos fundamentais, por estarem em uma posição de destaque dentro da constituição Federal de 1988, torna-se um tema de extrema relevância para qualquer pesquisador do direito, pois através destes, se obtêm um grau de conceitos e teses que se desdobram nas mais variadas correntes e institutos do Direito. Assim, a saúde, por ser um direito fundamental de cunho prestacional e social, revela-se como um excelente tema de estudo, pois o direito à saúde é pressuposto para a qualidade de vida e dignidade humana de qualquer pessoa.

Inobstante a isto, vivemos em um Estado Social e Democrático de Direito, e o Estado tem a função de dar garantia e eficácia de alguns direitos aos cidadãos, diante disto, os direitos fundamentais, revelam-se, já no próprio sentido da palavra, como fundamental, ou seja, é pressuposto para a vida de qualquer ser humano, pois sem este, não há dignidade humana. Com isto, o direito à saúde se consubstancia em um direito público subjetivo, exigindo do Estado atuação positiva para sua eficácia e garantia.

A saúde padece de vastos e enormes problemas, pois já é notório as mazelas e descasos para com a mesma, assim, a pesquisa tem o escopo dissecar os dispositivos constitucionais para dar maior grau de interpretação aos mesmos, de tal sorte que venha a evidenciar alternativas para sua real efetivação.

Após uma incessante busca e análises, através e alguns referenciais teóricos, tratou-se de delimitar o campo de atuação da pesquisa, fazendo uma leitura investigativa dos principais textos constitucionais que permeiam os direitos fundamentais, ao qual, o direito à saúde encontra-se inserido.

Levantando uma bibliografia de autores de renome internacional, tratou-se de analisar as obras pesquisadas de forma a conseguir dar todo o suporte teórico e doutrinário para a presente pesquisa, fazendo um estudo comparativo entre as mais variadas teses e estudos sobre os direitos fundamentais, externando um entendimento claro e conciso sobre o direito à saúde.

Também, através desta investigação, buscou-se caracterizar e formar um conceito amplo de direito fundamental, para por conseguinte, explorar todos os ditames e dispositivos constitucionais que versam sobre a saúde, para externar uma exegese coerente e de acordo com a realidade social dentro de um Estado democrático de direito.

Por derradeiro, adotou-se um procedimento geral, definindo conceitos, teses e teores doutrinários sobre os direitos fundamentais, para posteriormente adentrar no estudo específico da saúde como direito, e após demonstrando as mazelas e descasos do direito sanitário no Brasil, através de relatórios e base de dados, evidenciando a problemática e externando alternativas para a efetivação do direito à saúde.

Especificamente, enquanto área de delimitação do trabalho, buscou-se caracterizar o direito à saúde, no capítulo primeiro, a historicidade, através da teoria dos direitos fundamentais, fazendo um análise sistêmica da teoria dos direitos fundamentais, externando os direitos de Primeira, Segunda, Terceira e Quarta gerações. Também, evidenciamos os direitos fundamentais, através da problemática em torno de sua eficácia, tanto no âmbito direto, como no âmbito horizontal, fazendo uma distinção entre os direitos naturais, humanos e fundamentais. Procurou-se inclusive, demonstrar os direitos fundamentais com um sistema aberto e flexível, sempre em constante mudança, de acordo com a sociedade contemporânea, bem como sua forma objetiva e subjetiva dentro de um Estado democrático de direito.

Em um segundo momento, trata-se efetivamente do direito à saúde, desde o seu surgimento e conceitos, demonstrando toda a sua máxima importância dentro da sociedade. Analisou-se o direito a saúde enquanto um direito fundamental social, buscando demonstrar o dever do Estado, as políticas sociais e econômicas que visem a redução de doenças e outros agravos. Também, versa-se a regulamentação, fiscalização e controle da saúde, tanto por parte do Poder Público, bem como da sociedade, delimitando as ações preventivas para consecução do mesmo.

Já, em um terceiro plano, trata-se de demonstrar as mazelas e descasos para com o direito à saúde no Brasil, externando toda problemática que envolve o tema, bem como designando algumas soluções e alternativas para a efetiva concretização do direito à saúde.

Diante disto, é mister que a descrição do problema, seja de sinalizar se os elementos constitucionais dão a devida guarida ao direito à saúde enquanto um direito fundamental, na repressão das mazelas e descasos da saúde no Brasil, bem como a atuação do Poder Público, como agente promotor da saúde, dentro de um Estado Social e democrático de Direito.

O questionamento de pesquisa revela quais os dispositivos de dão a total garantia do direito à saúde para o cidadão, externando qual o conceito de saúde explicitado da nossa Carta Magna de 1988? Qual o tratamento da legislação pátria para com a saúde? De que forma os dispositivos constitucionais corroboram para a solução da problemática em torno do direito à saúde, bem como quais as alternativas a serem tomadas para a garantia/eficácia deste direito fundamental social ?

Dentre estas e outras questões, o direito à saúde, é um dos principais direitos inerentes ao cidadão, designando sua importância através da preservação da vida e da dignidade humana.


I. VISÃO GERAL SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1.A teoria dos Direitos Fundamentais

Para compreensão acerca da teoria dos Direitos Fundamentais, é necessário que se faça uma análise filosófica e histórica demonstrando a evolução dos direitos fundamentais através dos tempos.

A ligação primordial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, nos seus teores históricos e filosóficos, demonstrará a pertinência desses direitos, ao qual são inerentes da pessoa humana, delineando toda sua universalidade como ideal. Segundo Bonavides, "a universalidade se manifestou pela vez primeira, com a descoberta do racionalismo francês da Revolução, por ensejo da célebre Declaração dos Direitos do Homem de 1789."

Já em Maliska, encontramos que "a fase anterior aos acontecimentos do final do século XVIII é representada, no âmbito dos direitos fundamentais, pelas cartas e declarações inglesas."

A partir da Declaração francesa, notou-se que esta tinha um grau de abrangência muito mais significativo do que as declarações inglesas e americanas, posto que, conforme Bonavides:

... se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração Francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano.

Como se vê, a Declaração francesa designava um caráter humano de grande valia, assumindo sua universalidade. Demonstrava a carta, o reflexo do pensamento político europeu e internacional do século XVIII, ao qual descreve José Afonso da Silva em sua obra que diz: "... dessa corrente da filosofia humanitária cujo objetivo era a liberação do homem esmagado pelas regras caducas do absolutismo e do regime feudal."

A partir desses momentos históricos inerentes aos direitos fundamentais, observa-se que ali os direitos do homem munidos também do direito de liberdade, ganharam força e legitimidade. Externar-se-á então dentro dos direitos fundamentais as características de direitos naturais, inalienáveis e sagrados, caracteres próprios das sociedades democráticas. É mister ainda que se note a enorme influência da Declaração francesa nas constituições ocidentais.

Assim, as cartas de características eminentemente liberais, eram limitadas através da autoridade do Estado, designando desta forma separar os poderes nas suas respectivas funções (legislativo, executivo e judiciário), e consubstanciando a efetivação da declaração dos direitos.

A partir destas configurações de direitos, surgem os direitos de primeira geração, representando os direitos civis e políticos, que postulavam uma atividade negativa por parte do Estado, não violando o cunho individual destes direitos. Não obstante a isso, surgem novos modelos de constituições, que primavam não só pela proteção individual dos indivíduos, mas também por direitos sujeitos à prestações, denominados de direitos da Segunda geração, ou seja, "os direitos sociais, culturais e econômicos concernentes às relações de produção, ao trabalho, à educação, à cultura e à previdência."

Já as sociedades modernas, nas suas constituições, começaram a prestigiar o surgimento de novos direitos, denominados de terceira geração (direitos ao desenvolvimento, à paz, à propriedade sobre o patrimônio comum, à comunicação e ao meio ambiente). Também há que se falar em direitos de Quarta geração, que prescrevem a globalização política (direito à democracia, o direito à informação e direito ao pluralismo).

Concluindo, a partir do teor de universalidade da Declaração francesa de 1789, começou a surgir os ditames da democracia e dos direitos fundamentais, haja vista como bem escreve Boutmy citado por Bonavides: "Foi para ensinar o mundo que os franceses escreveram..."

1.1.1. Os Direitos Fundamentais da primeira geração

Após todo período revolucionário do século XVIII, principalmente pelas ideologias políticas francesas, marcado pelo teor individualista (direitos de defesa, direitos do indivíduo frente ao Estado), externou-se os caracteres base de todo escopo essencial dos direitos fundamentais. Postulados pela historicidade em toda sua evolução, institucionalizou-se três premissas gradativas, a saber: a liberdade, a igualdade e posteriormente a fraternidade.

Os direitos fundamentais chamados de primeira geração, são teorizados pelo seu cunho materialista, ao qual, foram atingindo estas características através de um processo cumulativo e qualitativo designando uma nova universalidade com escopos materiais e concretos.

Diante disto, os direitos fundamentais de primeira geração segundo Bonavides:

São os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.

Isto posto, os direitos fundamentais de primeira geração estão presentes em todas as Constituições das sociedades civis democráticas, não obstante seu caráter de status negativus, em consonância com a descrição de Maliska: "... esses representavam uma atividade negativa por parte da autoridade estatal, de não violação da esfera individual (os chamados direitos de primeira geração, os direitos civis e políticos)."

Este paradigma dos direitos fundamentais perdurou até o início do século XX, posto que, a partir deste foram ingressados novos direitos fundamentais.

1.1.2. Os Direitos Fundamentais da segunda geração

Assim como o século passado foi marcado pelo advento dos direitos da primeira geração (direitos civis e políticos), o século XX foi caracterizado por uma nova ordem social. Esta nova ordem social expele uma nova estruturação dos direitos fundamentais não mais sedimentada no individualismo puro do modelo anterior.

Conforme descreve Sarlet: " A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um ‘direito de participar do bem-estar social’."

Os direitos fundamentais da segunda geração se tornam tão essenciais quanto os direitos fundamentais da primeira geração, tanto por sua universalidade quanto por sua eficácia. Assim, segundo Bonavides, os direitos fundamentais da segunda geração "são os direitos sociais, culturais, e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social..."

Isto posto, os direitos da referida segunda geração estão ligados intimamente a direitos prestacionais sociais do Estado perante o indivíduo, bem como assistência social, educação, saúde, cultura, trabalho. Pressuposto a isto, passam estes direitos a exercer uma liberdade social, formulando uma ligação das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas.

Então, na esfera dos direitos fundamentais da segunda geração, esta marca uma nova fase dos direitos fundamentais, não só pelo fato de estes direitos terem o escopo positivo, mas também de exercerem uma função prestacional Estatal para com o indivíduo. É mister ainda que se diga a importante reflexão de Sarlet acerca dos direitos da segunda geração, ao qual, cita estes direitos como "liberdades sociais, do que dão conta os exemplos de liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como dos direitos fundamentais dos trabalhadores..."

Com os direitos da segunda geração, brotou um pensamento de que tão importante quanto preservar o indivíduo, segundo a definição clássica dos direitos de liberdade, era também despertar a conscientização de proteger a instituição, uma realidade social mais fecunda e aberta à participação e a valoração da personalidade humana, que o tradicionalismo da solidão individualista, onde se externara o homem isolado, sem a qualidade de teores axiológicos existenciais, ao qual somente a parte social contempla.

Emergem assim, um novo conteúdo dos direitos fundamentais: as garantias institucionais, ao qual, são inerentes das instituições de Direito Público e compõe suas formas e organização, bem como limites ao arbítrio do Estado para com os direitos de segunda geração. Então, é oportuna a idéia de Carl Schmitt citado por Bonavides: "Graças às garantias institucionais, determinadas instituições receberam uma proteção especial...para resguardá-la da intervenção alteradora por parte do legislador ordinário. (...) Demais, é da essência da garantia institucional a limitação, bem como a destinação a determinados fins e tarefas."

Assim, o direito à saúde, tema central de nosso presente estudo, se consubstancia como um direito de Segunda geração, posto que, se externa como um verdadeiro direito a prestação, ou seja, um direito social prestacional, uma vez que estes necessitam de uma atuação positiva por parte do ente estatal.

Na nossa Constituição Federal de 1988, os direitos de Segunda geração, estão expressos no ordenamento a partir do art. 6 º da nossa Carta, e neste aspecto, o referido artigo reconhece o direito à saúde como um direito social. Logo, a saúde é, também, um direito de Segunda geração, eis que passa a ser um direito que exige do Estado prestações positivas, para deste modo evidenciar a sua garantia/efetividade.

Por derradeiro, os direitos fundamentais da segunda geração "uma vez proclamados nas Declarações solenes das constituições marxistas e também de maneira clássica no Constitucionalismo da social-democracia (a de Weimar, sobretudo), dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra."

1.1.3.Os Direitos Fundamentais da terceira geração

Na evolução dos direitos fundamentais, surgem os direitos da terceira geração, que são direitos atribuídos à fraternidade ou de solidariedade. Assim, especifica Maliska estes direitos como àqueles "concernentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e a comunicação."

Isto posto, emerge um novo escopo jurídico que vem a somar nos direitos do homem junto com os historicamente versados direitos de liberdade e igualdade. Diante disto, Bonavides descreve:

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado.

Então, os direitos da terceira geração são precípuamente, direitos fundamentais requeridos pelo indivíduo devido ao processo de descolonização do segundo pós-guerra e também pelos avanços tecnológicos, delineando assim direitos de titularidade coletiva ou difusa.

Deste modo, configura os direitos fundamentais da terceira geração como direitos de solidariedade ou de fraternidade, conforme ensina Sarlet, que descreve "em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua efetivação."

Assim, os direitos vão sendo descobertos e formulados, para posteriormente serem efetivados, com isso criar-se-á um processo ao qual sempre estará em evolução, haja vista a oportuna definição de Bonavides: "um sistema de direitos se faz conhecido e reconhecido, abrem-se novas regiões da liberdade que devem ser exploradas."

1.1.4. Os direitos Fundamentais da quarta geração

Nos dias atuais, vivemos uma constante em nosso país, a globalização política neoliberal. Esta globalização do modelo neoliberalista, marcada pela globalização econômica advinda precipuamente sob a égide da política imperialista dos Estados Unidos imposta aos países de terceiro mundo por seus entes financeiros, vem a causar enorme impacto nos direitos fundamentais.

Conforme explanação do constitucionalista cearense Bonavides acerca do neoliberalismo: "Sua filosofia de poder é negativa e se move, de certa maneira, rumo à dissolução do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de soberania e, ao mesmo passo, doutrinando uma falsa despolitização da sociedade."

Diante disto, esta globalização política, de escopo ideológico neoliberal, vem a se perfilar na teoria dos direitos fundamentais, que é a que reflete direitamente na população subdesenvolvida. Então, segundo o pensamento de Bonavides acerca dos direitos fundamentais da quarta geração, que correspondem a verdadeira institucionalização do Estado social : "São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação, e o direito ao pluralismo."

Assim, a globalização dos direitos fundamentais consubstancia a universalização na seara institucional, posto que, reconhece a existência destes direitos de quarta dimensão.

Ainda conforme brilhante comparação com a proposta de Bonavides, o jurista gaúcho Sarlet preconiza:

A proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética, mudança de sexo, etc., como integrando a quarta geração, oferece nítida vantagem de constituir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais...

Partindo do pressuposto que os direitos fundamentais estão na sua essência ligados intimamente, direita ou indiretamente, à valores concernentes a vida, a liberdade, a igualdade e a fraternidade ou solidariedade, resguardando sempre a dignidade do ser humano, é possível esta esfera dos direitos fundamentais da quarta geração (direito à democracia, direito à informação e direito ao pluralismo). Pois a globalização política está na iminência de seu objetivo sem referência de valores. Assim, globalizar os direitos fundamentais, configura a universalização dos mesmos para que os direitos da quarta geração atinjam sua objetividade como nas duas gerações de direitos anteriores sem destituir a subjetividade da primeira geração para a consecução de um futuro melhor, sem deixar de ser uma utopia o seu reconhecimento no direito positivo interno e internacional.

Portanto, para se ter um conceito e idealizar uma Constituição, é mister que se coloque que os textos constitucionais são permeados pelos direitos fundamentais, adquirindo estes, lugar privilegiado nos ditames das Cartas Magnas. Os direitos fundamentais inicialmente, "assumem o caráter de direitos negativos, que importam uma restrição à ação do Estado para, posteriormente, assumirem uma postura ativa, exigindo ações positivas do Estado."

1.1.5. Delimitação Conceitual e Terminológica: Distinção entre Direitos Naturais, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais

Devido a multiplicidade e variedade das terminologias proferidas na esfera jurídica acerca dos direitos fundamentais, é de suma importância a distinção para a compreensão dos mesmos, tendo ciência que não pretendemos adentrar no estudo específico de seus significados, bem como das diferenças dos diversos termos correlacionados.

Para começar a análise e explanação acerca do tema, é de grande importância a distinção entre as expressões "direitos fundamentais", "direitos humanos" e "direitos naturais".

Em face ao estudo, convém salientar a distinção na lição de Sarlet citado por Maliska:

Os direitos fundamentais são os direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito Constitucional positivo de determinado Estado; a expressão ‘direitos humanos’, por sua vez, ‘guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem Constitucional e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)’. Os direitos naturais não se equiparam aos direitos humanos uma vez que a positivação em normas de direito internacional já revela a dimensão histórica e relativa dos direitos humanos.

Os direitos humanos estão preconizados com as normas de direito internacional, é a expressão preferida em documentos internacionais, ao passo que os direitos fundamentais conforme descreve o ilustre constitucionalista lusitano Canotilho (1999): "são direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente".

Acerca da lição de Canotilho proferida acima, é mister que se faça outra reflexão proposta por Vieira de Andrade citado pelo prof. Maliska sobre a visão tridimensional dos direitos fundamentais: jusnaturalista, internacionalista e constitucional. Através da perspectiva jusnaturalista ou filosófica, delineia-se que "foi numa perspectiva filosófica que começaram por existir os direitos fundamentais. Antes de serem um instituto no ordenamento positivo ou na prática jurídica das sociedades políticas, foram uma idéia no pensamento dos homens."

Ainda no dizer de Maliska sobre a classificação de Vieira de Andrade, designa este que "à perspectiva internacionalista ou universalista, na definição do autor português, lembra a experiência da II Guerra e do totalitarismo como causa de uma preocupação internacional de criar mecanismos jurídicos capazes de proteger os direitos fundamentais dos cidadãos nos diversos Estados." Continuando no raciocínio dos referido autor: "perspectiva Constitucional ou estadual refere-se à garantia Constitucional de certos direitos ou liberdades, que o autor inicia, fazendo referência à Carta Magna de 1215, aos sucessivos documentos constitucionais ingleses, em especial, ao documento francês de 1789 e às constituições atuais."

Entretanto, quando se fala na expressão ‘direitos do homem’ para ser usada ao invés de ‘direitos fundamentais’, Maliska descreve com êxito o raciocínio de Jorge Miranda que delineia três razões para a não adoção do mesmo: I) trata-se de direitos assentes a ordem jurídica e não de direitos derivados da natureza do homem; II) a necessidade de, no plano sistemático da ordem jurídica (Constitucional), considerar os direitos fundamentais correlacionados com outras figuras subjetivas e objetivas (organização econômica, social, cultural e política); III) os direitos fundamentais presentes na generalidade das Constituições do século XX não se reproduzem a direitos impostos pelo Direito natural.

Diante disto, é importante externar o pensamento de José Afonso da Silva, inspirado na obra de Péres Luño, que designa a expressão ‘Direitos fundamentais do homem’, como a mais efetiva e adequada para o presente estudo, haja vista a referência aos princípios que resumem o conceito do mundo, de tal sorte que configura a ideologia política de cada ordenamento jurídico, definindo na esfera do direito positivo como "aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual para todas as pessoas".

Contudo, salienta-se que os direitos humanos, direitos positivados na seara do direito internacional, têm uma íntima aproximação com os direitos fundamentais, que são direitos reconhecidos e protegidos pelo constitucional interno de cada Estado, na medida em que são inter-relacionados, independentemente de suas diferentes positivações. Assim sendo, quando da ocorrência desta correlação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, emerge então um coerente conceito que se chama de ‘direito Constitucional internacional’, externado na obra de Flávia Piovesan: " Por Direito Constitucional Internacional, subentende-se aquele ramo do direito na qual se verifica a fusão e a interação entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional. Esta interação assume um caráter especial quando estes dois campos do direito buscam resguardar um mesmo valor – o valor da primazia da pessoa humana – concorrendo na mesma direção e sentido."

1.2. Os direitos Fundamentais como parte nuclear na Constituição em um Estado Social Democrático de Direito

É notório que os direitos fundamentais constituem a base e a essencialidade para qualquer noção de Constituição, haja vista que estes encontram-se intrinsecamente vinculados aos mais diversos textos constitucionais, normatizados e efetivados sob a égide dos seus ditames básicos, a saber: à vida, à liberdade, à igualdade e a fraternidade, primando sempre pela dignidade humana.

A premissa para se formar um Estado Social, e que este esteja consubstanciado no princípio democrático, é sem dúvida sua ligação correlacionadora com os direitos fundamentais. Com isso, é mister que se cogite a lição de Maliska, que dispõe: "Quando as constituições elaboram, em seus primeiros artigos, os fundamentos do Estado e da Sociedade, estes somente alcançam efetividade social mediante concretização dos postulados normativos referentes aos direitos fundamentais."

Entretanto, para uma formulação com mais nitidez e clareza, recorremo-nos mais uma vez ao Prof. Marcos Maliska, que situa com exatidão a idéia de Estado Social Democrático de Direito, quando cita os ensinamentos de Carlos Ari Sundfeld com base na Constituição Brasileira de 1988, que assim o versa:

Para definir juridicamente o Estado brasileiro de hoje – não só ele: a maioria dos Estados civilizados – basta construir a noção de Estado Social Democrático de Direito, agregando-se aos elementos ainda há pouco indicados, a imposição, ao Estado, do dever de atingir objetivos sociais, e a atribuição, aos indivíduos do correlato direito de exigi-los.

Assim, marcado pela evolução histórica constitucional, através do surgimento de direitos fundamentais de cunho prestacional a saber: assistência social, educação, saúde, cultura etc., já externados na sua historicidade através do tópico descrito nas lições anteriores como direitos da segunda geração, o Estado não só tem a função mas também o dever de atuar positivamente na prestação destes direitos fundamentais. Pois a atuação Estatal não deve estar apenas limitada à ação negativa perante o indivíduo, através da não violação da seara individual (direitos da primeira geração – direitos civis e políticos), mas sim de prestação à população de condições materiais essenciais.

Então, surge outra variante, o desenvolvimento econômico, que se consubstancia como condição para realização desta prestação dos direitos sociais. Com isso, o Estado, na lição de Maliska, tem por conseqüência a incrementar o desenvolvimento econômico, efetuando assim uma função que não é inerente da concepção de Estado Social. No entanto, seguindo a linha de raciocínio do Prof. Maliska, este ensina que:

Um Estado Social Democrático de Direito poderia definir-se não pela atuação direita, ou não, na economia, mas sim pelo comprometimento Constitucional com os direitos sociais, pela definição das atribuições do Estado, ainda no tocante à prestação direta dos serviços públicos, quando tais serviços sejam de prestação gratuita e universal, como são saúde, educação e assistência social.

Neste sentido, o Estado para cumprir com suas obrigações sociais na prestação de serviços básicos e essenciais a população, principalmente nos países subdesenvolvidos, há que se ter uma série de investimentos consideráveis na área social, e para alavancar estes investimentos, o Estado atua como ente econômico, para desta forma conseguir crescer economicamente e consequentemente cumprir com suas obrigações constitucionais no que tange as prestações sociais.

Na esfera de um Estado social de Direito, os direitos fundamentais na sua gama de valores axiológicos, exigem a democracia material, pois conforme Luzia M. da Silva Cabral Pinto: "é nesta que os requisitos da dignidade humana poderão ser verdadeiramente preenchidos, já que só então os indivíduos estarão subtraídos, não apenas ao arbítrio do poder político, mas também às coacções derivadas do poder econômico e social."

O Estado de Direito e os direitos fundamentais estabelecem uma relação recíproca, pois o Estado de Direito, como a própria nomenclatura já diz, necessita da dependência, funcionalidade e garantia dos direitos fundamentais para ser este Estado de Direito, de tal sorte que os direitos fundamentais como conseqüência, requerem para sua efetivação, a positivação e normatização, bem como as garantias por parte do Estado de Direito. Com este entendimento, é oportuno o esclarecimento do jurista gaúcho Ingo Sarlet baseada na lição de H. –P. Schneider: "É justamente neste contexto que os direitos fundamentais passam a ser considerados, para além de sua função originária de instrumentos de defesa da liberdade individual, elementos da ordem jurídica objetiva, integrando um sistema axiológico que atua como fundamento material de todo ordenamento jurídico."

Os direitos fundamentais constituem o corpúsculo de toda Constituição inserida num Estado Social e Democrático de direito, e a nossa Carta Magna de 1988, não foge a regra, haja vista o ensinamento de Sarlet:

Apesar da ausência de norma expressa no direito constitucional pátrio qualificando a nossa República como um Estado Social e Democrático de Direito (art. 1º, caput, refere-se apenas os termos democrático e Direito), não restam dúvidas – e nisso parece existir um amplo consenso na doutrina – de que nem por isso o princípio fundamental do Estado Social deixou de encontrar guarida em nossa Constituição.

Acerca da temática, convém citar o pensamento do Prof. Marcos Maliska, já tantas vezes citado, que designa a postura dos direitos fundamentais na Lei Maior:

Sendo assim, os direitos fundamentais, além de condicionantes formais de validade da ordem jurídica, em decorrência da posição hierárquica superior em que se encontram, também assumem posição de condicionantes materiais, ou seja, passaram a vincular a ordem jurídica sob o prisma do conteúdo de tais direitos.

Com o escopo de tornar mais nítida a noção do que representa os direitos fundamentais como base de uma Constituição, que segundo Konrad Hesse: "é a ordem fundamental jurídica da coletividade" , é mister que socorremo-nos mais uma vez a lição do jurista gaúcho Sarlet: "Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do Estado Constitucional, constituindo neste sentido, não apenas parte da Constituição formal, mas também elemento nuclear da Constituição material."

Assim, os direitos fundamentais apareceram inseridos na Constituição delineando um Estado Democrático, desde o célebre artigo 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de agosto de 1789, tantas vezes citado e interpretado, conforme o qual dispõe: "toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada não possui Constituição." Diante desta concepção, configurou-se os pilares do que vem a ser a esfera central das primeiras Constituições escritas e posteriormente do aparecimento das Cartas Sociais.

Então, para vivermos em um Estado Social de Direito, lapidado por princípios democráticos, é de relevância que a Constituição, além de fomentar a organização estatal, seja torneada de direitos fundamentais, atingindo efetivamente os fins sociais, para, contudo, assumir o papel de guia da sociedade.

1.3. A Aplicabilidade Imediata e a Eficácia Plena dos Direitos Fundamentais

Todo dispositivo da Constituição Federal, especialmente aqueles referentes aos direitos fundamentais, são possuidores de determinado grau de eficácia e aplicabilidade, devido a normatização imposta pelo Poder Constituinte.

O principal dispositivo que dá guarida a esta preleção acerca dos direitos fundamentais, é o d 1º do artigo 5º da nossa Carta Magna, que dispõe: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". É a partir deste artigo que se discorrerá sobre a temática da aplicabilidade das normas constitucionais.

Entretanto, vamos começar a tecer algumas disposições sobre as normas constitucionais. Estas assumem diversas formulações conforme a função que exercem dentro do campo de ação da Constituição. Assim, externam-se de acordo com as distintas formas de positivação.

Contudo, não vamos nos adentrar profundamente nas variadas e diversas classificações das normas constitucionais que permeiam os direitos

fundamentais, haja vista que, para nosso presente estudo, é mister que se designe apenas as suas generalidades.

Devido a variedade considerável de direitos fundamentais outorgados na nossa Lei Maior de 1988, as normas constitucionais estão em diversas disposições, diferentes entre si no que tange a técnica de sua positivação no conteúdo da Constituição. Diante disto, segundo Ingo Sarlet, fica notório que "a carga eficacial será diversa em se tratando de direito fundamental proclamado em normas de natureza eminentemente programática (ou – se preferirmos – de cunho impositivo), ou sob forma de positivação que permita, desde logo, o reconhecimento de direito subjetivo ao particular titular do direito fundamental..." A título de elucidação, normas programáticas conforme Eros Roberto Grau são aquelas que "ao invés de se definirem em fins concretos a serem alcançados, contém princípios e programas (tanto de conduta, quanto de organização), bem como, princípios relativos a fins a cumprir... existem apenas na esfera constitucional."

Assim, conforme a problemática da exegese acerca das funções dos direitos fundamentais em consonância com a questão da eficácia e os tipos de positivação dentro da Constituição, o ilustre jurista gaúcho Ingo Sarlet propõe que os direitos fundamentais sejam classificados em dois grupos devido a sua multifuncionalidade:

Podem ser classificados em dois grandes grupos, nomeadamente os direitos de defesa (que incluem os direitos de liberdade, igualdade, garantias, bem como parte dos direitos sociais – no caso, as liberdades sociais – e políticos) e os direitos a prestações (integrados pelos direitos a prestações em sentido amplo, tais como direitos à proteção e à participação na organização e procedimento, assim como pelos direitos a prestação em sentido estrito, representados pelos direitos sociais de natureza prestacional).

Em princípio, os nomeados direitos de defesa delineiam um direito subjetivo individual, posto que, se colocam naquelas situações em que a norma constitucional outorga ao particular uma posição ativa subjetiva, ou seja, um poder jurídico, haja vista que, seu uso imediato independe de qualquer prestação alheia.

O eminente jurista alemão Robert Alexy versa que, os direitos de defesa, na sua dimensão jurídico subjetiva, como direitos fundamentais, estes são agrupados em três categorias a saber: i) direitos ao não impedimento de ações por parte do titular do direito; ii) direitos à não afetação de propriedades e situações jurídicas do titular de direito; iii) direitos à não eliminação de posições jurídicas.

Em se tratando de direitos fundamentais de defesa, conforme Ingo Sarlet:

A presunção em favor da aplicabilidade imediata e a máxima da maior eficácia possível devem prevalecer, não apenas autorizando, mas impondo aos juizes e tribunais que apliquem as respectivas normas aos casos concretos, viabilizando, de tal sorte, o pleno exercício desses direitos (inclusive como direitos subjetivos), outorgando-lhes, portanto, sua plenitude eficacial e, consequentemente, sua efetividade.

Então, os direitos de defesa, notórios pelas suas características de direitos subjetivos, não assumem divergências em volto a sua aplicabilidade imediata. Contudo, o mesmo não acontece com os nomeados direitos a prestações, posto que, estes necessitam de uma atuação positiva do Estado, surgindo assim posições diversas acerca de sua aplicabilidade imediata. A parir disto, estes direitos de cunho prestacional, positivados a partir de normas programáticas, necessitam, em princípio de interposição do legislador para que consequentemente sejam permeados de aplicabilidade e eficácia plena., os direitos fundamentais de defesa ou prestacional, estão vinculados intimamente ao grau de eficácia e aplicabilidade, devido a sua forma de positivação no texto constitucional.

Isto posto, precipuamente, é mister que se analise a abrangência da norma disposta no art. 5º, § 1º da Constituição Federal. Pois esta é resultado de diferentes influências, expelidas por outras Constituições sobre o Constituinte pátrio. Estas influências foram exercidas principalmente pelo art. 18/1 da Constituição Portuguesa e o art. 1º, inciso III, da Lei Fundamental da Alemanha.

Ao analisar o alcance e o significado da norma do Art. 5º, § 1º da Lei Maior de 1988, o Prof. Maliska salienta:

Quanto à questão de que o dispositivo estaria reduzido às normas do art. 5º, tal entendimento pode ser afastado pela simples interpretação literal da norma, que refere a ‘direitos e garantias fundamentais’. Desta forma, a localização tópica da norma, não serve como critério para justificar tal entendimento restritivo. Uma interpretação sistemática e teleológica conduzirá aos mesmos resultados, uma vez que utilizar a expressão ‘direitos e garantias fundamentais’, o constituinte buscou atingir a totalidade das normas do Título II, o que inclui também os direitos políticos, de nacionalidade e os direitos sociais e não apenas os direitos e garantias individuais e coletivos.

Continuando a análise do significado e abrangência da norma constante do art. 5º, § 1º da Constituição Federal, é importante salientar a nítida diferença entre o direito constitucional brasileiro e o sistema lusitano, ao qual, fica explicitado na lição de Sarlet:

Não há como sustentar no direito pátrio, a concepção lusitana (lá expressamente prevista na Constituição) de acordo com a qual a norma que consagra a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais abrange apenas os direitos, as liberdades e garantias (‘Título II da CRP) que, em princípio, correspondem aos direitos de defesa, excluindo deste regime reforçado (e não apenas quanto a este aspecto) os direitos econômicos, sociais e culturais do Título III da Constituição Portuguesa. A toda evidência, a nossa Constituição não estabeleceu distinção desta natureza entre os direitos de liberdade e os direitos sociais, encontrando-se todas as categorias de direitos fundamentais sujeitas, em princípio, ao mesmo regime jurídico.

Contudo, a norma que dá guarida ao reconhecimento dos direitos excluídos do catálogo, pressupõe sustentação na doutrina portuguesa em sua maioria, que ministra a compreensão que além dos direitos sociais, econômicos e culturais, que estão expressamente fora do texto constitucional, todos os direitos, liberdades e garantias de natureza semelhante, configuram-se, neste aspecto, normas aplicáveis diretamente.

Isto posto, convém designar que a extensão da norma do art. 5º, § 1º em todo o Título II da Carta Magna, "reafirma, por exemplo, existência das chamadas liberdades sociais, típicos direitos de defesa, como a norma do art. 8º (direito de livre associação sindical) e a norma do art. 9º (direito de greve)."

Todavia, entramos em um campo de divergências no seio da doutrina jurídico-constitucional no que tange a problemática, ao qual, em que sentido são de aplicação imediata os direitos e garantias fundamentais?

A variante de oscilação é diversa, posto que, alguns juristas, como Manoel Gonsalves Ferreira Filho, entendem que a norma em evidência não pode atentar contra a natureza das coisas, a tal ponto que relativa parte dos direitos fundamentais alcançaria sua eficácia nos termos e na medida da lei.

No entanto, é mister delinearmos a lição de Eros Roberto Grau :

Aplicar o direito é torná-lo efetivo. Dizer que um direito é imediatamente aplicável é afirmar que o preceito no qual é inscrito é auto-suficiente, que tal preceito não reclama – porque dele independe – qualquer ato legislativo ou administrativo que anteceda a decisão na qual se consume a sua efetividade. (...). Preceito imediatamente aplicável vincula, em última instância, o Poder Judiciário. Negada pela Administração Publica, pelo Legislativo ou pelos particulares a sua aplicação, cumpre ao Judiciário decidir pela imposição de sua pronta efetivação.

Seguindo ainda a linha de pensamento de Eros Roberto Grau, o Poder Judiciário tem a função reproduzir o direito, bem como de produzir, baseado nos princípios jurídicos. Diante disto, esta produção do direito, não quer dizer que o Judiciário assuma a função Legislativa, mas tem por objetivo assegurar a pronta execução do direito, fundamentado na Lex Suprema. Tal designação não viola o princípio da Separação dos Poderes porque, segundo o autor, o Legislativo tem o monopólio do exercício da função legislativa e não da função normativa.

Isto posto, o jurista Maliska, interpretando o ensinamento de Eros Grau, pressupõe que a referida norma do § 1º do art. 5º da Constituição Federal é dotada de vigência e eficácia jurídica. Esta norma é de aplicabilidade imediata (o Poder Judiciário, em ultima instância, está compelido a conferir-lhe efetividade jurídica ou formal).

Os direitos fundamentais prestacionais tem sua exegese externada de forma diversa dos direitos fundamentais de defesa, no que tange a sua aplicabilidade e posterior efetivação. Conforme a lição do notável jurista lusitano Gomes Canotilho (1994):

A força dirigente e determinante dos direitos a prestações (econômicos, sociais e culturais) inverte, desde logo, o objeto clássico da pretensão jurídica fundada num direito subjetivo: de uma pretensão de omissão dos poderes públicos (direito a exigir que o Estado se abstenha de intervir nos direitos, liberdades e garantias) transita-se para uma proibição de omissão (direito a exigir que o Estado intervenha activamente no sentido de assegurar prestações aos cidadãos).

Ainda segundo o notável autor lusitano, na seara dos direitos fundamentais a prestações, a Constituição dirigente se consubstancia a um máximo de " <desejabilidade constitucional>" de direitos prestacionais sociais, que passa a relacionar-se genericamente, com uma interposição do legislador necessária, derivada da subordinação de uma efetividade constitucional para sua consecução. Esta interposito do legislador, visa a ser uma forma de assegurar que os direitos prestacionais tenham a referida aplicabilidade imediata e a sua carga eficacial seja a máxima possível, delineando um pressuposto do exercício do direito fundamental, conforme a vontade do constituinte.

Os direitos fundamentais de cunho prestacional passa a ter certa peculiaridade devido ao seu grau de aplicabilidade imediata e eficácia plena alcançável. Pois conforme Clémerson Merlin Clève, as normas constitucionais que possuem uma eficácia jurídica de vinculação, e estas, quando assumem uma dimensão positiva, "condicionam o legislador, reclamando a concretização (realização) de suas imposições; se nem sempre podem autorizar a substituição do legislador pelo juiz, podem, por vezes, autorizar o desencadear de medidas jurídicas ou políticas voltadas para a cobrança do implemento, pelo legislador."

Aos Poderes Públicos, cabe o trabalho e o relativo dever, de colher das normas consagradoras dos direitos fundamentais, a máxima eficácia possível, pois conjeturar a aplicabilidade imediata e a eficácia plena em prol dos direitos fundamentais, significa, em última instância, externar toda a fundamentalidade formal da qual nossa Carta Magna é detentora.

O art. 5º, § 1º da Constituição Federal, revela em sua normatividade, uma imposição aos Poderes Públicos de alicerçar a eficácia máxima e imediata factível aos direitos fundamentais, pois segundo Flávia Piovesan, "este princípio intenta assegurar a força dirigente e vinculante dos direitos e garantias de cunho fundamental..." O jurista gaúcho Ingo Sarlet advoga a mesma compreensão, designando a norma do § 1º do art. 5º uma "espécie de mandado de otimização (maximização)".

Adentrando em outra esfera da dogmática jurídica constitucional, acerca da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, é mister citar a oportuna lição do Prof. Marcos Maliska, no que tange a associação da aplicabilidade dos direitos de escopo fundamental e dos institutos do Mandado de Injunção e da Ação Direita de Inconstitucionalidade por omissão, que segundo o autor, parece externar uma ordem sistemática, por mais que seja discutida sua efetividade. Isto posto:

O legislador constituinte, com o intuito de promulgar uma Constituição democrática de cunho social, previu, no Título II, os direitos e garantias fundamentais. Tais direitos e garantias forma privilegiados com a norma do § 1º do art. 5º que lhes atribuiu aplicabilidade imediata. Com o intuito de garantir a eficácia imediata de tais dispositivos, o constituinte previu o Mandado de Injunção (art. 5º, LXXI) e a Ação direta de Inconstitucionalidade por Omissão (§ 2º art. 103).

Acerca destes dispositivos processuais constitucionais, " a omissão inconstitucional não pode ser concebida de um ponto de vista puramente naturalístico (não fazer). Deve ser entendida como omissão de uma ação determinada, ou seja, produto da vontade de não realizar a ação normativamente prescrita e, portanto, esperada (conceito normativo – não fazer algo devido)."

O constituinte da Carta de 1988, com o escopo de assegurar a idéia precípua do art. 5º, § 1º, designa que o instituto processual do Mandado de Injunção, faz jus a sua existência, posto que, quando ocorrer a situação de ausência de norma regulamentadora, este delinear-se-á prevalecer a força dirigente e vinculante dos direitos e garantias fundamentais.

Diante disto, é oportuno citar o coerente ensinamento de Marcos Maliska, que ressalta a importância de observar que " a previsão dos institutos processuais constitucionais, contra a omissão inconstitucional (medida político-administrativa, medida judicial ou medida legislativa) e a interpretação dada ao § 1º do art. 5º da Constituição Federal, é situação diversa dos efeitos das decisões judiciais produzidas nos referidos institutos processuais (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção)."

Seguindo a linha de raciocínio do referido autor, este pressupõe o entendimento que:

Tais institutos processuais podem também ser interpretados como garantia de aplicabilidade por recurso ao Poder Judiciário. A utilização de normas constitucionais que dispõem sobre os institutos do Mandado de Injunção e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão como aporte interpretativo da norma do d 1º do art. 5º no sentido da não aplicabilidade imediata de todos os direitos fundamentais, pode revelar também que tais institutos, até por estarem em plano diverso (direito processual), estão a serviço da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (plano material).

Assim, o Poder Judiciário, em última instância, é atingido pelos institutos processuais, que obrigam a fornecer tal efetividade aos direitos de cunho fundamental, haja vista que estes tem vinculação imediata com tais direitos.

1.4. Os Direitos Fundamentais como um Sistema Aberto e Flexível

Os direitos fundamentais, por seu teor e significado dentro da Constituição de 1988, preconizam a possibilidade de um sistema aberto. Diante disto, surge a problemática de que maneira este sistema se insere nos textos constitucionais vigentes e como externar-se-á a sua interpretação e concepção dos direitos de cunho fundamental.

Isto posto, adentramos no campo da filosofia, bem como na seara hermenêutica contemporânea, especificamente no âmbito do direito Constitucional, demostrando o contraste existente o método tópico e o método sistemático, bem como o grau de equilíbrio entre as duas formas de pensar e a sua interação com a idéia de um sistema aberto.

O método tópico surgiu com um intuito renovador da hermenêutica atual no campo jurídico, e o responsável por este caminho cognitivo se deve a Theodor Viehweg, que com sua obra gerou polêmicas reflexões na esfera do Direito, o Estado e a Constituição. A exaustão posterior do positivismo racionalista, em consonância com a incredulidade generalizada em suas soluções, "fez inevitável a ressurreição da tópica como método".

Quando se fala em um sistema aberto a regras e princípios para a Constituição, o jurista lusitano Gomes Canotilho escreve que "é um sistema

aberto porque tem uma estrutura dialógica, (Caliess) traduzida na disponibilidade e ‘capacidade de aprendizagem’ das normas constitucionais para captarem a mudança de realidade e estarem abertas a concepções cambiantes da verdade e da justiça."

O prof. Maliska (1998) interpretando o ensinamento de Canotilho ressalta para a possibilidade de "refletir o texto Constitucional como verdadeira e constante busca, ou seja, o texto Constitucional não está pronto e acabado, mas em vias de ser construído, de maneira que a interação do texto com a realidade deve ser total, de modo a garantir a sua supremacia e sua força normativa."

A operação de ligamento entre a realidade, ou seja, os conflitos e os problemas, com a norma, acaba por designar a tópica, que funciona como uma maneira de solucionar o caso, consubstanciando o escopo da interação entre o sistema e a regulação do caso.

Se o pensamento sistêmico constitui-se um pensamento ‘lógico-dedutivo’, a tópica vem a ser o contraste na terminologia usada por Schneider, que idealiza a distinção entre elementos ‘cognitivos e volitivos’ do conhecimento jurídico. "O volitivo é um instrumento do método tópico e o cognitivo um dado característico da inquirição dedutiva, lógica e sistemática."

Definindo o sistema jurídico como "ordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos gerais", Canaris prescreve que o sistema não é fechado, mas antes aberto, e vale tanto para o sistema científico (sistema de proposições doutrinárias) quanto para o sistema objetivo (sistema da ordem jurídica). Adentrando ainda mais no pensamento de Canaris, este ensina que:

A abertura do sistema jurídico não contradita a aplicabilidade do pensamento sistemático na ciência do Direito. Ela partilha a abertura do <sistema científico> com todas as outras ciências, pois enquanto no domínio respectivo ainda for possível um processo no conhecimento, e, portanto, o trabalho científico fizer sentido, nenhum desses sistemas pode ser mais do que um projecto transitório. A abertura do <sistema objectivo> é, pelo contrário, possivelmente, uma especialidade da Ciência do Direito, pois ela resulta logo do seu objecto, designadamente, da essência do direito como fenómeno situado no processo da história e, por isso, mutável.

Apesar de Canaris, preocupado com a metodologia do Direito, externar suas críticas a Viehweg sobre um sistema tópico, este tem por base sua inclinação a uma visão sistemática da ciência jurídica. Nem por isso, Canaris abandona de todo, a tópica como método. Proclama-lhe um papel secundário de utilidade, como um instrumento auxiliar na possibilidade do uso da tópica em determinados casos de lacuna da lei, ao qual, o preenchimento se torne quase insustentável pela ausência plena de valorações no direito positivo, bem como nas situações de expiações legislativas para o senso comum (common sense) e em casos de eqüidade.

Contudo, se consideramos o sistema jurídico como um sistema aberto e normativo de regras e princípios, dever-se-á prestigiar a Tópica numa posição de destaque, especialmente na hermenêutica Constitucional pela função democrática e também quando as normas são de conteúdo aberto e sua interpretação é vasta.

Isto posto, a Constituição "representa pois o campo ideal de intervenção ou aplicação do método tópico em virtude de constituir na sociedade dinâmica uma ‘estrutura aberta’ e tomar, pelos seus valores pluralistas, um certo teor de indeterminação. Dificilmente uma Constituição preenche aquela função de ordem e unidade, que faz possível o sistema se revelar compatível com o dedutismo metodológico."

A essência da tópica como a construção de um método, vem a ser ‘pensar o problema’. A tópica não vai na contramão da lógica, é um novo estilo de argumentação. Pois com a tópica, "a norma e o sistema perdem o primado. Tornam-se meros pontos de vista ou simples topoi, cedendo lugar à hegemonia do problema, eixo fundamental da operação interpretativa."

Segundo Maliska, definindo as principais características da idéia de sistema, ou seja, unidade (vários pontos de referências centrais) e ordem (uma conexão sem hiatos, com a compatibilidade lógica de todos os enunciados), "não afastam e, até mesmo, não são incompatíveis com o pensamento tópico.

Isso porque, como sistema aberto, suas normas necessitam interagir com a realidade, de maneira que, por si só, não abarquem todas as possibilidades fáticas."

Outra posição que merece ser destacada, é no sentido de que quando se fala na interação e uniformidade dos métodos tópico e sistemático, é mister que se faça referência aos limites da tópica em relação ao sistema normativo. É neste sentido que são inculcadas as principais críticas ao método tópico. "Essas críticas dirigem-se ao fato de que a tópica colocaria a lei com um topos qualquer, de modo que as discussões ultrapassariam os limites legais (...) a tópica aplicada a interpretação jurídica e, em especial, à interpretação Constitucional, nas discussões dos pontos de vista, devem ter a norma como principal condição de argumentação. A norma, em último caso, é o limite da tópica."

A Constituição, consubstanciada por um sistema aberto, condiciona uma interpretação também aberta, designando desta forma várias considerações e pontos de vista para colaborar com a solução ao caso concreto. E a metodologia tópica, participa deste processo, fazendo com que a Constituição perca até certo ponto, seu caráter reverencial que o formalismo clássico lhe conferira. Assim, leciona o Prof. Bonavides que " a tópica abre tantas janelas para a realidade circunjacente que o aspecto material da Constituição, tornando-se, quer queira quer não, o elemento predominante, tende a absorver por inteiro o aspecto formal."

Buscando a interação dos pensamentos tópico e sistemático, chega-se a conclusão de que esta junção de métodos designa os direitos fundamentais como principal instrumento desta exegese. Diante disto, "os direitos fundamentais, ainda que reunidos em um catálogo, constituem garantias pontuais, de maneira que não estão reduzidos a um sistema fechado, taxativo."

Assim, a tópica, proveniente da reação ao positivismo jurídico clássico, representa o cerne da hermenêutica contemporânea, conferindo também um grau de extrema relevância e essencialidade na interpretação constitucional, especialmente nos direitos fundamentais como sistema aberto. Pressuposto a isto, é oportuna as palavras de Maliska:

Portanto, os direitos fundamentais, encontram, na tópica e na idéia de sistema aberto, a possibilidade de uma adequada concretização de seus preceitos. O tema, além da adequada interpretação acima, vinculada à noção de sistema aberto, é envolto em outra discussão, a fundamentalidade de tais direitos na dignidade da pessoa humana.

Baseado no princípio da dignidade humana, Pereira de Farias ressalta que esta "tem o sentido de uma ‘cláusula aberta’, de forma a respaldar o surgimento de ‘direitos novos’ ‘não expressos na Constituição de 1988 mas nela implícitos, sejam em decorrência do regime e princípios por ela adotados, ou em virtude de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, reforçando, assim, o disposto no art. 5º, § 2º.

Deste modo, poder-se-á dizer que "não há, em princípio, incompatibilidade entre a concepção dos direitos fundamentais (como um sistema aberto e flexível) e a sua fundamentalidade no princípio da dignidade humana, ainda que tal entendimento possa criar embaraços à adequada compreensão da abertura do catálogo dos direitos fundamentais da Constituição.

Sarlet advoga o entendimento que é inviável a sustentação no direito Constitucional pátrio, de uma concepção de que os direitos fundamentais formam um sistema fechado no âmbito da Constituição. Segundo ainda o jurista gaúcho, "se reconhecendo a existência de um sistema dos direitos fundamentais, este necessariamente será, não propriamente um sistema lógico-dedutivo (autônomo e auto-suficiente), mas, sim, um sistema aberto e flexível, receptivo a novos conteúdos e desenvolvimentos..."

1.5. A Perspectiva Objetiva e Subjetiva dos Direitos fundamentais

A exegese dos direitos fundamentais sobre uma perspectiva objetiva e outra subjetiva, revela no âmbito da dogmática constitucional, uma moderna temática acerca do assunto. Esta temática pode ser apreciada a partir do momento que se busca compreender os direitos fundamentais como direitos subjetivos individuais, bem como elementos objetivos fundamentais na esfera de uma comunidade.

Não se presume aqui partir do corolário de que alguns direitos fundamentais são objetivos e outros são subjetivos, é mister designar que um mesmo direito pode assumir um panorama subjetivo e objetivo. Assim, é oportuno observar o exemplo externado por Maliska, acerca do direito de liberdade de expressão, "que pode assumir um caráter subjetivo quando estiver em causa a importância desta norma para o indivíduo, para o desenvolvimento da sua personalidade, para os seus interesses e idéias...", entretanto podendo "também assumir uma perspectiva objetiva, pode assumir uma ‘função objetiva’, no sentido de uma ‘valor geral’, uma dimensão objetiva para a vida comunitária (liberdade institucional)."

Uma base subjetiva se contempla quando se refere à importância ou "à relevância da norma consagradora de um direito fundamental para o indivíduo, para os seus interesses, para a sua situação de vida, para sua liberdade." Contudo, quando se pensa no seio da coletividade, do interesse público, trata-se de uma fundamentação objetiva de norma consagradora da vivência comunitária.

De outra banda, a perspectiva jurídico-objetiva dos direitos fundamentais significa que as normas que "prevêem direitos subjetivos é outorgada função autónoma, que transcende esta perspectiva subjetiva, e que, além disso, desemboca no reconhecimento de conteúdos normativos e portanto, de funções distintas aos direitos fundamentais." Assim, para delinear-se a eficácia dos direitos subjetivos, dever-se-á externar uma norma de direito objetivo que a de força para esta requerida eficácia. Isto posto, pode-se dizer que a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais (voltado à comunidade, a coletividade) não é considerada como o lado avesso de uma vestimenta dos direitos subjetivos (inerentes ao indivíduo), ambas possuem perspectivas diversas.

Partindo do pressuposto de que os direitos subjetivos individuais estão vinculados, de certa maneira, à aprovação pela comunidade que está inserido, não podendo ser dissociado, há que se ter em mente neste paradigma, uma espécie de responsabilidade coletiva por parte dos indivíduos, delineando o entrelace das dimensões objetiva e subjetiva, no que tange à função axiológica da perspectiva objetiva dos direitos fundamentais.

Deste modo, é esta perspectiva que "legitima restrições aos direitos subjetivos individuais com base no interesse comunitário prevalente, mas também que, de certa forma, contribui para a limitação do conteúdo e do alcance dos direitos fundamentais, ainda que deva sempre ficar preservado o núcleo essencial destes."

Adentrando na exegese específica dos direitos sociais, um dos escopos primordiais de nosso estudo, é mister para uma maior clarificação acerca da problemática, a divisão do tema em dois planos, proposta por Gomes Canotilho (1994):

No plano subjetivo: os direitos sociais (...) consideram-se inseridos no espaço existencial do cidadão, independentemente da possibilidade da sua exequibilidade imediata;

No plano objetivo: (1) em muitos casos, as normas consagradoras dos direitos fundamentais estabelecem imposições legiferantes, no sentido de o legislador actuar positivamente, criando as condições materiais e institucionais para o exercício destes direitos; (2) algumas das imposições constitucionais traduzem-se na vinculação do legislador a fornecer prestações aos cidadãos.

Ainda segundo o entendimento do jurista lusitano, não se deve confundir direito subjetivo social, imposições legiferantes e prestações. "O reconhecimento, por exemplo, do direito à saúde, é diferente da imposição Constitucional que exige a criação do Serviço Nacional de Saúde, destinado a fornecer prestações imanentes àquele direito." Isto posto, a prestação é um objeto da pretenção dos cidadãos (aspecto subjetivo) e do dever do Estado, que é imposto ao legislador mediante as imposições constitucionais (aspecto objetivo). Com isso, "se a prestação não pode ser judicialmente exigida, não se enquadrando, pois, no modelo clássico de direito subjetivo, a doutrina tende a salientar apenas o dever objetivo da prestação pelos entes públicos e a minimizar o seu conteúdo objetivo." Entretanto, convém salientar que "... o direito à prestação não corresponde rigorosamente, ao dever de prestação do Estado, contido na imposição legiferante: a âmbito normativo daquele direito pode ser mais amplo ou mais restrito que o deste dever. "

Os direitos sociais, na condição de preceitos de direitos subjetivos, incorporam determinados valores e decisões essenciais que caracterizam a sua fundamentalidade, podendo servir na sua qualidade de normas de direito objetivo, e independentemente de sua perspectiva subjetiva, servem como noção para o controle de determinados atos normativos estatais.

1.6. A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais

Os direitos fundamentais, notórios pela sua vinculação ao Estado, incluindo neste aspecto a sua aplicabilidade imediata, também exercem nas relações jurídico-privadas a chamada eficácia horizontal.

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais é a eficácia em relação a terceiros, posto que, " deixam de ser apenas efeitos verticais perante o Estado para passarem a ser efeitos horizontais perante entidades privadas."

Tomando como ponto de partida o Direito Lusitano, a Constituição Portuguesa versa em seu art. 18/1, as normas consagradoras de direitos, liberdades e garantias e de direitos análogos na ordem jurídico-privada. Isto suscita uma exegese de como se concretiza esta eficácia horizontal, bem como, de que forma ela se exprime. Partindo deste pressuposto, é oportuno um esclarecimento preliminar externado na lição de Maliska:

Em um primeiro momento, seria possível afirmar que, sendo a Constituição uma ordem da comunidade e não somente do Estado, bem como que os direitos fundamentais estão inseridos na comunidade e dela exigem respeito aos seus preceitos, a chamada eficácia horizontal não seria mais do que um desdobramento dos direitos fundamentais, pois estes não são apenas dirigidos ao Estado, mas também à comunidade como um todo.

Assim, acerca de que, como se consubstancia a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, Gomes Canotilho sugere a análise de duas teorias: Teoria da eficácia direita ou imediata, em que "os direitos, liberdades e garantias e os direitos análogos aplicam-se obrigatória e diretamente no comércio jurídico entre as entidades privadas (individuais e coletivas)"; Teoria da eficácia indireta ou mediata, em que os "direitos, liberdades e garantias teriam uma eficácia indireta nas relações privadas, pois a sua vinculatividade exercer-se-ia prima facie sobre o legislador, que seria obrigado a conformar as referidas relações obedecendo aos princípios materiais positivados nas normas de direito, liberdades e garantias."

Então, a forma como se dá a vinculação da eficácia horizontal é o ponto mais controvertido perante a doutrina, designado aqueles que filiam-se na tese da vinculação mediata (indireta) e os que advogam uma eficácia imediata (indireta). Diante desta divergência doutrinária, é mister situar a análise de Sarlet sobre as referidas correntes:

De acordo com a primeira corrente, que pode ser reconduzida às formulações paradigmáticas do publicista alemão Dürig, os direitos fundamentais – precipuamente direitos de defesa contra o Estado – apenas poderiam ser aplicados no âmbito das relações entre particulares após um processo de transmutação, caracterizado pela aplicação, interpretação e integração das cláusulas gerais e conceitos indeterminados do direito privado à luz dos direitos fundamentais. Já para corrente oposta, liderada originariamente por Nipperdey e Leisner, uma vinculação direta dos particulares aos direitos fundamentais encontra respaldo no argumento de acordo com o qual, em virtude de os direitos fundamentais constituírem normas de valor válidas para toda a ordem jurídica (princípio da unidade da ordem jurídica) e da força normativa da Constituição, não se pode aceitar que o direito privado venha a formar uma espécie de gueto à margem da ordem constitucional.

Não procuramos aqui esgotar o tema, adentrando nas divergências surgidas na doutrina iusfundamental no que tange ao mérito específico do assunto. Contudo, é oportuno descrever que há um entendimento equivalente e igualitário sobre que os direitos fundamentais e sua eficácia horizontal, ou seja, na esfera privada, quando do caso de desigualdades externadas por um maior ou menor poder social, "razão pela qual não se podem ser toleradas discriminações ou agressões à liberdade individual que atentem contra o conteúdo em dignidade da pessoa humana dos direitos fundamentais, zelando-se, de qualquer modo, pelo equilíbrio entre estes valores e os princípios da autonomia privada e da liberdade negocial e geral."

Nas relações jurídicas entre os sujeitos privados, é coerente designar o efeito imediato em relação a terceiros, oportunidade em que é inequívoco o entendimento de Robert Alexy:

Por efeito imediato em terceiro não se pode entender que os direitos frente ao Estado, sejam ao mesmo tempo, sejam direitos do cidadão frente a outros cidadãos, nem se pode alegar um efeito imediato em terceiro mudando simplesmente, o destinatário dos direitos frente ao Estado, uma vez que nas relações cidadão/cidadão, em razão de ambos serem titulares de direitos fundamentais, existe uma força de efeito diferente da que existe na relação Estado/cidadão.

Assim, dentro dos parâmetros dos direitos fundamentais nas relações privadas, poder-se-á dizer que existem entre os cidadãos, direitos e não direitos e liberdades e não liberdades, delineando que, independente de qual forma ou teoria, seja imediata ou mediata se dá a vinculação de terceiros em relação aos direitos iusfundamentais, chega-se a conclusão de que o direito privado e as normas constitucionais não devem ser distantes, mas sim um processo contínuo para que quando aplicar-se-á uma norma de direito privado, também aplicar-se-á uma norma constitucional. Assim, sendo, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais deve estar consubstanciada na convergência com o direito privado e vice-versa.

Pois, um eventual conflito de uma norma de direito fundamental e um princípio de autonomia privada delineia uma interpretação tópica, mediante determinadas análises de casos concretos, de tal sorte que ao ser tratada de forma equânime às situações de uma pressuposta colisão de direitos fundamentais "de diversos titulares, isto é, buscando-se uma solução norteada pela ponderação de valores em pauta, almejando obter um equilíbrio e concordância prática, caracterizada, em última análise, pelo não sacrifício completo de um dos direitos fundamentais, bem como pela preservação, na medida do possível, de cada um."

Fluindo desta temática, é possível verificar que a eficácia dos direitos fundamentais na esfera privada também podem ser suscitados pela intervenção estatal através de uma legitimação dotada de princípios constitucionais. Diante disto, é oportuno externar a lição de Maliska, que cita três grandes núcleos de atividades privadas:

(i) Aquelas em que a autonomia privada pode ser exercida livremente (as partes estão em posição de igualdade), constituindo um núcleo inabalável, e em geral, vinculada ao direito civil, ainda que o conteúdo público nesta área seja crescente, haja vista institutos como o Código de Defesa do Consumidor, intervenções estatais contra o domínio de mercado e outros; (ii) as atividades particulares em que a ordem pública é reconhecida como são, por exemplo, o direito do trabalho e os campos de direito civil acima referidos. Nas áreas em que o Estado reconhece a desigualdade entre particulares e, em virtude dessa desigualdade, regula as relações contratuais, não há menor dúvida de que os direitos fundamentais sejam aplicáveis, o que se faz possível, até mesmo, em razão da intervenção do Estado; (iii) por fim, as atividades particulares exercidas por autorização do Estado, assim como as organizações hospitalares, os estabelecimentos bancários e as instituições de ensino, por exemplo.

Por derradeiro, é inequívoco dizer que as normas de direito privado não podem desencadear uma afronta ao conteúdo dos direitos fundamentais "impondo-se uma interpretação das normas privadas (infraconstitucionais) conforme os parâmetros axiológicos contidos nas normas de direitos fundamentais, o que habitualmente ocorre quando se trata de aplicar conceitos indeterminados e cláusulas gerais de direito privado."


II. O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

2.1. A Saúde como um Direito Fundamental Social

Como análise preliminar do presente estudo, é mister delinearmos precipuamente um conceito de saúde, haja vista que esta discussão perdurou por vários séculos.

O primeiro conceito de saúde, provavelmente foi externado pelos pensadores da Grécia Antiga, através do qual já dizia o brocardo "Mens Sana In Corpore Sano", que pode-se dizer que foi um marco da definição de saúde. Entretanto, o termo "saúde" designa pensamentos diversos, pois de um lado "o entendimento de que a saúde relacionava-se como o meio ambiente e as condições de vida dos homens; do outro lado, o conceito de saúde como ausência de doenças."

A partir do século XX com surgimento da Organização Mundial as Saúde (OMS) em 1946, a saúde foi definida como o completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doenças ou agravos, bem como, reconhecida como um dos direitos fundamentais de todo ser humano, seja qual sua condição social ou econômica e sua crença religiosa ou política. Diante disto, pode-se dizer que a saúde é uma incessante busca pelo equilíbrio entre influências ambientais, modos de vida e vários componentes."

Contudo, a conceituação de saúde dada pela OMS sofreu várias críticas, haja vista que as verbas públicas podem correr o risco de não serem suficientes para e efetivação de um completo bem-estar físico, mental e social. Assim, preconiza Kraunt acerca do conceito de saúde externado pela OMS, " la aplicación de este concepto reconoce límites culturales, sociales y económicos."

A saúde também é uma construção através de procedimentos, delineados por "um proceso dinámico, es um fenómeno holístico, po lo tantono puedem darse definiciones estáticas, permanentes." É inequívoco então dizer que a definição de saúde está vinculada diretamente a sua promoção e qualidade de vida. Isto posto, é coerente descrever a definição de Bolzan de Moraes:

O conceito de saúde é, também, uma questão de o cidadão ter direito a uma vida saudável, levando a construção de uma qualidade de vida, que deve objetivar a democracia, igualdade, respeito ecológico e o desenvolvimento tecnológico, tudo isso procurando livrar o homem de seus males e proporcionando-lhe benefícios.

Logo, a partir da definição de saúde, poder-se-á externar a afirmativa de que a saúde correlacionada com o direito designa um direito social, ou seja, o direito à saúde. Assim, o direito à saúde está presente em diversos artigos de nossa Carta Constitucional de 1988 a saber: arts. 5 º, 6 º, 7 º, 21, 22, 23, 24, 30, 127, 129, 133, 134, 170, 182, 184, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 216, 218, 220, 225, 227 e 230.

A moderna doutrina jurídica desperta na sua mais pura hermenêutica, bem como, nas legislações atuais, que o direito à saúde está interligado com vários outros direitos como por exemplo: direito ao saneamento, direito à moradia, direito à educação, direito ao bem-estar social, direito da seguridade social, direito à assistência social, direito de acesso aos serviços médicos e direito à saúde física e psíquica.

Então, existem vários direitos afins com o direito a saúde, pois na legislação infraconstitucional, a Lei n º 8.080/90, que trata do assunto, no seu art. 3 º, caput, já faz menção que a saúde possui características determinantes correlacionadas como a educação, a moradia, o trabalho, o saneamento básico, a renda, o meio ambiente, o transporte, o lazer e o acesso a serviços essenciais.

A saúde está relacionada com a educação, posto que, se o indivíduo recebe uma correta educação evitará muitos problemas devido a informação e entendimento no assunto. Isto posto, a saúde também é correlata com o trabalho, uma vez que o trabalho possui uma função também primordial na vida dos seres humanos e diante deste aspecto a saúde é pressuposto para o cidadão realizar suas tarefas, bem como a segurança na questão das doenças e acidentes no trabalho.

Por se externar uma Carta eminentemente social, nossa Constituição Federal de 1988, no seu art. 6 º, reconhece a saúde como um direito social. Partindo deste pressuposto, o direito à saúde "passa a ser um direito que exige do Estado prestações positivas no sentido de garantia/efetividade da saúde, pena de ineficácia de tal direito."

Os direito sociais localizam-se no Capítulo II do Título II da nossa Carta Magna de 1988. O Título II da nossa Constituição Federal elenca os direitos e garantias fundamentais. Nesta sistemática, "se os direitos sociais estão insculpidos em um capítulo que se situa e que está sob a égide dos direitos e garantias fundamentais, é óbvio que os direitos sociais (como a saúde) são direitos fundamentais do homem e que possuem os mesmos atributos e garantia destes direitos."

Deste modo, é inegável que o tratamento constitucional aos direitos sociais possui assento no Título II, entre os direitos fundamentais.

Diante de que esta vasta clareza e coerência ainda causasse certa dúvida ou não fosse entendida, a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90), no disposto do art. 2 º, "responde de forma cabal, escorreita e induvidosa qual a natureza dos direitos sociais, ao assinalar expressamente que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover de condições indispensáveis ao seu pleno exercício."

Com parâmetros diversos, José Pastrana, muito bem citado pelo Prof. Schwartz, preceituava em sua obra de 1984 sobre o direito à saúde:

...en definitiva, de una servidumbre de los denominados derechos sociales, que no gozan de la misma garantía que los derechos fundamentales y liberdades públicas en sentido estricto y que traduce fielmente las afirmaciones realistas de Forsthoff, sobre el papel secundario que las Constituiciones ortogam en la práctica al Estado Social frente al Estado de Derecho, pués éste sería el valor primario, dotado de las garanias jurídicas, mientras que el Estado Social dependería de las circunstancias económicasy de la intervención concreta de la Administración, más que los preceptos constituionales, pués los derechos de participación en bienes sociales sólo tendríam sentido en el marco de lo adecuado o posible en cada momento, no siendo susceptibles de una garantía a través de una norma constitucional, forzosamente lapidaria e incapaz de substituir o hacer innecesaria la regulacion legal ordinaria.

A partir da lição externada acima, os direitos sociais em uma clássica abordagem, delineiam ações positivas do Estado, em contraposição aos direitos fundamentais do homem, compreendidas como as liberdades públicas, que encerram ações negativas do Estado, "fazendo com que certa corrente doutrinária desqualifique-os como verdadeiros direitos, entendendo-os como simples garantias institucionais."

No entanto, esta concepção, não condiz com a realidade e a nova exegese constitucional na doutrina atual, uma vez que o direito à saúde é um direito fundamental social elencado no Capítulo II do Título II da CF/88. Pois este posicionamento diante de nossa Carta Magna, atenta contra o Estado Democrático de Direito e toda a sistemática constitucional, haja vista que se designarmos o direito à saúde como uma norma programática (ver item 1.3) afrontaria o caráter dirigente da Constituição Federal de 1988, que por sua vez delineia uma característica pluralista com o escopo de realizar justiça social.

Conforme o constituciolista Bonavides:

A nova Hermenêutica constitucional se desataria de seus vínculos com os fundamentos e princípios do Estado Democrático de Direito se os relegasse ao território das chamadas normas programáticas, recusando-lhes concretude negativa sem a qual, ilusória a dignidade da pessoa humananão passaria também de mera abstração.

Assim, o art. 196 da CF/88 que trata a saúde como um direito de todos e dever do Estado, não pode ser interpretado como uma norma programática, e conseqüentemente de eficácia limitada, posto que a saúde para efeitos de aplicação do art. 196 deve ser conceituado, segundo o expoente prof. Schwartz como:

Um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, ao mesmo tempo que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a possibilidade de esse mesmo indivíduo Ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de bem-estar.

A Carta Maior de 1988, sinaliza uma negativa para a doutrina que entende que os direitos sociais como não sendo direitos iusfundamentais. Isto posto, o Supremo Tribunal Federal – STF segue a esteira da melhor doutrina, no julgamento do Recurso Extraordinário 271.286-RS, ao qual o voto do Relator Ministro Celso de Mello, nega o caráter de cunho programático do art. 196 de CF/88. É notório que o "órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro não poderia se orientar de forma diversa, pois, no que concerne aos direitos sociais a doutrina mais conseqüente (...), vem refutando a tese, e reconhece neles a natureza de direitos fundamentais, ao lado dos direitos individuais, políticos e do direito a nacionalidade."

O Superior Tribunal de Justiça – STJ, no Recurso Extraordinário em Mandado de Segurança, externado na peça de n º 11183/PR, no voto do Relator Ministro José Delgado, também preconiza que o direito à saúde é um direito fundamental do ser humano, consagrado na Constituição da República nos arts. 6 º e 196. É magistral a referenda do supracitado Relator Ministro em seu voto:

Descipienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 6 º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que ‘a saúde é um direito de todos e dever do Estado’(art. 196).

Ora, nos parece totalmente inequívoco externar que o direto à saúde é um direito fundamental social, visto que, é possuidor de todas características inerentes a estes direitos, haja vista o art. 5º, § 1º da CF/88, que insere a saúde no rol dos direitos fundamentais explicitamente. E caso surgisse alguma controvérsia a respeito, podíamos nos socorrer a norma do art. 5 º, § 2 º da nossa Lei Maior de 1988, ao qual, desencadearia o direito à saúde, embora não-escrito, como um direito fundamental implícito.

Ainda sim, é mister designarmos a coerente lição de Sarlet, interpretada pelo prof. Germano Schwartz:

(...) diante da primordialidade dada à preservação da vida por nossa Carta Magna, e face as características inerentes aos direitos fundamentais do homem, que o direito à saúde encontra-se amparado pelo disposto no art. 60, § 4 º, IV, da CF/88, conferindo-lhe caráter de ‘cláusula pétrea’, ou seja, um real limite material implícito à reforma constitucional, ou, ainda, uma verdadeira cláusula proibitiva de ‘retrocesso social sanitário, nos mesmos moldes estabelecidos pela Constituição de Portugual.

Seja por uma tangente ou outra, é notório a identificação, seja das normas, doutrinas ou jurisprudências acerca de que a saúde é um direito fundamental social do homem, visto que detém o direito à saúde em sua normatividade a aplicabilidade imediata e a eficácia plena.

Por derradeiro, o direito à saúde perante os dispositivos de nossa Carta Magna de 1988, deve ser entendido como um direito social fundamental, que na sua essência deve ser buscado na maior otimização possível, haja vista que a preservação da vida e ao respeito a dignidade humana em consonância com a justiça social a ser alcançada, externam o direito à saúde como um verdadeiro direito público subjetivo com toda sua fundamentalidade.

Isto posto, é mister designar que quando o cidadão na situação de não ter condições pecuniárias para fruir a saúde deste e de sua família, ocorrer-se-á um elo jurídico criador de obrigações entre o Estado (devedor) e o cidadão (credor) no que tange seu direito à saúde.

De outra banda, "a causa de inefetividade dos direitos sociais está na ausência de vontade política para materializar sua principal forma de garantia (prestações positivas estatais), e não nas dificuldades de acionar tais direitos." Diante disto, a não atuação do Estado na prestação sanitária, revela uma afronta ao nosso bem maior, que é a vida. Pois o direito à saúde, neste aspecto é eivado de aplicabilidade imediata e eficácia plena, e deve ser respeitado como tal, eis que se consubstancia como um direito público subjetivo, tendo posição de destaque na Constituição como um direito fundamental social.

2.2. O Dever do Estado

O art. 196 da Constituição Federal de 1988 é claro ao estabelecer que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Assim, o dever do Estado é pressuposto basilar na efetivação da saúde, uma vez que vivemos em um Estado Democrático de Direito.

Quando se fala em um Estado Democrático de Direito, se fala em "superar desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize justiça social". Seguindo a corrente de pensamento, é oportuno externar que a justiça social está ligado à qualidade de vida. Logo, a saúde é um apêndice da qualidade de vida, escopo de todo cidadão.

Diante disso, o Estado Democrático de Direito está em evidente conexão com o Direito à saúde, visto que a nossa Lei Maior de 1988 o encerra como um direito fundamental social, ou seja, um direito inerente ao ser humano, no sentido de o Estado – devedor realizar a efetivação do direito à saúde para com o cidadão – credor, ao qual, este direito lhe é pertinente.

Isto posto, o Brasil "está obrigado a realizar mudanças na procura de que a saúde seja efetivamente aplicada e de que seja ela (saúde) um real instrumento de justiça social."

A nossa Carta Magna, através do art. 6 º, bem como do art. 196, impõe ao Estado o dever de atuar na efetivação e aplicação da saúde, seja esta preventiva ou curativa. E, como foi externado no tópico anterior, esta aplicação deve ser imediata, eis que os ditames da nossa Constituição nos leva a tal compreensão.

Devido a CF/88 não ser uma Constituição dirigente, posto que suas características revelam um Estado Democrático de Direito, o dever do Estado no que concerne a saúde, exprime "evidente caráter vinculativo em relação ao legislador, ao poder público, aos órgãos administrativos, ao Poder Executivo, aos juízes, aos Tribunais, e, também no âmbito das relações jurídico-privadas."

Na esteira do raciocínio de Sebastião Tojal, o direito à saúde:

(...) está, pois, o Estado juridicamente obrigado a exercer as ações e serviços de saúde, visando a construção de uma nova ordem social, cujos objetivos, repita-se, são o bem-estar e as justiças sociais, pois a Constituição lhe dirige impositivamente essas tarefas.

Devido a saúde ser um dever do Estado, este tem a obrigação de estabelecer as ações e serviços públicos de saúde, uma vez que para efetivação e concretização da saúde, o art. 198 da CF/88 estabelece que estas ações e serviços públicos concernentes à saúde, sejam designados, através de uma ação integrada, em um sistema único, de forma regionalizada e hierarquizada.

Nesta óptica, a promoção da saúde é um dever do Estado, e este dever do Estado para com a saúde externar-se-á através de um sistema único. Este sistema único é realizado através da Lei infraconstitucional 8.080/90, que estabelece o SUS – Sistema Único de Saúde. Assim, a Administração Pública está diretamente ligada a promoção e efetivação do direito à saúde. Pois o art. 4 º do ordenamento infraconstitucional ( Lei 8.080/90) é claro ao estabelecer que as ações e serviços de saúde serão prestados por todas as instituições públicas federais, estaduais e municipais do Poder Público, que da mesma forma constituem o SUS.

Outra característica inerente ao dever do Estado no que tange a saúde, é a sua gratuidade, pois o Estado é obrigado a promover a saúde para os cidadãos de forma gratuita, haja vista que o Estado, "quando investe recursos públicos no sistema de saúde, não visa explorar economicamente essa atividade, mas visa prestar um serviço público básico ao direito fundamental da dignidade da pessoas humana."

Outra tangente a ser analisada, é de que o direito à saúde é um direito público subjetivo, e isto constitui também um dever do Estado. Não é à toa que novamente nos referimos ao art. 196 da CF/88, pois o já tantas vezes citado dispositivo constitucional exprime um direito público subjetivo, haja vista o magistério do Prof. Schwartz:

Uma das questões a ser respondida é saber se é possível, com base no disposto do art. 196 da CF/88, afirmar a existência de um direito público subjetivo oponível contra o Estado, obrigando-o a determinada prestação, independentemente de previsão em legislação ordinária, e, portanto, passível de reclamação pelo titular do direito via judicial e/ou administrativa. (...) A resposta é (e tem de ser) positiva.

Assim sendo, o direito à saúde é reconhecidamente um direito originário a prestações, haja vista a sua característica de direito público subjetivo exprimindo prestações materiais para proteção da qualidade de vida. Isto posto, é decorrente diretamente da Constituição, consubstanciando em uma exigência inderrogável de qualquer Estado que exprima nos seus pilares valorações básicas a dignidade humana e à justiça social.

No direito comparado, a doutrina também expressa o entendimento de que a saúde é um direito público subjetivo no sentido de o Estado propiciar a sua garantia/efetividade e reconhecer o seu dever de atuação na saúde, haja vista, a inequívoca lição de Kraunt:

Hoy día se debate sobre la possibilidad de conceder legitimacíon procesal e las personas afectadas por violaciones al derecho ‘constitucional colectivo’a la preservacíon de la salud. Cabe coincidircon quienes entienden, decía Sangüés ya reforma constitucional, que en los supuestos de atentados a los derechos colectivos e difusos, debe admitirse la legitimacíon de cualquier perjudicado en su medio ambiente (y, agregamos obviamente, su salud).

Por derradeiro, a não atuação do Estado para com o direito à saúde, importar-se-á numa eventual ação judicial e/ou administrativa quando o Estado não desempenhar o seu dever de promover e garantir a saúde. A jurisprudência é clara neste sentido:

MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE EXAMES E MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À SAÚDE E VIDA DO IMPETRANTE. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. É dever e responsabilidade do Estado, por força constitucional e infraconstitucional, o fornecimento de exames, medicamentos e aparelhos essenciais e indispensáveis à saúde e à própria vida do impetrante. Preliminar de ilegitimidade afastada. O direito à saúde, pela nova ordem constitucional foi elevado ao nível dos direitos e garantias fundamentais, sendo direitos de todos e dever do Estado. Aplicabilidade imediata dos princípios e normas que regem a matéria. Segurança concedida." (9 fls.) (MSE n º 597258359, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Relator: Des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, julgado em 17/03/2000).

DIREITO CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO À SAÚDE. Internação hospitalar. Apoiando-se a internação em direito subjetivo constitucional, que alcança como devedor qualquer dos entes federativos, ofensivo a direito líquido e certo do impetrante e a negativa. Mandado de Segurança concedido. (Mandado de Segurança n º 597267608, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Relator: Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, Julgado em 18/06/19990.

MANDADO DE SEGURANÇA. SAÚDE PÚBLICA. MEDICAMENTOS. É direito do cidadão exigir, e dever do Estado fornecer, medicamentos excepcionais e indispensáveis à sobrevivência quando não puder prover o sustento próprio sem privações. Segurança concedida. ( 7 fls.) (Mandado de segurança n º 70000696104, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Relator: Desembargador Arno Werlang, Julgado em 05/05/2000).

Tanto por força da Constituição Federal, quanto pelo ordenamento infraconstitucional da Lei 8.080/90, é reconhecido o dever do Estado para com o direito à saúde, uma vez que, o cidadão, por intermédio do direito público subjetivo, está legitimado para "o exercício das prerrogativas estabelecidas nas legislação correlata, tanto na instância administrativa como na instância judicial."

Para Ruy Ruschel, muito bem citado pelo expoente Prof. Schwartz:

ante o novo arranjo constitucional brasileiro, pode-se sustentar, com apoio jurídico expresso, o seguinte: a qualquer interessado cabe pleitear, em ação comum própria, perante o Juiz Natural, o acesso imediato e concreto a algum direito fundamental (isto é: individual, coletivo, social, trabalhista ou político.

O dever do Estado no que tange o direito à saúde, é impreterivelmente o pólo passivo da relação com o cidadão possuidor de direitos, e diante disto, O Estado tem a obrigação de efetivar o direito à saúde, seja através da prevenção ou recuperação da mesma.

2.2.1. As Políticas Sociais e Econômicas

Para a efetivação do direito à saúde, é mister que o Estado designe uma sistemática para tal, e, isto posto, esta efetivação dar-se-á mediante políticas sociais e econômicas.

Assim sendo, recorremo-nos mais uma vez ao art. 196 da Carta Magna de 1988, que de inovador que foi, colocou o direito à saúde como um dever do Estado, e esse dever do Estado dar-se-á através da intervenção do mesmo na consecução do direito à saúde, sempre com ações positivas em prol da saúde e nunca pela sua inação.

Isto posto, essas ações positivas estatais são concretizadas mediante políticas sociais e econômicas, dever constitucionalmente imposto pela Constituição e Legislação correlata.

Pois o direito à saúde é um direito fundamental social e para que a saúde realmente faça parte da qualidade de vida do cidadão e da dignidade humana, é necessário que o Estado atue no sentido de dar maior otimização para o direito sanitário.

Dissecando o art. 196 da Lei Maior, este externa que as políticas sociais e econômicas tem como escopo a redução do risco de doenças e de outros agravos. Então, isto delineia uma atuação estatal no sentido de prevenção, haja vista que a redução de doenças dar-se-á através da saúde preventiva.

Outra aspecto a ser analisado, é de que também reduzam outros agravos, estes outros agravos, expressos no referido dispositivo constitucional "significa a impossibilidade de tudo se prever em relação à saúde, o que reforça a idéia de excessiva contingência sanitária, que poderá ser reduzida através da adoção da matriz pragmático-sistêmica de direito."

As políticas sociais e econômicas, devem também exprimir um acesso igualitário e universal para qualquer ser humano, independente de raça, credo, cor, religião etc. Assim, todo e qualquer cidadão, inclusive o estrangeiro tem o direito à saúde, direito de ser atendido pelo sistema Único de Saúde, justamente por ser um cidadão com direitos fundamentais inerentes a sua pessoa.

Por sua vez, o dever do Estado para com a saúde, é de realizar implementos e acessos significativos para as pessoas terem o direito à saúde efetivado, e diante disto, o Estado também tem a imposição constitucional de promover a saúde, não somente curando e prevenindo doenças, mas também modificando o sistema social, através de uma construção mutante, que eleva cada vez mais a qualidade de vida, que está muito bem expressa nos direitos equivalentes do art. 3 º da Lei n º 8.080/90.

Contudo, não é só a promoção, acesso igualitário e universal, e redução de doenças e outros agravos que externam o papel das políticas sociais e econômicas como dever do Estado na efetivação do direito à saúde. Pois há que se ter em mente, também a proteção, bem como a recuperação da saúde como uma política social e econômica.

De outra banda, o art. 197 da Constituição Federal, revela que as políticas sociais e econômicas, proferidas através de ações e serviços devem ser de relevância pública. É oportuno o magistério de Carvalho e Lenir Santos acerca de relevância pública:

Talvez enunciar a saúde como um estado de bem-estar prioritário, fora do qual o indivíduo não tem condições de gozar outras oportunidades proporcionadas pelo Estado, como educação, antecipando-se, assim, à qualificação de ‘relevância’ que a legislação infraconstitucional deverá outorgar a outros serviços públicos e privados, para o efeito no art. 129, II da Constituição.

O art. 197 da CF/88, ao expressar relevância pública às ações e serviços de saúde, vinculam o Poder Público na consecução do mesmo, conforme a lição de Lenir Santos:

No presente caso, a caracterização da relevância pública dos serviços e ações de saúde, o reconhecimento da saúde como um direito social e individual e o fato de a saúde ser o resultado de políticas sociais e econômicas que reduzem o risco de doença são os princípios essenciais que vão informar todas as ações e serviços de saúde.

A conclusão que podemos chegar é de que a defesa da saúde, é dever do Estado em todas as suas esferas ( União, Estados-membros, e Municípios), eis que as ações e serviços para efetivação da saúde são de relevância pública, pois diante disto, o Poder Público está vinculado para promover as políticas sociais e econômicas para a consecução da saúde.

A competência para o direito sanitário, na sua efetivação, é do Estado como um todo, posto que "a Constituição vigente não isentou qualquer esfera de poder político na obrigação de proteger, defender e cuidar da saúde. (...) é de responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios."

Por derradeiro, o art. 197 da Carta Constitucional de 1988, não exclui a participação de terceiros e também, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado na execução de ações e serviços para com a saúde.

Assim, as políticas sociais e econômicas, garantidas mediante ações e serviços de saúde, conforme versa o art. 198 da CF/88, serão através de uma rede hierarquizada e regionalizada, constituindo um sistema único, conforme "os princípios de integralidade, igualdade e participação comunitária, que são vinculativos tanto aos serviços executados diretamente pela Administração Pública, como aqueles efetuados através de contratações, convênios, terceiros e particulares."

As políticas sociais e econômicas, tem por objetivo, organizar o sistema único de saúde, fazendo com que o mesmo seja acessível e igualitário, através de uma sistemática de interligação de princípios, diretrizes e normas.

O art. 5 º da Lei n º 8.080/90, trata dos objetivos e atribuições do SUS. Estes objetivos e atribuições não deixa de ser formado por uma série de ações e serviços através de políticas sociais e econômicas, sempre com o escopo de alcançar a efetivação da saúde como meio para uma qualidade de vida.

No entanto, tal atribuições são de responsabilidade do Estado, haja vista seu dever, e diante disto, cumpre salientar que esta responsabilidade sobre a saúde é dividida em todos os escalões do governo, para desta forma, cada esfera atuar dentro de suas diretrizes e atribuições.

O art. 16 da Lei Orgânica da Saúde, elenca de forma explícita as competências para implementação de políticas, descentralizando as ações e serviços paras Unidades Federadas e para os Municípios, no caso, a esfera estadual e respectivamente municipal.

Da mesma forma, o art. 17 da Lei n º 8.080/90 promove a descentralização de ações e serviços para os Municípios. Por conseguinte, o art. 18 da mesma Lei, trata de exprimir a forma de organização, planejamento e programação de como dar-se-á a execução de ações e serviços do Sistema Único de Saúde.

Isto posto, revela uma nova hermenêutica constitucional para com os Municípios perante sua posição na Federação. A municipalização da saúde externa um claro liame com a descentralização, conforme o art. 198, I, da CF/88. Os municípios passam a ter mais destaque com a descentralização da saúde, posto que, evidencia antes de tudo as necessidades locais, buscando melhor efetividade e execução do direito à saúde a partir da realidade local, designando desta maneira maior democratização na busca da dignidade humana e da qualidade de vida.

Logo, a descentralização, através da municipalização da saúde traz muitas vantagens, haja vista que o interesse maior é do local onde designa-se as mazelas de descasos no acesso à saúde, respeitando as particularidades de cada região, bem como a vigilância dos sistemas, minimizando as distâncias e deixando os cidadãos em maior de ligação com o SUS.

2.2.2. A Redução de doenças e outros agravos

As ações preventivas

A sociedade contemporânea observa estarrecida a enorme propagação e surgimento de doenças que assolam todos os seres humanos. O Estado, como defensor da saúde de todos os cidadãos tem a imposição constitucional, de atuar positivamente no sentido da redução de doenças e agravos pertinentes ao meio em que vivemos.

Este paradoxo, releva que mesmo que esgotem-se todas as possibilidades no sentido técnico e avanço de meios para a redução de doenças e outros agravos, através de processos científicos, há que se ter em mente a complexidade para concretizar o direito sanitário no sentido externado pelo art. 196 da Constituição Federal.

Assevera o Prof. Schwartz que "mesmo que todas as possibilidades do sistema-saúde fossem exaustivamente descritas e analisadas – idéia central do ambicioso Projeto Genoma -, inexistiriam garantias de que tais possibilidades viessem a ocorrer no mundo dos fatos."

Assim, é mister que todas as políticas sociais e econômicas no sentido de redução de doenças e outros agravos, se designem, de certa forma, na direção da prevenção. Pois prevenir contra prováveis males que venham a atingir o ser humano na questão da saúde, é preservar a vida.

Correlacionado com o enfoque da redução de doenças e outros agravos, está o risco, que exprime-se basicamente em possíveis danos futuros a saúde. Então, o risco e saúde estão interligados no sentido de prevenção e também no objetivo de pressupor o futuro, uma vez que a redução de doenças está vinculado à prevenção, bem como outros agravos está para com o prever o futuro.

Se a saúde e risco interagem de forma óbvia e inegável, é inequívoco a lição de Schwartz:

A teoria do risco embasa e fortalece a posição de que, se o presente da atividade sanitária não é o ideal, isto significa que a descrição desse presente não possa ser útil para a solução do futuro da saúde. Muito pelo contrário. Portanto, os dados e estatísticas atuais referentes ao quadro sanitário brasileiro são de extrema valia para a tomada de decisões que visem a correção dessa realidade.

Isto posto, o risco está onipresente para com a saúde. Toma-se como exemplo o magistério de Schwartz, que designa que se um cidadão usar ou não preservativo em um ato sexual é um ato decisório, cujo risco está em prováveis males futuros à sua saúde. Caso o indivíduo se contaminar por uma doença sexualmente transmissível, isto ocorreu devido a sua decisão no presente ato, haja vista que sabia do risco de ser contaminado.

O conhecimento e a comunicação são atributos pertinentes na redução de doenças e agravos, bem como funciona também como uma ação preventiva. Neste aspecto, a saúde deve ser pensada como um núcleo de risco, uma vez que, leve-se em ponderação os conhecimentos existentes para que o dano iminente seja eliminado ou reduzido.

Deve-se estar atento para a conservação individual e coletiva da saúde, pois esta deriva de uma estratégia condicionante para redução de efermidades, pois seus propósitos nos levam a uma condição de adotar medidas apropriadas para evitar a produção do dano.

As ações preventivas para a redução de doenças e outros agravos, devem ser também ações curativas, bem como a combinação coerente de reorientação dos serviços de saúde, no sentido de eliminar ou reduzir efetivamente o risco de males atinentes à saúde.

Por derradeiro, o direito está interligado com a saúde e o risco, na medida em que o Estado tem o dever de tentar imunizar o cidadão de possíveis danos sanitários. Isto posto, o Estado, por força do art. 196 da CF/88, deve concretizar políticas sociais para redução e/ou eliminação do risco de doenças.

De outra banda, a saúde tem características holísticas e não estáticas, assim, o risco está sempre onipresente, e diante disto, o Estado deve promover ações preventivas para redução do risco de doenças e agravos futuros.

2.2.3. Regulamentação, fiscalização e controle

O art. 197 da Constituição Federal disciplina que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle.

Isto revela um grau de competência, sob duas formas, a primeira é de quem poder-se-á legislar sobre a saúde, a segunda é de verificar quais os órgãos que devem cuidar da saúde.

Conforme o art. 24, VI, VIII e XII da Carta Maior de 1988, a União é incumbida de legislar sobre a defesa da saúde, bem como sua proteção, incluindo o meio ambiente, através de diretrizes que designam princípios e normas sobre o direito sanitário, e, as quais, devem ser respeitadas em todo território nacional.

Ainda neste aspecto, os Estados-membros também podem suplementar os dispositivos federais, tornando específicos as generalidades da legislação federal, contudo, nunca se opor aos mesmos, conforme o art. 24, § 1 º e 2 º, e art. 30, II da CF/88.

O prof. Júlio de Sá da Rocha esclarece que "a norma geral, deve ser, portanto, um lei-quadro, uma moldura legislativa. A lei estadual suplementar introduzirá a lei de normas gerais no ordenamento do Estado, mediante o preenchimento dos claros deixados por esta, de forma a afeiçoa-la às peculiaridades locais."

Assim, a legislação federal através de normas gerais se externa como um legislação a ser completada pela legislação estadual, designando exigências e atendendo as peculiaridades regionais.

O Município também pode legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I CF/88), e suplementar a legislação federal e estadual no que couber, dentre outras atribuições (art. 30, II ao IX da CF/88).

Diante do exposto, Município na matéria sanitária, é de suma importância, devido o processo de municipalização dos serviços de saúde. Os Municípios constituem a instância mais próxima do cidadão e base do Sistema Único de Saúde (Lei n º 8.080/90), possuindo a tarefa de execução, proteção e defesa da saúde.

Então, à direção nacional do SUS, no que tange ao Ministério da Saúde, por seu representante, o Ministro da Saúde, tem a competência de regulamentar as matérias externadas no art. 16 da Lei n º 8.080/90. À direção estadual do Sistema Único de Saúde, por seu representante, o Secretário de Saúde do Estado, compete o designado no art. 17 da Lei do SUS. Por fim, à direção municipal do SUS, através da Secretaria Municipal de Saúde, por representante, ou seja, o Prefeito ou o Secretário de Saúde, incide na regulamentação de acordo com o art. 18 da Lei n º 8.080/90.

Isto posto, externa-se toda a hierarquização do sistema único de saúde, ao qual, cada esfera do Poder Público, designa a regulamentação, fiscalização e controle da saúde, nunca contrariando o mandamento superior, por isso, o sistema de saúde é de forma hierárquico e regionalizado.

A descentralização do Sistema Único de Saúde, traz muitas vantagens para a fiscalização e o controle do mesmo, haja vista o magistério de Lenir Santos:

A fiscalização e o controle da área da saúde podem ser exercidas com mais eficiência e vigor pelo fato de serem executadas de forma descentralizada, estando seus agentes (secretários de saúde, vereadores, prefeitos, deputados, etc.) mais próximos da comunidade, ao mesmo tempo essas ações se interligam nun sistema nacional, mantendo, assim a unicidade do SUS.

Há que se ater ainda para a participação da comunidade no controle e fiscalização na área da saúde conforme o disposto no art. 198, III da Carta Magna. Esta participação é feita através de duas instâncias colegiadas a saber:

1) A Conferência de Saúde, que avalia a situação da saúde e propõe a formulação da política de saúde no nível correspondente – art. 1 º, § 1 º, da Lei n º 8.142/90;

2)O Conselho de Saúde, que formula estratégias e atua no controle da execução da política de saúde na instância correspondente – art. 1 º, § 2 º, da Lei n º 8.142/90.

Constata-se que o legislador constituinte, de certa forma, quis a participação da comunidade na criação de políticas sociais para com a saúde, bem como, no controle de sua implementação.

Por derradeiro, a emenda Constitucional n º 29, acrescentou no art. 198 da CF/88 e seus parágrafos, referências aos recursos mínimos a serem aplicados nas ações e serviços de saúde, valendo destacar no que tange a fiscalização e controle, o parágrafo 3 º, III, que designa as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde na esfera federal, estadual e municipal.


III – O PROBLEMA DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL.

3.1. Mazelas e Descasos

Existem várias garantias no que tange ao direito à saúde, contudo, se estas garantias fossem hipoteticamente efetivadas, o problema da efetivação do direito à saúde estaria sanado.

Dentre uma série de outros casos, ocorre um flagrante desrespeito à nossa Carta Magna de 1988, especialmente ao art. 196, devido a sua não aplicação. Ora, se o direito à saúde é um direito de todos e dever do Estado, externado como um direito social, público e subjetivo, qual o porque da violação deste direito constitucionalmente garantido e inerente a todo cidadão.

O fato é de que o Estado deve atuar positivamente na consecução de políticas que visem a efetivação do direito à saúde, no entanto, há uma gama de barreiras burocráticas, econômicas e políticas que emperram a efetiva aplicação do direito à saúde.

Através de alguns dados do relatório "A Saúde no Brasil", ao qual foi divulgado na publicação quadrienal "La Salud en Las Americas", edição de 1998, preparado pela Organização Pan-Americana de Saúde / Organização Mundial de Saúde, compondo o capítulo "Brasil", é possível constatar uma série e mazelas e descasos da não efetivação do direito à saúde no Brasil.

É notório que os recursos destinados a saúde são insuficientes para a sua demanda, e, além disso, o governo faz a opção de reajustar as contas públicas em detrimento aos gastos sociais.

Conforme o Relatório "A Saúde no Brasil", poder-se-á destacar alguns números que nos mostram o descaso:

Os gastos públicos com saúde no período 1980-1990, em relação ao PIB, atingiram o valor máximo de 3,3% em 1989. Essa participação reduziu-se fortemente nos anos seguintes, voltando a aumentar em 1994 e atingindo 2,7% em 1995. Acrescentando-se os gastos privados das pessoas físicas – estimados em 34% dos gastos totais com saúde, em 1995, corresponderiam a cerca de 4,1% do PIB. Esse valor pode estar subestimado, pois a forte redução dos gastos públicos com saúde, ocorrida entre 1990 e 1993, certamente conduziu a um aumento dos gastos direitos das pessoas com o pagamento de serviços privados. O gasto federal com atividades promovidas pelo Ministério da Saúde representaram, em 1996, cerca de 10,4% da arrecadação da União, valor inferior ao atingido em 1989, calculado em 19%.

Assim, o descaso com a saúde é explicitamente notado, visto que a aplicação de recursos públicos na área da saúde não evolui desde 1989, pois "o Brasil, ainda hoje, é o país que menos investe em saúde: apenas 4% do seu Produto Interno Bruto/PIB, contra a média de 13% verificada nos demais países da região."

Conforme alguns dados da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE – 2000), a grande maioria da população brasileira ainda depende do SUS. Pois 115 milhões de pessoas, cerca de 75 % da população, enquanto 48,5 milhões de pessoas, cerca de 25 % da população é atendido pela medicina privada.

As internações em hospitais públicos feitas pelo SUS, é uma realidade que condiz com o que o Governo Federal gasta, em torno de R$ 4,50 (quatro reais e cinqüenta centavos) por internação, desde 1995, designando a antepenúltima pior do mundo.

Desde o início da epidemia de cólera em 1991, até 1994 se acumularam no país cerca de 150 mil casos, com 1.700 óbitos. Cerca de 6 mil óbitos registrados anualmente no país são atribuídos à tuberculose. Em 1995 foram notificados 91.013 casos de tuberculose (...) o que significa a incidência de 29 casos por 100 mil habitantes.

Isto revela que mesmo existindo vacinas e meios de controle, doenças e epidemias ainda proliferam no país, rebaixando ainda mais o nível de qualidade de vida e de saúde no Brasil.

A poluição do meio ambiente, contaminando alimentos e pessoas, bem como a poluição atmosférica também contribuem para o baixo desempenho da saúde no Brasil, haja vista o descaso com o controle de emissão de monóxido de carbono (94 % são provenientes das descargas de veículos automotores).

Não obstante a isto, o não esclarecimento por parte da população, devido as mazelas no sistema de educação, com a falta de informação, também ajudam para este desempenho regular da saúde brasileira. Um bom exemplo, é a AIDS, pois muitas pessoas morrem e se contaminam por falta de informação adequada sobre o assunto, uma vez que os maiores índices de contaminação se dá nos cidadãos de baixa escolaridade. Diante disto, há que se Ter uma prestação sanitária efetiva nos centros educacionais, como escolas e Universidades.

Outra questão, é a da subnutrição e da fome no Brasil, especialmente na região Nordeste, que revela um elevado índice de mortalidade infantil. Pois "a possibilidade de uma criança não ultrapassar o primeiro ano de vida é quatro vezes maior no Piauí do que em São Paulo."

Poderíamos, aqui, ainda citar os mais variados índices de descasos com a saúde, como mortalidade infantil, poluição do meio ambiente, efetuação errada na coleta de lixo, falta de leitos hospitalares, falta de disponibilidade de remédios, baixo grau de recursos financeiros no investimento na área sanitária, o atendimento público da saúde, que mais parece um favor do que um direito do ser humano, tudo o que gera para a não efetivação da saúde como um direito e consequentemente para má qualidade de vida e da dignidade humana.

Não obstante o direito à saúde ser previsto constitucionalmente, os números mostram o descaso, e diante disto, nossos governantes e o Estado não resolvem o problema da saúde, que é, portanto, na explanação magistral do prof. Schwartz, "muito mais do que direito de todos. É principalmente, a solução de todos."

3.2. Alternativas para efetivação do direito à saúde

A questão primeira, é novamente a interpretação do art. 196 da Constituição Federal, que revela que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, mediante políticas sociais e econômicas.

As políticas sociais e econômicas exprimem a primeira forma de efetivação da saúde, visto que se as políticas impostas pelo Estado na área da saúde fossem suficientes para efetivação e conseqüente aplicação da prestação sanitária, desnecessário seria outras organizações, atividades como função de reparar a inércia estatal para com a saúde.

Conforme o relatório "A Saúde no Brasil", a CPMF foi uma forma que o governo achou de tentar sanar o problema da efetivação da saúde. Isto posto:

Desde janeiro de 1997, está sendo arrecadada a Contribuição Provisória sobre Movimentação financeira – CPMF, destinada ao atendimento de necessidades urgentes no setor. Com essa contribuição se espera arrecadar cerca de 4,8 bilhões de dólares, que elevarão o orçamento federal da saúde em aproximadamente 30 %.

No entanto, diante dos vários números apresentados à saúde brasileira, é quase que óbvio que o dinheiro não está sendo destinado à saúde ou sendo insuficiente.

Outra questão a ser analisada é de que como já preconizava Konrad Hesse, falta "vontade de Constituição", vontade política de fazer valer os ditames constitucionais. Assim, ou se realiza o direito à saúde, designando todo o Estado Democrático de direito para com o cidadão, ou se desrespeita a dignidade humana, a Constituição e a vida.

Como a hermenêutica Constitucional externa o direito à saúde como um direito social, eivado de garantias pela Constituição, é mister que o Estado tenha uma efetiva atuação na consecução da saúde, exprimindo a justiça social também na prestação sanitária.

Conforme ensina o prof. Germano Schwartz:

Mesmo que o direito à saúde necessite dos meios materiais necessários para sua efetivação, a Constituição Federal, através de inúmeros artigos que tratam da matéria, determina que os Poderes Públicos têm responsabilidade na área da saúde, e que nenhum dos entes federados componentes da República Brasileira pode eximir-se de tal obrigação. (...) A saúde não pode estar condicionada a discursos vago, promessas políticas e ideologias cambaleantes. A condição primordial para o desenvolvimento de qualquer regime democrático é a vida do ser humano, que não pode ser colocada em segundo plano por distorções ideológicas que têm como grande objetivo disfarçar os reais e egoísticos interesses implícitos em ditas falas.

Basta que se tenha vontade política para promoção, recuperação e defesa da saúde, não atuando e investindo somente nos interesses econômicos em detrimento aos direitos sociais.

De outra banda, o Poder Judiciário, em segundo plano tem a função basilar de "corrigir as eventuais desigualdades ocorridas no campo sanitário, desde que provocado. Isto porque é o órgão com competência para tal."

O Poder Judiciário atua posteriormente a não atuação estatal para com a saúde. Busca-se efetivar através deste a efetivação do direito à saúde, uma vez que o Poder Judiciário tem condições, dentro dos próprios ditames da Constituição de buscar soluções para garantir o direito à saúde. Primeiro, deve agir o Estado no cumprimento de seu papel, mediante as políticas sociais e econômicas para efetivação e aplicação do direito à saúde. Em um segundo momento, o Poder Judiciário tem prerrogativa constitucional para a consecução do direito sanitário, devido a não atuação estatal.

O Ministério Público, também tem a prerrogativa de zelar defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. E no que tange ao direito à saúde, encontramos previsão legal dispostos nos arts. 127 e 129, II e III da CF/88, conferindo legitimidade para tutela dos direitos difusos e coletivos. Além disso, o Ministério Público também é competente para cuidar dos serviços de relevância pública, no caso a saúde, conforme o art. 197 da Lei Fundamental.

Assevera Barros Silva:

A busca da efetivação dos direitos sociais, pela via processual ou extraprocessual, deve levar o Ministério Público à realização do acesso dos direitos fundamentais às milhões de pessoas que vivem à margem do direito. O caminho do Ministério Público, como instituição da sociedade, deve também, o de efetivação da saúde pública.

A jurisprudência também demostra o papel do MP na busca pelo direito à saúde, pois a ação ministerial encontra respaldo para propor ação civil pública e promover inquéritos policiais na defesa do direito à saúde, haja vista o interesse difuso e coletivo.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO - SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - DIREITO COLETIVO. Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público e social visando à verificação da situação do Sistema Único de Saúde e sua operacionalização. "Recurso improvido". (Resp 124.236, STJ, Primeira Turma, Relator Min. Garcia Vieira, 31/03/1998, DJU 04/05/1998, p. 84).

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE - MPF E UNIÃO FEDERAL. O Ministério Público Federal está autorizado a ajuizar ação civil pública na defesa da moralidade pública e também para preservar a saúde pública (CF, art. 129, III). Ilegitimidade da União que não integrou a relação processual porque não é titular de direito algum. Recurso improvido. (AG 1997.01.00.050034-5, TRF1, Quarta Truma, Relatora Juíza Eliana Calmon, 04/02/1998, DJU 12/03/1998, p. 125.

A sociedade, através da participação popular, também pode agir e influenciar nos órgãos competentes, "no sentido de tutelar seus interesses, pois a saúde é um problema cuja solução não se restringe a um único agente."

Diante disto, a sociedade organizada "pode assumir a tarefa de defesa e proteção da saúde, utilizando-se dos meios processuais, como a ação civil pública ou ações civis coletivas, ou, caso necessite, representar ao órgão ministerial."

Por derradeiro, saúde é uma constante busca com o escopo primordial de realização da dignidade humana, externando-se como uma necessidade básica no exercício da cidadania e da qualidade de vida.

Vivemos em um Estado Democrático de Direito, e a saúde, neste aspecto, funciona como pressuposto da vida, "a saúde como qualidade de vida passa a ser necessidade primeira da democracia, como é o ar e a alimentação para sobrevivência do ser humano."


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho, dentro do limite a que se propôs, tratou de demostrar o problema do direito à saúde no Brasil, buscando designar algumas alternativas para consecução do mesmo,

Partindo do pressuposto dos direitos fundamentais, tratou-se de externar toda a teoria e desencadeamento do mesmo, para por conseguinte chegar a uma definição de saúde.

Tomando por base, vários referenciais teóricos acerca dos direitos fundamentais, chegou-se a conclusão de que o direito à saúde, verdadeiro direito fundamental social e direito público subjetivo, tendo posição de destaque em nossa Constituição Federal, ao qual, não vem recebendo o devido tratamento que merece, fazendo com que seja desrespeitado os dispositivos constitucionais garantidores de tal direito.

O direito á saúde é dever do Estado, conforme versa o art. 196 da nossa Carta Magna, e diante disto, a saúde é elevada como um princípio constitucional de justiça social. Entretanto, a sua não-efetivação acarreta enormes disparates na sociedade, pois o estado não vem cumprindo o seu papel de prestador de serviços básicos e fundamentais a população na área da saúde, fazendo com que a dignidade humana e a qualidade de vida tenha baixos índices.

No Brasil, a saúde é externada de forma descentralizada, ou seja, todas as esferas do Estado tem a responsabilidade e o dever de promover e garantir a mesma, assim, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios tem o dever constitucional de garantir a saúde para os cidadãos. Nesse, sentido, Sistema Único de Saúde - SUS, haja vista a s leis infraconstitucionais que o exprimem. É o processo adotado para a consecução da saúde, todavia, este não vem conseguindo alcançar seu escopo, devido a uma série de descasos do Poder Público para com a saúde. Isto evidencia a inércia do Estado e a proliferação da não qualidade de vida dos cidadãos, fazendo com que a saúde se torne um direito de difícil concretização.

Entretanto, os dispositivos constitucionais que dão guarida ao direito à saúde são claros ao estabelecer os parâmetros para garantia/eficácia da saúde, contudo, não vem sendo respeitados pelo Estado, que ao não atuar de forma efetiva, faz com que a saúde seja mais um dos problemas enfrentados pela população.

Por derradeiro, a presente pesquisa buscou demostrar conceitos e dados sobre o direito à saúde, externando como se dá o mesmo, de que forma é organizado pelo Estado, e quais os dispositivos constitucionais que a garantem como um direito fundamental social. Diante disto, chegou-se a conclusão de que, após uma série de análises e estudos dos direitos fundamentais, tomando por base o seio da melhor doutrina constitucional, exprimindo como se dá as garantias, eficácias e positivação dos mesmos, bem como toda a interpretação histórica e filosófica no âmbito do direito constitucional, os direitos fundamentais, dotados de enorme qualificação na nossa Carta Magna, externa a posição de destaque do direito à saúde.

Isto posto, o direito à saúde se consubstancia como um verdadeiro direito fundamental social, dotado de características prestacionais por parte do Estado, revelando seu caráter de direito público subjetivo.

Assim, o Brasil tem vastas seqüelas da não efetivação do direito à saúde, revelando todo descaso e para com o mesmo, haja vista a base de dados externada na presente pesquisa.

Nos resta concluir que deve o Poder Público, a sociedade organizada e em última instância, o Poder Judiciário, na prerrogativa de fazer valer os dispositivos constitucionais, efetivar o direito à saúde e designar ao mesmo todo seu caráter de direito fundamental, dando ao direito sanitário seu referido valor dentro da Lei Maior de 1988.


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Autor

  • Hewerstton Humenhuk

    Hewerstton Humenhuk

    Advogado publicista. Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pelo CESUSC. Professor de Direito Administrativo e Direito da Criança e do Adolescente nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC e professor de Direito aplicado à Administração no curso de graduação em Administração da mesma instituição. Consultor e Assessor jurídico de Prefeituras e Câmaras de Vereadores do Estado de Santa Catarina. Membro do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina - IDASC. Associado do Escritório Cristóvam & Tavares Advogados Associados, com sede em Florianópolis. Autor de artigos e ensaios científicos publicados em revistas especializadas.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMENHUK, Hewerstton. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 227, 20 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4839. Acesso em: 25 abr. 2024.