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Redução da maioridade penal: placebo para sociedade

Redução da maioridade penal: placebo para sociedade

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Diante de um contexto atual de discussões sobre o direito da criança e do adolescente e a votação da PEC 171/93, é possível fazer uma análise mais profunda sobre a situação do jovem no Brasil, conhecendo melhor seu histórico e seus direitos.

RESUMO: Diante de um contexto atual de discussões sobre o Direito da criança e do adolescente e a votação da PEC 171/93, é possível fazer uma análise mais profunda sobre a situação do jovem no Brasil, conhecendo o histórico de sofrimento e privação de direitos vivenciados desde a chegada dos portugueses. A História nos retrata uma trajetória de sofrimento e descaso, onde a criança não era vista como um sujeito de Direito. A desigualdade social e a falta de oportunidades, também assombram os sonhos de quem deseja apenas, ser tratado como igual e ter os mesmos recursos e acessos de parte da população. Em contrapartida, esses jovens são vistos por parte da sociedade como um problema para o desenvolvimento do país, aonde vêm sendo tomado medidas para acabar com esse problema, fazendo o caminho inverso e indo contra todas as lutas pela garantia do Direito, adquiridas nas últimas décadas. Para a construção do presente artigo utilizou-se do método dedutivo. Como instrumental procedimental foi adotado o bibliográfico, a partir de obras que possibilitem compreender a teoria da proteção integral dos direitos de crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Adolescente. Direito. Maioridade Penal.


1 INTRODUÇÃO

Este artigo foi elaborado com o intuito de investigar o real papel da criança e do adolescente no Brasil e os motivos pelos quais se busca a redução da maioridade penal, como pretexto para diminuir a violência que desola a sociedade atual. Em meio a tantos conflitos e opiniões, o artigo traz um breve apontamento sobre os Direitos da criança e do adolescente, já adquiridos e quais as consequências da aprovação da PEC 171/93. Diante de apontamentos na mídia, positivos e contrários a redução da maioridade penal, o artigo apresenta um estudo com base na história da criança e do adolescente no Brasil, qual a nossa responsabilidade como cidadãos diante desta situação e o que está em jogo em tal contexto.


2 BREVES APONTAMENTOS DA HISTÓRIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Quando a História da criança no Brasil é contada entre tantos tormentos e desamparo, o que se pode perceber é que ela sempre aparece como figurante e sem a devida importância no que diz respeito ao seu papel na sociedade. Essa história é marcada por abandono, escravidão, abusos, entre tantas outras violências sofridas de forma ainda mais dura nos primeiros três séculos após a chegada dos portugueses ao Brasil. Como marco da triste trajetória de violências, podemos ressaltar a chegada dos jesuítas que, de certo modo, passam a dominar e educar aquelas crianças nativas, segundo eles, que não tinham conhecimento algum, sendo assim incapazes de conviver em sociedade até que fossem doutrinadas. Os Jesuítas passaram a estabelecer uma nova educação, tendo a infância como a etapa ideal para aprendizado e este, quando não ocorria dentro dos padrões impostos, as crianças recebiam castigos físicos, onde aos poucos a violência se tornava parte do processo da educação (DEL PRIORE, 1991).

No século XVIII, algumas entidades tomaram para si a responsabilidade de cuidar das crianças, que foi o caso do Estatuto da Irmandade de Santa Ana. A Roda dos Expostos, que consistia em um mecanismo de madeira em formato giratório, usado para deixar a criança enjeitada, sem identificar o responsável, era o modelo mais aderido nas instituições de caridade que cuidavam de crianças abandonadas. Mais tarde, essas mesmas crianças passariam e exercer trabalhos forçados, com alegação de que se tornaram úteis. Essa roda, usada inicialmente na França e depois em Portugal, era composta por um eixo onde permitia que as mães depositassem ali seus bebês sem serem identificadas, sendo usada durante muitos anos no Brasil (MARCÍLIO, 2006).

No período do Brasil Colonial a população em extrema pobreza era dizimada por epidemias, sendo entre os recém-nascidos até dois anos, os maiores índices de mortalidade. Além das doenças e da pobreza, as crianças que eram abandonadas nas ruas corriam o risco de serem devoradas por animais domésticos que se encontrassem nesses locais (MARCÍLIO, 2006).

Começam então os primeiros rumores sobre quem deveria ser responsável por manter as instituições e essas crianças rejeitadas. Foi então concentrada nas câmaras e irmandades a responsabilidade de cuidado, sendo então construídas as casas de abrigo, contratadas amas de leite e outros responsáveis por cuidar dessas crianças. Não se pode deixar de citar que mesmo após recolhidos, o percentual de mortes era altíssimo (DEL PRIORE, 2000).

Para Marcílio (1998), somente em 1775 foi compreendido que essas crianças abandonadas deveriam ser criadas com dignidade, então foi onde as Casas Assistenciais e Rodas passaram a contar com os subsídios do governo. As famílias de posses eram incentivadas a acolher essas crianças abandonadas, que mais tarde, prestariam serviços em troca da moradia e alimentação, onde tal ato era visto como benfeitoria, ao invés de trabalho escravo.

A primeira Constituição brasileira foi promulgada sobre a Política do Império em março de 1824; foi a mais longa Constituição Federal a vigorar, mas no que tange a questão da infância, pouco avanço foi constatado. Assim, a criança aparece em situação diferenciada dos demais cidadãos (RAMOS, 2014).

Perdurava ainda, até o momento, a Roda dos Expostos, e assim, crianças abandonadas continuavam a ser encaminhadas para famílias, onde prestariam serviços a mesma em troca da moradia. Porém, a Lei de Silveira Mota, de 12 de junho de 1862, proibiu a separação de filhos de pais escravos, onde os mesmos aos sete anos são obrigados a entrar no mundo adulto, tornando-se mais um servo e realizar as tarefas que eram pré-estabelecidas para homens e mulheres. Alguns senhores eram mais brandos e usavam as crianças para tarefas mais leves como mensageiro, pajem ou cuidadoras de crianças e idosos. Em relação à idade para as tarefas, eram caracterizadas por fases (MARCÍLIO, 1998).

Em 1890, o sistema judiciário brasileiro é reformado, tomando o lugar do Código Criminal do Império. Essa reforma autentifica a adoção no Código através do Decreto nº 847. O mesmo Código Penal isentava menores de 9 anos completos de serem responsabilizados por crimes. Quanto as crianças de 9 anos completos até os 14 anos, eram levadas para ambientes disciplinares industriais, quando comprovado alguma infração. No século XX era bem comum usar como intuito a organização social para combater a criminalidade, encaminhar essas crianças e jovens das ruas para estabelecimentos especiais (MARCÍLIO, 2006).

Com a ascensão do Liberalismo, começa a ser constatado a importância que as crianças terão como protagonistas de um futuro melhor. A proclamação da República trouxe um novo olhar em torno da infância, de forma mais afetiva, e entre esses olhares diferenciados, surgiram as primeiras medidas em 16 de novembro de 1889, que favoreciam as crianças e jovens, como a remuneração pelos serviços prestados, a redução da jornada de trabalho e a extinção dos castigos físicos, até antão usados como punição, ao menos no campo normativo (RAMOS, 2014).

Ainda, de acordo com Ramos (2014), nessa mesma época, a influência do positivismo acabara desprezando e excluindo a população pobre, alegando estar em nome da Bandeira “Ordem e Progresso”, tornando ainda maior o abismo entre as classes.

Para Durkheim a sociedade acaba se fortalecendo com a solidariedade, porém, a solidariedade para ele significa vínculo social e elementos que formam determinados grupos que compartilham os seus valores, regidos sobre normas que favorecem determinadas classes, onde são observados apenas os fatos, sem levar em conta o contexto geral e suas consequências (DURKHEIM, 1895).


3 AS IMPOSIÇÕES DO PERÍODO

É no início fim do século XIX que surgem também as primeiras escolas em algumas localidades no Brasil, onde eram divididas entre instituições religiosas que atuavam em âmbito geral, e instituições privadas destinadas apenas para as crianças da elite. Um dos motivos da criação dessas escolas foi para evitar que as crianças e jovens ficassem pelas ruas ou espaços públicos, sem ter o que fazer, caracterizado como “vadiagem”, evitando o aglomero e a possível prática de algum resquício cultural, como a capoeira que foi proibida na época (DEL PRIORE, 2000). Cumpre salientar que o “Código Criminal de 16 de dezembro de 1830 estabeleceu a imputabilidade em quatorze anos” (RAMOS, 2014).

A herança do período deixou traços que são percebidos até os dias atuais em relação à divisão das classes e hierarquia. O trabalho escravo também se estendeu ao longo de todo o período, onde mesmo após a alforria, a elite continuara a usar os serviços de modo exploratório para garantir seu bem-estar, sendo tanto em tarefas domésticas, quanto outros trabalhos que favorecessem as elites. As colônias militares utilizavam o trabalho como forma de educação, as pessoas eram educadas para a salvação através do trabalho (MARCÍLIO, 2006).

No século XIX, entre 1904 e 1916, os crimes comedidos por “menores” estavam relacionados como, desordem, vadiagem, embriaguez e furtos. Já em Regime Republicano, os legisladores criaram um novo Código Penal que substituísse o de 1831, tendo em vista a realidade mais coerente em relação à época. Em 1890, então sai a versão, porém pouco modificada em relação ao Código anterior. Apesar de constar que "não se julgarão criminosos menores de 14 anos" (DEL PRIORE, 2000, p. 216), havia uma ressalva que afirmava o julgamento de todas as idades, caso comprovado discernimento sobre o ato.

Ainda no século XX, devido a superlotação dos institutos disciplinares, o Governo criou a instituição pública de recolhimento. Em 1902, a Lei 844 autoriza o enclausuramento de crianças e adolescentes que cometiam infração penal no instituto de correção, sendo que permaneceriam até os 21 anos. Esses jovens reclusos, deviam realizar atividades físicas, assistir às aulas, tinham instrução militar e trabalhavam em lavouras (MARCÍLIO, 2006).

Somente em 1919, com o surgimento do Departamento Nacional da criança, e início da filantropia, foram questionados os rigores das penas em relação a estes. Com a aprovação do Código de menores (1927), é sugerido que a justiça atue como forma de recuperação dessas crianças e adolescentes e não mais com caráter punitivo. Até o ano de 1960, o Estado assume sua responsabilidade em relação à criança e adolescente e desenvolve alguns projetos como: Serviço de Assistência ao Menor e posteriormente a Funabem (MARCÍLIO, 2006).

Em 1923, é regulamentada a organização geral da assistência social, sendo um dos primeiros passos para proteção à crianças e aos jovens. Segundo CORRÊA (2009):

No Brasil, o que se decretou foi um Código de Menores, em 1927, do qual constava a proibição do trabalho de crianças até 12 anos e sua impunidade até os 14 anos. Dos 14 aos 18 anos, as crianças poderiam ser internadas em ‘estabelecimentos especiais’ e dos 18 anos em diante seriam puníveis pelos crimes cometidos.

O Código Penal do Império passou também a interpretar como crime o abandono de incapazes, e em 1927 surge como Código de Menores. Iniciam também nessa época as primeiras reinvindicações sobre as péssimas condições de trabalho, em especial para as crianças, questionadas no Tratado de Versalhes, posteriormente criada a Organização Internacional do Trabalho.

O discurso da assistência e da proteção aos menores desvaídos e o Código de Melo Matos, de 1927, definiram um novo projeto jurídico e institucional, voltado para os menores, não punitivo, recuperador, disciplinar, tutelar e paternal. (MARCÌLIO, 2006, p. 222).

Em 1938, surge o Serviço Social de Menores e o Conselho Nacional de Serviço Social, com parâmetros no Código de Mello Mattos. O Serviço de Assistência ao Menor, que foi criado em 1941, atua de forma mais abrangente, trabalhando então um atendimento psicossocial, com intuito de devolver os jovens para a sociedade dentro de padrões considerados corretos. Esse modelo não obteve o resultado esperado e então em 1964, foi substituído pela Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). Esse segundo, também foi bastante criticado por não conseguir desenvolver práticas que realmente acabassem com o problema social que havia se estabelecido (MARCÍLIO, 2006).


4 O REGRESSO DO DIREITO DURANTE A DITADURA

Durante a ditadura militar em 1967, surge a Lei 5.258, reduzindo a idade de inimputabilidade, que até então era de 18 e novamente passa para 14 anos de idade. A alteração não parou por aí, sendo que as punições tornaram-se ainda maiores para os jovens, e ainda dentro da teoria de discernimento, não eram considerados sujeitos de Direito, denominados incapazes e assim sendo julgados, na maioria das vezes, de forma injusta, por um Juiz representante do Estado Maior (FOUCAULT, 1996).

Segundo Foucault (1996), o código de menores era usado apenas para moldar os jovens dentro de um padrão útil à sociedade, sendo que além da coerção, o afastamento do mundo que conheciam era considerado um método eficaz para atender a esse propósito.

Ramos (2014), explica que essa decisão tomada em 1967 foi considerada um retrocesso para o Brasil, e mostrou ser ineficaz para solucionar os problemas enfrentados, tais como pobreza, estagnação do desenvolvimento e violência.

No ano de 1979, considerado o ano da criança, aprovou-se o Código de Menores e os anos seguintes se deram com muitos movimentos em prol das crianças e adolescentes. O surgimento de movimentos e organizações como o Movimento dos meninos e meninas de rua, a Ordem dos Advogados do Brasil, sindicatos e organizações religiosas e comunitárias, foram essenciais para o avanço em relação ao Direito da criança e do adolescente (MARCÍLIO, 2006).

Após a Constituição da República Federativa do Brasil (1988) e tantas lutas buscando reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direito, a partir do ano de 1990, acreditou-se que o problema havia sido resolvido.

Essa mudança é significativa, pois considera, a partir de agora, que crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento e sujeitos de direitos, independente de sua condição social e a lei deverá respeitar essa condição. (LIBERATI, 2006, p. 27).

O maior avanço em relação ao Direito da Criança e do Adolescente aconteceu então em 1988 com a Doutrina da Proteção Integral, tornando crianças e adolescente sujeito de direito. Com a promulgação da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, passa a ser assegurado o Direito a educação, saúde, atividades recreativas, entre outras questões que foram avaliadas como essenciais para nossas crianças e jovens (RAMOS, 2014).

O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 diz que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Porém, apesar de tantas conquistas legais, o tema Direito da criança e do adolescente ainda vem ganhando espaço nas principais discussões ao redor do mundo. Esses direitos estão garantidos em Lei pela Constituição Federal no artigo 227 e também nos artigos 1º e 3º do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Quanto aos Direitos especiais, estão garantidos no artigo 227 da Constituição Federal e no artigo 5° do ECA (CUSTÓDIO, 2008).

Corroborando com a teoria da proteção integral, busca-se na teoria de Vygotsky (1996) ao afirmar ser possível compreender os processos sociais e individuais, cognitivos e afetivos, de forma dialética, em que sujeito e ambiente não são dicotômicos, mas fazem parte de uma mesma construção. As estruturas sociais e mentais têm raízes históricas, dessa maneira, ambas são construídas e sofrem influência da cultura na qual estão inseridas. Esta influência está presente na forma como os indivíduos significam sua realidade.

Para Vygotsky (1996), a sociedade é, portanto, responsável por impor valores, padrões e normas sociais vigentes.

Para Rousseau, em seu famoso discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, alega que a influência do meio é determinante para que o homem entenda o que vem a ser uma necessidade. Ele usa como exemplo as crianças abandonadas em florestas e que passaram a conviver com animais, adaptando-se com o estilo de vida daquele grupo, incluindo a forma de se comunicar, andar e comer (ROUSSEAU, 1750 apud OLIVEIRA, 1989).

Por necessidade ou por conscientização, as crianças e os adolescentes passam a fazer parte do contexto histórico agora sendo entendidos como sujeitos de Direito e não mais sendo meros expectadores (MARCÍLIO, 2006).


5 O DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) surgiu como marco na evolução do Direito, instituído pela Lei 8.069, em 13 de julho de 1990, após a Constituição de 1988 e tem como objetivo a garantia da proteção integral. (Lei nº 8.069 de 1988). “Fruto da luta da Sociedade, o ECA veio garantir a todas as crianças e adolescentes brasileiros a atenção, proteção e cuidados especiais para se desenvolverem e se tornarem adultos conscientes e participativos do processo inclusivo” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008 p.7).

A Teoria da Proteção Integral passou a auxiliar em todos os processos colocando como responsáveis, por garantir os “Direitos Fundamentais” da criança e do adolescente, a família, a sociedade, a comunidade e o poder público. Os Direitos fundamentais correspondem à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, convivência com a família e comunidade, cultura, esportes, respeito, liberdade e dignidade. Como responsáveis por garantir esses direitos estão a União, os Estados e os Municípios (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008).

O Art. 4º da Lei 13.257/2016 reafirma que a família, a comunidade, a sociedade e poder público devem assegurar que esses direitos sejam garantidos, sendo válido para todas as crianças e adolescentes, independente de sexo, raça, etnia, situação familiar, etc.

Ainda, referente ao art. 5°, destaca-se que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, sendo que a pessoa será punida por Lei, tanto em relação a desrespeitar esses direitos, quanto se for omisso.

O art. 11° do ECA (1990) refere-se sobre o Direito a vida e a saúde, “é assegurado o atendimento integral da criança e do adolescente, por intermédio do SUS, garantindo o acesso universal e igualitário as ações e serviços, para promoção, proteção e recuperação da saúde”

A Liberdade, respeito e dignidade são assegurados no art. 18° onde diz que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”

O art. 19° do ECA (1990) garante a convivência familiar e comunitária, sendo que, “toda criança ou adolescente tem o Direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”.

No que tange o Direito à Educação, lazer, esportes e cultura estão assegurados conforme os artigos 53 e 59 do ECA. “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento da sua pessoa” (Ministério da Saúde, 2008, p 20), e também “os municípios com o apoio dos Estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer.” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008, p 21).

Quanto à profissionalização dos jovens e proteção ao trabalho, o ordenamento constitucional estabelece a proibição abaixo dos 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir do 14 anos.

Como responsáveis por garantir esses Direitos à criança e ao adolescente estão a União, os Estados e os Municípios, sendo através de ações como a criação de conselhos, com programas de proteção e programas socioeducativos para jovens. Essas ações são fiscalizadas pelo Judiciário, Ministério Público e Conselho tutelar (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008).

Segundo o Art. 98 da Constituição de 1988, “as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis quando os Direitos descritos nessa Lei forem violados:

I - pela sociedade ou do Estado;

II – quando há falta, omissão ou abuso dos responsáveis;

III – Em relação à conduta.

A responsabilidade é de todos, da família, da sociedade e Poderes Públicos, nos termos do caput do art. 227 da Constituição da República de 1988 – pela implementação das estruturas e o desenvolvimento que assegurem o desenvolvimento pessoal e social da criança e do adolescente, inc. VII do art. 88 da Lei 8.069/90. Esses direitos englobam as políticas sociais básicas e de assistência social.

A participação popular através de Conselhos Tutelares e de Conselhos dos Direito, devem atuar garantindo direitos na formulação e na execução de políticas sociais públicas na promoção da infância e da adolescência. (Art. 266 da Lei 8.069/90). Os Conselhos Tutelares são órgãos públicos responsáveis por zelar e garantir os direitos das crianças e adolescentes. Já o Conselho de Direito da Criança e do Adolescente é um órgão deliberado com participação da população e que atua em esferas nacionais, estaduais e municipais, seguindo planos conforme art. 260 da Lei n° 8.069/90 (CUSTÓDIO, 2008).

No caso de abusos ou omissão comedidos pelos responsáveis, será avaliado pelos órgãos responsáveis, com quem deverá ficar a guarda das crianças ou, caso aja a necessidade, serão encaminhadas a um local seguro e que possam ser garantidos seus direitos.

No último caso, em relação à conduta, a Lei 12.010 de 2009 fala sobre a proteção integral e prioritária, onde deve ser voltada à crianças e adolescentes, garantindo a efetivação dos direitos assegurados aos mesmos por esta Lei, onde a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses de crianças e adolescentes (INCLUÍDO PELA LEI Nº 12.010, de 2009).

A mesma Lei garante o direito à privacidade de imagem e caso necessário, que haja intervenção, devido a algum risco proeminente, e que seja a mínima possível realizada por um órgão competente, onde a criança e adolescente possam ser acompanhados e os pais informados em relação ao seu dever paternal, sobre a reintegração no seio de sua família. O Art. 101 da Constituição Federal de 1988 descreve como sendo as ações mediante às medidas de proteção:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; (Lei n º 13.257 de 2016)

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII - acolhimento institucional;

VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;

IX - colocação em família substituta.  (Lei º 12.010 de 2009);

XII - oitiva obrigatória e participação: a criança e ao adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente. (Lei º 12.010 de 2009). 

Quanto ao acolhimento institucional e o acolhimento familiar, são medidas tomadas em casos extremos, podendo ser provisório e não implicando privação liberdade e sem causar prejuízo a criança. O afastamento da família só acontece em casos extremos, para proteção da criança ou adolescente, conforme pedido da autoridade judiciária regente. Nesses casos, a família também é orientada a participar de programas de apoio para que futuramente haja a possibilidade de reintegração da família, e quando o convívio familiar não for mais possível, o Ministério Público destitui a guarda do menor de 18 anos (LEI Nº 12.010 de 2009). 


6 ATO INFRACIONAL

O Ato Infracional está definido a partir do Art. 103 do ECA (1990), caracterizado por conduta descrita como crime ou contravenção penal, levando em conta a idade da criança ou adolescente na data em que o ato foi praticado, sendo para crianças até 12 anos, aplicada apenas medidas de proteção e adolescentes menores de 18 anos correspondem às medidas de proteção e socioeducativas.

Em relação aos direitos individuais, o capítulo II do ECA informa que o adolescente não poderá ser privado de sua liberdade, exceto em casos de flagrante, sendo julgado por órgãos competentes em até 45 dias tendo indícios e com base no grau da infração comedida. O adolescente apreendido, o responsável legal e a autoridade competente, devem ser informados de seus direitos.  

As garantias processuais do ECA (1990) estabelecem que nenhum adolescente seja privado de sua liberdade sem julgamento, lhe assegurando:

I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente;

II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;

III - defesa técnica por advogado;

IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;

V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;

VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.

Entre as medidas socioeducativas previstas no capítulo IV no Art. 112, destacam-se as seguintes: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Em caso de comprovação de deficiência mental, aplica-se o disposto nos artigos 99 a 112, onde mostram que as medidas podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa, sendo que receberão tratamento individual e especializado.

Mediante o ato infracional, o Art. 125 do ECA informa que é obrigação do Estado zelar pela integridade física e mental do adolescente autor de ato infracional.

Quanto à remissão, ela pode ser concedida antes mesmo do processo ser julgado, o ministério público poderá excluí-lo com base nas circunstâncias, contexto social e personalidade do adolescente.

O Art. 129 (ECA, 1990), trata de medidas pertinentes aos pais ou responsáveis onde são aplicáveis:

I - encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016);

II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;

IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;

V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar;

VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;

VII - advertência;

VIII - perda da guarda;

IX - destituição da tutela;

X - suspensão ou destituição do poder familiar. (Lei nº 12.010, de 2009).

O Art. 171 até o Art. 175 (ECA, 1990), relatam quais as consequências em relação ao ato infracional, cometido pelo adolescente.

Esse adolescente apreendido em ordem judicial deverá ser encaminhado à autoridade jurídica e quando apreendido em flagrante à autoridade policial.

Quando o flagrante estiver ligado à violência ou ameaça grave, a autoridade policial ficará responsável por lavrar o auto de apreensão após ouvir as testemunhas e o próprio adolescente, ou registrar o boletim de ocorrência, e em casos de provas, apreender os objetos ou instrumentos e solicitar perícia (LEI Nº 12.010 de 2009).

Art. 174. Comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será prontamente liberado pela autoridade policial, sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo impossível, no primeiro dia útil imediato, exceto quando, pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública. (Lei º 12.010 de 2009).

Todas as medidas socioeducativas ou as medidas de proteção são tomadas quando há comprovação do ato infracional cometido por crianças até 11 anos de idade ou adolescentes de 12 a 17 anos, quando houve desrespeito às Leis ou a ordem pública. Essas medidas garantem o acompanhamento e também que os órgãos responsáveis tomarão medidas corretas, para que de fato, seja aplicada de forma educativa e não punitiva. Quando o ato infracional for cometido por menores de 12 anos, o Conselho Tutelar é o órgão responsável pelo atendimento e proteção. No caso da infração ser cometida por jovens, a Delegacia da criança e do adolescente fica responsável por levar a diante as informações até a Justiça, onde o caso será analisado dentro do Estatuto da Criança e do Adolescente e previamente julgado (LEI 8.069/90).


7 REDUÇÃO DA IDADE PENAL: UMA VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

A Câmara dos Deputados aprovou em 1º turno a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, nos casos de crimes hediondos. Assim como parte dos governantes, uma parcela da população também é contrária ao projeto.

Em meio a tanta discussão na PEC 171/93, é possível encontrar muitas pessoas influentes discutindo sobre o tema, sendo que cada um, busca justificar sua opinião com base em dados sobre a violência que assombra o país. O que difere essas opiniões é a maneira como cada pessoa atribui a responsabilidade sobre o aumento da violência.

Entre tantas opiniões, encontramos artistas, juristas, políticos, entre outros, que já se manifestaram publicamente, em revistas e redes sociais, contra ou a favor da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos (PEC 171/93).           

O Promotor de Justiça do Departamento da Infância e Juventude de São Paulo, Fábio José Bueno, é a favor, como mostra sua fala:

Eu sou favorável à redução da maioridade penal em relação a todos os crimes. Em 1940, o Brasil estipulou a maioridade em 18 anos. Antes disso, já foi 9 anos, já foi 14. Naquela época, os menores eram adolescentes abandonados que praticavam pequenos delitos. Não convinha punir esses menores como um adulto. Passaram-se 70 anos e hoje os menores não são mais os abandonados. (PORTAL G1, 2015)

O Juiz da Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal Renato Rodovalho Scussel é contrário e afirma:

O que, a princípio, parece justo pode acarretar injustiça por não se tratar de um critério objetivo. Se a conduta for considerada crime, o jovem poderá ir para a prisão. Situações como essa geram insegurança jurídica e trazem consequências graves, até irreversíveis, para a ressocialização do jovem. (PORTAL G1, 2015).

O Defensor público e coordenador do Núcleo de Execução de Medidas Socioeducativas do Distrito Federal, Paulo Eduardo Balsamão, relata: "contraditoriamente, nos dias atuais, em que a humanidade desfruta do maior desenvolvimento científico, pretende-se adotar o retrocesso, fundado principalmente no medo da violência e sensação de impunidade. Ao invés de atacar a causa, atua-se sobre o efeito”. (PORTAL G1, 2015).

A favor da redução da maioridade penal, Aloysio Nunes Ferreira destaca que: “nos casos de excepcional gravidade, é preciso uma punição mais eficaz ao menor infrator do que aquelas preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.” (PORTAL G1, 2015).

Maria Do Rosário em seu discurso mostra que:

A redução da maioridade penal poderá, na prática, ampliar a violência. O sistema de privação de liberdade em unidades específicas para adolescentes tem um índice de reincidência da ordem de 20%. Significa colocar à mercê de violências e crueldades quem está mais desprotegido.” (PORTAL G1, 2015).

O que se pode perceber é que essa retórica vem de encontro a interesses políticos e interesses pessoais, onde tentam transformar a redução da maioridade penal em um interesse coletivo, sem mostrar a realidade por traz dessa decisão, trazendo um retrocesso aos Direitos Humanos conquistados.

Algumas personalidades conhecidas também se manifestaram contrários a PEC nas redes sociais, com Chico Buarque ao expor que "o ódio já se manifestou. Agora é a vez da cultura dizer que é contra a redução da maioridade penal."

A redução da maioridade penal e o alijamento desses adolescentes de nossa sociedade, para colocá-los na cadeia, não será a solução. A reincidência de encarceramento nas prisões para adultos é de 70%, enquanto que no sistema socioeducativo é inferior a 20%. Acho que vale a pena fazer uma leitura solitária do problema e não ficar apenas indo atrás de frases feitas, nas quais a questão é resumida e simplificada quando, na verdade, ela é muito complexa". (Lázaro Ramos, 2015)

Hoje, quando acordei, eu vi que, embora não tivesse passado, numa manobra durante a madrugada, na Câmara passou a redução da maioridade penal. Eu sou contra. (Caetano Veloso, 2015).

Ainda avaliando as diferenças sociais entre os jovens brasileiros, o índice que avalia a vulnerabilidade juvenil, a violências e a desigualdade racial, apresenta um dado alarmante sobre as maiores vítimas dentro desse contexto. “A prevalência de jovens negros serem mais vítimas de assassinatos do que jovens brancos é uma tendência nacional: em média, jovens negros têm 2,5 mais chances de morrer do que jovens brancos no país”. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2015, p. 21).

Existe uma mitologia que toda esta violência que está fora de controle, pode acabar adotando medidas de urgência, sendo a redução da maioridade penal, a principal proposta, pois o adolescente autor de ato infracional poderia ser responsabilizado com a pena que equivalesse ao crime cometido (NORONHA, 2009)

Para Rogério Greco (2008), apesar da inserção no texto de nossa Constituição Federal, não impede, caso haja vontade da população “de ser levada a efeito tal redução, uma vez que o mencionado art. 228 não se encontra entre aqueles considerados irreformáveis, pois que não se amolda ao rol das cláusulas pétreas I a IV, do art. 60 da Carta Magna” (GRECO, 2008, p 400).

Para NUCCI (2007), essa medida não pode ser revogada, mostrando-se contrário também à redução da maioridade penal.

Segundo Ramidoff (2011), especialista em direito da criança e do adolescente, a medida é socioeducativa porque tanto a criança como o adolescente que comete o ato infracional, não possuem total responsabilidade, sendo a medida diferenciada e garantindo a proteção. (LEI Nº 8.069/90, 1990).

A aplicação das medidas legais socioeducativas destinadas tão somente ao adolescente - respectivamente, artigos 101, 103, 105 e 112, do Estatuto da Criança e do Adolescente - funciona como limitação da intervenção estatal, ainda que, para a responsabilização diferenciada socioeducativa" (RAMIDOFF. 2008, p. 390).

A inimputabilidade penal impede que o adolescente seja responsabilizado, tanto pela idade, quanto pela inexistência de capacidade psíquica para a culpa – art. 26 do Código Penal. Já a medida de segurança, mostra um parecer de periculosidade, onde a quantidade de crimes deve ser levada em conta para a decisão judicial sobre a especificação de qual medida socioeducativa deverá ser cumprida pelo adolescente. (ART. 121 DA LEI N° 8.069/90).

Já Ramidoff (2011) afirma que “o adolescente a quem se atribui a prática de uma ação conflitante com a lei (ato infracional) está submetido às regras estabelecidas pelas Leis de Regência, isto é, pela Constituição da República de 1988 (art. 227); Lei n. 8.069/90 (ECA); e a Lei n. 12.594/2012 (Lei do Sinase)”.

“No caso de adolescentes que apresentam incapacidade psíquica, a Lei n. 10.216/2001 (Lei Paulo Delgado) trata especificamente da proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais”. (RAMIDOFF. 2011, p. 104).

FOUCAULT (2009) aborda as medidas punitivas como sendo boas apenas para os governos, onde buscam tornar-se o jovem útil aos interesses produtivos da sociedade: “o importante é apenas reformar o mau... Uma vez operada essa reforma, o criminoso deve voltar à sociedade.” (LUCAS apud FOUCAULT, 2009, p. 231).

A Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) permanece desconhecida pela maioria da população. Ano após ano, se busca a melhoria da qualidade de vida individual e coletiva da criança e do adolescente, desde a criação do ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, há 23 anos. O ECA visa assegurar a manutenção dos limites estabelecidos a intervenção em todos os casos necessários, garantindo a essas crianças e jovens que sejam sujeitos de direito (LEI 8.069 DE 13 DE JULHO DE 1990).

Segundo Ramidoff (2008), os dados em relação aos atos infracionais cometidos por adolescentes não chegam a 6% da violência social urbana, mas a redução da maioridade penal poderá satisfazer o sentimento de vingança de certa parcela da sociedade, mas envergonha todas as conquistas humanitárias atribuídas ao regime democrático.

A Teoria da Proteção Integral que se estabeleceu como referencial na luta dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, está sendo ameaçada com a aprovação da PEC 171/93, que aprova a redução da maioridade penal para 16 anos. O que se mostra, é a grande vontade de tirar o adolescente infrator do convívio da sociedade, esquecendo-se de direitos como a integralidade e as políticas sociais para qualidade de vida, que na grande maioria das vezes, o adolescente não tem acesso.

 Para Veronese (1999) é necessário fazer-se cumprir as regras de “Direito da Proteção Integral” e a sociedade entender sua responsabilidade e papel dentro do contexto social das nossas crianças e adolescentes. Com a redução da maioridade penal, teremos uma ruptura nas conquistas até então alcançadas, sendo desconsiderado um direito adquirido (VERONESE, 1999).


8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se pode perceber, entre tantos dados e informações, é que desde o início da história nossas crianças e adolescentes vêm sofrendo com o descaso e abandono por parte daqueles que deveriam ser responsáveis por garantir a integridade desses jovens, simplesmente por não serem reconhecidos como sujeitos de direitos. O fato é que a infância não é entendida como uma etapa da vida que merece atenção diferenciada e respeito, e sim como um processo de aprendizado para a vida adulta.

Há muitos anos nos vemos divididos em opiniões sobre o quanto essas crianças e adolescentes devem ser responsabilizados por seus atos, e o discurso de grande parte da população que concorda com medidas “punitivas”, é que essa é a única forma de se tornarem cidadãos de bem, sem levar em conta todo contexto social que estão inseridos e todos os direitos que lhes foram privados. A mídia também influencia de certa forma para que as pessoas queiram “ter” o que se mostra como essencial, simplesmente para ser aceito e visto pela sociedade, algo bastante comum, principalmente para as classes mais pobres que são ignoradas, parecendo invisíveis aos olhos de muitos.

É claro que a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do adolescente vieram como grandes marcos na evolução do Direito, mas ainda caminhamos vagarosamente, e em alguns momentos, perece que vamos retroceder diante de uma sociedade que busca solução imediata para tantos problemas, que vêm se arrastando durante anos de desigualdade, preconceito e má administração do dinheiro público.

Para essa parcela da população, o meio mais rápido e eficiente de garantir que não serão impedidos de crescer economicamente e de estar em segurança, é afastar ou tirar do caminho esses jovens que não contribuem para seu enriquecimento. Entende-se então, que aquele menor infrator, acima de 16 anos e que já possui discernimento total de seus atos, deve ser penalizado dentro dos rigores da lei, privando sua liberdade, quando cometer alguma infração, sem levar em conta que aquela criança ou adolescente foi privada de tantos outros direitos que a própria Legislação entende como essencial à vida.

As pessoas que sustentam a opinião sobre a redução da maioridade penal não percebem que esse fato não é novo. Em 1967, durante o período da ditadura, houve a redução da maior idade para 14 anos e foi considerado um dos maiores retrocessos da humanidade. Fazendo uma analogia, o que não se percebe é que os problemas que relacionam esses jovens como a violência, drogas, entre tantos outros sintomas, não mostram de fato a doença, ou seja, querem tratar apenas os problemas isoladamente, sem pesquisar a verdadeira causa. O que isso pode resultar? É como ministrar um remédio para aliviar a dor de forma rápida e eficiente, apenas para fazer com que parte das pessoas se sintam bem, porém um grande tumor continua crescendo e mais cedo ou mais tarde, tudo estará tomado.

Definitivamente, pode-se concluir que a redução da maioridade penal terá efeito “placebo”, ou seja, as pessoas podem até pensar que estão tomando a medida correta, mas não passa de tratamento apenas para efeito psicológico.


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Autor


Informações sobre o texto

Artigo apresentado ao Curso de Especialização em Educação, diversidade e redes de proteção social – UNESC, como requisito parcial para obtenção do título de especialista, sob orientação do prof. Dr. Ismael Francisco de Souza.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUBAVY, Andreza. Redução da maioridade penal: placebo para sociedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4974, 12 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54561. Acesso em: 25 abr. 2024.