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O caos do sistema penal brasileiro.

Uma justiça criminal falha e os presídios superlotados.

O caos do sistema penal brasileiro. Uma justiça criminal falha e os presídios superlotados.

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A partir de informações pertinentes, mostra-se o caos vivido hoje no sistema penal do Brasil, do crime até a prisão e a influência da mídia e do crime organizado nesse sistema que hoje está em crise.

1 Introdução

O objetivo deste artigo é reunir informações pertinentes para mostrar o caos vivido hoje no sistema penal do Brasil, do crime até a prisão e a influência da mídia e do crime organizado nesse sistema que está em crise. As regras quase nunca são cumpridas e aplicação penal é extremamente falha.

O caos se tornou algo banal e habitual onde a falência de toda estrutura é considerada “normal” hoje em dia pela sociedade. O descaso do governo e falta de investimentos adequados são a principal causa da situação atual. Corrupção, ócio e excesso de privilégios inadequados são alguns dos fatores que estão destruindo o sentido da pena, e causando o colapso que estamos vivendo.

O crime organizado já vem dominando o sistema na maioria dos estados, armas e celulares são encontrados diariamente nos estabelecimentos prisionais e se multiplicam as ocorrências internas. Os chefões do crime controlam e organizam os delitos de dentro dos presídios como se estivessem em seus escritórios particulares. A corrupção e a fiscalização precária agravam o problema.

O sistema prisional brasileiro está fracassado e há necessidade urgente de mudanças. São necessárias políticas públicas que visem a reintegração dos detentos à sociedade e consequentemente a diminuição da violência e reincidência.

Estudos recentes, tanto no Brasil como no exterior, indicam que a educação é a resposta para o fim, ou diminuição da criminalidade, mas essa é uma solução que deve ser iniciada "hoje" para surtir efeito a longo prazo (algo entre 20 e 50 anos no futuro). Precisamos também de políticas para resolver o problema agora, pois não há mais saída para a situação como ela está e o Estado juntamente com a sociedade estão apenas fechando os olhos para o problema e deixando acontecer.

O método de abordagem utilizado na pesquisa e desenvolvimento do trabalho foi o Hipotético-dedutivo: no qual parte-se de considerações gerais, para chegar a uma conclusão particular. Conclusões que são baseadas em fatos supostos, que não darão uma veracidade a conclusiva, mas sim uma possibilidade.


2 O caos do sistema e a falta de perspectivas de mudanças

Estatísticas do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional, INFOPEN, 2012) apontam que nos últimos 25 anos o aumento da população carcerária chegou a 500% (aprox. 600.000 presos), sendo que a população brasileira cresceu em média 40%. Os números apontam o cenário caótico: são atualmente 602.000 presos para 375.000 vagas, e quase 500.000 mandados de prisão em aberto trazendo um déficit total de 725.000 vagas. E o pior é que aproximadamente 45% dos presos atualmente, são provisórios.

A prisão provisória (antes da sentença condenatória definitiva) é o maior vilão na estatística atual, pois a demora do judiciário em julgar os processos que se empilham e os inúmeros recursos possíveis em uma ação judicial engessam todo o sistema. O DEPEN apontou que em média 35% dos casos em que há aplicação de prisão provisória os réus não são condenados à prisão definitiva ou recebem penas menores até do que o tempo já cumprido. Isto é reflexo de um aparato burocrático frio e irracional, contrastando com o descaso do Estado que radicaliza o exercício do autoritarismo em cada esfera de poder.

No Brasil, a insegurança em relação às finalidades da pena contribui de forma decisiva para que persista a incerteza quanto aos rumos do Direito Penal no país e, consequentemente, a sua eficácia. O Direito penal, inicialmente concebido como um direito de exceção, usado para trazer a punição - direito de vingança -, tem a sua finalidade desviada nos dias de hoje, sendo usado em doses descabidas, de forma totalmente cega, sem aplicar a balança da justiça. Isto traz insegurança jurídica, onde muitas vezes um infrator de pequena periculosidade cumpre uma pena excessiva e um criminoso perigoso está à solta ou cumprindo uma pena inferior ao grau da sua conduta e periculosidade.

“Como o Direito Penal não serve para fins diversos que não os fins do ordenamento jurídico, e como o ordenamento quer diminuir a violência, a ideia de prevenção deve ser relacionada diretamente com a prevenção de violência, diminuição ou controle do nível de violência, por meio do instrumento penal. Essa ideia permite, inclusive, a abordagem necessária sobre o utilitarismo do Direito Penal mínimo. Assim, quando se fala em prevenção, mormente em uma perspectiva moderna do tema, busca-se impedir novos crimes e outras formas de violência, como as não criminalizadas ou as reações informais aos crimes praticados, e com isso buscamos coerência com a ideia de que a intervenção penal só é legítima quando necessária ”. (JUNQUEIRA, 2004. P. 59)

A falta de estrutura dentro do sistema penitenciário brasileiro impede o objetivo primário da pena, que é a prevenção geral positiva e reabilitação do condenado. O atual sistema penal brasileiro tem de um lado o acentuado avanço da violência e do outro as condições precárias dos presídios: superlotados, insalubres e mais violentos que as próprias ruas.

São vários os fatores que colaboraram para se chegar no estágio atual, principalmente a falta de investimento e o descaso do poder público, não se preparando para a realidade que foi se moldando e se agravando ao longo dos anos, culminando no caos que é a situação de hoje.

“Entre passar anos num presídio brasileiro e perder a vida, eu talvez preferisse perder a vida”. A frase é do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (TV CÂMARA, 2015).

A prisão é a pena mais gravosa imposta ao condenado no Brasil, sendo que a Constituição Federal, não permite a pena de morte, inclusive penas de caráter perpétuo, cruéis e degradantes. Mas o que é mais cruel que a prisão hoje no Brasil? Talvez nem a própria morte.

A superlotação é o fator chave, um problema que não tem uma solução em curto prazo, algo que tende a se agravar diariamente, piorando cada vez mais as condições atuais, um beco sem saída.

São necessárias mudanças, tanto na legislação, como na estrutura prisional, investimentos sérios e um comprometimento do Poder Executivo na solução desse problema. Algo que hoje infelizmente não acontece. Atualmente foi instaurada a segunda CPI do sistema carcerário dos últimos 10 anos, onde o Legislativo apontou todas as falhas e possíveis soluções para os problemas descritos, mas praticamente nenhuma atitude foi tomada até o momento.

Diante da situação de falência, o próprio Poder Público cogita a possibilidade de privatizar as prisões brasileiras, sob o regime de concessão ou permissão, mas a burocracia e diversas barreiras legais impedem qualquer perspectiva de se chegar a algo concreto.


3 A Omissão dos poderes do Estado

O Estado não vem atuando de forma eficiente em nenhuma de suas esferas e nos três poderes para enfrentar de forma verossímil a violência e a criminalidade no país. Crises recorrentes na política carcerária, crescimento do crime organizado, envolvimento de jovens com o crime, justiça e direitos humanos incipientes. Nos últimos vinte e cinco anos, a violência passou a ser discutida por toda a sociedade.

“O sistema prisional brasileiro tem três principais objetivos, quais sejam, proteger o público, incapacitando os criminosos, puni-los e reabilitá-los. O alto número de fugas em unidades do sistema prisional e a habilidade dos líderes do PCC em prosseguir com suas atividades criminais mesmo estando atrás das grades, recrutar novos membros e usar a economia interna da prisão em vantagem própria demonstram que o sistema é incapaz de exercer sua primeira função. Ele também lança dúvidas à ideia de prisão, que muitas vezes é usada para criminosos primários ou não-violentos e não é suficientemente usada para criminosos profissionais”. (MACAULAY, 2006. P. 22)

A certeza da impunidade é um dos fatores que têm contribuído para o aumento da violência. O caos atual faz com que o infrator não tenha medo da efetividade da justiça, pois os esforços dos órgãos de segurança e do judiciário são os mínimos aceitáveis, devido à falta de efetivo e a precariedade do sistema atual. Em outras palavras: é mais fácil prender aqueles que cometem crimes menos complexos e perigosos. Para prender um bandido profissional, de alto escalão ou ligado ao crime organizado, é necessário uma polícia estruturada e um sistema judiciário firme e convicto. Prende-se muito e prende-se errado.

“O que para alguns parece boa notícia não justifica festejos. O fantasma da cadeia como punição não tem conseguido conter os assassinatos, o crime mais danoso que se pode cometer. O País é recordista mundial em homicídios, cerca de 60 mil por ano. O número só aumenta, apesar do encarceramento massivo. Foram 37 mil mortes em 1995, 45 mil em 2000 e 56 mil em 2012, último dado conhecido. “Estamos naturalizando o superencarceramento no Brasil e isso é preocupante. Prendemos muito e errado. O sistema não consegue se concentrar nos crimes contra a vida”, diz o diretor do Departamento Penitenciário Nacional, Renato de Vitto.”(BARROCAL, 2015)

As brechas na lei e precariedade do sistema fazem com que os infratores possam cometer vários crimes e sair impunes, o atual Código Penalpermite que um indivíduo primário ou sem o trânsito em julgado da sentença condenatória, com infração prevista de até quatro anos, excetuando-se os crimes de violência, possa permanecer em liberdade.

"O princípio da presunção de inocência é um instituto previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988. Refere-se a uma garantia processual atribuída ao acusado pela prática de uma infração penal, oferecendo-lhe a prerrogativa de não ser considerado culpado por um ato delituoso até que a sentença penal condenatória transite em julgado. Esta situação, em tese, evita a aplicação errônea das sanções punitivas previstas no ordenamento jurídico. Ainda garante ao acusado um julgamento de forma justa em respeito à dignidade da pessoa humana." (FERRARI, 2012)

Os atos do Estado podem ser praticados por ação ou omissão. A responsabilidade do Estado alcança também os atos decorrentes da omissão do Poder Público na preservação dos direitos e garantias fundamentais. Desta forma o Estado deve garantir a segurança e a prestação dos serviços que lhe são privativos, como por exemplo: a Justiça Criminal.

A velha regra do olho por olho dente por dente, prevista no Código de Hamurabi, e também no Velho Testamento não pode prevalecer, e com a omissão do Estado, o cidadão começa a fazer justiça com as próprias mãos, através de justiceiros ou linchamento de infratores.

“No Estado Democrático de Direito em que vivemos, a prevenção criminal é integrante da agenda federativa, passando por todos os setores do Poder Público, e não apenas pela Segurança Pública e pelo Judiciário. Ademais, no modelo federativo brasileiro a União, os Estados, o Distrito Federal e sobretudo os Municípios devem agir conjuntamente, visando a redução criminal conforme a CF/88 art. 144caput. (PENTEADO FILHO, 2012. P. 117)

A Lei de Execução Penal (LEP)é motivo de orgulho na legislação do Brasil e até comentada em todo o mundo, pois representa grande inovação jurídica na história legislativa brasileira. Infelizmente o caos atual não permite que seja possível seguir fielmente o que determina a LEP. Caso fossem cumpridas as normas, conforme regulamentadas na lei 7.210/84, teríamos um sistema avançado e humanizado.

Alguns destaques da LEP são: “Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei; Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal; Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”.

Outra que seria uma grande inovação no sistema penal, caso funcionasse da forma que preconiza a LEP, é a monitoração eletrônica. Esta medida, muito utilizada nos EUA, apresenta grande sucesso quando executada de forma correta, com a vigilância e acompanhamento adequado, algo que não existe no Brasil. Em nosso cenário atual, mesmo com a adoção da lei, ainda há controvérsias na sua aplicação e quando adotada a medida é ineficaz pela falta de vigilância devido ao baixo investimento aplicado na tecnologia utilizada.

“[...]Entretanto, o processo de implantação do monitoramente eletrônico deve avançar ainda mais, ampliando seu âmbito de utilização. [...] o legislador brasileiro tem buscado estender o uso deste dispositivo. Recentemente, foi editada a Lei nº 12.403 de 04 de maio 2011, que alterou o Código de Processo Penal (Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941), no tocante a prisão processual, fiança, liberdade provisória e outras medidas cautelares, alargando, assim, o campo de aplicação do monitoramento eletrônico. Neste particular, a inovação da referida reforma de 2011 consistiu em fixar tal dispositivo como medida cautelar, restringindo a possibilidade de aplicação da prisão preventiva.”(ARAÚJO NETO, MEDEIROS, NUNES, 2011)

A proposta da referida lei é uma alternativa à prisão, mantendo o condenado sob vigilância, sem utilizar o sistema carcerário, mas precisa de implementações adequadas na sua execução e uma jurisprudência uniforme sobre o assunto.


4 A influência negativa da mídia

Nas últimas décadas, tem-se assistido ao aumento quantitativo e qualitativo da criminalidade, noticiado à exaustão pela Imprensa, trazendo uma sensação potencializada de insegurança que leva a opinião pública a reclamar uma postura mais firme do Estado. A "mídia sangrenta" ajuda a implantar o caos entre a população, fazendo com que os cidadãos busquem uma resposta imediata (e inexistente) diante do governo, e favorece os criminosos com esse "marketing maligno" que fomenta o crime, criando um ciclo macabro e infame.

“Nesta nossa América Latina pode-se dizer que historicamente tudo se fez pela metade. Numa sociedade como a brasileira, nós somos modernos, mas não tanto. Tudo chegou aqui incompleto, insuficiente e como tal permanece, numa dinâmica histórica peculiar e desafiadora. Somos um país numa espécie de transição permanente entre certezas antigas e novas.[..] O que traz de fato muitos problemas e muitos desacertos à vida de todos nós ”. (MARTINS, 2015. P.135)

A espetacularização e a utilização da violência pela mídia para captar audiência, acabam por incentivar os criminosos, tanto na reincidência como no estímulo para os que estão prestes a cometer o delito. A frequente banalização da violência diária e a discussão incansável da impunidade, apenas colaboram para a piora do cenário. O tema violência acaba por ser o único tema, do qual pessoas se reúnem sempre para lamentar ou se revoltar, trazendo a tona o desejo de vingança pessoal e a intolerância extrema.

A cultura da violência é promovida pela mídia como uma resposta ao cotidiano social que busca combater a rotina, proteger-se e livrar-se do perigo, em uma negação que equivaleria a uma pessoa dizer “ainda bem que não aconteceu comigo”. Não importa mais a informação, mas o quanto o elemento violência é capaz de ser mantido a fim de expiar a angústia dos indivíduos. No outro extremo, para a mídia, a violência também é capaz de criar ou manter significados. As imperfeições dos indivíduos, conhecidas como contrárias à virtude — luxo, lascívia, avareza, orgulho —, são reforçadas pelo destaque ao sofrimento das vítimas. (CARVALHO DW, FREIRE MT, VILAR G, 2012. P.436)

A cultura invertida dos dias de hoje, leva alguns a santificar bandidos e outros a endeusar justiceiros. Não existe uma ética no meio jornalístico para colaborar com o enfrentamento da criminalidade, muito pelo contrário, se aproveitam do caos para gerar audiência, sem se preocupar em explorar tanto a vítima como o algoz.

“Ao divulgar crimes, os veículos se preocupam com pormenores das situações, tornando a violência um grande e minucioso assunto. A informação jornalística já não basta; o importante passa a ser a perpetuação do interesse pelo crime, comparável ao que ocorre nas novelas, no sentido de levar ao extremo os acontecimentos para envolver os indivíduos. Nesse particular, destaca-se o caso da menina brasileira Isabela Nardoni, defenestrada do sexto andar de um edifício residencial de São Paulo na noite de 29 de março de 2008. O caso foi exaustivamente explorado pela imprensa, o que gerou uma espécie de notícia seriada. Mesmo na ausência de algum fato novo, o caso era exposto durante grande parte do dia, com imagens e interpretações excessivamente repetidas e exploradas, levando à conclusão de que, para ganhar a audiência, tudo se justificava: a transformação de heróis em anti-heróis e de vítimas em agressores e novamente em vítimas.”(CARVALHO DW, FREIRE MT, VILAR G, 2012. P.436)

Espera-se da mídia uma mudança nesse quesito, uma participação colaborativa com o poder público, trabalhando em conjunto com a polícia e não contra ela. Observa-se que esta foi a grande mudança que trouxe melhoras significativas em alguns países hoje desenvolvidos, basta observar a cultura americana dos anos 80 em comparação com os dias de hoje. È um trabalho de longo prazo, mas é preciso começar hoje.


5 O crescimento do crime organizado

A origem do crime organizado no Brasil remonta o período pós 1964, época do regime militar. Segundo estudos, também teve um aumento significativo nas décadas de 80-90 onde se internacionalizaram as atividades ilícitas, criando-se uma “parceria” entre criminosos de diversos países, principalmente na América Latina (MADEIRA, 2009). Acredita-se que um dos fatores determinantes que resultaram no início das organizações criminosas nessa época, foi a mistura entre presos políticos e comuns, onde a integração entre eles acabou criando diversas facções criminosas que atuam hoje no país. O tráfico de drogas é a principal atividade nesse meio, assim como o jogo do bicho, que tem um volume significativo nas grandes capitais.

As principais facções que atuam hoje no Brasil são:

Falange Vermelha (originada no presídio de Ilha Grande); Comando Vermelho (originado em Bangu I por líderes do Tráfico, acredita-se também na influência de mentores internacionais); Terceiro Comando (originado também em Bangu I, derivado do Comando Vermelho, principalmente por divergências entre os membros); Primeiro Comando da Capital – PCC (originado também na década de 90 dentro do presídio de Taubaté, o principal patrocinador do terror e das rebeliões comandadas hoje dentro dos presídios, também possui mentores internacionais); Seita Satânica (iniciada também em um presídio de SP na década de 90 tem um pacto entre seus membros de proteção e resgate entre eles, é associado ao PCC). (MADEIRA, 2009).

Existem conexões e outras formas muito mais complexas hoje atuando no Brasil, algo que vai muito além do relatado aqui, e pouco se sabe sobre suas organizações e atividades, principalmente o alcance da sua influência e poder, com ramificações internacionais em diversas áreas. O maior problema hoje no país é o monitoramento carente e inadequado dessas quadrilhas, que já tomam conta de todo o sistema.

“Presente em 22 Estados do País e em três países (Brasil, Bolívia e Paraguai), a “Família” domina 90% dos presídios de São Paulo. Fatura cerca de R$ 8 milhões por mês com o tráfico de drogas e outros R$ 2 milhões com sua loteria e com as contribuições feitas por integrantes – o faturamento anual de R$ 120 milhões a colocaria entre as 1.150 maiores empresas do País, segundo o volume de vendas. Esse número não inclui os negócios particulares do integrantes, o que pode fazer o total arrecadado por criminosos dobrar.” (GODOY, 2013)

Outra face do crime organizado é formada pelas Milícias e também pela chamada Máfia do Colarinho Branco. As Milícias são compostas principalmente por policiais e ex-policiais que atuam nas comunidades, cobrando “taxas” dos moradores para executar uma suposta proteção contra os traficantes, mas na verdade atuam nas duas frentes, criando um ambiente ainda mais decadente e complexo para a atuação correta dos órgãos de Segurança Pública.

A chamada Máfia do Colarinho Branco é formada por autoridades legais que possuem muitas vezes ligações entre si, atuando principalmente na lavagem de dinheiro, corrompendo e utilizando o Poder Público em auxílio ao crime organizado. A corrupção em todos os níveis é o principal fator desencadeante das mazelas hoje vividas no país.

O crime organizado vem evoluindo e crescendo, nota-se a sua mudança nos últimos anos, novas drogas, novas formas de distribuição e importação e principalmente a produção interna vem ganhando espaço. Os órgãos responsáveis pela segurança pública mal conseguem acompanhar toda essa mudança, pois o Brasil vive um caos onde não é possível nem mesmo manter o sistema funcionando, quanto mais combater de forma minimamente satisfatória a crescente violência e criminalidade, fazendo assim com que as organizações e facções criminosas ganhem cada vez mais espaço.


6 Reformulação do sistema de justiça criminal

A pena deve ser imposta ao infrator de forma que possa refletir de maneira retributiva e preventiva. O intuito primário é o castigo, a punição pela conduta delituosa, poder este que deve ser exercido privativamente pelo Estado (jus puniendi). Subsidiariamente, deve-se propor a ressocialização ao presidiário, para que possa sair com uma "segunda chance" propriamente dita e não como um "animal" que retornou ao seu estado primitivo, mais violento e desacreditado.

Além de Reformar toda a estrutura do sistema penitenciário brasileiro deve-se analisar a possibilidade de impor ao detento a obrigatoriedade de trabalhar e estudar, no período diurno e noturno respectivamente, garantindo assim melhores condições para toda a estrutura, melhorando a saúde e diminuindo o custo ao Estado. O detento aumentando o seu grau de instrução, e aprendendo uma profissão já o faz capaz vislumbrar um futuro melhor, com a dignidade que merece o ser humano.

“A pena tem caráter multifacetado, envolvendo, necessariamente, os aspectos retributivo e preventivo, este último nos prismas positivo geral e individual, bem como negativo geral e individual[...]. Não se pode pretender desvincular da pena o seu evidente objetivo de castigar quem cometeu um crime, cumprindo, pois, a meta do Estado de chamar a si o monopólio da punição, impedindo-se a vingança privada e suas desastrosas consequências, mas também contentando o inconsciente coletivo da sociedade em busca de justiça cada vez que se depara com lesão a um bem jurídico tutelado pelo direito penal ”. (NUCCI, 2015. P.942)

A legislação pertinente ao preso condenado é infelizmente precária, pois toda a eficácia e magnitude da LEP apenas vislumbra uma utopia onde a maior preocupação do sistema é com a integridade do preso – algo que não acontece, muito pelo contrário, pois não é cumprido praticamente nada que se preconiza na Lei de Execução Penal - sem nenhuma forma de repressão mais completa e adequada onde a tolerância para com o crime em sua essência seja nula.

No Brasil o chamado “custo do crime” é muito baixo, sendo que, o indivíduo ao ponderar a sua vontade de delinquir, o faz acreditar que seja um “bom negócio”, pois a punição é ineficaz e a justiça extremamente falha.

É preciso repensar as políticas de segurança pública em vigor hoje no Brasil, pois da forma que está não é possível alcançar os objetivos desejados pela população, que busca a punição adequada para os criminosos, criando assim uma sensação de segurança e trazendo qualidade de vida.

“Um dos fatores decisivos da equação do crime, segundo Becker e Ehrlich, é o efeito exercido pela probabilidade de prisão e condenação – o mais importante risco que o indivíduo assume ao optar pelo crime. Nos termos da nossa equação (c = b-p. C), quanto maior for a probabilidade de prisão (p), maior é o custo da opção pelo crime. O risco da probabilidade de prisão e condenação depende da percepção que os indivíduos têm da efetividade e da eficiência do sistema de justiça criminal.”(VIAPIANA, 2006. P.40)

Os principais efeitos da punição são a incapacitação, na qual o criminoso é retirado do meio da população, sendo impedido de cometer novos crimes, algo que funciona principalmente em alguns casos de homicídio, estupro e crimes contra o patrimônio, mas não é eficaz no caso de tráfico de drogas, que é controlado pelo crime organizado, onde o traficante é apenas substituído por outro ao ser neutralizado o anterior. Por isso são necessárias políticas públicas educacionais e preventivas, para atuar em conjunto com a justiça.

O segundo efeito é a dissuasão, que serve para mostrar aos demais o que acontece com quem comete crimes. Ser preso e condenado, pagando pelo delito de forma severa, afeta diretamente a equação citada anteriormente, fazendo com que o indivíduo reflita antes de entrar para o mundo do crime.

O Brasil precisa adotar uma política de “tolerância zero” similar à adotada pelos EUA no início da década de 90 onde se pune desde o crime mais banal, com a pena adequada e os mais graves de forma severa, condenando definitivamente os infratores sem deixar margens para brechas na legislação ou relaxamentos e benefícios para prisioneiros perigosos e que cometeram crimes bárbaros ou de forma reiterada.


7 Considerações finais

Todo indivíduo pode delinquir, mas a vulnerabilidade pela falta de políticas públicas agrava o problema. O crime em sua essência surge nas classes menos favorecidas, onde pessoas vivem à margem da sociedade, sem educação, saneamento básico e principalmente sem segurança.

A implantação de várias medidas e políticas sociais dependem primeiramente do sucesso da segurança pública, pois agentes e organizações não conseguem alcançar as pessoas das comunidades mais isoladas, pelo medo da repressão dos criminosos que controlam estas áreas, e cresce desordenadamente, sustentado principalmente pelo tráfico de drogas.

Conforme a nossa CRFB/88: a segurança é dever do Estado e compromisso de todos. Neste sentido, para alcançar o objetivo proposto, que é do interesse de toda sociedade, precisamos de políticas sérias, que visem realmente a mudança do cenário atual, punindo corretamente e reeducando o infrator antes do seu retorno à sociedade.

O Legislativo e o Executivo nos últimos anos apresentaram diversas propostas e medidas que prometem grandes mudanças, mas tirar estas ideias do papel, infelizmente é utópico. Temos o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) que prescreve entre seus eixos norteadores a gestão unificada da informação e a prevenção da violência. Também o PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) que pretende articular ações de segurança pública para a prevenção, o controle e a repressão da criminalidade, estabelecendo políticas sociais e ações de proteção às vítimas da violência.

Uma coisa é certa: a presença efetiva do Poder Público faz toda diferença, quando reprime de forma correta os infratores e dá o devido apoio às populações carentes, trazendo a segurança e confiança para quem vive marginalizado à mercê dos criminosos.

Cada dia mais crianças e adolescentes são aliciados e levados ao tráfico de drogas, que é o coração do crime organizado, uma verdadeira “máquina” de criar bandidos, os quais hoje controlam até mesmo a maioria dos presídios brasileiros.​

O objetivo principal deste artigo foi apontar a realidade vivida hoje pelo Brasil no sistema penal, as principais falhas e problemas que devem ser resolvidos com urgência. O problema é grave e não tem uma solução simples ou fácil. Conforme explorado no texto, a principal medida a ser tomada juntamente com a punição e de preferência posteriormente a esta, é a reeducação e ressocialização do infrator e a aplicação de políticas públicas educacionais, principalmente nas comunidades mais pobres.

Conforme citado, a mídia tem uma influência importante na situação atual, assim como a falta de controle do crime organizado que vem ganhando espaço no Brasil.

O Estado tem o dever legal de fazer cumprir o que preconiza a Constituição Federal, com a colaboração da sociedade, para que assim se possa construir uma sociedade digna e com segurança.


8 Referências

I Lima, Renato Sérgio de. II Paula, Liana de. Segurança pública e violência: o Estado está cumprindo seu papel?. 1. Ed. São Paulo: Editora Contexto, 2006.

Martins, José de Souza. Linchamentos: justiça popular no Brasil. 1. Ed. São Paulo: Contexto, 2015.

Junqueira, Gustavo Octaviano Diniz. Finalidades da Pena. 1. Ed. São Paulo: Manole, 2004.

Penteado Filho, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Nucci, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 12. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

INFOPEN Estatística, 16 out, 2012. Produzido por 1. DEPEN – Ministério da Justiça. Disponível em: Acesso em maio 2015

BRASIL, Lei de Execução Penal (LEP): Lei 7.210 de 11 de Julho de 1984. Disponível em:. Acesso em jun 2015

Carvalho DW, Freire MT, Vilar G. Mídia e violência: um olhar sobre o Brasil. Rev Panam Salud Pública. 2012:31 (5):435–8

GODOY, Marcelo. Estado de S. Paulo: Maior investigação da história do crime organizado denuncia 175 do PCC (11 de outubro de 2013). Disponível em:< http://são-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,maior-investigacao-da-historia-do-crime-organizado-de... > Acesso em jun 2015.

VIAPIANA, Luiz Tadeu. Economia do crime, uma explicação para formação do criminoso. RS, Editora Age, 2006

TV Câmara, 26 maio, 2015. Produzido por 1. Câmara dos Deputados. Disponível em: < http://www2.câmara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/EXPRESSAO-NACIONAL/488583-EXISTE-SOLUCAO-PARA-O...

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FERRARI, Rafael. O princípio da presunção de inocência como garantia processual penal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun 2012. Disponível em:. Acesso em ago 2015.

ARAúJO NETO, Felix; MEDEIROS, Rebeca Rodrigues Nunes. O monitoramento Eletrônico de presos e a Lei nº 12.403/2011. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 90, jul 2011. Disponível em: <

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MADEIRA, Felipe. O crime organizado perante a lei penal brasileira e a Constituição Federal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 71, dez 2009. Disponível em: < http://www.ambito jurídico. Com. Br/site/index. Php? N_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6794

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BARROCAL, André. Se cadeia resolvesse, o Brasil seria exemplar. Em: Carta Capital, Brasília, Ed. 838, mar 2015. Disponível em: < http://www.cartacapital.com.br/revista/838/se-cadeia-resolvesse-4312.html>. Acesso em ago 2015.



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