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Parecer sobre contratação pela Administração Pública de assessoria jurídica por inexigibilidade de licitação

Parecer sobre contratação pela Administração Pública de assessoria jurídica por inexigibilidade de licitação

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Apresentamos parecer favorável à contratação, por entes públicos, com vinculação à Lei 8.666/93, de serviços de assessoria jurídica por inexigibilidade de licitação.

"O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei." ( Art. 133, caput, Constituição Federal de 1988).

Relatório

O presente parecer tem por escopo a possibilidade de contratação de serviços de assesoria jurídica pela Administração Pública por inexigibilidade de licitação, nos moldes da Lei 8.666/93 e de todo o arcabouço normativo vigente.

Do Direito

A contratação por parte da Administração Pública para a prestação de serviços deve ser, em regra, precedida de procedimento licitatório, que atenderá o interesse público e acatará a proposta mais vantajosa. A Constituição Federal de 1988 determina em ser artigo 37, XXI, que: 

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (grifei).

Faz-se mister a observação da frase inaugural do supracitado comando constitucional, que garante  vinculação à excepcionalidade na contratação por parte de Administração Pública. A legislação proverá requisitos para a contratação sem a obrigatoriedade da realização de Licitação.

A Lei 8.666/93 que regulamenta a determinação constitucional da realização de Licitação para as contratações por parte da Administração Pública traz em seu artigo 25, caput, que "É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição", consolidando, dessa forma, por meio de inexigibilidade, o reconhecimento de requisitos que viabilizam a contratação sem prévio procedimento licitatório.

A inexigibilidade de Licitação deve estar consubstanciada pela declaração de singularidade da prestação do serviço técnico em questão, justificando a impossibilidade da competição entre pretensos prestadores. Celso Antonio Bandeira de Mello faz feliz pontuação: 

[...] Todos estes serviços se singularizam por um estilo ou por uma orientação pessoal. Note-se que a singularidade mencionada não significa que outros não possam realizar o mesmo serviço. Isto é, são singulares, embora não sejam necessariamente únicos. [...] (MELLO, C.A.B. de., CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 21º edição, Malheiros editores, 2006, São Paulo.).

O entendimento doutrinário clareia a ideia de singularidade, diferindo do conceito de unicidade do serviço. Neste cenário surge a imagem da assessoria jurídica como prestação de serviço de natureza singular e específica, atendendo às exigências legais que ensejam a inexigibilidade, independentemente da existência de um quantitativo elevado de possibilidades. Sobre isso, continua Bandeira de Mello (2006):

[...] Embora outros, talvez até muitos, pudessem desempenhar a mesma atividade científica, técnica ou artística, cada qual o faria à sua moda, de acordo com os próprios critérios, sensibilidade, juízos, interpretações e conclusões, parciais ou finais, e tais fatores individualizadores repercutirão necessariamente quanto à maior ou menor satisfação do interesse público. [...] (p.526)

A prestação de serviço de assessoria jurídica caracteriza-se como serviço técnico de natureza singular, que visa subsidiar ações administrativas e reúne, em acepção interpretativa da legislação vigente, condições de atendimento aos requisitos da inexigibilidade. Tendo em vista o posicionamento doutrinário, faz-se adequado o entendimento de que dada a diferenciação entre singularidade e unicidade, o poder discricionário da Admnistração é adequado para a escolha mais compatível com o interesse público.

No sentido de reconhecer a natureza singular da prestação de serviço de assessoria jurídica, a Jurisprudência posiciona-se:

Ação Civil Pública - Ato de improbidade administrativa - Contratação de advogado por autarquia municipal para discussão em juízo de determinado preço público, cobrado pelo fornecimento por terceiro de água a Guarulhos no atacado - Prestação de serviços de natureza singular - Notória especialização do profissional - Validade de contrato firmado sem prévia licitação - Violação do art. 37, caput e inc XXI da Carta Federal cc. os arts. 25, 11 e 13, V, da lei n. 8.666/92. - Inexistência. .

(TJ-SP - AG: 7710865800 SP, Relator: Alves Bevilacqua, Data de Julgamento: 21/10/2008, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 05/11/2008)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS - INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO - ESPECIALIZAÇÃO E SINGULARIDADE DO SERVIÇO - CARACTERIZAÇÃO - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, MORALIDADE E IMPESSOALIDADE - SENTENÇA REFORMADA. - Nos termos dos artigos 25, inciso II, e 13, inciso V, da Lei 8.666/93, não é qualquer serviço que pode ser diretamente contratado pela Administração, mas apenas aqueles que são, concomitantemente, técnicos e especializados, de natureza singular e prestados por profissional ou empresa de notória especialização. - Demonstradas a notória especialização do profissional contratado, bem como a singularidade do serviço técnico prestado, não há que se falar em violação dos princípios reitores da Administração Pública ou em ato de improbidade administrativa. v.v. EMENTA: Apelações cíveis. Ação civil pública. Contrato de prestação de serviços advocatícios. Ilegitimidade passiva ad causam. Inocorrência. Singularidade dos serviços contratados. Prova existente. Dispensa regular de licitação. Conduta ímproba não configurada. Utilização indevida de equipamento da Prefeitura Municipal. Ausência de comprovação. Primeiro recurso provido. Segundo recurso não provido. 1. O legitimado para a causa é aquele que integra a lide como possível credor ou obrigado. Presente o envolvimento dos primeiros apelantes no conflito de interesses, eles são parte passiva legítima ad causam. 2. A especialização e a singularidade do serviço a ser contratado são requisitos indispensáveis para justificar a contratação direta de profissional ou escritório de advocacia, inviabilizar a competição e, consequentemente, dispensar a licitação, conforme dispõe a Lei nº 8.666, de 1993. 3. Presentes os requisitos, tem-se como regular a contratação com dispensa de licitação. 4. Ao autor incumbe o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito e ao réu o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito. Ausente a prova quanto ao apelado, não há como acolher a pretensão do Ministério Público. 5. Apelações cíveis conhecidas, provida a primeira para rejeitar a pretensão inicial em relação aos primeiros apelantes e não provida a segunda, rejeitada uma preliminar. (Des. Caetano Levi Lopes).

(TJ-MG - AC: 10095070006770002 MG, Relator: Caetano Levi Lopes, Data de Julgamento: 28/05/2013, Câmaras Cíveis / 2ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 10/06/2013)

Superados os questionamentos acerca da natureza singular da prestação da atividade de assessoria jurídica, urge citar a impossibilidade na comparação do serviço entre advogados, o procedimento licitatório deve existir, apenas, em competição possível, em grau razoável de comparabilidade. Tendo em vista que a advocacia não possui caráter mercantilista (não sendo dessa forma regulado pelo mercado), não há condição de prosseguimento de qualquer procedimento de análise objetiva da prestação do determinado serviço por parte da Administração.

Nos autos da Ação Penal 348 no Supremo Tribunal Federal, a ministra Cármem Lúcia massifica entendimento acerca da impossibilidade da análise objetiva nos casos de prestação de serviços de assessoria jurídica, em seu voto sustenta a ministra que : 

''Um dos princípios da Licitação, postos no art. 3º, é exatamente o do julgamento objetivo. Não há como dar julgamento objetivo entre dois ou mais advogados. De toda sorte, como verificar se um é melhor do o outro? Cada pessoa advoga de um jeito. Não há como objetivar isso. Este é o típico caso, como mencionou o Ministro Eros Grau, de inexigibilidade de licitação – art. 25 c/c art. 13."

O Tribunal por maioria dos votos firmou entendimento sobre ausência de fato típico em circunstâncias de contratação de advogados para prestação de serviço à Administração Pública por inexigibilidade de Licitação e declararam sua possibilidade administrativa.

Por toda a análise do entendimento doutrinário, jurisprudencial e da produção legislativa, manifesto é o entendimento de que é lícita a contratação de assesoria jurídica por inexigibilidade de licitação, tendo em vista a total observância dos requisitos do artigo 25 da Lei 8.666/93 e de todo o arcabouço normativo. A natureza singular da advocacia e a impossibilidade da qualificação mercantilista da função fundam alicerce à inviabilidade de competição, possibilitando a contratação de assessoria jurídica por inexigibilidade sem qualquer óbice legal.

É o parecer, salvo melhor juízo.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONSERVA, Mario Cesar da Silva. Parecer sobre contratação pela Administração Pública de assessoria jurídica por inexigibilidade de licitação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4944, 13 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/54839. Acesso em: 24 abr. 2024.