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Grafite é arte:queira ou não

Grafite é arte:queira ou não

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Análise jurídica a respeito da polêmica das obras de grafite nos espaços públicos da cidade de São Paulo.

A mídia e as redes sociais vem sendo palco de um debate, tendo como mote a medida administrativa (programa) do Prefeito da capital paulista denominada “Cidade Linda” onde, segundo alguns veículos de imprensa[1], foi ordenado que se apagassem os grafites de alguns lugares indicados na cidade de São Paulo, como exemplo a Av. 23 de maio e os Arcos do Jânio.

Fugindo, contudo, da discussão no âmbito administrativo acerca do acerto ou erro da decisão, é certo que não se pode confundir “grafite” com o que de fato emporcalha as nossas cidades, que são as “pichações”. O “grafite” como toda a expressão artística goza da proteção conferida pela Lei de nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais), com todas as suas prerrogativas, inclusive os denominados direitos morais do autor elencados no rol do artigo 24 da supracitada lei.

Dentre estes direitos que podem, porventura, e em tese, ser violados, na hipótese de se resolver apagar as obras autorais, está o da integridade física da obra. Dúvidas não restam quanto a natureza autoral do “grafite”, nos termos do artigo 7º da Lei de Direitos Autorais, sendo bem reconhecido pelo Poder Judiciário conforme já se pronunciou o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de Apelação Cível de nº 0139084-90.2012.8.26.010:

 Ementa: DIREITO AUTORALDIREITOS PATRIMONIAIS E MORAIS DE AUTOR. REPRODUÇÃO DE OBRA DO TIPO 'GRAFITE' EM FOTOGRAFIAS INSERIDAS EM MATÉRIA DE REVISTA AUTOMOBILÍSTICA EDITADA PELA RÉ. DIREITOS PATRIMONIAIS NÃO VULNERADOS. OBRA SITUADA PERMANENTEMENTE EM LOGRADOURO PÚBLICO, CUJA REPRODUÇÃO É LIVRE. INTELIGÊNCIA DO ART. 48 DA LEI 9.610/98. AUSÊNCIA, OUTROSSIM, DE INTUITO COMERCIAL DA REPRODUÇÃO, DADO O CARÁTER NITIDAMENTE JORNALÍSTICO DA MATÉRIA. DIREITOS MORAIS, POR OUTRO LADO, VIOLADOS. IMAGEM REPRODUZIDA DA OBRA QUE FOI MANIPULADA DIGITALMENTE, AO PONTO DE RESTAR DESCARACTERIZADA E DEFORMADA. MANUTENÇÃO DA INCOLUMIDADE DA OBRA OU, AO REVÉS, INTRODUÇÃO DE MODIFICAÇÃO SUPERVENIENTE QUE CONSISTEM EM PRERROGATIVAS PERSONALÍSSIMAS DO CRIADOR (ART. 24, IV E V, DA LEI 9.610/98). DANO MORAL CARACTERIZADO, NA HIPÓTESE, 'IN RE IPSA', MEDIANTE A PUBLICAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DA RÉ CARACTERIZADA. 'QUANTUM' ARBITRADO COM RAZOABILIDADE, PELA SENTENÇA. AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Bem fundamentou-se o V. Acordão nos seguintes termos:

Em primeiro lugar, pese embora o inconformismo da apelante, dúvida não resta quanto à atribuição da autoria da obra em testilha ao demandante. No sentido, a Lei de Direitos Autorais (Lei n.º 9.610, de 19 de fevereiro de 1998), para além de alçar as “obras de desenho, pintura, [e] gravura” à categoria de criações intelectuais passíveis da proteção autoral, bem define o critério para a determinação de sua autoria, na forma de seus artigos 7º, inciso VIII, e 12, verbis: “Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: [...] VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética.

Sempre importante salientar que foi permitido (sem também adentrar ao mérito se correta a atitude), por ato administrativo, a livre manifestação artística nos citados locais públicos, pelo que sequer há que se falar em ilegalidade ou infração a ordem. Nada obstante, a obra artística reflete o momento cultural, político, histórico e sociológico de um determinado local ou sociedade, no que deve ser respeitado e bem sopesados os direitos em colisão.

Convém, por fim, salientar, que o Poder Judiciário reconhece pacificamente o grafite como obra autoral[2], criação do espírito e protegida pelo nosso ordenamento jurídico pátrio e convenções internacionais.

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[1] http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,doria-vai-retirar-grafites-dos-arcos-do-janio-e-da-23-de-maio,10000100076

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/01/14/sp-doria-manda-apagar-grafites-dos-arcos-do-janio-e-da-av-23-de-maio.htm

[2]

0139036-39.2009.8.26.0100 Apelação / Direito Autoral

0139084-90.2012.8.26.0100   Apelação / Direito Autoral 


Autor

  • Luciano Oliveira Delgado

    Pós-graduado em Direito Processual Civil (PUC/SP), com extensão em Propriedade Intelectual (CEU/SP); Direito de Energia (ESA/SP); Curso Geral de Propriedade Intelectual (OMPI), Direitos Autorais(FGV/RJ), Curso Básico de Propriedade Intelectual (Agência USPInovação/INPI), Curso Intermediário de Propriedade Intelectual (INOVAUnicamp/INPI).Diretor Acadêmico Adjunto do IASSA (Instituto dos Advogados de Sorocaba, Salto de Pirapora e Araçoiaba da Serra).Assessor Técnico da Secretaria da Administração da Prefeitura Municipal de Sorocaba-SP (2012/2014);

    Procurador-Geral Autárquico do SAAE – Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Sorocaba (2015/2016);

    Conselheiro Fiscal da Empresa Pública Municipal “Urbes Trânsito e Transportes” (2015/2016);

    Conselheiro Fiscal da Empresa Pública “Parque Tecnológico de Sorocaba” (2015/2016);

    Membro da Comissão de Loteamento do SAAE – Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Sorocaba (2015/2016);

    Membro da Comissão de Sindicâncias e PADs do SAAE – Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Sorocaba (2015/2016);

    Palestrante e autor de diversos artigos publicados em revistas especializadas.

    Autor colaborador do livro “Direitos Trabalhistas e Previdenciários dos Trabalhadores no Ensino Privado” com o capítulo: “Direito Autoral e de Imagem do Professor” sob a coordenação do Eminente Ministro do TST José Luciano de Castilho Pereira e publicado pela LTr. Autor colaborador do livro “Estudos de Combate a Pirataria, em homenagem ao Desembargador Luiz Fernando Gama Pellegrini”. Sob a coordenação do Professor Eduardo Salles Pimenta e publicado pela Editora Letras Jurídicas, com o capítulo: “Ótica Legal Acerca da Pirataria Musical”.

    Autor colaborador do livro “Direito Autoral Atual”. Sob a coordenação do Professor José Carlos da Costa Netto e publicado pela Editora Elsevier, com o capítulo “A Efetividade da Tutela do Art. 105 da Lei de nº 9.610/1998”.

    Área de atuação: Direito Civil, Propriedade Industrial, Direito Autoral e Conexos, Direito Contratual, Direito do Entretenimento, Direito Administrativo

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