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A natureza jurídica da concessão para exploração de petróleo e gás natural

A natureza jurídica da concessão para exploração de petróleo e gás natural

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As questões relativas ao domínio do subsolo e ao regime jurídico da exploração dos recursos naturais somente evoluíram nas últimas décadas, estimulado pela heróica resistência das nações menos favorecidas economicamente.

1.Introdução

Desde a sua mais remota origem, a raça humana valeu-se sistematicamente dos recursos naturais para sobreviver e desenvolver-se ao longo da sua história. Mas, de todos esses recursos, as substâncias geradas no subsolo, metálicas e não-metálicas, constituíram as fontes básicas da evolução da moderna sociedade industrial.

Inúmeros fatos históricos demonstram que a influência política e econômica dos países desenvolvidos, decorrente do seu avanço científico e tecnológico, da sua capacidade de defesa interna e externa, e de outros aspectos igualmente relevantes esteve sempre vinculada a uma eficiente exploração dos recursos naturais disponíveis.

O desenvolvimento econômico das grandes potências hoje conhecidas teve início no Século XVIII, especificamente a partir da Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra, que, mais tarde, expandiu suas raízes por toda a Europa, pelos Estados Unidos e pelo Japão.

Mas, na verdade, as questões relativas ao domínio do subsolo e ao regime jurídico da exploração dos recursos naturais somente evoluíram e se consolidaram nas últimas décadas após um longo e árduo debate no cenário internacional, estimulado pela heróica resistência das nações menos favorecidas economicamente, como veremos a seguir.


2.O Princípio da Soberania Interna

A evolução da chamada Idade Moderna, cuja estrutura política foi originalmente organizada pelas monarquias nacionais que dominaram a Europa nos Séculos XVI e XVII, trouxe em seu bojo o conceito de soberania, sob a inspiração dos filósofos e pensadores que influenciaram o continente europeu naquele período.

Em 1625, o holandês HUGO GRÓCIO, em sua obra clássica "De Iure Belli ac Pacis", delineou o princípio político-jurídico do domínio eminente do Estado (facultas eminens), defendendo a idéia de que tal domínio deriva do atributo da soberania interna do Estado sobre os cidadãos, coisas (res) e bens existentes em seu território. A idéia do domínio eminente do Estado logo se expandiu por toda a Europa, transformando-se no mais importante fundamento do conceito de soberania.

Merece, entretanto, ser lembrado que o primeiro pensador que elaborou e definiu a natureza inalienável e imprescritível da soberania dos Estados foi o francês JEAN BODIN, em sua obra "Les Six Livres de la Republique", de 1576. A concepção básica de BODIN derivava, em parte, do pensamento de Aristóteles, segundo o qual o poder soberano deveria ser desvinculado do âmbito da Teologia, que sustentava a Teoria do Direito Divino como fonte do poder dos reis e imperadores. BODIN desenvolveu, também, uma distinção entre a esfera privada, constituída pela família e pela propriedade regidas pelo Direito Civil, e o âmbito do Estado como titular da soberania sobre as pessoas, coisas e bens que compreendem o que o autor intitulou de domínio público.

Mais tarde, JOHANNES ALTHUSIUS, em seu livro "Politica Mathodice", de 1610, deu prosseguimento ao trabalho de BODIN, organizando, de forma sistemática, as suas idéias originais. Esse notável pensador sustentava o princípio de que a soberania reside necessariamente no povo, como corpo real e histórico, e nos conceitos de território, idioma, costumes, religião e outros. Antecipando-se, inclusive, a HOBBES e a ROUSSEAU, ALTHUSIUS defendia a existência de uma série de contratos sociais no âmbito da Nação, dentre os quais o mais relevante é o que reconhece a estrutura efetiva e histórica do Estado como detentor do poder soberano (summa potestas), aspecto que o distingue de qualquer outro grupo social.

Assim, de acordo com o pensamento de GRÓCIO, BODIN, ALTHUSIUS e de seus seguidores, o Estado, sendo a mais relevante estrutura política criada pelo homem, detém a soberania interna, política e territorial, sobre todos os cidadãos, pessoas e bens em geral. A valiosa contribuição desses pensadores deu origem à doutrina da soberania, que, transformada no elemento-chave do Direito Constitucional, viria a alterar radicalmente o Direito Público, interno e externo, dos países contemporâneos.


3.A Conquista da Soberania sobre os Recursos Naturais

O momento histórico mais relevante, que consagrou definitivamente o domínio do Estado sobre os recursos naturais existentes em seu território, foi o ano de 1952, em que se iniciou na Organização das Nações Unidas um longo e penoso processo de proclamação da soberania nacional sobre tais recursos.

A Resolução nº 626, de 12 de dezembro de 1952, aprovada pela Assembléia Geral da ONU, foi o passo inicial desse processo, que atingiu, mais tarde, o seu ápice com a Resolução nº 1.803, de 14 de dezembro de 1962. O primeiro projeto da Resolução nº 626/52 dizia o seguinte:

"Considerando que as riquezas naturais dos países economicamente atrasados devem ser exploradas para realizar os planos de desenvolvimento econômico desses países, têm os mesmos o direito absoluto de dispor livremente de suas riquezas naturais, fato que, na maioria dos casos, não ocorre até o presente momento."

Os Estados Unidos manifestaram uma forte oposição a esse texto, motivo pelo qual foi o mesmo sensivelmente atenuado. Preservou-se, entretanto, na redação final, o objetivo básico do projeto primitivo, que ficou assim consignado: "a defesa do princípio da soberania e do direito (dos países) de dispor livremente das suas riquezas naturais para fins de desenvolvimento econômico, de conformidade com os interesses nacionais." Desse modo, a Resolução nº 626/52 da ONU transformou-se numa importante fonte de valor histórico e jurídico, cujos conceitos básicos se consolidaram, posteriormente, com o advento das Resoluções da ONU nº 1.314, de 12 de dezembro de 1958, e 1.515, de 15 de dezembro de 1960.

Mais tarde, a Resolução nº 1.803/62, aprovada pelo órgão máximo da ONU por uma grande maioria de votos (87 a favor, 2 contra e 12 abstenções), teve uma repercussão negativa entre os grandes grupos econômicos multinacionais, que logo perceberam a ruptura irreversível que essa deliberação iria provocar no sistema colonial então dominante em vários países produtores de matérias-primas naturais. Um aspecto marcante dessa Resolução, posteriormente reafirmado pela Resolução da UNCTAD nº 88, de 19 de outubro de 1972, é a cláusula que reconhece a nacionalização como forma de os países recuperarem os seus recursos naturais, fundados no exercício do seu poder soberano. A adoção dessa medida está, entretanto, condicionada à demonstração da sua utilidade pública e ao pagamento de uma prévia e justa indenização ao expropriado.

Por sua vez, a Resolução nº 2.158, de 25 de dezembro de 1966, ratificou o princípio da soberania das nações sobre os seus recursos naturais, conferindo-lhe o status de um "direito inalienável e imprescritível" e estabelecendo, ainda, que são nulos ou passíveis de reforma os contratos de concessão que, de algum modo, restrinjam a soberania nacional sobre tais recursos.

Nesse mesmo sentido, foram, em seguida, aprovadas pela Assembléia Geral da ONU as Resoluções nº 2.386, de 19 de novembro de 1968; 2.692, de 11 de dezembro de 1970; e 3.362, de 18 de dezembro de 1972, que eliminaram, de vez, as últimas restrições ao pleno exercício da soberania dos países sobre os seus recursos naturais.

Merece, também, destaque a Resolução nº 3.171, de 18 de dezembro de 1973, que estabeleceu as bases para a criação da Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI), cujo objetivo principal é o de conferir ao princípio da soberania o devido fundamento jurídico para que os países possam regular todas as atividades econômicas pertinentes à propriedade, à posse e à exploração dos seus recursos naturais. Essa Resolução declara, ainda, que a propriedade e o controle desses recursos devem ser integralmente submetidos ao poder do Estado como forma de assegurar o desenvolvimento econômico no interesse da comunidade nacional.

No ano seguinte, a Assembléia Geral da ONU aprovou a Resolução nº 3.281, de 12 de dezembro de 1974, que, juntamente com a Declaração da NOEI, estabeleceu a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, reiterando, mais uma vez, o princípio da soberania nacional sobre os recursos naturais, assim como sobre todas as atividades econômicas internas.

Finalmente, registre-se a Resolução nº 3.556, de 5 de dezembro de 1980, na qual a ONU proclama, como um dos objetivos da NOEI, "a soberania permanente e plena de todos os Estados sobre os seus recursos naturais e as suas atividades econômicas internas, uma vez que o desenvolvimento acelerado exige um controle eficaz por parte dos países sobre o uso de seus próprios recursos".

Vê-se, desse modo, como se desenvolveu a árdua luta das nações pela conquista definitiva da sua soberania interna sobre os recursos naturais existentes em seus territórios. Foi essa dura e longa jornada que transformou, progressivamente, o regime econômico que hoje regula a exploração dessas riquezas em quase todos os países que integram a comunidade internacional.


4.O Domínio do Subsolo: Sistemas Legais

Apresentamos, a seguir, um resumo dos sistemas legais historicamente adotados na regência da exploração dos recursos naturais do subsolo. A doutrina comparada é unânime em dividir tais sistemas em quatro modelos: o fundiário, o regalista, o dominial e o industrial.

a) O Sistema Fundiário.

O sistema fundiário, também chamado de regime da acessão, confere um domínio ilimitado ao dono do solo, inspirado na clássica concepção do Direito Romano que estendia o domínio privado sobre o imóvel usque ad coelos et usque ad inferos, sob o argumento de que o subsolo é apenas um acessório do solo e que, por isso, deve seguir a propriedade principal. Esse sistema, que vigorou no Império Romano até o final do século IV, referia-se, entretanto, apenas às substâncias rochosas (lapides) destinadas à construção civil, excluindo, expressamente, as jazidas de sal e as de minerais metálicos (metalla et salinaria), às quais já era aplicado um sistema diverso.

b) O Sistema Regalista (ou Regaliano).

Como o próprio nome indica, refere-se esse sistema aos direitos e privilégios que os antigos reis e imperadores reservavam para si mesmos. Segundo leciona o insigne jurista espanhol JOSÉ VILLAR PALASÍ, em sua obra "Naturaleza y Regulación de la Concesión Minera", esse sistema passou por diversas transformações no Direito Romano e no período do Renascimento. Todavia, a despeito das variações que assumiu nos países onde foi adotado, esse sistema preservou um ponto comum: a idéia de que a concessão implicava a transferência de um bem dominical para o particular, mas que a manutenção desse título dependia do pagamento pontual de uma taxa então conhecida por "regalia". Esse regime abrangia quaisquer substâncias geradas no subsolo, com exceção, no entanto, das jazidas de ouro, de prata e de sal sobre as quais era constituída uma "reserva legal", considerada como propriedade do Rei. O sistema regalista (ou regaliano) prevaleceu durante todo o período feudal.

c) O Sistema Dominial.

Uma vez superado o feudalismo, passou-se, então, a adotar o regime dominial, fundado no conceito de que os recursos naturais do subsolo constituem uma res communis, ou seja, um conjunto de bens pertencentes à Nação ou ao Estado. Esse sistema floresceu paralelamente ao surgimento dos conceitos político-históricos de nacionalidade e de soberania, e erigiu o seu modelo com base no princípio de que as jazidas existentes no subsolo, concedidas ou não, constituem uma res publica, ou seja, uma propriedade da Nação.

d) O Sistema Industrial (ou Liberal).

Assim como o sistema dominial corresponde ao período histórico do triunfo dos princípios da nacionalidade e da soberania, o regime industrial corresponde, por seu turno, ao período do surgimento da doutrina do Liberalismo. De acordo com esse sistema, as jazidas em geral, enquanto não conhecidas, são consideradas como res nullius, ou seja, não pertencem a ninguém, razão pela qual o direito de explorá-las será concedido àquele que primeiro descobrir e revelar a sua existência. Há registros históricos desse regime na Alemanha, no Século XII, e, mais tarde, na Espanha, na França e na Itália.


5.A Natureza Jurídica da Concessão Mineral

Após essas considerações preliminares, passamos a examinar o tema central deste estudo. Antes, porém, esclarecemos que, pelas razões que serão adiante expostas no item 10, a concessão para exploração dos recursos naturais do subsolo será doravante referida genericamente como concessão mineral ou minerária.

Inicialmente, vale registrar que alguns juristas europeus vêem a concessão mineral como um ato de império, motivo pelo qual alegam que os contratos dela derivados devem conter as chamadas cláusulas exorbitantes. Outros analistas tratam-na como um contrato especial entre a Administração e o concessionário, regido por normas e cláusulas mistas de Direito Público e de Direito Privado.

Segundo VILLAR PALASÍ, a concessão mineral é a investidura de um "direito exclusivo e excludente de aproveitar as substâncias minerais ou metálicas que constituem o seu objeto." Esclarece, ainda, o ilustre jurista que "não se trata de uma propriedade do solo, nem tão pouco dos minerais objeto da concessão. Não é, também, um usufruto do produto das minas, mas, sim, um direito de apropriação das substâncias minerais."

Por seu turno, observa FLORENTINO QUEVEDO VEGA, em seu magistral tratado "Derecho Español de Minas", que:

"A concessão administrativa é um ato da Administração em virtude do qual se cria sobre bens de domínio público, em favor de um particular, um direito subjetivo de uso, aproveitamento e exploração exclusiva. É um ato oficial ou de soberania dirigido à constituição de um direito real sobre coisas ou elementos de domínio público. (...) A concessão administrativa, em geral, mesmo quando supõe um acordo de vontades e adota a forma contratual, é, na essência, um ato de soberania, que leva ínsita a idéia de revocabilidade."

Nessa mesma linha, o insigne jurista espanhol ALCALÁ ZAMORA, no seu trabalho "La Concessión como Contrato y Derecho Real", sustenta que:

"A concessão administrativa participa das características de um verdadeiro contrato, mas é, ao mesmo tempo, um ato de poder que envolve a transmissão parcial do domínio público, que, uma vez criada, vem a ser uma exploração sempre limitada por esse domínio público."

Anotam, ainda, os citados doutrinadores que a concessão mineral tem sempre caráter traslativo, mas não cria um direito real ex novo no primeiro momento, i.e., na fase de pesquisa, quando apenas transfere parte do patrimônio mineral da Nação para o particular mediante a sua adesão a condições legais e regulamentares fixadas na legislação de regência. O caráter bilateral ou negocial da concessão minerária, gerador de um direito real ex novo, surge tão somente no segundo momento, i.e., na fase de produção ou lavra.

Por sua vez, a doutrina francesa desenvolveu a tese de que o objeto da concessão administrativa é, na realidade, um serviço público, definido como o fundamento legal que norteia a realização de toda e qualquer atividade do Estado, seja a execução de obras públicas, a expropriação ou a produção de bens econômicos, ainda que do domínio público. Da mesma forma, na opinião de outros doutrinadores, a concessão mineral assemelha-se à concessão de serviços públicos em razão de um elemento jurídico-legal comum a esses dois institutos: ambos derivam de um ato unilateral da Administração, que submete o particular a condições pré-fixadas em leis e regulamentos específicos. Essa corrente doutrinária reconhece, todavia, que o objeto dessas modalidades de concessão é diametralmente oposto. A concessão de serviço público obedece, entre outros, aos critérios de regularidade e de continuidade na prestação do serviço e submete-se, ainda, a um regime tarifário. Já a concessão mineral reveste-se da figura jurídica da concessão dominial, que consiste na outorga de um privilégio ao particular sobre um bem patrimonial do Estado com a natureza de um direito real erga omnes, transmissível e sujeito a registro público.

Defendendo a mesma tese, sustenta DUGUIT (in "Droit Constitucionel") que:

"O serviço público supõe uma atividade administrativa cuja realização o agente público deve assegurar, regular e controlar, posto que o seu cumprimento é indispensável para o desenvolvimento da interdependência social e, também, porque essa atividade não pode realizar-se efetivamente sem a intervenção da força governamental."

Seguindo essa linha doutrinária, QUEVEDO VEGA classifica a concessão administrativa em duas vertentes: a concessão dominial, incidente sobre bens do domínio público, e a concessão de serviço público propriamente dita, distinguindo, ainda, uma terceira vertente: a concessão industrial. Entretanto, distingue o mestre espanhol as seguintes diferenças entre a concessão dominial e a concessão de serviço público:

- A Concessão de Serviço Público:

a)é de natureza traslativa na medida em que transfere para o concessionário certas faculdades típicas da Administração Pública;

b)atende a necessidades do Estado ainda não consolidadas;

c) é outorgada em favor do administrado uti singuli;

d) está sujeita ao regime da reversão de bens;

e) está vinculada a um sistema tarifário, que atribui ao particular um ius exigendi próprio da Administração;

f) não possui conteúdo dominial.

- A Concessão Dominial:

a)é de natureza constitutiva na medida em que tende à criação de um direito privado exclusivo;

b)abranda o princípio da inalienabilidade do domínio público porque o uso do bem dominial é concedido em caráter permanente, embora a sua manutenção esteja condicionada ao atendimento permanente de determinadas condições legais;

c) atribui ao concessionário um direito patrimonial exigível erga omnes;

d) não abrange o ius exigendi da concessão de serviço público;

e) submete-se ao sistema soberano nacional.

Argumenta, porém, QUEVEDO VEGA que, a despeito das distinções acima apontadas, essas modalidades de concessão têm se aproximado bastante nos últimos anos, possuindo, essencialmente, o mesmo caráter traslativo por força do princípio da função social da propriedade. Acrescenta, também, o citado jurista que a concessão mineral é um ato soberano do Poder Político, que se reveste das características de um contrato de Direito Público, pelas seguintes razões:

a) esse aspecto decorre da própria legislação, que considera as jazidas minerais como um patrimônio da Nação;

b) trata-se, também, de um direito passível de caducidade nos casos previstos em lei;

c) apresenta profundas limitações quanto à disponibilidade, à forma de utilização e aos gravames dos direitos outorgados pelo Poder Público.

Conclui QUEVEDO VEGA que, em face dessas características, a concessão mineral não pode ser considerada, sob qualquer pretexto, como um condomínio, um usufruto ou, muito menos, como uma propriedade plena.

Por seu turno, sustenta VILLAR PALASÍ que:

"A concessão mineral já não é puramente uma concessão dominial outorgada em benefício concreto do concessionário para satisfazer a um interesse abstrato, mas sim uma verdadeira concessão industrial em benefício concreto dos usuários, razão pela qual se produz a caducidade da concessão não apenas pela falta de pagamento das taxas administrativas, mas também pela suspensão não justificada dos trabalhos ou pela má exploração do bem mineral."

Nessa mesma linha, registram ALCALÁ ZAMORA e FERNANDEZ VELASCO (in "Naturaleza Jurídica de la Concesión", Revista de Derecho Privado) que essa modalidade de concessão constitui um direito real, que visa à exploração de bens ou direitos do domínio público condicionada, entretanto, ao aproveitamento obrigatório dos mesmos, nos termos da lei. Segundo tais autores, trata-se de um direito subordinado a fins de interesse geral e ao controle da autoridade administrativa.

Para a doutrina francesa, a concessão mineral confere o direito de pesquisa e de exploração ao particular sob a forma de um conjunto de prerrogativas e obrigações que constitui o que denomina de estatuto do concessionário. Essa escola doutrinária sustenta que a concessão cria, ao mesmo tempo, uma nova entidade jurídica – a mina – uma vez que, anteriormente, nada mais existia do que um simples elemento material de condição jurídica incerta, ou seja, a jazida. Por isso, o ato institucional da concessão tem o efeito de criar um novo bem, distinto daqueles já pertencentes ao concessionário e ao proprietário do solo.

Por sua vez, a doutrina italiana, representada por CARNELLUTTI e ZANOBINI, sustenta que a concessão administrativa é um ato unilateral no que tange à sua outorga, mas bilateral no que diz respeito à sua vinculação ao concessionário.

Como visto, é unânime o entendimento que se extrai da doutrina comparada no sentido de que, na concessão mineral, cabe ao Estado, como sujeito ativo do Poder Público e representante da Nação, detentora do domínio sobre os recursos naturais do subsolo, administrar esse patrimônio nacional na condição de Poder Concedente e de agente fiscalizador das atividades desenvolvidas pelo concessionário, visando ao pleno atendimento do interesse coletivo.


6.O Aspecto Econômico da Concessão Mineral

Prevalece, entre nós, o entendimento doutrinário de que a concessão mineral é, eminentemente, uma concessão industrial. Examine-se, a propósito, o sentido jurídico dos conceitos de pesquisa, lavra e aproveitamento que se extrai das disposições constitucionais e legais aplicáveis, genericamente, às atividades de exploração e de aproveitamento dos recursos naturais do subsolo.

Para fins de análise comparativa, no que tange ao setor de petróleo e gás, note-se que, segundo o disposto no art. 14 do Código de Mineração (Decreto-lei nº 227, de 28/02/67), "entende-se por pesquisa a execução dos trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exeqüibilidade do seu aproveitamento econômico". Por seu turno, o art. 36 do referido Código define a lavra como "o conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida desde a extração das substâncias minerais úteis que contiver até o beneficiamento das mesmas".

Ora, como visto, ambas as atividades – pesquisa e lavra – têm como objetivo básico o aproveitamento econômico ou industrial da jazida, aspecto esse vinculado, necessariamente, à busca legítima de lucro, que é um característico inerente à empresa privada. Lembre-se, a propósito, que de conformidade com o art. 170 da Constituição Federal, a ordem econômica tem como fundamentos a valorização do trabalho e a livre iniciativa. Ao Estado, portanto, é estranho, ou, pelo menos, não fundamental, esse mesmo objetivo de lucro, que é típico da atividade econômica. É exatamente por isso que a política do Estado moderno tende, cada vez mais, a ceder a busca desse objetivo à iniciativa privada.

Por outro lado, a norma inserta no art. 176 da Carta Política, que reserva a exploração e o aproveitamento dos recursos minerais aos brasileiros ou a "empresa constituída sob as leis brasileiras", deve ser, igualmente, interpretada em função do seu objetivo econômico, que é, na realidade, o elemento básico que justifica o cometimento dessas atividades à iniciativa privada (CF, art. 170).


7.Os Recursos Naturais como Bens de Propriedade do Estado

Vale, entretanto, lembrar que, de acordo com a Constituição, a pesquisa e a lavra os recursos naturais do subsolo, assim como o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica, devem ser efetuados com vistas ao atendimento do interesse público (CF, art. 176, § 1º).

A Advocacia-Geral da União, em parecer aprovado pelo Presidente da República, fixou essa orientação, nos seguintes termos:

"Os recursos minerais, que, em última análise, pertencem ao povo, devem ser explorados visando ao interesse nacional (§ 1º do artigo 176 da Constituição), para satisfazer as necessidades coletivas."

(Parecer AGU/MF-2/95, de 08.08.95, publicado no DOU de 16.08.95).

Destaque-se, ainda, que a Constituição estabelece expressamente em seu art. 20, inciso IX, que pertencem à União "os recursos minerais, inclusive os do subsolo", princípio esse que é reiterado no caput art. 176. O mesmo art. 20, no inciso IV, inclui, também, entre os bens da União "os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva".

A respeito desse tema, registre-se o magistério de JOSÉ GASCON Y MARIN, (in "Tratado de Derecho Administrativo"):

"O domínio público pode ser considerado como uma verdadeira propriedade? Desde logo, pode-se afirmar que se, a palavra propriedade for entendida no sentido civil corrente, o domínio público não pode ser incluído na mesma noção geral de propriedade no sentido civilista. (...) É certo que os bens de domínio público estão colocados sob a autoridade exclusiva do Estado; mas o uso dos mesmos, a verdadeira utilização desse domínio, em nada se assemelha ao uso e à utilidade dos bens do domínio privado. Ao regular, o Estado não utiliza em proveito pessoal o bem que está afeto a um serviço público; mais do que um direito de proprietário, exerce a ação de Poder Público, a função de polícia, de regulamentação jurídica."

Por sua vez, ao estabelecer uma distinção entre os bens dominiais de uso comum e os bens dominiais de uso privativo, leciona MARCELLO CAETANO (in "Manual de Direito Administrativo") que:

"O uso privativo caracteriza-se por ser consentido a uma ou algumas pessoas determinadas, com base num título jurídico individual. Ao passo que o uso comum é consentido a todos ou a uma generalidade de particulares, o uso privativo desta ou daquela parcela dominial é apenas consentido, em exclusivo, a pessoas determinadas, que ficam com o direito de privar qualquer outra pessoa da utilização que lhes foi permitida. Por outro lado, enquanto o direito ao uso comum é conferido diretamente pela norma jurídica geral e abstrata, o direito ao uso privativo só se constitui por título especial - ato administrativo ou contrato – a favor deste ou daquele indivíduo."

Abordando especificamente as concessões para exploração de bens dominiais, anota, ainda, o mesmo autor:

"Nas concessões de exploração dá-se a transferência de direitos da pessoa coletiva de direito público, a quem pertence o domínio, para outra pessoa, singular ou coletiva, a fim de que esta exerça esses direitos gerindo as coisas públicas por sua conta e risco mas de modo a obter-se a utilidade pública que constitui o fim específico das coisas. O titular da concessão de aproveitamento é um mero utente; o concessionário da exploração do domínio é um gestor que se encarrega de proporcionar ao público o uso das coisas que lhe estão confiadas, de acordo com a natureza delas. (...) Há as concessões de exploração com caráter autônomo, como é o caso das concessões mineiras. De fato, os jazigos minerais, como as nascentes mineromedicinais, pertencem ao Estado; mas este, mediante a concessão, transfere seus direitos de exploração para um particular, que gere os bens fruindo-os de acordo com a sua natureza e destino."

Finalmente, sobre esse mesmo tema, assim observa QUEVEDO VEGA:

"Entendemos que os bens de domínio público não encerram uma relação de propriedade, mas sim de posse, que traz como conseqüência certas prerrogativas jurídicas a favor do Estado". (...) O destino desses bens não é o de servir ao Estado, como pessoa jurídica, mas sim aos cidadãos e, por isso, estão adstritos a um serviço comum e público, que os impede de ser objeto de uma verdadeira apropriação pelo Estado ou por particulares. A relação que juridicamente tem o Estado com esses bens lhe é conferida por ser o representante jurídico da sociedade. Por isso, estão sob a salvaguarda do Estado para cumprir fins de uso, serviço ou interesse geral. Portanto, o direito que tem o Estado sobre as minas é de Direito Público. As minas são bens de domínio público, antes da concessão, por estarem destinadas ao fomento da riqueza nacional. É por esse motivo que o Estado, mesmo quando concede a um particular a exploração das minas, se reserva o direito de inspeção permanente dos trabalhos de lavra."


8.A Concessão Mineral no Direito Brasileiro

No Brasil, a doutrina e o direito positivo adotaram, essencialmente, o mesmo entendimento visto nas manifestações acima transcritas para moldar o sistema legal que regula, no nosso País, a exploração e o aproveitamento dos recursos naturais do subsolo. Vejamos, em resumo, as diretrizes básicas desse sistema.

De acordo com a legislação brasileira, a concessão mineral atribui um direito exclusivo a um ente privado para explorar e usar uma determinada jazida, desde que este atenda a certos requisitos técnicos, jurídicos e econômicos previstos em lei. Ressalte-se, entretanto, que, uma vez outorgada a concessão, deve o interessado cumprir permanentemente as obrigações que a lei e os regulamentos lhe impõem para que essa titularidade seja mantida em seu patrimônio. Por outro lado, tal direito é oponível erga omnes a fim de proteger a exclusividade que o título deve assegurar ao concessionário. Assim, a concessão mineral confere um direito exclusivo e excludente à exploração integral da jazida, de acordo com determinadas normas legais e regulamentares, transmitindo ao respectivo titular um complexo de direitos e obrigações doutrinariamente denominado de estatuto legal do concessionário.

Lembre-se, porém, que a concessão minerária não envolve uma propriedade, por mais especial que seja, mas um direito real de exploração estruturado administrativamente. Isso porque o Estado, titular do domínio sobre os recursos naturais, conserva a sua propriedade mesmo depois do ato de outorga da concessão, transmitindo ao concessionário apenas o direito de exploração, de caráter real, oponível erga omnes e erga qualescumque, que permite a execução dos trabalhos de pesquisa e de lavra sob as condições previstas em lei. Ressalte-se, ainda, que esse direito incorpora, necessariamente, uma certa estabilidade, que permite ao seu titular explorar a jazida, em caráter perpétuo, com a exclusividade e os demais privilégios que a lei lhe atribui. Mas a concessão mineral opera-se legalmente "ex re sua" (até a exaustão da jazida); "ex voluntate" (renúncia ou abandono); por inadimplemento do concessionário; ou por interesse público, nesse caso mediante expropriação, na forma da lei.

A relativa estabilidade desse direito, que garante a necessária segurança dos investimentos realizados nas atividades de exploração do subsolo, é descrita por QUEVEDO VEGA como uma tentativa do legislador de "conciliar a precariedade inerente a um direito de natureza pública com a prerrogativa do concessionário de beneficiar-se da jazida em condições semelhantes à da propriedade privada". Após anotar, também, que "o direito de exploração mineral confere ao seu titular todas as vantagens da propriedade, mas com limitações de ordem social intensas", o citado autor assim resume a natureza jurídica da concessão mineral:

"Trata-se de um direito real de gozo, exaustivo, sui generis, cujo conteúdo e regime são definidos em lei, ainda que apresente analogias com outras instituições. Sua estrutura administrativa permite conciliar a sua precariedade com a elasticidade necessária a distintas situações econômicas. Permite ao seu titular a exploração exclusiva da mina, perante a Administração e terceiros. Em face da Administração, goza de garantias legais e de uma situação estável, cuja precariedade não se manifesta a não ser por força dos prazos legais e da possibilidade de revogação em determinados casos. Esse direito permite ao concessionário extrair os minerais, com características de perpetuidade, desde que cumpridas as condições estabelecidas na lei e nos regulamentos administrativos."

Como visto, a concessão minerária apresenta contornos que muito a aproximam da propriedade privada, sem com esta, entretanto, confundir-se. De fato, a concessão cria, a favor do particular, o que a doutrina intitula de um direito público subjetivo, vinculado a bens cuja apropriação é, em princípio, vedada ou está rigorosamente fixada em lei. A essência, pois, da concessão mineral é a garantia de que é possível apropriar-se dos recursos do subsolo, desde que na forma e sob as condições expressamente previstas em lei. Essa garantia pode, no entanto, ser afetada quando se encontrar comprometido o interesse nacional (CF, art. 176, § 1º). Excluída essa hipótese, o concessionário pode usar, gozar e dispor livremente da concessão mineral, sem quaisquer limitações ou obrigações além daquelas previstas em lei.

Da forma como inscrito na Carta Política, o conceito de interesse nacional abrange toda e qualquer atividade exploratória do subsolo, independentemente de quem a exerça, tal a sua relevância estratégica para o desenvolvimento econômico e para a segurança do País. Por isso, cabe ao Estado, como representante da Nação - titular do domínio sobre os recursos naturais - não apenas a competência de outorgar os títulos de concessão, mas também a de intervir nas atividades exploratórias sempre que houver qualquer afronta aos requisitos legais e regulamentares ou quando assim o ditar o interesse nacional.

Vale, ainda, ressaltar que o art. 176, caput, do Estatuto Político, garante ao titular da concessão mineral "a propriedade do produto da lavra." Quanto a esse aspecto, merece registro, no direito pátrio, o seguinte ensinamento do saudoso mestre HELY LOPES MEIRELLES (in "Curso de Administrativo"):

"Erige-se (a concessão de lavra) numa verdadeira property, tal como é considerada no direito anglo-saxão, com valor econômico proporcional ao da jazida, uma vez que a concessão faculta a exploração do minério, pelo concessionário, até o exaurimento da mina, e é alienável e transmissível a terceiros que satisfaçam as exigências legais e regulamentares da mineração. O título de concessão de lavra é, pois, um bem jurídico negociável como qualquer outro, apenas sujeito às formalidades da legislação minerária do País. O seu valor econômico integra-se ao patrimônio do titular e é comerciável, como os demais bens particulares. Daí por que, toda vez que a União suprime ou restringe a concessão, fora dos casos de caducidade previstos no Código de Mineração, fica obrigada a indenizar o concessionário da lavra."

Assim, a concessão minerária é a transferência de direitos patrimoniais do Estado para um ente privado, a fim de que este possa utilizar e gerir, por sua conta e risco, um determinado recurso natural, com direito de exclusividade e perpetuidade, desde que respeitadas as condições fixadas em lei e a consecução da utilidade pública que constitui a finalidade básica da concessão.

Ressalte-se, finalmente, que a exploração do subsolo brasileiro constitui-se no uso privativo de um bem público, razão pela qual esse direito está condicionado a uma atividade constante e à lavra eficiente da jazida, em respeito aos princípios da finalidade e da destinação do bem público. Por isso, no Direito brasileiro, o domínio privativo das jazidas em geral só pode ser mantido pelo trabalho permanente do concessionário, sendo, por isso mesmo, um direito resolúvel nos casos de infração legal ou contratual (dominium ad laborandum).


9.A Formação Geológica do Petróleo e do Gás Natural

De todos os bens naturais aproveitados pelo homem, desde a mais remota Antigüidade, o petróleo é, sem dúvida, o produto que realizou a trajetória mais extensa e vertiginosa, vindo a transformar-se num verdadeiro ouro líquido, hoje ferozmente cobiçado pelo relevante papel que desempenha no mundo moderno.

A longa batalha sustentada pelas nações para conquistar o domínio das suas riquezas naturais marcou o início de uma nova ordem jurídica internacional, que encontra na legislação do petróleo uma das suas mais relevantes manifestações. Veremos adiante a evolução desse direito no nosso País. Antes, porém, é válido e oportuno esclarecer os operadores do Direito quanto à origem natural do petróleo.

Em seu livro "An Introduction to the Regulation of the Petroleum Industry", ensina BERNARD TAVERNE que o petróleo deriva de uma combinação de substâncias compostas de hidrocarbonetos e de outros elementos não-hidrocarbonetos, de natureza química, orgânica, mineral e até vegetal, quando presentes determinadas condições geológicas no interior do subsolo. Assim gerado nas formações rochosas subterrâneas, o petróleo migra, em seguida, através da porosidade dessas rochas, obedecendo à força da gravidade e da capilaridade, até o local onde se acumula, formando, então, o reservatório. Por isso, essas substâncias fugitivas e errantes por natureza podem, às vezes, aparecer em locais bem distantes da real situação da jazida.

O petróleo pode, também, emergir na superfície do solo onde evapora ou se acumula parcialmente, formando verdadeiros lagos de asfalto ou reservas de areia betuminosa. De acordo com as condições atmosféricas locais, o petróleo que emerge na superfície pode assumir a forma sólida (betume ou asfalto), líquida (óleo cru e outros condensados, genericamente chamados de óleo) ou gasosa (gás natural).

Conforme leciona, ainda, TAVERNE, o gás natural é, por sua vez, gerado em associação com certos tipos de óleo (gás associado) ou com carvão (gás não associado), sendo que o gás produzido nas camadas subterrâneas de carvão pode ficar parcialmente retido por trás das reservas carboníferas, sob a forma de gás metano. Dependendo da sua origem, o gás pode conter um grande volume de outros gases constituídos de elementos não-hidrocarbonetos, tais como os gases inertes (hélio) ou os gases não-inflamáveis (dióxido de carbono e nitrogênio). O gás natural pode, ainda, surgir sob forma líquida, sendo assim denominado de GNL – Gás Natural Líquido (o gás rico) ou, também, de petróleo líquido. Portanto, a qualidade do gás natural depende essencialmente do seu conteúdo de hidrocarbonetos, de vez que a presença de gases não-inflamáveis reduz o seu valor calorífico e, em conseqüência, o seu valor econômico.

Por seu turno, o valor econômico do óleo cru depende não apenas da sua densidade ou gravidade, mas também da sua qualidade. As duas primeiras características são medidas em graus API (sigla de American Petroleum Institute) numa escala que classifica os diversos óleos como ultra leves (com números altos de API) e como leves, médios ou pesados (com números baixos de API). Já a qualidade do óleo é determinada pela presença, maior ou menor, de certas substâncias nele encontradas (enxofre e outros elementos metálicos).

Um estudo elaborado pela Universidade do Texas, em Austin ("Fundamentals of Petroleum", 1981, publicado pelo Petroleum Extension Service), ensina, ainda, que os reservatórios rochosos são, na verdade, containers que detêm, normalmente, outros fluidos além do petróleo e do gás, como, por exemplo, a água. Alguns desses fluidos migram, juntamente com o gás, para a parte superior do reservatório, enquanto o óleo e a água ficam depositados na parte inferior, tal como se comportam o azeite e o vinagre nos molhos de saladas.

Os reservatórios considerados comerciais, além de amplos e suficientemente rígidos para conter grandes volumes de petróleo e gás, devem, também, possuir uma porosidade e uma permeabilidade que permitam o livre movimento do óleo e do gás através dos poros das rochas subterrâneas. Assim, esses grandes espaços porosos podem conter apenas água; ou água e óleo; ou, ainda, água, óleo e gás.

Evidentemente, as companhias de petróleo preferem os reservatórios que contêm esses três últimos elementos, não só pela óbvia importância econômica do petróleo e do gás, mas também pelo fato de que a água, quando submetida a pressão, ajuda a remover essas substâncias para a superfície.

Portanto, a comercialidade de um reservatório depende da conjugação de todos esses fatores: pressão, porosidade e permeabilidade do reservatório, o qual deverá, ainda, possuir um selo ou lacre suficientemente rígido para reter o petróleo e o gás no seu interior.

À guisa de mera curiosidade histórica, registre-se que a primeira decisão judicial de que se tem notícia desde os primórdios da indústria do petróleo ocorreu nos Estados Unidos, em 1854, no Estado de Kentucky (Hail vs. Reed, 54 Ky – 333), num caso pioneiro em que se discutiu o direito de propriedade sobre o petróleo e o gás. O empreendedor de um projeto de exploração de sal, tendo descoberto petróleo em um determinado ponto de perfuração, reclamou para si o direito de recuperar "três barris de óleo, contendo cada um 40 galões, a US$ 1,25 por galão". Negando o pedido, a Corte decidiu que o petróleo era um "líquido peculiar, nem necessário nem adequado ao uso comum do homem." Além de curioso, esse episódio contém um sentido bastante significativo, que deixamos aqui registrado para reflexão de todos aqueles que se dedicam ao estudo do Direito do Petróleo, em nosso País.


10.O Tratamento Jurídico dado no Brasil à Concessão no Setor de Petróleo

Divergem as opiniões técnicas a respeito da origem natural do petróleo – se química, orgânica ou não-orgânica. Entretanto, a grande maioria dos geólogos e engenheiros do setor petrolífero tratam-no como uma substância mineral. Vale notar, a propósito, que, em seu valioso estudo "La Histoire Mondiale du Pétrole", JEAN-JACQUES BERREBY, reforçando esse entendimento, lembra que o termo "petróleo" deriva da palavra latina petroleum: o óleo da pedra.

A despeito dessa controvérsia técnica, o fato é que o legislador brasileiro optou por tratar de forma análoga todos os recursos naturais gerados no subsolo, submetendo-os, sem qualquer distinção, aos mesmos princípios e regras gerais. Por isso, o petróleo foi sempre tratado, juridicamente, no Brasil, como uma substância mineral. De fato, o Código de Minas, promulgado pelo Decreto nº 24.642, de 10 de julho de 1934, estabelecia, em seu Título VIII – Das Jazidas de Petróleo e Gás Natural - as normas básicas que disciplinavam as atividades de pesquisa e de lavra dessas jazidas. As rochas betuminosas e piro-betuminosas, bem como o petróleo e o gás natural, eram classificados, respectivamente, como minerais das Classes IX e X (Capítulo I – Jazidas e Minas: sua classificação e aproveitamento, art. 2º).

Por sua vez, o Código de Minas, promulgado pelo Decreto-Lei nº nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940, que revogou e substituiu integralmente o Código anterior, manteve, todavia, a mesma classificação antes conferida ao petróleo e ao gás.

Além disso, estabelecia aquele Código o seguinte:

"Art. 78. As leis que se refiram especialmente ao aproveitamento industrial das jazidas das Classes IX e X continuam também em vigor, sujeitas porém a uma revisão para adaptar-se ao sistema e à terminologia deste Código.

Art. 79. Compete ao Conselho Nacional do Petróleo a execução deste Código no que se refere às jazidas das Classes IX e X."

Vale ressaltar que, quando foi editado o Código de Minas de 1940, encontravam-se já em vigor os Decretos-Leis nº 395 e 538, de 29 de abril de 1938 e de 7 de julho de 1938, respectivamente, que declararam de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo, nacionalizaram a industria de refinação e criaram o CNP - Conselho Nacional do Petróleo. Lembre-se, por oportuno, que o Código de Minas de 1940 vigorou até 15 de março de 1967, data em que foi promulgado o Código de Mineração ainda vigente (Decreto-lei nº 227, de 28.02.67).

Fica, assim, evidenciado que o nosso Direito sempre dedicou, historicamente, ao petróleo e ao gás natural o mesmo tratamento jurídico aplicável aos recursos minerais propriamente ditos. Note-se, ainda, que os princípios constitucionais e legais que regem a exploração e o aproveitamento do petróleo e do gás natural, em nosso País, assim como a terminologia jurídica aplicável a essas atividades, mantêm-se integralmente preservados até o momento atual, como veremos a seguir.

De fato, a Constituição Federal, em seus arts. 176 e 177, assim como a Lei do Petróleo (Lei nº 9.478, de 06.08.1997), em seu art. 6º (Das Definições Técnicas), utilizam a mesma terminologia originalmente adotada na nossa legislação tanto para os minérios em geral como para o petróleo e o gás. O art. 176 da Constituição determina, em seu caput, que "as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais (...) constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao proprietário do solo a propriedade do produto da lavra."

Por seu turno, a Lei do Petróleo assim define os seguintes termos:

a) "Reservatório ou Depósito – configuração geológica dotada de propriedades específicas, armazenadora de petróleo ou gás, associados ou não." (art. 6º, inciso X)

b) "Jazida - reservatório ou depósito já identificado e possível de ser posto em produção." (art. 6º, inciso XI)

c) "Pesquisa ou Exploração – conjunto de operações ou atividades destinadas a avaliar áreas, objetivando a descoberta e a identificação de jazidas de petróleo ou gás natural." (art. 6º, inciso XV)

d) "Lavra ou Produção – conjunto de operações coordenadas de extração de petróleo ou gás natural de uma jazida e de preparo para sua movimentação." (art. 6º inciso XVI)

Esse entendimento é, igualmente, sustentado pelo insigne mestre CARLOS ARI SUNFELD, em seu artigo "Regime Jurídico do Setor de Petróleo" (in "Direito Administrativo Econômico"), nos seguintes termos:

"O conceito de depósito (ou reservatório) nos conduz ao de jazida, este último presente na Constituição (arts. 22, XII, 176, caput, e 177, I). O depósito representa a área em que há petróleo e gás, mas ainda sem identificação ou sem condições de ser posto em produção imediata. O conceito de jazida, por sua vez, é utilizado para designar depósitos aptos à exploração, por já estarem determinados."

Referindo-se ao art. 176 da Constituição, anota o mesmo autor:

"Vale ressaltar, novamente, que a Constituição trata, aqui, das jazidas em geral."

Parece, portanto, não restar dúvidas quanto ao tratamento legal-jurídico adotado, no Brasil, para o petróleo e o gás natural, tanto pelo legislador constituinte como pelo legislador ordinário. Por essas razões, não hesitamos em afirmar que se aplicam à concessão para a pesquisa e a lavra de petróleo e gás natural, em nosso País, os mesmos princípios constitucionais, legais e doutrinários que disciplinam e orientam a concessão mineral propriamente dita, conforme acima exposto.


11.O Regime do Monopólio Estatal no Setor de Petróleo e Gás

O monopólio estatal sobre determinado setor econômico visa à proteção do interesse público, tendo, portanto, caráter defensivo e não lucrativo. Esse é o principal aspecto que o distingue do monopólio privado, cujo objetivo é diametralmente oposto. Esclareça-se, todavia, a distinção entre monopólio e privilégio.

Leciona JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (in " Manual de Direito Administrativo", 7ª ed., Edit. Lumen Iuris, 2001) que:

"Monopólio é o fato econômico que retrata a reserva, a uma pessoa específica, da exploração de atividade econômica. (...) Privilégio é a delegação do direito de explorar a atividade econômica a outra pessoa. Sendo assim, só quem tem o monopólio tem idoneidade para conceder o privilégio."

Por sua vez, EROS ROBERTO GRAU (in "A Ordem Econômica na Constituição de 1988") anota que:

"Monopólio é a atividade econômica em sentido estrito. Já a exclusividade da prestação de serviços públicos não é expressão senão de uma situação de privilégio."

Acrescenta, todavia, o referido autor, em linha com a escola francesa, que:

"Como tenho observado, inexiste, em um primeiro momento, oposição entre atividade econômica e serviço público; pelo contrário, na segunda expressão está subsumida a primeira. (...) O serviço público constitui uma espécie de atividade econômica, cujo desenvolvimento compete de forma especial ao Poder Público. A prestação de serviço público está voltada à satisfação de necessidades, o que envolve a utilização de bens e serviços, e recursos escassos. Daí podermos afirmar que o serviço público é um tipo de atividade econômica.

Adotando o mesmo entendimento, anota ALEXANDRE DE MORAES (in "Regime Jurídico da Concessão para Exploração de Petróleo e Gás e Natural"):

"São tênues as diferenças existentes entre a prestação de serviço público e a participação na atividade econômica por parte do Estado, sob monopólio."

O art. 177 da Constituição, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995, manteve o monopólio da União sobre as atividades econômicas referidas nos incisos I a IV daquele dispositivo, mas criou a alternativa de o monopólio estatal não mais ser exercido, com exclusividade, pela PETROBRÁS, tal como ocorria sob o regime anterior. Assim, nos termos atuais do § 1º do art 177 da Constituição, "a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei." Observa-se, portanto, que as atividades petrolíferas indicadas no referido dispositivo constitucional permanecem submetidas ao monopólio da União, ainda que seja atualmente possível a concessão, pelo Poder Público, de certos privilégios às empresas estatais ou privadas que preencham os requisitos previstos na Constituição e na Lei do Petróleo. Vejamos, a seguir, o alcance jurídico-legal desse novo mandamento introduzido na Constituição pela EC nº 9/1955.

Registre-se, a propósito, o seguinte comentário de CARLOS ARI SUNFELD, em seu citado artigo:

"Neste novo momento, diminuiu a relevância jurídica da distinção entre as atividades da indústria do petróleo objeto de monopólio e as que escapam desse monopólio. É que em ambos os casos é possível a atuação privada, sob regulação federal."

Abordando, também, a questão do monopólio no setor petrolífero, assim se manifesta ALEXANDRE DE MORAES:

"(...) Em virtude de imperativos de segurança nacional e de relevante interesse coletivo, a própria Constituição (art. 176) e a legislação infra-constitucional entenderam por bem prever a intervenção estatal no domínio econômico, de maneira a reservar ao Estado a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos."

Por seu turno, leciona o insigne jurista PINTO FERREIRA (in "Comentários à Constituição Brasileira") que:

"O monopólio estatal é a deliberada subtração de certas atividades privadas das mãos do particular, a fim de colocá-las sob o controle da nação por motivo de interesse público."

Merece, igualmente, registro o seguinte ensinamento de ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO (in "Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico"):

"Preliminarmente, há de se destacar que nossa Constituição em alguns casos estabelece que alguns bens são monopolizados pelo Estado, no sentido de que apenas ele pode ser seu proprietário (ex. os recursos minerais em geral, cuja propriedade é da União, que todavia, não monopoliza a sua exploração – art. 176), e, em outros, atribui com exclusividade ao Estado não apenas a propriedade do bem como a sua exploração (o caso do petróleo – art. 176 c/c art. 177)."

Historicamente, o monopólio estatal sobre as atividades petrolíferas foi instituído pela Lei nº 2.004, de 3 de outubro de1953, logo após o triunfo da famosa campanha popular que eclodiu na era Vargas sob o nome de "O Petróleo é Nosso". Além disso, a Lei nº 2.004/53 criou a PETROBRÁS e reestruturou o CNP – Conselho Nacional do Petróleo, instituído pelo Decreto-Lei nº 395, de 29 de abril de 1938, e organizado pelo Decreto-Lei nº 538, de 7 de julho de 1938. Originalmente subordinado ao Presidente da República, o CNP foi posteriormente incorporado ao Ministério de Minas e Energia pela Lei nº 3.782, de 22 de julho de 1960, incorporação essa mantida pela Lei nº 4.904, de 17 de dezembro de 1965. Mais tarde, o monopólio da União sobre o petróleo e o gás foi elevado ao nível constitucional pela Carta Política de 1967, com as alterações promovidas pela Emenda nº 1, de 1969, sendo assim mantido desde então.

É importante, entretanto, esclarecer um aspecto relevante, mas ainda pouco analisado, pertinente às novas disposições constitucionais e legais aplicáveis ao monopólio estatal sobre as atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural. A redação dada pela EC nº 9/1995 ao § 1º do art 177 da Constituição desvinculou esse monopólio da tradicional intervenção direta do Estado no domínio econômico, com exclusividade no controle e no exercício dessas atividades, passando a caracterizá-lo como um monopólio de escolha do Poder Público, tal como o denomina ALEXANDRE DE MORAES. Em outras palavras, além de reafirmar o monopólio federal sobre o setor petrolífero, a EC nº 9/1955 conferiu, também, à União a competência de optar: a) pela realização direta das atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural sob monopólio; ou b) pela contratação dessas atividades com empresas estatais ou privadas, sob regime de concorrência.

Assim, nos termos da referida Emenda, a União permanece como titular do monopólio federal e passa a deter, paralelamente, o direito de decidir, a seu critério exclusivo, quem deverá exercer as atividades indicadas no art. 177 caput da Constituição. Isso porque – repita-se - a EC nº 9/1955 extinguiu o monopólio sobre o exercício dessas atividades, mas não sobre as próprias atividades. Em conseqüência, por motivos de interesse coletivo ou de segurança nacional, a União poderá manter sob o seu domínio e controle direto o exercício das atividades de exploração e lavra de petróleo e gás, concedendo o exercício exclusivo dessas atividades a uma empresa integrante da Administração Pública Federal.

Entendemos que, nesse caso, essa tarefa caberia, com exclusividade, à PETROBRÁS por tratar-se de uma empresa estatal, sob o controle acionário da União, com capacidade técnica, operacional, econômica e jurídica para atender aos objetivos inerentes ao monopólio federal no setor de petróleo e gás.

Assim, pelas razões acima expostas, verifica-se que a Constituição e a Lei do Petróleo prevêem tanto o exercício exclusivo e direto pela União das atividades petrolíferas sujeitas ao monopólio federal, como a contratação, em regime de concorrência, de empresas estatais ou privadas para a realização de tais atividades. Parece-nos, de fato, inegável que a EC nº 9/1995 estabeleceu, em favor da União, no interesse nacional, uma faculdade e não uma obrigação de promover a citada contratação, até porque não teria qualquer sentido jurídico a manutenção, no texto constitucional, do monopólio estatal sobre o setor de petróleo e gás.

Em reforço ao nosso entendimento, vale lembrar que o art. 5º da Lei do Petróleo, em consonância com a referida norma constitucional, dispõe que:

Art. 5º. As atividades econômicas de que trata o artigo anterior (as atividades sujeitas ao monopólio) serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão ou autorização, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País."

Além disso, recorde-se que, em sintonia com o objetivo básico do monopólio estatal no setor de petróleo, a Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, regulamentada, em parte, pelo Decreto nº 238, de 24 de outubro de 1991, instituiu o Sistema Nacional de Estoque de Combustíveis (SINEC), cuja finalidade é a de "assegurar a normalidade do abastecimento nacional de petróleo, de seus combustíveis derivados, de álcool destinado para fins carburantes e de outros combustíveis líquidos carburantes." (art. 1º do Decreto nº 238/91)

Observe-se que o referido Decreto Federal estabelece, ainda, o seguinte:

"Art. 2º O SINEC compreenderá:

I – a Reserva Estratégica, destinada a assegurar o suprimento de petróleo bruto e de álcool para fins carburantes quando do surgimento de contingências que afetem de forma grave a oferta interna ou externa desses produtos;

II – os Estoques de Operação, destinados a garantir a normalidade do abastecimento interno de combustíveis derivados de petróleo, bem assim de álcool etílico, anidro e hidradato, e outros combustíveis líquidos carburantes, em face de ocorrências que ocasionarem interrupção nos fluxos de suprimento e escoamento dos referidos combustíveis."

São esses, inclusive, os fundamentos legais que justificam a inserção em todos os Contratos de Concessão para Exploração, Desenvolvimento e Produção de Petróleo e Gás Natural, celebrados entre a ANP e os atuais concessionários, de uma cláusula-padrão intitulada "Abastecimento do Mercado Nacional", cujos termos são os seguintes:

" 11. 5 - Se, em caso de emergência nacional, declarada pelo Presidente da República, houver necessidade de limitar exportações de Petróleo ou Gás Natural, a ANP poderá, mediante notificação por escrito, com antecedência de 30 (trinta) dias, determinar que o concessionário atenda, com Petróleo e Gás Natural por ele produzidos e recebidos nos termos deste Contrato, às necessidades do mercado interno ou de composição dos estoques estratégicos do Pais. (...)"

É oportuno, porém, ressaltar que é muito pouco provável que o Poder Público, por razões, inclusive, de bom senso, venha a adotar, como regra, a opção de exercer diretamente as atividades de exploração e lavra de petróleo e gás em nosso País; mas, como exceção, nos casos considerados estratégicos ou de relevância para o interesse nacional, essa hipótese não deve ser afastada. Por isso, é importante que os investidores nacionais e estrangeiros tenham sempre em vista, no processo de avaliação das suas oportunidades, atuais ou futuras, que esse é o sentido jurídico-legal que claramente se extrai dos mandamentos contidos no § 1º do art. 177 da Constituição e no art. 5º da Lei do Petróleo.

Finalmente, merece ser lembrado que, em qualquer hipótese, a concessão para a exploração e aproveitamento de jazidas de petróleo e gás natural constitui uma concessão para exploração de um bem público, com as características legais acima destacadas. Por essas razões, entendemos que são as normas de Direito Público que regem tanto a realização direta como a contratação dessas atividades, lembrando, ainda, que, segundo a melhor doutrina, o contrato de concessão possui a natureza de um contrato administrativo, cujos elementos básicos são: a) a participação de uma pessoa jurídica de Direito Público num dos pólos contratuais (no caso, a União, representada pela ANP); e b) a execução de um serviço público ou a presença de cláusulas exorbitantes no contrato (este não cuida da execução de um serviço público, mas incorpora as cláusulas exorbitantes elencadas no art. 43 da Lei do Petróleo, além de outras).

Assim, como visto, foram razões estratégicas e de segurança nacional, em defesa do interesse público, que levaram o legislador constituinte a preservar, na sua essência original, o monopólio da União sobre as atividades de exploração e lavra de petróleo e gás natural em nosso País.


12.Conclusão

Ao longo da história da Humanidade, a exploração do subsolo revelou um mundo fascinante para os empreendedores e exerceu um verdadeiro fascínio entre os aventureiros, atraindo sempre a atenção e a cobiça de muitos.

Numa sociedade múltipla e globalizada, como a nossa, diversos são os interesses que se entrechocam em permanente conflito. Por isso, é fundamental, neste momento, a participação cada vez mais ativa dos juristas e advogados brasileiros no processo de evolução do nosso Direito do Petróleo, a fim de que o País possa adequar as regras institucionais do Estado às exigências da nova economia globalizada, sem perder de vista a proteção do interesse nacional. Entretanto, é forçoso reconhecer que a economia mundial exige, para segurança jurídica dos seus investimentos, regras claras e estáveis, assim como decisões oficiais transparentes, expedidas com isenção e em tempo real econômico.

Mas, para superar esse desafio com sucesso, cremos que cabe a todos os brasileiros, especialmente àqueles que atuam nas indústrias da mineração e do petróleo, o dever cívico de agir como verdadeiros defensores dos recursos naturais do nosso País.

Vale recordar que Attílio Vivacqua já advertia, em 1942, que "a civilização moderna é, na verdade, uma civilização mineral". E esclarecia: "já não basta ao homem minerar a terra. É preciso minerar o oceano, a atmosfera e, finalmente, transformar-se em alquimista porque a fome dos minerais (e aqui incluímos o petróleo) jamais se aplacará."

Ao encerramos este trabalho, gostaríamos de consignar, também, estas lúcidas e oportunas palavras do Professor DANIEL SARMENTO (in "Revista de Direito Administrativo", nº 223, jan./mar./2003):

"Quem aposta contra o enfraquecimento do Estado investe também contra a dignidade humana. Os países do capitalismo periférico, como o Brasil, não se devem deixar seduzir pelo canto da sereia do neoliberalismo, pois as suas propostas de encolhimento radical do Estado conduzem, tragicamente, ao aprofundamento das desigualdades e à formação de uma casta de párias, excluída de todos os benefícios da sociedade de consumo. Se a globalização é, de fato, irreversível, cumpre então redirecioná-la e pintá-la com cores mais humanas. É preciso globalizar também as vantagens que os incríveis avanços da ciência e da tecnologia proporcionam".


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Alfredo Ruy. A natureza jurídica da concessão para exploração de petróleo e gás natural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 389, 31 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5521. Acesso em: 25 abr. 2024.