Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/5596
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A importância do voto impresso como validador de uma eleição eletrônica

A importância do voto impresso como validador de uma eleição eletrônica

Publicado em . Elaborado em .

          Resumo

          Em 1996, introduziu-se, e desde lá se vêm aperfeiçoando, o instituto do Voto Eletrônico no Brasil. No elenco das graves críticas, de toda natureza e ordem, sofridas por aquele processo, uma delas emerge de forma unânime, senão como a mais preocupante, pelo menos como a de mais difícil defesa, quanto à necessidade e mérito, pelos técnicos responsáveis do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): a ausência da impressão do voto para efeito de validação do modelo adotado, ou mesmo posterior recontagem, caso necessário.

          Isso porque, infelizmente, longe de ser um detalhe, talvez até mesmo uma consideração menor dos projetistas daquele modelo, na verdade a ausência da possibilidade de auditoria do resultado da eleição e da própria mecânica utilizada pela falta da impressão de qualquer documento da vontade individual ali depositada, não só foi cuidadosamente pensada e executada pelos técnicos do TSE, como, à revelia dos partidos políticos, balizou a própria criação daquele projeto.

          Ou será outro o espírito do § 1º do Art. 10. da Resolução 19.877/97 do TSE, que textualmente diz: "Em hipótese alguma será permitida a realização de auditoria dos programas e do conteúdo dos disquetes por entidade alheia ao funcionamento da Justiça Eleitoral."?

          Porque tanto sigilo em um programa, grosso modo, simples como acumular e totalizar votos públicos?

          Restringir o acesso externo ao sistema é um absurdo do ponto de vista lógico, visto que as únicas partes que poderiam ter algum sigilo seriam as que porventura contivessem algum código sigiloso, o que soa impensável em um sistema de serviço público civil. Mesmo em um sistema fechado, apenas as senhas relacionadas à criptografia (codificação de forma a impedir a leitura desautorizada) teriam que ser preservadas, o que também não faz sentido em um sistema como o eleitoral, onde os dados são impressos e tornados públicos imediatamente após o encerramento do período de votação.

          Este trabalho pretende, assim, de forma breve e simplificada, ser uma compilação da história da Urna Eletrônica Brasileira à luz de tão pouco divulgada característica, e, ao mesmo tempo, um convite à reflexão sobre o quão crível pode ser a divulgação dos resultados de uma máquina baseada no princípio do obscurantismo e da infalibilidade técnica e moral de seus responsáveis.


          1. Introdução

          Poucos foram os que ousaram posicionar-se contra a Urna Eletrônica Brasileira de Votação, especialmente em seus primórdios, em 1996. Ainda assim, eleitores brasileiros como a Advogada Rejane Madalena Lüthemaier, de Porto Alegre, RS, que enviou representação à Procuradoria Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul; o Analista de Sistemas Francisco Boér de Americana, SP, que entrou com processo junto ao TRE/SP; o Engenheiro Benjamin Azevedo, do Rio de Janeiro, RJ, que criou uma página na Internet, referência bibliográfica [AZE96]; e os membros de uma lista de debate que viria a se tornar o Fórum do Voto Eletrônico na Internet [FVE97] já se manifestavam, criticando erros conceituais de segurança no projeto do Sistema Eleitoral Informatizado. Foram expressões individuais, independentes e sem articulação entre si.

          Em 98, outros processos foram abertos junto a Justiça Eleitoral, antes mesmo da eleição, como o do Engenheiro Amílcar Brunazo Filho (processo 89/98 do 273º Cartório Eleitoral de Santos, SP), e o do Administrador Evandro de Oliveira (processo 012-98 no TRE/MG), apenas para ficar nestes, os quais recusaram-se a votar por entenderem que a máquina a eles oferecida pela Justiça Eleitoral, para este fim, não atendia ao princípio da garantia do sigilo do voto. Tomaram esta atitude extrema na expectativa de despertar a atenção dos juizes para a insegurança do processo – no qual o número do eleitor era digitado na mesma máquina de votar, abrindo a oportunidade para a identificação dos votos -, e assim contribuir com a melhoria da segurança do sistema recém-criado. Não é preciso muito esforço para imaginar como foram ridicularizados, em especial pelos próprios Juizes Eleitorais, os quais, em sentenças, chamaram-nos explicitamente de "burros e incompetentes", obrigando-os ao pagamento de multas, pela recusa de votar, de até 10 (DEZ) vezes o valor previsto na Lei, chegando a colocar, em sentença, que isso seria uma boa lição. Isso quando não rotulavam estes "maus cidadãos" de agitadores, interessados apenas em tumultuar o processo eleitoral.

          Ressalte-se que a máquina de votar brasileira, chamada de Urna Eletrônica, é a única no mundo todo onde a identificação do eleitor e seu voto são colhidos no mesmo equipamento, e no mesmo ato, revelando que a compreensão do processo, pelos juizes eleitorais brasileiros, não é corroborada em nenhuma outra democracia estável em todo o planeta.

          Como será que devem se sentir esses Magistrados hoje, após o escândalo do Painel do Senado, situação idêntica, na qual o sigilo do voto fora quebrado exatamente por quem jurava, dias antes, ser a violação impossível, e que as suspeitas eram bobagens de pessoas sem conhecimentos técnicos do funcionamento do processo?

          Que sentimentos devem ter em relação aos técnicos do TSE, que o tempo todo lhes garantiam uma confiabilidade total no sistema, afiançando sempre que o sistema era 100% à prova de fraudes?

          Seremos surpreendidos, a qualquer momento, por uma "Regina Borges" do TSE, chorando e confessando que recebera "ordens superiores" para negar, até mesmo sob tortura, alguma fraude nas Urnas Eletrônicas?

          A simples existência deste Seminário do Voto Eletrônico no Senado Federal mostra como foi possível, a partir da hora em que a teoria virou prática e uma auditoria externa foi feita no Sistema de Votação Eletrônica do Senado, mostrar ao brasileiro menos letrado as possibilidades de fraude em relação ao seu voto.

          Infelizmente, alguns só acreditam na existência do muro depois que batem com a cabeça nele.

          Qual terá sido o prejuízo para o País em todos estes anos, se alguma das diversas hipóteses de fraude, deixadas em aberto pelo Projeto da Urna Eletrônica, houver realmente acontecido?

          De fato, com a comprovação das mais diversas possibilidades de manipulação, pelos responsáveis, do Painel Eletrônico do Senado, as atenções do País voltam-se, agora, para aquela que é sua versão para as massas, a Urna Eletrônica de Votação.


          2. Histórico

          Em 1996, ocorreu a primeira votação eletrônica, com o voto materializado sendo impresso e, simultaneamente, cópia virtual deste sendo processado em memória eletrônica, para facilitar a posterior totalização dos votos, dadas as suas características na rapidez de manipulação e transporte. A impressora estava embutida dentro da própria urna, e o voto materializado, real e impresso, era depositado automaticamente em um saco plástico, sendo, no entanto, impossível ao eleitor visualizar se aquela impressão correspondia perfeitamente ao que lhe era mostrado na tela do equipamento. A maioria dos eleitores, na verdade, sequer percebeu que havia uma impressora ali.

          Alguns processos foram intentados, alegando várias deficiências de segurança, mas imediatamente negados pela Justiça.

          Na eleição seguinte, em 1998, já não havia mais a impressão ou materialização do voto. Sob os mais variados "argumentos", os técnicos do TSE haviam conseguido o impossível: transformar a cópia em original, ou seja, a memória virtual e eletrônica passava a ser a única possibilidade de verificação do voto. Terminava, ali, a possibilidade da detecção de fraudes, intencionais ou não, pela completa ausência de mecanismos de controle externo do processo e de documentos válidos para auditoria, tanto de votação como de apuração. Mais processos foram barrados na Justiça, e a cópia eletrônica e virtual do voto impresso, por "filha única" do processo, passava a ser tratada por "o voto", apesar de nada em Lei definir que tal documento virtual, se é que podemos chamá-lo assim, teria o valor de um documento real.

          Finalmente, em 2000, dada a abrangência de sua utilização, ocorreu o inevitável. As urnas estavam, agora, não só nas capitais, mas sim em todo o País, em cada seção e cabine eleitoral. Nenhum produto físico da vontade do eleitor foi gerado: apenas uma breve musiquinha, alertando-o de que seu voto havia sido computado. Eleitores jurando que votaram em um candidato e viram a foto de outro; candidatos apelando de resultados incompatíveis com as pesquisas de véspera, e mesmo de situações absurdas como não ter tido sequer o seu voto na seção em que havia votado. Tudo em vão: os Tribunais negaram todas as apelações, e, à exceção de algumas poucas cidades nas quais ainda hoje correm processos, de resultados duvidosos até mesmo pela má-vontade com a qual são tocados, restou aos partidos, candidatos e cidadãos em geral o consolo da palavra dos técnicos do TSE, dos quais os Juizes fazem o papel do boneco de ventríloquo, de que a máquina é infalível e não cabem reclamações.


          3. As Premissas

          3.1 A Eliminação do Voto Materializado e da Conferência da Apuração

          Saudada, por conta de uma milionária campanha de publicidade do TSE, como marco da tecnologia brasileira, pioneira mundial em quebra de paradigmas e outras auto-homenagens de idênticos e discutíveis merecimentos, esta "maravilha" sofre, porém, de um vício de origem revelado por ninguém menos que o Dr. Paulo César Camarão, Secretário de Informática do Tribunal Superior Eleitoral e responsável pelo desenvolvimento do atual modelo de votação eletrônica.

          Ao arrepio dos Partidos Políticos, Candidatos, e mesmo do Povo, em entrevista à Revista TEMA, editada pelo SERVIÇO FEDERAL DE PROCESSAMENTO DE DADOS (SERPRO), referindo-se ao projeto da UE, como a Urna Eletrônica é carinhosamente tratada no TSE, o Dr. Camarão foi extraordinariamente sincero no tocante ao objetivo fundamental de que a mesma não poderia permitir qualquer hipótese de recontagem de votos, declarando textualmente que:

          "….Recontagens como ocorriam em eleições anteriores ao uso da urna eletrônica eram demoradas e incorriam em gastos adicionais, além de, muitas vezes, mudar o resultado do pleito. Além disso, a demora na divulgação dos resultados de uma eleição presidencial pode gerar prejuízos intangíveis, decorrentes de desaquecimento de atividades econômicas"

          Para, pouco à frente, complementar:

          "...acreditamos não haver metodologia similar em nenhum país". [CAM00]

          Sustenta Sua Senhoria que as vantagens são muitas, pois, em sendo rápida e irrecorrível, o resultado da apuração eletrônica não criaria incertezas passageiras, não abalando, assim, as bolsas, investimentos, etc., o que, em sua opinião, é vital para o País.

          Ou seja, a eliminação do voto materializado como validador da apuração não é um mero detalhe, ou conseqüência dos fatos: é, na verdade, o pilar central do Projeto da Urna Eletrônica Brasileira, ao redor do qual os técnicos do INPE e do TSE estruturaram toda uma complexa operação a fim de garantir, à força, sua vontade unilateral.

          Não titubeou o Dr. Camarão sequer em contrariar o que ele próprio escrevera a respeito em sua obra "O Voto Informatizado: Legitimidade Democrática" [CAM97], quem sabe seguindo a máxima "esqueçam o que escrevi", de uso cada vez mais comum nas esferas administrativas do País, de uns tempos para cá.

          Assim, para impedir a conferência da apuração, colocou-se em marcha uma seqüência de sutis mas seqüenciais ações. Primeiro, em 1996, deixaram a impressora como parte do conjunto, cumprindo sua função de imprimir o voto, porém embutida e escondida, sendo impossível a qualquer um ver se seu voto correspondia à cópia que era armazenada na memória eletrônica.

          Na verdade, promoveram, já em 1996, a versão TSE do "apagão", fazendo com que os eleitores votassem "no escuro", sem poder enxergar o que estava sendo impresso a seu próprio comando...

          Depois, arrasando, nos Tribunais, com os poucos que se manifestaram oficialmente contra aquela arbitrariedade, pela imposição de multas de até 10 (DEZ) vezes o valor máximo previsto em Lei para alguns que se recusaram a votar sem poder ver seu voto, e animados com a falta de atenção dos Partidos Políticos em questionar aquela arbitrariedade, especialmente pela pequena quantidade de localidades nas quais o voto foi efetuado daquela maneira, ousaram retirar, já em 1998, a impressão do voto do processo, desta forma completando seu objetivo em apenas dois ciclos de eleições.

          Tiraram "do bolso do colete" várias "considerações": ninguém havia reclamado dos resultados nem querido ver os votos impressos; as impressoras quebravam muito; o software estava suficientemente testado para poder dispensar a cópia impressa...

          E aí se tornou claro o objetivo e os instrumentos que seriam usados para alcançá-lo.

          Primeiro, faz-se importante salientar que, ao contrário do que propagam seus responsáveis, foram várias as tentativas de impugnação dos resultados, sempre rejeitados pela Justiça Eleitoral (a mãe da Urna...) sob alegação de que o que se queria era apenas a perturbação da ordem, já que a Urna (sua filha...) era tecnicamente perfeita, etc..., limitando-se os juizes a rezar na cartilha colocada em suas mãos pelos técnicos daquele Poder.

          Acrescente-se, ainda, que a maioria dos eleitores nem percebeu que havia uma impressora dentro da urna, assim como não percebeu que a digitação de seu número de eleitor fora efetuada em um terminal ligado diretamente à maquina na qual depositou seu voto, permitindo, tecnicamente, que houvesse vinculação do voto ao eleitor.

          Depois, porque a impressora, ao contrário do que divulgam, NÃO FOI RETIRADA DO CONJUNTO. De fato, ela permanece lá até hoje, apenas mais camuflada, pois, ao mesmo tempo em que há de subsistir, a qualquer custo, o argumento de que ela é perfeitamente dispensável, faz-se imprescindível imprimir alguns papéis de controle, tais como a zerésima, o BU – Boletim de Urna - com os resultados finais, etc.

          Controles impressos os quais, quem sabe, os técnicos do TSE estejam também querendo eliminar futuramente - como sugeriu o Ministro Carlos Velloso em seu discurso de posse no TSE em 1995 -, colocando-os também na memória eletrônica e, aí sim, retirando realmente o sistema impressor do conjunto, até mesmo com o "argumento" de que, assim, o Brasil estaria ingressando, desde já, no Século 25...

          Este sim, o "apagão" definitivo!

          3.2 A Recusa do Eleitor

          Em Março de 1999, o Senador Roberto Requião deu entrada ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 194/99, o qual prevê a impressão dos votos pela máquina de votar e sua posterior confirmação pelo eleitor, para que se tornasse possível a conferência da apuração eletrônica e a recontagem dos votos quando necessário.

          No debate público entre o Ministro Nelson Jobim e o Senador Roberto Requião, ocorrido no dia 01 de Junho de 2000, em reunião extraordinária da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal [CCJ00], o Ministro Jobim, falando pela presidência do TSE, centrou suas críticas ao PLS 194/99 no fato de que o voto impresso não poderia ser entregue nas mãos do eleitor, sob pena de se abrir oportunidade para a volta do "voto-de-cabresto", ou "voto-carreirinha", o qual havia sido eliminado pela adoção do modelo atual de UE.

          O Senador Requião acatou a crítica do Ministro Jobim e solicitou o retorno do PLS 194/99 à CCJ, para receber emendas. A emenda, declarando que o voto impresso seria depositado automaticamente na urna convencional, sem ser entregue nas mãos do eleitor, foi apresentada pelo Senador Romeu Tuma, relator do processo, em fevereiro de 2001.

          Dada esta nova condição, o Ministro Nelson Jobim alterou o seu discurso e, desde sua posse como presidente do TSE, em junho de 2001, vem divulgando à imprensa que a impressão do voto sugerida pelo PLS 194/99 não é adequada por que um eleitor mal intencionado poderia bloquear o processo de votação, simplesmente alegando que seu voto impresso não está correto, e que "desta forma não é possível conferir uma divergência do eleitor", já que o mesário não pode verificar se a alegação do eleitor procede sem violar o seu voto.

          Ora, este novo "argumento", agora apresentado para se recusar o voto materializado como meio de conferência da apuração eletrônica, é absolutamente sofístico!

          Na UE atual, o voto virtual é apresentado ao eleitor na tela do equipamento e o eleitor deve, então, digitar a tecla "CONFIRMA" ou a tecla "CANCELA". Se, neste momento, o eleitor alegar que o voto virtual apresentado na tela não está de acordo com o digitado, o mesário nada pode fazer para conferir se a alegação do eleitor é procedente ou não, e um eleitor mal intencionado pode, desta forma, igualmente bloquear o processo de votação.

          Na realidade, a possibilidade de um eleitor mal intencionado bloquear a votação decorre EXCLUSIVAMENTE da existência da tecla "CONFIRMA" no painel da UE. Não tem a menor importância se o voto a ser confirmado estiver desenhado na tela ou impresso num papel. Se um eleitor quiser bloquear a processo de votação, basta alegar repetidamente que o que lhe é apresentado, na tela ou no papel, não está correto.

          Desta forma, se vê que este novo "argumento", apresentado pelo presidente do TSE para justificar a não aceitação da impressão do voto, é vazio e improcedente, além de incorreto, o que leva a crer que está sendo apresentado apenas para se manter o Projeto fiel à idéia central de impedir a conferência da apuração a qualquer custo, conforme descrito no item 3.1 acima.

          3.3 O Princípio do Obscurantismo

          Além da impossibilidade de auditoria da apuração dos votos, outro fator diminui a credibilidade do nosso Sistema Eleitoral Informatizado: a falta de transparência do sistema.

          O Art. 66 da Lei Eleitoral 9.504/97 impõe a adoção do Princípio da Transparência como meio de dar garantias de segurança e confiabilidade ao Sistema Eleitoral Informatizado, ao declarar:

          ‘Lei 9.504/97, Art. 66. Os partidos e coligações poderão fiscalizar todas as fases do processo de votação e apuração das eleições, inclusive o preenchimento dos boletins de urna e o processamento eletrônico da totalização dos resultados, sendo-lhes garantido o conhecimento antecipado dos programas de computador a serem usados".

          No entanto, o TSE adotou o Princípio do Obscurantismo como técnica de segurança, como fica explícito pelo Art. 13 da Resolução 19.877/97 do próprio TSE:

          "Res. 19.877/97, Art. 13. O projeto da Urna Eletrônica é de propriedade da Justiça Eleitoral, assenta-se no sigilo de seu funcionamento, garantindo a segurança e a integridade dos resultados eleitorais".

          Assim, desrespeitando a Lei Eleitoral, O TSE impede os Partidos Políticos de conhecerem e analisarem integralmente os programas de computador utilizados na apuração e totalização dos votos. Esta política do TSE foi contestada em juízo, em setembro de 2000 – portanto, antes das eleições -, através do Mandado de Segurança nº 2914/2000, impetrado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) junto ao TSE. Não havendo argumentos para contestar o pedido de transparência contido no mandado de segurança, o mérito deste simplesmente não foi analisado, depois de ter ficado por sete meses aguardando julgamento, tendo sido arquivado em abril de 2001 "por perda do objeto", visto as eleições já terem sido realizadas!

          Simplificadamente, o que ocorreu foi o seguinte:

          1) A Lei Eleitoral prevê que os partidos possam conhecer, antes das eleições, TODOS os programas utilizados na apuração e totalização dos votos.

          2) O TSE não apresentou todos os programas no prazo legal, descumprindo o estatuído em Lei.

          3) Um partido, o PDT, impugnou em juízo, dentro do prazo legal, a atitude do TSE

          4) O Presidente do TSE, como relator do processo, rejeitou a impugnação contra a não apresentação de todos os programas, alegando defesa do direito autoral dos seus fornecedores e riscos à Segurança Nacional.

          5) Ainda antes das eleições, dentro do prazo legal, o PDT entrou com um Mandado de Segurança com Pedido de Liminar, alegando que nem a Lei de Direitos Autorais nem o Decreto do Executivo Federal se sobrepunham à Lei Eleitoral, e solicitou o cumprimento desta pelo TSE.

          6) O Ministro do TSE, que julgou o Pedido de Liminar, reconheceu a não apresentação dos programas, mas rejeitou o pedido alegando que a não apresentação dos programas era para "não vulnerabilizar" o sistema. Restou o julgamento do mérito do Mandado de Segurança.

          7) Passou-se a eleição, a diplomação dos eleitos, a posse até que, sete meses depois da eleição, o Mandado de Segurança foi arquivado SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, por "perda do objeto", visto a eleição já ter se passado!!!

          Desta forma, o TSE encontrou uma eficaz maneira de manter o Princípio do Obscurantismo adotado e nunca mais precisar cumprir a Lei Eleitoral: "engaveta" a impugnação até que a eleição passe e arquiva o processo por "perda do objeto".

          3.4 A Incorruptibilidade Presumida

          O Princípio do Obscurantismo, como política de segurança adotado pelo TSE para o Sistema Eleitoral Informatizado, baseia-se na incorruptibilidade presumida dos seus projetistas e operadores, ou seja, supondo-se que todos os responsáveis pelo sistema sejam sempre honestos, então a segurança do sistema estaria garantida, daí não ser necessário se conferir a apuração por meio do voto impresso.

          Felizmente, e especialmente à população leiga em informática, dois fatores imprevisíveis e sucessivos colocaram o corpo técnico responsável em situação de difícil manutenção de suas premissas de desnecessidade da impressão e inabalável pureza de propósito de seus integrantes.

          Primeiro, a eleição presidencial norte-americana, a qual, por vários fatores, precisou de várias recontagens para se chegar a um veredicto definitivo, algo impossível com a nossa mirabolante idéia de "eleição sem papel". Na eleição americana os votos foram contados e recontados – automática e manualmente - enquanto um dos candidatos questionou, de forma fundamentada, o resultado. Somente depois do candidato Gore reconhecer a derrota, o resultado foi proclamado.

          Segundo, a descoberta da fraude envolvendo o Painel de Votação no Senado, na qual misturam-se toda uma série de características absolutamente idênticas ao Projeto da Urna Eletrônica, em especial a demonstração explicita de que sistemas de votação informatizados e inauditáveis têm sua confiabilidade dependente exclusivamente da disciplina moral dos seus responsáveis.

          Concorre, ainda mais, para comprometer a idéia de confiabilidade implícita dos órgãos públicos, a situação do Federal Bureau of Investigation (FBI) americano, o qual está bastante encrencado com seu Projeto Carnivore, um programa com este codinome que, colocado em provedores da Internet, intercepta e analisa todas as mensagens de e-mails por ali trafegadas. O problema é que ninguém pôde ter acesso a seu código, o que fez com que várias Instituições de Proteção aos Direitos do Cidadão ingressassem na Justiça contra seu uso. O FBI até acenou com a possibilidade de submeter o sistema a uma análise independente, mas as regras para realizar tal revisão receberam duras críticas, a ponto de Instituições renomadas como Harvard University, MIT, Purdue University, Dartmouth University e University of California se recusarem a revisar o sistema, por não concordar em ceder às restrições técnicas impostas pelo FBI para a análise.

          "Não se trata da geração de um relatório independente", chegou a dizer Jeffrey Schiller, gerente de redes do MIT, ao USA Today, referindo-se às regras impostas pelo Departamento de Justiça dos EUA para realização do estudo do Carnivore, entre elas a de que os pesquisadores deveriam examinar apenas as questões que o governo queria que fossem avaliadas.

          Os pesquisadores evidentemente discordaram dessas imposições, e alegaram que uma investigação aberta para todos os especialistas iria resolver eventuais erros e melhorar o sistema. Com a recusa em massa, o exame foi então levado a cabo pela pouco creditada Universidade de Illinois, cuja revisão é tida como "comprada" pelo governo americano.

          "Esse estudo é uma espécie de raio-X confuso do Carnivore, e estará obsoleto em dois meses, quando o FBI soltar a próxima versão do sistema", alfinetou Barry Steinhardt, diretor da American Civil Liberties Union (ACLU). A crise gerada é grave a ponto de o sistema ter sido rebatizado, pelo FBI, para DCS 1000, para tentar diminuir as críticas começando pelo nome agressivo. [IDG00]

          Serão as semelhanças de obstacularização de auditoria, com as do Projeto da Urna Eletrônica de Votação, mera coincidência? Estaremos depositando nossos votos na boca de um Carnívoro eleitoral? Novamente, a pergunta que não quer calar...

          Já há algum tempo, por medo de invasões de seus sistemas, as empresas investiram maciçamente em segurança externa, com a aquisição de dispositivos como firewalls e similares, apenas para descobrir que, na prática, o maior problema de segurança é interno. A própria VOGON INTERNATIONAL, a mais conhecida empresa de auditoria de segurança e recuperação de informações do mundo, reporta, em sua renomada publicação "The Enemy Within", que o ataque não só parte de dentro da própria Organização, como é executado, via de regra, por altos executivos, ou, como são mais comumente conhecidos, os "criminosos do colarinho branco" [VOG00]. Em seu "site" na Internet (www.vogon.co.uk), a empresa reforça: "You may think you know your colleagues but take a second look... It is currently estimated that over 70 per cent of computer crime originates from within the affected organisation, but could you spot the signs that something was going on?" A quebra de sigilo do Painel do Senado, perpetrado justamente pela funcionária responsável por sua integridade, apenas ajudou a reforçar tais estatísticas.


          4. A Importância do Papel

          Sem dúvida, uma cartada de mestre a troca do voto impresso por sua cópia eletrônica, dando a esta a honra daquela. Sim, pois aí concentra-se a essência da manobra, e o fulcro do Projeto: ao mesmo tempo em que elimina-se a possibilidade de recontagem, objetivo básico da UE, inverte-se o eixo do debate, o qual centra-se sobre a existência ou não de salvaguardas suficientes para habilitar a UE a efetuar e transmitir, com segurança e confiabilidade, cópia dos votos em forma eletrônica, para a falsa discussão sobre uma suposta dúvida sobre a necessidade de se imprimir, não o Voto em si, mas sim um medíocre e mesmo desnecessário "comprovante de voto", sem finalidade outra que a de aumentar os custos e vulnerabilidades da solução.

          Verdadeira usurpação, esta maquiavélica inversão de valores: deu-se, assim, à cópia do Voto, armazenado eletronicamente e inauditável, direito adquirido de ser chamado de "O Voto", restando ao verdadeiro Voto Eletrônico, aquele emitido pela máquina, real e palpável, que é solicitado, analisado, auditado, confirmado e impresso pelo eleitor "intuitu personae", mais pura e confiável manifestação de sua vontade soberana, o triste destino de "comprovante", como o tíquete de compras da quitanda da esquina.

          Só não conseguem explicar porque o mesmo Governo que faz questão de dar um passo de modernidade único no mundo, de dispensar papéis em uma eleição presidencial, apenas para ficar na instância mais elevada do poder ali disputado, não o faz nos demais atos com o cidadão, neste que é o único País do mundo a ter uma aberração chamada Cartório, e no qual nem mesmo um Ministério da Desburocratização logrou acabar sequer com as filas e a papelada necessária para se tirar um simples documento de identidade.

          De fato, desde 1999, todas as empresas brasileiras de comércio de bens e serviços são obrigadas, por lei, a adquirir uma máquina Emissora De Cupom Fiscal (ECF), e nelas registrar todas as suas vendas, seja dinheiro, cheque ou cartão. O Governo chegou mesmo a encarar e ganhar uma briga com as administradoras de cartões de crédito, as quais foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) tentando não ser obrigadas a alterar, para permitir impressão das operações realizadas, as cerca de 450.000 (Quatrocentas e Cinqüenta Mil Máquinas) instaladas no País.

          Ora, se que a mesma Lei das ECF obriga que as máquinas adquiridas tenham uma memória eletrônica que suporte o armazenamento de, no mínimo, 1.275 reduções (fechamentos diários), o que dá algo como 5 (cinco) anos de transações, porque tanto empenho em que elas imprimam algo,? Porque brigar judicialmente no STF para obrigar a impressão da arrecadação daquele eleitor, e ser tão liberal e "moderno" no tocante ao direito de ver o voto daquele que é, ao mesmo tempo, contribuinte? Não compõe ambos o mesmo cidadão, e não se submetem aquelas à mesma Administração Central?

          Melhor ainda, não foram ambas definidas pelo mesmo Poder Legislativo?

          Alardeiam que a impressora foi a parte que mais problemas deu em 1996, um dos motivos para excluí-la do conjunto em 1998. Porém, as impressoras utilizadas pelo Comércio nas ECFs trabalham, não 10 horas a cada 2 anos, mas sim até 10 horas por dia, e não apresentam este nível de problema.

          O que dizer, então, dos caixas eletrônicos bancários, que trabalham emitindo papel 24 horas por dia, 365 dias por ano, parando praticamente apenas para o ressuprimento das bobinas? Aliás, se papel não fosse importante, os próprios bancos já teriam eliminado este pesado gasto de suas planilhas de custo...

          E isso, tal e qual o comércio, em todo o Brasil, mostrando, de forma definitiva, que a solução tecnológica para quaisquer problemas envolvendo a impressão, seja clima, distância, preço, volume ou qualquer outro pretexto para sua eliminação, já foi há muito alcançada, sendo tal pretensão apenas uma decisão de cunho estritamente pessoal dos técnicos do TSE, talvez para projetarem-se, vaidosamente, como pioneiros mundiais em automação total, para fins de enriquecimento curricular, ou talvez, até mesmo, com outros objetivos de mais difícil confissão...

          Quem não se lembra da passagem 1999/2000, quando a ordem era tirar um extrato antes e outro depois de 1o de Janeiro, para ter a comprovação de saldo disponível, no caso do sistema de informática entrar em pane por conta do "Bug do Ano 2000"?

          E jamais ocorreu de alguém querer auditar os programas de computador que controlam os caixas eletrônicos, simplesmente porque, por mais proprietários que esses programas possam ser, por mais sofisticadas e complexas que sejam as estruturas necessárias à sua operação, por mais conceituada, honesta, gabaritada e bem paga que seja sua equipe de analistas e programadores, todas as suas operações são impressas, tornando-se, assim, uma salvaguarda, não só do cliente, como também da direção do Banco, de que não há erros ou falhas em sua programação.

          Não temos qualquer dúvida de que, se algum dia um banco anunciar que, a partir dali, suas máquinas não estarão mais imprimindo as operações nelas executadas, por "ter atingido um grau de sofisticação tecnológica e honestidade da equipe responsável que dispense tal garantia", nem mesmo os técnicos do TSE manteriam suas contas naquele estabelecimento...

          Erradicar o voto impresso, colocando em seu lugar sua discutível e impericiável cópia 100% eletrônica, é como retirar a fotografia dos radares eletrônicos de velocidade. Seria como se, a partir de amanhã, começassem a chegar na casa dos eleitores multas irrecorríveis, dizendo que foram flagrados por um radar e em velocidade acima da permitida, com prazo para pagar a multa e pontos a menos na carteira.

          Não por outro motivo o chefe de gabinete da presidência do DER-RJ, Lineu Castilho Martins, informou, na matéria "DEPOIS DO FUSCA VOADOR, O GOL QUE FLUTUA DE RÉ A 67KM NA RODOVIA RJ-104", assinada por Dimmi Amora/O Globo, textualmente, que "o sistema de emissão de multas é eletrônico e por isso alguns tipos de problema muitas vezes não podem ser detectados, por isso a foto da infração é impressa na multa para dirimir este tipo de dúvida".

          Ele referia-se à multa aplicada ao Gol placa LAZ-0882, quando o radar do KM 3,5 da rodovia RJ- 104 (antiga Amaral Peixoto), no dia 14 de janeiro deste ano, registrou uma velocidade de 67 km/h e o dono do carro, o aposentado Mário dos Santos Sabino, de 62 anos, recebeu uma multa de R$ 102,18 por ultrapassar o limite de velocidade da via, que é de 60 km/h.

          A foto mostrou o veículo sem motorista, amarrado pelos pneus, um pouco acima do chão e passando de ré pelo aparelho. Mário até hoje tenta explicar ao Departamento de Estrada de Rodagem (DER), que, como seu carro não flutua, o responsável pela infração é o reboque que conduzia seu veículo quebrado de Friburgo para a casa dele, no Méier. Mas até agora não teve sucesso. Seria ótimo se pudéssemos tirar o papel do nosso dia a dia. Seu custo, suas necessidades de fabrico, transporte, armazenamento e guarda, entre outros, só são menores que a necessidade de preservamos nossas florestas e o ecossistema de forma equilibrada. O problema é que ainda não inventaram nada que possa substituí-lo, por mais que queiramos nos livrar dele. Basta lembrar que, enquanto disquetes de 4 ou 5 anos atrás muitas vezes não são mais reconhecidos ou suportados pela tecnologia atual, volta e meia desenterram-se, no Oriente, papiros das mais remotas épocas conhecidas, cujos hieróglifos são suficientes, muitas vezes, para permitir a reconstituição de toda uma cultura até então perdida.

          Por outro lado, pode-se sempre tentar polemizar o fato de que a presença do papel no processo abre as portas para fraudes. É possível, porém como parte independente do processo eletrônico, pois o único momento em que o papel participa do mecanismo é na hora da impressão da escolha do eleitor, o que, acontecendo sem o contato físico deste, exclui tais preocupações da lista dos responsáveis técnicos de informática. Logo, se as hipóteses de fraude, por conta da presença de papel, são todas referentes à logística deste, e externas ao assunto em pauta, chega a ser vergonhosa a tentativa de incluí-la em uma discussão sobre a solução tecnológica em si.

          Se o Projeto do Voto Seguro (www.votoseguro.org), elaborado pelas dezenas de técnicos, políticos e eleitores, e posteriormente encaminhado para votação pelo Senador Roberto Requião, conseguirá recuperar a credibilidade da Urna Eletrônica é um mistério. Porém, um pequeno acontecimento foi muito valioso nesse tempo todo, e vale a pena refletir sobre ele.

          Em Janeiro de 2000 estivemos, juntamente com o colega Evandro Oliveira, como assistentes de um candidato que havia aberto um processo, na pequena cidade de São Domingos de Goiás, a 400 Km de Brasília, para participar de uma pretensa perícia nas UEs da cidade. De imediato, fomos avisados de que nem precisávamos desfazer as 3 malas de equipamentos que leváramos, pois haveria apenas uma "demonstração didático-pedagógica" da Urna para a população.

          Ficamos ali observando, sem entender porque, para uma demonstração de tal simplicidade, em uma comunidade tão humilde, havia sido enviada à pequena cidade (8.000 habitantes, pelo que nos informaram) a elite de informática do TSE, comandada pelo Chefe de Gabinete da Presidência e composta inclusive pelo próprio Dr. Camarão, em pessoa, além do coordenador de informática do TRE, entre outros ilustres.

          Depois de muita conversa diversionária com a platéia, negação de tudo o que pedimos sob os mais esdrúxulos argumentos e respostas evasivas às nossas inquisições, foi proposta, pelos próprios técnicos do TSE, o que, segundo eles, seria a prova de fogo quanto ao perfeito funcionamento do sistema: fizeram uma fila de pessoas presentes, zeraram a memória da máquina e pediram a cada um que votasse em um candidato, à sua escolha. No momento de cada voto, anotavam, em um papel à parte, o candidato agraciado. Ao final, imprimiram o BU, e acenaram com a lista de papel, para mostrar que ambos eram iguais.

          Obviamente, o Dr. Evandro não perdeu a oportunidade de, em avisado da metodologia do teste, fotografar todas as suas etapas: afinal, não é todo dia que o próprio TSE reconhece, em teste de sua própria autoria, que, na dúvida, vale é o papel...


          5. Conclusões

          A História ensina que o Brasil sempre teve fraudes eleitorais, em suas diversas fases. E que, a cada melhoria para garantir sua integridade, novas falcatruas eram maquinadas e postas em prática.

          Todas as fraudes banidas pelo Projeto da Urna Eletrônica Brasileira o foram pela eliminação do contato do eleitor com o papel, não pela ausência desse. O papel impresso, depositado na Urna sem qualquer contato manual do eleitor, é mais do que suficiente para preservar todos os ganhos do processo, acrescentando-lhe a confiança necessária de qualquer técnico sem a necessidade de perícias impossíveis em milhões de linhas de código-fonte, acesso a softwares proprietários de propriedade intelectual restrita, blocos de programação obscuros e tantas outras possibilidades de deficiências, falhas ou malícias.

          O fato das Urnas não estarem ligadas em Rede é falacioso, pois, ainda que não haja cabos interconectando-as fisicamente, todas foram "alimentadas" com o mesmo software, ou seja, executarão as mesmas instruções básicas, salvo se sofrerem alteração posterior. Assim, se houver um erro de programação, todas as urnas executarão a falha; se tiver havido um ataque, interno ou externo, ao programa dentro do TSE, este será propagado para todas as Urnas quando do carregamento delas.

          E como saber se o software aprovado foi o mesmo instalado em todas as máquinas? Só confiando na palavra de ouro dos técnicos do TSE... Na última eleição, conforme entrevistas concedidas ao Jornal do Brasil, em 30/08/2000, e à Folha de São Paulo, em 15/10/2000, o Engenheiro Oswaldo Catsumi Inamura, funcionário do INPE cedido ao TSE, confirmou que o programa utilizado na UE foi alterado DEPOIS de dado como definitivo aos Partidos Políticos, e, mesmo que não o houvesse confessado, nada poderia ter sido feito, pois não há meios de se garantir que aquele programa foi o inserido na Urna. Nem mesmo com uma assinatura eletrônica, pois não há regulamentação de seu uso no Brasil...

          Mesmo porque, além de tudo, fiscalizar a carga do programa em 350.000 urnas, localizadas em 10.000 locais diferentes do Brasil, no prazo de 5 (cinco) dias, e depois manter estes fiscais vigiando as urnas, dia e noite, até o dia da votação para que ninguém adultere seus programas, não é viável, nem técnica, nem economicamente.

          Não é razoável querer que os Juizes do TSE sejam graduados em informática, assim como, igualmente, não é admissível que todo um País fique refém da arrogância tecnológica dos "experts" que àqueles assessoram. É impossível que uma máquina, dita tão revolucionária, seja admirada apenas dentro de sua própria casa, não sendo respaldada por qualquer outro técnico ou Instituição Auditora independente, além de ter sido vergonhosamente recusada por todos os governos dos mais de 45 (Quarenta e Cinco) países democráticos, aos quais unidades foram demonstradas, e até cedidas para avaliação, desde 1996.

          O ex-senador Arruda aprendeu o quão é ridícula a humildade à força das circunstâncias. O Brasil espera que os responsáveis pela UE conheçam a método do exemplo.

          A impressão do voto é o único mecanismo de controle externo disponível à população. É ele que permite ao cidadão ser o fiscal de seu próprio voto; é ele que permite ao candidato o direito à recontagem, como garantia de que não houve manipulação da vontade popular. Por último, é o voto impresso que garante a todos, inclusive aos próprios responsáveis pelo Projeto, o perfeito funcionamento do mecanismo, auditado voto a voto e pelo próprio interessado.

          E a importância disso cresce quando estudamos o valor de um único voto. Em 1645, apenas um voto deu a Oliver Cromwell o controle da Inglaterra. Em 1776, um voto definiu o Inglês, ao invés do Alemão, como a língua oficial dos Estados Unidos. Em 1868, o Presidente Andrew Johnson foi salvo de um "impeachment" por um voto. Em 1923, um voto deu a Adolph Hitler o controle do Partido Nazista. [PAT97].

          Muitas são os aperfeiçoamentos necessários ao Projeto da Urna Eletrônica Brasileira, a fim de poder se legitimá-la de forma técnica e independente: para ficarmos apenas nos mais óbvios, temos a desvinculação da entrada no número do eleitor e do voto deste da mesma máquina, e a retificação do sistema de teclas numéricas, o qual hoje permite, a um espectador atento saber, pela diferença de tempo entre os tons emitidos, a escolha do eleitor, especialmente no segundo turno. Correções as quais, juntamente com o retorno do Voto Impresso, devem ser executadas de forma urgente, para não se correr o risco de termos que passar a conhecer a solução apresentada como Urna Funerária Brasileira, na qual a Democracia dormirá seu sono eterno.

          Ao leigo, é importante reforçar: eleição eletrônica não é sinônimo de ausência de papel, e sim de armazenamento secundário em forma binária. Trocando em miúdos, uma cópia eletrônica do voto impresso, para dar àqueles átomos a capacidade de velocidade dos bits, porém, no mínimo, dividindo a última palavra com aquele. Talvez os técnicos do TSE não se sintam tão orgulhosos ao verem uma simples impressão, em lugar de uma bela foto do candidato, definindo a escolha do eleitor. É normal que alguns egos se sintam feridos, e até mesmo que a descida do pedestal da perfeição, no qual prematuramente se colocaram, soalhes, tecnologicamente, como passo atrás, ou mesmo derrota de sua teoria. O fato é que, vaidades à parte, não se pode é negar ao cidadão ser o fiscal da sua liberdade de escolha, nem ao candidato ter a certeza de que foi mesmo derrotado, e muito menos que ambos os processos foram legítimos, não apenas que pareceram legítimos. E isso só é possível com a mais sofisticada ferramenta de auditoria ainda hoje disponível à Humanidade: o papel impresso.


          6. Referências Bibliográficas

          [AZE96] Azevedo, Benjamin. Urna Eletrônica - Ameaça ao Voto Secreto?, Rio de Janeiro, 1996 - http://members.tripod.com/~Benjamin_Azevedo/urna.htm

          [CAM97] Camarão, Paulo César Bhering. O Voto Informatizado: Legitimidade Democrática. São Paulo: Empresa das Artes, 1997.

          [CAM00] Camarão, Paulo César Bhering.. Democráticas e Baratas. Entrevista à Revista TEMA, Número 151, Pág. 03, SERPRO, Ministério da Fazenda - Set/Out 2000.

          [CCJ00] Ata da 22ª Reunião Pública Extraordinária da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, do dia 01 de Junho de 2000

          [FVE97] Brunazo Filho, A. et alli. Fórum do Voto Eletrônico. Santos, 1997 - www.votoseguro.org

          [IDG00] Página Internet da IDG NOW! Pesquisadores rejeitam sistema do FBI para vigiar e-mails, 6 de Setembro de 2000, Senado quer nova revisão do Carnivore, 15 de Junho de 2001, e Sistema do FBI para vigiar e-mail não fere privacidade, 22 de Novembro de 2001.

          [PAT97] LAVELLE, Patrick. The Power of One. SUCCESS HOTLINE (ON-LINE), 1997

          [VOG00] VOGON INTERNATIONAL. The Enemy Within, 2000.



Informações sobre o texto

Texto elaborado voluntariamente para o Seminário do Voto Eletrônico, promovido pela Subcomissão do Voto Eletrônico da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, em junho de 2001.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Cláudio Andrade. A importância do voto impresso como validador de uma eleição eletrônica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 407, 18 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5596. Acesso em: 4 maio 2024.