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Regime jurídico-constitucional da educação

Regime jurídico-constitucional da educação

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Ora em sua dimensão subjetiva (direito fundamental à educação), ora em sua dimensão objetiva (prestação estatal obrigatória), observa-se, no texto constitucional, um conjunto lógico e sistematizado de disposições normativas (regras e princípios) sobre educação.

Introdução

Efetuando uma análise predominantemente sincrônica da Constituição Federal de 1988, é possível concluir a especial atenção com que tratou normativamente da educação.

Ora em sua dimensão subjetiva – no que atinente ao direito fundamental à educação, ora em sua dimensão objetiva – no que relacionado à educação como um prestação estatal obrigatória, regulamentando os princípios que devem nortear essa atividade, a repartição de competências nessa matéria, bem ainda o modelo de financiamento dessa atividade, observa-se existir, no texto constitucional, um conjunto lógico e sistematizado de disposições normativas (regras e princípios) sobre educação.

Daí ser possível afirmar a existência de um direito constitucional da educação, na acepção com que Celso Antônio Bandeira de Mello aduz que "... há uma disciplina jurídica autônoma quando corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e normas que lhe dão identidade, diferenciando-a das demais ramificações do Direito" (1997, p. 26).

A tanto, porém – afirmar com segurança a existência de um ramo científico autônomo - não pretende esse artigo, que se contenta em procurar tecer comentários acerca do que entende existir como o regime jurídico-constitucional da educação.


1. Conceito constitucional de educação

É possível deduzir, do texto constitucional, um conceito de educação, a partir de interpretação lógico-sistemática de diversos dos seus dispositivos: processo pluralista de ensino-pesquisa-aprendizagem, de responsabilidade do Estado, da família e da sociedade, tendo como objetivos o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (artigos 205 e 206).

Nesse sentido, a educação é direito social inafastável, instrumento indispensável para a própria formação plena da pessoa. [1] Sem educação, a personalidade não se mostra plena em seu conteúdo, ficando prejudicado no campo fático - mas também no campo jurídico [2] - o gozo de certos direitos subjetivos por aqueles que a ela não têm acesso.

O preparo para o exercício da cidadania é também fator de extrema importância para a integração social. A cidadania é fundamento da República (artigo 1º, inciso II da Constituição), e diz com a dimensão política do indivíduo - ou seja, o seu poder soberano de decidir os destinos da sociedade politicamente organizada, quer por meio de representantes eleitos, quer diretamente, através de plebiscitos, referendos e projetos de lei de iniciativa popular (art. 1º, parágrafo único, art. 44 e seguintes, art. 14 e art. 61, § 2º), o que é mesmo corolário do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil (art. 1º, caput) – sendo atributo do nacional em gozo dos direitos políticos. [3]

Cidadania [4] é, no dizer de Càrmem Lúcia Antunes Rocha (1996, p. 116-117):

(...) a liberdade expressa na vida política, na participação política: liberdade de escolher as formas de convivência política afinadas com objetivos que se elegem pelo grupo social; liberdade de participar dos governos e de manifestar-se sobre o desempenho dos governantes; liberdade de participar da escolha dos meios de condução dos negócios da cidade; liberdade de determinar-se segundo os seus interesses e aspirações, em benefício de sua própria realização e do benefício de todos e de, assim participando, decidir o seu presente e o seu futuro.

A educação é, portanto, indispensável instrumento de preparo para o exercício da cidadania, nos termos em que aqui colocada. [5]

Finalmente, a educação tem como objetivo a qualificação para o trabalho, de modo que o trabalho (art. 6º, caput), também um direito fundamental, possa ser plenamente exercido.


2. A educação como direito fundamental

A educação aparece normatizada pela Constituição de 1988 dentre os chamados "direitos sociais" – capítulo II do Título II (que trata dos "direitos e garantias fundamentais"). De logo se percebe a importância de buscar compreender a exata dimensão e as conseqüências jurídicas do tratamento da educação como um direito fundamental.

Antes, porém, é necessário esclarecer o que se entende, aqui, como direito fundamental, procurando, inclusive, fixar um corte metodológico entre esta categoria e a categoria dos direitos humanos.

Esse é uma problema instigante, cuja solução simplista poderia ser a de que os direitos humanos são direitos não positivados no ordenamento jurídico, mas absorvidos pela consciência coletivo-social como direitos ocupantes de mais alto grau na hierarquia jurídica, enquanto os direitos fundamentais, a par de conservar essa mesma posição superior na hierarquia dos direitos, seriam positivados como tais no ordenamento jurídico.

Em verdade, direitos humanos são os direitos que todos os homens possuem pela simples condição de serem homens, independentemente inclusive do vínculo estatal que apresentem, do que decorre uma série de direitos, a maioria deles absorvidos pelos ordenamentos jurídicos dos mais diversos Estados ao longo do pós-guerra.

Para Paulo Bonavides (1998, p. 349), essa distinção estanque entre direitos humanos e direitos fundamentais não é importante:

Autores há que estabelecem com extremo rigor e afã metodológico distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais. De tal sorte que, segundo eles, os primeiros independem de estarem ou não positivados, ao passo que os segundos vêm a ser aqueles que num determinado ordenamento jurídico são formulados como tais pelo legislador; inserem-se no texto normativo básico ou constam de suas respectivas declarações de direitos. Desse ponto de vista, os direitos humanos se tornam equivalentes aos direitos naturais, enquanto os direitos fundamentais são certos direitos positivos, de grau mais elevado, atribuídos pelo Estado aos seus cidadãos. Caminhou notoriamente nesse sentido, como se sabe, o constitucionalismo de Weimar. Todavia, parece-nos que é indiferente usar as expressões "direitos humanos" e "direitos fundamentais", desde que seu emprego contemple invariavelmente a qualidade superlativa desses direitos na hierarquia jurídica.

Já Willis Santiago Guerra Filho (1997, p. 12) prefere estabelecer essa distinção, com nitidez, de forma a estabelecer um corte epistemológico:

(...) para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas, situadas em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas – especialmente aquelas de direito interno.

Adota-se aqui esta última posição, sem desprezar a noção de Paulo Bonavides de que os direitos fundamentais possuem qualidade superlativa na hierarquia jurídica.

A Constituição Federal de 1988 foi bastante fértil em se tratando de direitos fundamentais. Criou um título específico, o Título II, que compreende do artigo 5º ao artigo 17, para tratar "dos direitos e garantias fundamentais", dividindo-o em cinco extensos capítulos, que tratam dos "direitos e deveres individuais e coletivos", dos "direitos sociais", "da nacionalidade", "dos direitos políticos" e dos "partidos políticos". O rol dos direitos fundamentais assegurados expressamente é, portanto, muito extenso, compreendendo-os em suas diversas gerações e dimensões.

Assim, a Constituição Federal preocupou-se em assegurar os direitos de liberdade, oponíveis ao Estado, como garantia contra o arbítrio e o abuso do poder político, os direitos de igualdade, tendentes à vinculação e obrigatoriedade para com prestações positivas do Estado à sociedade, objetivando a redução das desigualdades sociais em busca da igualdade jurídica e social, os direitos de participação, que envolvem a necessária contribuição do povo à formação da vontade e das decisões do Estado Brasileiro de uma forma geral, e ainda direitos chamados de "terceira geração" ou "terceira dimensão", típicos da preocupação com valores como a paz, a solidariedade e o desenvolvimento.

Nesse sentido, acolheu a Constituição Federal, de certa forma, e desde que se atualizem as suas análises, a doutrina dos "status" de George Jellinek. Para Jellinek, é incontestável que o indivíduo é um membro do Estado; logo, qualifica-se perante ele sob vários aspectos: "... As possíveis relações nas quais pode encontrar-se com o Estado colocam-no numa série ede condições juridicamente relevantes" (apud MIRANDA, 1998, p. 84). Esta "série de condições juridicamente relevantes" do indivíduo perante o Estado seriam os status.

Na condição de subordinado ao poder de império estatal, haveria o status passivo, que limita a personalidade individual.

A personalidade do Estado também se limita em sua capacidade de agir, "por efeito do dever moral que lhe incumbe de reconhecer a personalidade dos súditos" (JELLINEK, apud MIRANDA, 1998, p. 85). Ao reconhecer e respeitar a personalidade do indivíduo, como uma esfera de atuação que lhe é vedada, uma esfera em que o seu poder de império encontra-se excluído, o Estado está portanto respeitando o status libertatis, o status negativo do indivíduo.

Como o Estado existe para atuar em nome do interesse geral dos súditos, e quando ele reconhece ao súdito

(...) a capacidade jurídica de pretender que o poder público atue em seu favor, quando lhe dá a faculdade de servir-se das suas instituições estaduais, quando, numa palavra, o Estado concede ao indivíduo pretensões jurídicas positivas, está-lhe reconhecendo o status positivo, o status civitatis, o qual se apresenta, pois, como o fundamento do complexo das pretensões estaduais no interesse individual (JELLINEK, apud MIRANDA, 1998, p. 85).

E, por último, ao conferir ao indivíduo o poder de agir por conta do Estado, promove-o à cidadania ativa, que corresponde ao status ativo, status activo civitatis, "com o qual o indivíduo fica autorizado a exercer os chamados direitos políticos em sentido estrito" (JELLINEK, apud MIRANDA, 1998, p. 85).

Nestes quatro status – passivo, negativo, positivo e ativo – se resumem as condições em que o indivíduo pode deparar-se diante do Estado como seu membro. Prestações ao Estado, liberdade frente ao Estado, pretensões em relação ao Estado, prestações por conta do Estado, tais vêm a ser os diversos aspectos sob os quais pode considerar-se a situação de direito público do indivíduo. Estes quatro status formam uma linha ascendente, visto que, primeiro, o indivíduo pelo fato de ser obrigado à obediência, aparece privado de personalidade; depois, é-lhe reconhecida uma esfera independente, livre do Estado; a seguir, o próprio Estado obriga-se a prestações para com o indivíduo; e, por último, a vontade individual é chamada a participar no exercício do poder político ou vem mesmo a ser reconhecida como investida do imperium do Estado (JELLINEK, apud MIRANDA, 1998, p. 85-86).

Jorge Miranda bem observa – sem contudo retirar o mérito e a importância da doutrina de Jellinek – que os direitos fundamentais não podem ficar restritos aos "status" – "condições juridicamente relevantes do indivíduo frente ao Estado" – "direitos subjetivos públicos". Diversamente, o âmbito dos direitos fundamentais

(...) abrange não só situações jurídicas ativas das pessoas frente ao Estado como situações funcionais inerentes à titularidade de cargos públicos (a que, em breve, iremos aludir); abrange situações que cabem no Direito administrativo, no tributário ou no processual (direitos dos funcionários e dos administrados, direitos das partes em processo); e incluiu ainda direitos de entidades públicas, enquanto sujeitos de relações jurídico administrativas, de relações jurídico-financeiras ou de outras relações de Direito público interno (1998, p. 55).

Não obstante esta percuciente observação, a doutrina de Jellinek se projeta sobre a evolução dos direitos fundamentais em sua característica multidimensional. Segundo Canotilho,

(...) aos direitos fundamentais não poderá hoje assinalar-se uma única dimensão (subjetiva) e apenas uma função (proteção da esfera livre e individual do cidadão). Atribui-se aos direitos fundamentais uma multifuncionalidade, para acentuar todas e cada uma das funções que as teorias dos direitos fundamentais captavam unilateralmente (1999, p. 522).

Nesse sentido é que Ingo Wolfgang Sarlet remete o estudo da multifuncionalidade dos direitos fundamentais – salientando que não se trata de nenhuma novidade - à doutrina de Jellinek, pois, "na medida em que foi sofrendo críticas e reparos, foi mantida viva mediante um contínuo processo de redescoberta pela teoria constitucional (inclusive no direito pátrio), de modo especial na qualidade de parâmetro para a classificação dos direitos fundamentais" (1998, p. 156-157).

Nesse quadro, é possível identificar o direito à educação como um típico direito de segunda geração histórica, relacionado ao valor jurídico da igualdade real, e consubstanciado predominantemente naquela situação jurídica de se poder exigir do Estado a educação como uma prestação positiva (status positivo).

É realmente nessa moldura que o direito à educação é tratado como um direito fundamental pela Carta Política de 1988.

Quando trata dos direitos sociais (capítulo II do Título II), a Constituição efetua um certo desmembramento quanto aos seus destinatários. Assim é que o artigo 7º enumera direitos sociais dos "trabalhadores urbanos e rurais", elencando apenas alguns deles como titularizados também pelos "trabalhadores domésticos" (artigo 7º, parágrafo único), sendo ainda destinados aos servidores públicos titulares de cargos públicos, com restrições (artigo 39, § 3º) e assim também aos militares (artigo 142, § 3º, inciso VIII e artigo 42, § 1º). Entretanto, no que se refere aos direitos sociais do artigo 6º (educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados), a Constituição não faz qualquer restrição, não se exigindo, para a titularidade de tais direitos fundamentais, a condição jurídica de trabalhador, podendo o desempregado, por exemplo, exigir do Estado o seu implemento. [6]

Nessa toada, o artigo 205 estabelece que a educação é "direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. .." (grifou-se).

Esse dever do Estado com a prestação da educação a todos, como direito fundamental, deve ser efetivado mediante a garantia de: a) ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria; b) progressiva universalização do ensino médio; c) atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; d) atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; e) acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; f) oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; g) atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (tudo conforme o Art. 208 e seus incisos).

Desse modo, seria até desnecessário - não fosse a importância, no Brasil, de sempre se reafirmar o óbvio – a norma do artigo 208, § 1º prever que "o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo".

De outra parte, se o Estado não cumprir com a sua obrigação de oferecimento do ensino obrigatório (o não cumprimento aí significa tanto a sua não oferta quanto a sua deficiente oferta), a Constituição determina a responsabilização da autoridade competente (artigo 208, § 2º). É dizer: além das eventuais sanções cíveis, criminais e administrativas, o não cumprimento da obrigação estatal com a prestação da educação obrigatória configurará, pela autoridade responsável, a prática de crime de responsabilidade, por atentado contra a Constituição Federal e especialmente contra o exercício dos direitos sociais (Art. 85, inciso III), sendo a educação um direito social fundamental, conforme visto.

Quanto à família (base da sociedade e possuidora de especial proteção do Estado, segundo o artigo 226 da Constituição Federal), o seu dever jurídico de prestar educação se consubstancia em assegurá-la à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade (artigo 227), o mesmo podendo ser dito em relação à sociedade, sendo ainda dos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (artigo 229).

Portanto, tratar normativamente a educação como um direito fundamental predominantemente associado a prestações positivas do Estado, da família e da sociedade, mas sobretudo do primeiro (status positivo) significa também o estabelecimento de uma série de conseqüências jurídicas, que podem ser resumidas: a) "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata" (artigo 5º, § 1º da Carta Magna), sendo então justiciáveis os direitos e garantias fundamentais, entendido justiciáveis como passíveis de tutela jurisdicional, em face do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário em caso de lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, inciso XXXV); b) o estabelecimento de uma ordem de valores e prioridades enquanto políticas públicas a serem executadas e desenvolvidas pelo Estado para a prestação da educação.


3. Os princípios do ensino

3.1. Generalidades

O art. 206 da Constituição enumera formalmente o que denomina de princípios orientadores do ensino. Tais princípios servem como base para a aplicação de todas as regras jurídicas voltadas à atividade do ensino. [7]

3.2. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola

Trata-se, aqui, de uma específica manifestação do princípio mais geral da igualdade, verificável no preâmbulo, nos arts. 3º, incisos I e IV e 5º, caput da Carta de 1988. Do que trata o inciso I do artigo 206 é de estabelecer, na seara específica do ensino, que as condições para o acesso e a permanência na escola devem ser iguais para todos, uma vez que o dever do Estado para com a educação, como visto, dirige-se a todos e não apenas a certo ou certos grupos de pessoas.

Ocorre que, assim como o princípio da igualdade encarado em sua generalidade, a igualdade aqui retratada também pode ser encarada sob a ótica formal e sob a ótica material.

Formalmente, a imposição de tratamento igualitário a todos, não se estabelecendo nenhum privilégio ou prerrogativa no acesso e na permanência na escola seria suficiente para a garantia da aplicabilidade desse princípio.

Entretanto, encarado sob a ótica da igualdade material, aquela preocupada com a efetiva ou real igualdade, tal princípio não pode ser encarado como uma mera imposição de tratamento rigorosamente igualitário no acesso e permanência na escola, eis que tal encaminhamento terá o condão de perpetuar a situação de real desigualdade que se verifica na realidade brasileira, no ponto.

Essa problemática se verifica na discussão, recente no Brasil, a respeito das denominadas "políticas de cotas" em universidades, destinando-se certo percentual de vagas no ensino superior a grupos que historicamente não têm tido acesso a esse nível de ensino, a exemplo de negros ou de estudantes de baixa renda.

Analisado esse princípio sob a ótica da igualdade formal, as cotas seriam inconstitucionais, por instituírem um desigual mecanismo no acesso à escola (entendido escola aí em sentido amplo, englobando também faculdades, universidades e instituições de ensino superior) [8], beneficiando certos grupos em benefícios de outros.

Porém, analisando esse princípio à luz da igualdade material, as cotas podem ser encaradas como instrumentos de alcance de uma real igualdade de condições de acesso e permanência na escola, criando temporários benefícios àqueles grupos que, atualmente, pelas mais diversas razões, não têm tido as mesmas possibilidades. [9]

3.2. Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber

Em seu art. 5º, tratando dos direitos fundamentais individuais, a Constituição já inseriu a liberdade geral como um de seus valores básicos (caput), assegurando a sua inviolabilidade, bem como a liberdade de manifestação do pensamento, vedado o anonimato (art. 5º, inciso IV), a liberdade de consciência (art. 5º, inciso VI) e a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX).

Assim, quando a Constituição inclui, dentre os princípios do ensino, a "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber", está especializando aqueles preceitos mais genéricos sobre a liberdade de expressão, no contexto de um ensino pluralista praticado em um Estado Democrático de Direito.

3.3. Pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino

Aqui aparecem diferentes noções em torno de um mesmo norte: a diversidade.

Como necessária decorrência do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput) e do pluralismo político (art. 1º, inciso V), lembrando-se ainda a sua expressa remissão no preâmbulo da Constituição, é previsto o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas. É dizer: não cabe ao Estado impor modelos únicos e autoritários de idéias a serem aplicadas no processo ensino-aprendizagem, nem tampouco ditar as concepções pedagógicas a nortear o mesmo processo.

Ao contrário, tais idéias e concepções devem ser construídas dialeticamente, no cotidiano das atividades educativas, respeitando-se a autonomia das localidades e das unidades escolares, respeitadas as realidades regionais e diferenças ideológicas, não havendo nenhum modelo pronto, acabado e pré-concebido de ministrar o ensino.

Como manifestação desse pluralismo, a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino revela que, não obstante o Estado esteja obrigado a prestar a educação a todos, tal serviço não é seu monopólio, podendo ser prestado por particulares [10], inclusive aqueles que façam dessa atividade meio de obtenção de lucro, respeitadas, porém, as diretrizes constitucionais e legais, conforme determina o Art. 209 ("O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público").

3.4. Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais

A inserção da gratuidade do ensino público como princípio constitucional do ensino é suficiente para fulminar de invalidade qualquer projeto de lei que queira instituir o ensino público pago, mediante mensalidades, inclusive no nível superior.

Como diz José Afonso da Silva (1999, p. 812-813),

(...) onde o ensino oficial, em qualquer nível, já é gratuito não poderá passar a ser pago. Onde é pago, se for fundamental, deverá passar imediatamente a ser oferecido gratuitamente, e se for médio, a entidade pública mantenedora deverá tomar providência no sentido de que, progressivamente, se transforme em gratuito.

A gratuidade do ensino oficial nos três níveis – fundamental, médio e superior – é velha tradição do sistema educacional brasileiro. Pode-se, agora, dizer que essa tradição não era nada mais nada menos do que uma projeção futura, porquanto veio a ajustar-se à evolução do que tornara a educação um serviço público integrante dos fins do Estado Democrático. Por isso é que a Constituição, acolhendo a evolução, elevara a educação à categoria de direito de todos e, correlativamente, dever do Estado.

Na mesma toada Edivaldo Boaventura, para quem "(...) com essa diretriz, terminou a discussão acerca do ensino superior pago em universidade pública", frisando que, conforme dispõe o art. 242 da Constituição, esse princípio "(...) não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação da Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos" (1997, p. 149).

3.5. Valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos

A valorização dos profissionais do ensino, sendo garantido que, no âmbito do magistério público, serão organizados em carreira, com piso salarial profissional, foi alçada à condição de princípio do ensino.

A opção pela organização do magistério público em carreira significa dizer a inadmissibilidade de que o quadro do magistério da rede pública seja composto de cargo isolado. É dizer: o magistério público será organizado em um complexo, admitida, inclusive, a chamada progressão vertical.

Como diz Odete Medauar (2004, p. 316-317):

Os cargos isolados não são suscetíveis de progressão; hoje são em número pequeno, pois se tende a organizar planos de carreira para os servidores, como determina o § 1º do art. 39 da CF. Os cargos de carreira são aqueles que admitem progressão funcional vertical; para tanto, os cargos são agrupados e escalonados em classes. Classe é o agrupamento de cargos da mesma denominação e idênticas referências de vencimento; assim, por exemplo, uma carreira de Procurador escalonada nas classes de Procurador I, ref. 21; Procurador II, ref. 22; e Procurador III, ref. 24; cada uma dessas classes reúne um grupo de cargos; o Procurador inicialmente é nomeado para o cargo inicial da carreira, Procurador I; no exemplo; no decorrer da vida funcional, ascenderá aos cargos das classes superiores, o que importará em acréscimo de remuneração e às vezes no exercício de atribuições mais complexas, mas da mesma natureza de trabalho. Por isso, carreira é o conjunto de classes da mesma natureza de trabalho, escalonadas segundo a responsabilidade e a complexidade das atribuições. A passagem para cargos de classes superiores por vezes recebe a denominação de acesso, por vezes, de promoção (este é o termo usado na Lei 8.112/90 – Estatuto Federal, art. 10, parágrafo único, e art. 17, com a redação dada pela Lei 9.527/97); essa passagem não significa investidura inicial, a demandar concurso público; havendo concurso de acesso ou promoção, dele só poderão participar integrantes da carreira, titulares de cargos da classe imediatamente inferior aos cargos objeto e disputa, pois tal processo é inerente à existência da carreira.

Nesse sentido, o piso salarial profissional é o marco inicial remuneratório da carreira do magistério, elevando-se essa remuneração com o avanço na carreira, nos moldes comentados.

A investidura na carreira do magistério público somente se fará mediante concurso público de provas e títulos [11], sendo acessível aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei (art. 37, inciso I). [12]

3.6. Gestão democrática do ensino público, na forma de lei.

Esse também é um princípio que desenvolve uma especificidade em relação aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput), da soberania popular (art. 1º, parágrafo único), da cidadania (art. 1º, inciso II), do pluralismo político (art. 1º, inciso V).

Ou seja: no ensino público, de responsabilidade do Estado, sua gestão deve ser democrática, com toda a carga semântica que isso signifique. Gestão democrática não quer dizer apenas que os dirigentes das unidades de ensino devem ser submetidos a um processo de legitimação periódica (eleições), mas também que as atividades administrativas, pedagógicas, financeiras, devem ser parte de um processo de integração da comunidade escolar, que participe diretamente do seu gerenciamento.

É dizer: a gestão do ensino público não deve ser feita mediante um modelo imposto de cima para baixo, sem a participação de todos os atores envolvidos no processo educativo. Ao contrário: todos os atores envolvidos nesse processo devem participar ativamente da gestão escolar.

Aliás, esse é o modelo instituído pela Constituição com relação à gestão pública de um modo geral: é a democracia semi-direta, que combina o sistema representativo democrático com mecanismos de participação direta do povo no processo político. [13] Aqui, no inciso VI do art. 206, a Constituição determinou reproduzida, na gestão do ensino, o modelo de democracia semi-direta que preconizou para o Estado como um todo.

Combinando-se esse princípio com os objetivos constitucionais da educação, mais especificamente o do "preparo para o exercício da cidadania", verifica-se que, como comentado no item 1, esta só se perfaz através de direto envolvimento nos assuntos afeitos à "polis"; portanto, nada mais adequado que o preparo para o envolvimento do educando nos assunto políticos se realize experimentalmente no âmbito da própria escola - estrutura estatal mas sobretudo estrutura e espaço público de integração coletiva – avaliando as propostas de gerenciamento das escolas e participando, através de representantes eleitos e também diretamente, de sua gestão.

É importante registrar aqui que o Supremo Tribunal Federal já enfrentou, no julgamento de diversas ações diretas de inconstitucionalidade, o tema da gestão democrática das escolas públicas mediante processo eletivo de seus diretores, mas sempre analisando-o à luz de Constituições Estaduais e sistemas estaduais de legislação que incluíam o diretor de escola como um "cargo" a ser provido mediante eleição da comunidade escolar.

Daí têm-se que, em diversas dessas ações, o STF, em decisão tomada por maioria de seus membros – muitos deles, aliás, atualmente aposentados – decidiu pela inconstitucionalidade de tais disposições, levando-se em conta sempre o fundamento de que os cargos públicos, nos termos da Constituição Federal, ou são de provimento efetivo (regra geral), providos mediante concurso público de provas ou de provas e títulos, ou são de provimento em comissão (exceção), de livre nomeação e exoneração (Art. 37, inciso II). Assim, a criação, por lei estadual ou por determinação da Constituição Estadual, de cargos como o de Diretor Escolar, provido mediante eleição, além de violar a norma constitucional referida, no sentido de criar cargo de modalidade inexistente no texto constitucional, subtrairia a prerrogativa constitucional do Chefe do Poder Executivo de nomear e exonerar livremente os ocupantes dos cargos públicos (Art. 84, inciso XXV).

Assim, o STF emitiu posicionamento majoritário pela inconstitucionalidade da eleição para diretores de escolas deparando-se com estruturas normativas que estabeleciam a existência, na organização jurídico-administrativa, do "cargo" de diretor de escola, não tendo enfrentado a questão à luz do princípio da gestão democrática do ensino público. [14]

A questão da eleição para diretores de escola à luz do princípio da gestão democrática do ensino somente foi abordada, quanto ao seu conteúdo, pelo Ministro Carlos Velloso, que emitiu o seguinte posicionamento (ADIN 578-2/RS):

Pessoalmente, penso que o sistema de eleição de diretores de escola pública não é o melhor e de democrático só tem a aparência. O que se exige de um diretor de escola é o saber abrangente de uma série de questões científicas e do conhecimento humano. A eleição, por parte de toda a comunidade – professores, alunos, pais de alunos, servidores – muita vez tem presente menos o conhecimento científico e mais a capacidade de agradar e fazer promessas vazias.

Essa forma de encarar o processo de preenchimento da direção escolar por meio de eleições revela uma visão meritocrática e por que não dizer anti-democrática de exercício do poder (sim, a gestão pública do ensino também é uma manifestação de poder). É como se somente os "iluminados", portadores de um saber científico formal, estivessem aptos a gerir o ensino público. Transplantando esse raciocínio para a gestão do Estado, ter-se-á a subtração da soberania popular: ao invés de escolha dos representantes políticos por meio de eleições, que se realize concurso público para aferição dos portadores do saber científico, supostamente superior.

Ressalte-se que a eleição para diretor de escola é um dos diversos componentes da "gestão democrática do ensino público", devendo ser implementada toda uma estrutura jurídico-administrativa representativa dos diversos segmentos da comunidade escolar. Entretanto, essa constitui também elemento indispensável para a garantia da gestão democrática do ensino público, não se podendo falar em democracia, no atual sistema constitucional, sem levar em conta os seus aspectos direto e representativo, tais como preconizados pelo art. 1º, que trata do Estado Democrático de Direito, bem como em seu parágrafo único, que afirma que a soberania popular será exercida mediante representantes eleitos ou diretamente, nos termos regulamentados pela própria Constituição no artigo 14 e seus incisos.

A soberania popular também deve ser exercida na gestão da escola pública, por expressa determinação constitucional de gestão democrática do ensino público, e por essa razão a eleição para diretor de escola é indispensável para a concretude do Estado Democrático de Direito.

Finalmente, registre-se, para fins de informação, que tramita na Câmara dos Deputados proposta de emenda constitucional, de iniciativa do Deputado Federal Ivan Valente e que contou com a adesão de pelo menos 1/3 dos seus pares, que estende ao ensino privado o princípio da gestão democrática (proposta de emenda constitucional nº 267/2004, tendo como último movimento, em 25/05/2004, o seu recebimento para apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça daquela casa legislativa). [15]

3.7. Garantia de padrão de qualidade

De nada adiantaria a concepção da educação como um direito fundamental de todos e dever do Estado se não houvesse a garantia de padrão de qualidade do ensino a ser oferecido. Sem qualidade, a educação não será capaz de assegurar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (objetivos da educação).

É uma manifestação do princípio da eficiência na Administração Púbica (art. 37, caput), lembrando que, embora livre à iniciativa privada, o ensino deve ser submetido a avaliação de qualidade pelo Poder Público (art. 209, inciso II).


4. A educação como serviço público

Do modo como disposto na Constituição Federal, depreende-se que a educação foi tratada como um serviço público.

Importante, então, destacar o sentido técnico jurídico – bem como as conseqüências jurídicas daí advindas – do termo serviço público.

É que, como adverte Odete Medauar (2004, p. 371-372):

A expressão serviço público às vezes vem empregada em sentido muito amplo, para abranger toda e qualquer atividade realizada pela Administração pública, desde uma carimbada num requerimento até o transporte coletivo. Quando se fala em "ingresso no serviço público", é atribuído sentido amplo ao termo. Se esta fosse a acepção adequada, todo o direito administrativo conteria um único capítulo, denominado "serviço público", pois todas as atividades da Administração aí se incluiriam.

No sentido amplo da expressão "serviço público", são englobadas também as atividades do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, quando se menciona o seguinte: o Judiciário presta serviço público relevante; o Legislativo realiza serviço público. Evidente que aí a expressão não se reveste de sentido técnico, nem tais atividades sujeitam-se aos preceitos norteadores da atividade tecnicamente caracterizada como serviço público.

Serviço público, como um capítulo do direito administrativo, diz respeito a atividade realizada no âmbito das atribuições da Administração, inserida no Executivo. E refere-se a atividade prestacional, em que o poder público propicia algo necessário à vida coletiva, como por exemplo: água, energia elétrica, transporte urbano. As atividades-meio, por exemplo, arrecadação de tributos, serviços de arquivo, limpeza de repartições, vigilância de repartições, não se incluem na acepção técnica de serviço público.

Assim, o serviço público apresenta-se como uma dentre as múltiplas atividades desempenhadas pela Administração, que deve utilizar seus poderes, bens e agentes, seus atos e contratos para realizá-lo de modo eficiente.".

Celso Antônio Bandeira de Mello (1997, p. 423) conceitua serviço público, também em acepção técnica restrita, como

(...) toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.

A Constituição Federal aponta expressamente diversas atividades como sendo serviço público, a exemplo do transporte coletivo (art. 30, inciso V), serviços telefônicos e telegráficos (art. 21, XI), energia elétrica (art. 21, inciso XII, "b") (a enumeração é de Odete Medauar) - alguns a serem prestados diretamente pelo Estado e outros podendo ser prestados por particulares, mediante concessão ou permissão [16] - deixando margem à legislação infraconstitucional para a definição de outras atividades como serviço público.

A educação, quando prestada pelo Estado, enquadra-se perfeitamente na conceituação técnico-jurídica mais restrita de serviço público. Entretanto, como visto no item anterior, a Constituição permite que a educação seja oferecida por particulares (art. 206, inciso III e art. 209).

Nesse último caso, tal atividade não se enquadra na acepção técnica de serviço público como exposta acima, cabendo distinguir serviço público privativo do Estado e serviço público não privativo do Estado. Como diz Celso Antônio Bandeira de Mello (op. cit., p. 432),

Nesta última categoria ingressam os serviços que o Estado pode desempenhar, imprimindo-lhes regime de Direito Público, sem, entretanto, proscrever a livre iniciativa do ramo de atividades em que se inserem.

Seria o caso de serviços de educação e saúde, por exemplo. Aos particulares é lícito desempenhá-los, independentemente de concessão. Submetem-se, apenas, a uma fiscalização do Poder Público, que a efetua no exercício normal de sua polícia administrativa. A Carta Constitucional expressamente indica ser dever do Estado a prestação de serviços de ensino, saúde e previdência, o que não significa, entretanto, haja proscrito destas esferas a iniciativa privada. Por outro lado, a circunstância de deixar tal campo aberto aos particulares não autoriza a ilação de que, por tal motivo, estarão descaracterizados da categoria serviço público, quando prestados pelo Estado sob regime peculiar, uma vez que seu desempenho se constitui em um dever para o Poder Público.

Odete Medauar (op. cit., p. 376) partilha do mesmo entendimento:

É possível ainda cogitar de serviços públicos cuja responsabilidade cabe totalmente ao poder público, mesmo se executados por particulares, por exemplo: correio, água, gás canalizado, radiodifusão sonora e por imagens; e de serviços públicos assim considerados somente se o poder público os assume, pois o ordenamento também possibilita que a iniciativa privada exerça tais atividades, sob sua responsabilidade; por exemplo: assistência médica, ensino.


5. Repartição de competências entre os entes federativos em matéria de educação

A Constituição consagrou o modelo federativo de organização do Estado Brasileiro (art. 1º, caput). Tal regime, enquanto forma de organização estrutural de Estado, caracteriza-se por representar a união indissolúvel de coletividades regionais dotadas de autonomia - que se manifesta em diversos aspectos, dentre os quais o poder de auto-constituição e auto-organização, a autonomia política e capacidade legislativa própria, nos termos da Constituição, com auto-governo e auto-administração e eleição própria dos seus representantes políticos. Todas as características mencionadas encontram-se acolhidas pelo texto constitucional (artigos 1º, 18, 25, 29, 32).

Numa Federação, vislumbra-se a diversidade regional que caracteriza a união nacional. Num Estado Federal, ao contrário do Estado Unitário, diversas populações com diferenças sociais, econômicas, culturais, encontram o seu elo em comum originador da nação, mas preservam as suas diferenças e as suas peculiaridades regionais.

Numa Federação, o cidadão é ao mesmo tempo membro da união federativa e da sua região. No caso da federação brasileira, o cidadão é ao mesmo tempo membro da união federativa, da região (estado membro) e da cidade (município), e, em cada uma dessas esferas, insere-se de acordo com as peculiaridades que caracterizam esses âmbitos de convivência coletiva.

O regime federativo – criação dos constituintes de Filadélfia e grande contribuição para o constitucionalismo em seu desiderato de limitação do poder político – é o mais adequado para a organização de um Estado de dimensões territoriais continentais, como o Brasil, e que recebeu, em seu processo histórico de formação, as contribuições das mais diferentes culturas e dos mais diferentes povos, porque se apresenta como o mais eficaz meio de proporcionar o desenvolvimento nacional sem olvidar as diferenças regionais.

Dentre as principais características do regime federativo avulta a repartição de competências,

(...) que demarca os domínios da Federação e dos Estados-membros, imprimirá ao modelo federal que ela concebeu ou a tendência centralizadora, que advirá da amplitude dos poderes da União, ou a tendência descentralizadora, que decorrerá da atribuição de maiores competências aos Estados-Membros. Por isso, a repartição de competências é encarada como a "chave da estrutura do poder federal", "o elemento essencial da construção federal", a "grande questão do federalismo", "o problema típico do Estado Federal" (HORTA, 2002, p. 308).

Os Estados que adotam a forma federativa de organização interna pautam-se, na repartição de competências entre seus entes, por distintas técnicas, como: a) enumeração das competências da União, deixando aos estados-membros a competência remanescente (ex: EUA, Suíça, Argentina, México, Austrália); b) o inverso (enumeração das competências dos estados-membros, deixando à União as competências remanescentes (ex: Canadá); c) enumeração exaustiva das competências da União e dos estados-membros (Ex: Índia e Venezuela); d) cooperação dessas competências, conferindo competências comuns e concorrentes aos entes federativos, além das competências privativas de cada qual.

O sistema brasileiro, que ainda inclui o Município como ente da Federação [17], o que é apontado por Paulo Bonavides como inovação mundial (2001, p. 314), adota a seguinte regra: enumeração expressa das competências da União (arts. 21 e 22), enumeração expressa das competências dos Municípios (art. 30) e competências residuais ou remanescentes para os Estados-membros (art. 25, § 1º), com possibilidade de delegação de competências (art. 22, parágrafo único); competências comuns, de natureza administrativa (art. 23), competências concorrentes, de natureza legislativa (art. 24) e competência suplementar (art. 30, inciso II). [18]

Para a definição das matérias que deveriam ser atribuídas a cada ente federativo, valeu-se a Assembléia Nacional Constituinte do critério da predominância de interesses: onde predomina o interesse nacional, atribuiu-se à União a competência; onde predomina o interesse regional, atribuiu-se ao Estado-membro a competência; onde predomina o interesse local, atribuiu-se ao Município a competência. [19]

Em momentos especiais, porém, a Constituição foge à regra geral e estabelece expressamente a competência de cada ente federativo, repartindo, na mesma matéria, a seara de atribuições.

É o caso, por exemplo, da Segurança Pública (capítulo III do Título V), sendo as competências da União expressamente enumeradas no art. 144, § 1º (polícia federal), § 2º (polícia rodoviária federal), § 3º (polícia ferroviária federal), as dos estados-membros expressamente enumeradas no art. 144, § 4º (polícia civil), §§ 5º e 6º (polícias militares e corpos de bombeiros) e a dos municípios expressamente enumerada no art. 144, § 8º (guardas municipais). É também o caso da repartição de competências na seara tributária, havendo definição dos impostos da União (arts. 153 e 154), dos estados-membros (art. 155), dos impostos municipais (art. 156), bem como repartição das receitas tributárias entre os entes (arts. 157, 158 e 159).

É, finalmente, o caso da educação, em que a Carta de 1988 estabelece, no art. 211, o regime de repartição de competências nessa matéria. De acordo com o caput, "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino", com o que se prevê, nessa como em outras matérias, o federalismo de cooperação e não de competição.

À União foi atribuída a competência de organizar "o sistema federal de ensino e o dos Territórios", de financiar "as instituições de ensino públicas federais" e ainda de "exercer, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios" (art. 211, § 1º), cabendo-lhe, ainda, estabelecer as "diretrizes e bases da educação nacional" (art. 22, inciso XXIV) [20], o que é ratificado no art. 24, inciso IX, que estabelece competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal em matéria de educação [21], devendo as autoridades administrativas das três esferas governativas obediência a essas prescrições gerais.

Aos Municípios foi atribuída atuação prioritária no ensino fundamental e na educação infantil (art. 211, § 2º), sendo de sua competência "manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental" (art. 30, inciso VI), cabendo-lhe, ainda, legislar sobre o sistema municipal de ensino (art. 30, inciso I), bem como suplementar a legislação federal e estadual em matéria de educação, naquilo que atinente ao interesse local (art. 30, inciso II).

Aos Estados-membros e ao Distrito Federal foi atribuída atuação prioritária no ensino fundamental e médio (art. 211, § 3º) [22], cabendo-lhes ainda competência legislativa concorrente com a União na matéria, ficando os primeiros a cargo da edição de normas específicas (art. 24, IX).

A Constituição impõe ainda aos Estados e Municípios, na organização de seus sistemas de ensino, formas de colaboração, "de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório" (art. 211, § 4º). Como antes visto, o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito (art. 208, inciso I) – atuando conjuntamente aí, de forma prioritária, Estados, Distrito Federal e Municípios – e com a progressiva universalização do ensino médio gratuito (art. 208, inciso II), de atuação prioritária dos Estados e do Distrito Federal. Assim, para fins de cumprimento do art. 211, § 4º, deverão esses entes efetuar planejamento conjunto de suas atividades (também por força do art. 211, caput), a partir, inclusive, do recenseamento dos educandos no ensino fundamental a que alude o art. 208, § 2º, de modo a aferir a efetiva demanda de oferecimento do ensino fundamental, para que não haja sobreposição de oferta, a fim de que possa ser efetivamente assegurada a universalização do ensino médio, a cargo de atuação prioritária dos Estados-membros e do Distrito Federal. [23]

Nota-se, então, que o ensino superior fica a cargo da União, porque, mesmo não havendo norma expressa nesse sentido, a definição de atuação prioritária dos Estados, Distrito Federal e Municípios nos ensino médio, fundamental e infantil (atuando aí a União apenas na função redistributiva e supletiva, bem como oferecimento de assistência técnica e financeira, bem ainda a elaboração das normas gerais sobre o assunto) deixa clara a atuação prioritária, nas instituições de ensino públicas federais, no ensino superior. [24]


6. O financiamento da educação

A Assembléia Nacional Constituinte optou, quanto ao financiamento da educação como serviço público a ser ofertado pelo Estado - nos termos anteriormente expostos – em atribuir expressamente determinados percentuais das receitas públicas como fonte privativamente destinada aos investimentos nessa área. [25] [26]

É o que se lê no art. 212: "A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.". Assim, a Constituição já predefiniu o mínimo de recursos públicos a serem aplicados em educação: da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, 18% (dezoito por cento) devem ser gastos pela União e 25% (vinte e cinco por cento) pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Para efeito desse cálculo não é considerada, como receita do governo que a transferir, a parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios (art. 212, § 1º).

Tais recursos públicos, aplicáveis nos sistemas federal, estadual e municipal de ensino (art. 212, § 2º), serão destinados às escolas públicas (art. 213), podendo ser também a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei - desde que comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades (art. 213, incisos I e II). Poderão ainda tais recursos públicos ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando - ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade (art. 213, § 1º) - bem ainda a atividades universitárias de pesquisa e extensão (art. 213, § 2º).

Não podem ser computados como gastos com educação, para fins de cumprimento do disposto no art. 212, aqueles efetuados com programas suplementares de alimentação e assistência à saúde, pois esses serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários (art. 212, § 4º).

O ensino fundamental, por sua vez, terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida, pelas empresas, na forma da lei (art. 212, § 5º). [27] [28]

Vale frisar que a obrigatoriedade da aplicação de tais percentuais – no mínimo - de sua receita de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino [29] constitui dever jurídico gravemente sancionado em caso de não cumprimento. É que o art. 34, inciso VII, alínea "e" da Carta de 1988 autoriza a intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal, para que seja assegurada a "aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde", e o art. 35, inciso III, na mesma toada, autoriza a intervenção do Estado nos seus Municípios quando "não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde", sabendo-se o quão grave é, numa Federação, a ocorrência de intervenção de um ente em outro, mesmo que temporária, devido à regra geral da autonomia dos entes políticos e da igualdade entre os mesmos. [30]

Em 12 de setembro 1996, o Congresso Nacional promulgou a emenda constitucional nº 14 (publicada no Diário Oficial da União do dia 13/09/1996), que produziu alterações no capítulo da Constituição que trata da educação e introduziu significativas inovações na priorização dos investimentos públicos nessa área.

Assim é que o art. 5º da emenda constitucional referida, alterando a redação do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias [31], instituiu a obrigação de que, nos 10 (dez) primeiros anos da sua promulgação, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão, pelo menos, 60% (sessenta por cento) dos recursos destinado à educação a que se refere o caput do art. 212 com a manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização de seu atendimento e a remuneração condigna do magistério. É dizer: dentre os 25% (vinte e cinco por cento) que Estados, Distrito Federal e Municípios devem despender, no mínimo, com manutenção e desenvolvimento do ensino, a prioridade nesses investimentos, entre 12/09/1996 e 11/09/2006 deverá ser com o ensino fundamental (60% de tais recursos, pelo menos, deverão ser investidos nesse nível do ensino).

Para assegurar a distribuição de responsabilidades e recursos entre os Estados e seus Municípios a ser concretizada com parte dos recursos definidos no art. 60 do ADCT e de acordo com a repartição de competências do art. 211, foi criado, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, de natureza contábil (art. 60, § 1º). [32] O FUNDEF será constituído por, pelo menos, 15% (quinze por cento) dos recursos: a) do ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior, de competência dos Estados e Distrito Federal); b) da parte pertencente aos Municípios no ICMS (pertencem ao Município 25% do produto da arrecadação do ICMS); c) da parte que a União deve entregar, do produto de arrecadação do imposto de renda e proventos sobre qualquer natureza (IR) e do imposto sobre produtos industrializados (IPI) ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (21,5%) e ao Fundo de Participação dos Municípios (22,5%); d) da parte que a União deve entregar (10%), do produto da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados (IPI) aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados (a constituição dos recursos do FUNDEF é feita no art. 60, § 2º, primeira parte, do ADCT). A distribuição desses recursos, entre cada Estado e seus Municípios, será proporcional ao número de alunos nas respectivas redes de ensino fundamental (art. 60, § 2º, parte final, do ADCT), cabendo à lei dispor sobre a forma de cálculo do valor mínimo nacional por aluno. [33]

A União complementará os recursos dos Fundos estaduais sempre que, em cada Estado e no Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente (art. 60, § 3º do ADCT), cabendo-lhe ainda aplicar na erradicação do analfabetismo e na manutenção e no desenvolvimento do ensino fundamental, inclusive na complementação a que se refere o § 3º, pelo menos o equivalente a 30% (trinta por cento) dos recursos que deve destinar à educação (18% de suas receitas provenientes de impostos, conforme o art. 212).

Dos recursos do FUNDEF, pelo menos 60% (sessenta por cento) deverão ser destinados ao pagamento dos professores do ensino fundamental em efetivo exercício do magistério (art. 60, § 5º) [34], devendo o restante ser aplicado em infra-estrutura e qualidade do ensino fundamental. [35]

Em todas as esferas políticas, o percentual restante dos recursos destinados à educação (no máximo, 40% das receitas do art. 212) deverá, até 12/09/2006, ser aplicados em outros níveis de ensino de suas respectivas competências. [36]


Conclusões

A Constituição Federal de 1988, no que demonstrou especial atenção à regulamentação jurídica da educação, criou um autêntico regime jurídico da educação, caracterizado pela existência, em seu texto, de diversas disposições normativas (regras e princípios) sobre a matéria, individualizando-a das demais.

Assim é que, em sua dimensão subjetiva, a educação é assegurada como direito fundamental social de todos, de caráter prestacional, ao qual corresponde a obrigação estatal em prestá-la, constituindo crime de responsabilidade o seu não oferecimento ou a sua oferta irregular; assim também é que o direito à educação é justiciável, no sentido de ser assegurado o acesso ao Poder Judiciário para fins de garantia do seu efetivo cumprimento.

Já em sua dimensão objetiva, a Constituição trata dos objetivos da educação, dos princípios do ensino, da especificação das obrigações do Estado, da família e da sociedade em seu oferecimento, da repartição de competências entre os entes federativos na seara da educação, do financiamento da educação, dentre outros importantes aspectos.

Da análise desse conjunto normativo constitucional, inclusive efetuando-se a necessária ligação interpretativa entre o caráter subjetivo e o caráter objetivo do tratamento da educação com os demais preceitos constitucionais – em especial os princípios fundamentais e os direitos fundamentais - é que se alcança a existência de um consolidado regime jurídico-constitucional da educação, com todas as conseqüências jurídicas daí advindas, notadamente a supremacia de suas disposições sobre as disposições infra-constitucionais e a possibilidade do controle de constitucionalidade de leis e atos normativos inferiores referentes à educação.


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NOTAS

1 Entendido pessoa aqui como sujeito de direitos e obrigações na ordem jurídica.

2 Exemplo é o exercício de certas profissões, em que a Constituição autoriza que a lei estabeleça qualificações necessárias a serem preenchidas, como condição de sua possibilidade (art. 5º, inciso XIII).

3 Os direitos políticos são classificados em ativos e passivos. Ativos são os atinentes ao direito de votar, de exercer a soberania por meio de representantes eleitos, de influenciar decisivamente a formação da vontade política do Estado; passivos são os atinentes ao direito de ser votado, de ser escolhido como representante da soberania popular no exercício de cargos político-eletivos. Somente o nacional pode, portanto, ser cidadão, nesse sentido técnico-jurídico de titular de direitos políticos (art. 14, § 2º - "Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos"; art. 14, § 3º, inciso I – "São condições de elegibilidade, na forma da lei: I – a nacionalidade brasileira"; art. 15, inciso I – "É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado").

4 O qualificativo de cidadão ainda habilita a propositura de ação popular, "que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência" (art. 5º, inciso LXXIII), sendo a prova da cidadania efetuada mediante apresentação, em juízo, do título de eleitor (art. 1º, § 3º da Lei nº 4.717, de 29/06/1965).

5 Exemplifique-se: sem educação, o indivíduo pode não ter conseguido se alfabetizar, ou, em outras palavras, ter se tornado analfabeto; nesse caso, além de menor condição de instrução política e discernimento para o exercício do direito político ativo do voto, da escolha dos seus representantes, ficará privado juridicamente do exercício dos direitos políticos passivos (art. 14, § 4º - "São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos").

6 Cf. BRITTO, Carlos Ayres, em Conferência sobre "A dignidade da pessoa humana" proferida no programa "Aula Magna", da TV JUSTIÇA.

7 Para uma melhor compreensão da distinção entre regras e princípios, bem assim o entendimento da força normativa dos princípios jurídicos na fase pós-positivista, consultar Paulo Bonavides (2001, p. 228-266) e Eros Roberto Grau (1997, p. 73-120).

8 Até porque a Constituição instituiu a obrigatoriedade de universalização do ensino fundamental obrigatório e gratuito, assim como a progressiva universalização do ensino médio.

9 A discussão acadêmica sobre a igualdade é fecunda e antiga, remontando, por exemplo, a Pitágoras, Aristóteles, Platão, passando por Rousseau, Marx entre tantos outros. Quanto à discussão sobre as políticas de cotas à luz do princípio da igualdade, também já se verifica extenso material disponível para consulta, recomendando-se Dworkin (2000, p. 437-496), Gomes (2001), Britto (2003, p. 216-218), e ainda o site www.jus.com.br, onde podem ser encontrados diversos artigos a respeito do tema.

10 Ver, no item 6, as instituições privadas que podem atuar na educação como destinatárias de recursos públicos.

11 A regra geral é a exigência de concurso público de provas ou de provas e títulos para investidura em cargo ou emprego público (art. 37, II da CF) – ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração – deixando margem discricionária à Administração Pública para a opção, mas, para alguns casos, a Constituição já pré-determina que o concurso público deve ser de provas e títulos, como magistério (art. 206, V), magistratura (art. 93, I), ministério público (art. 129, § 3º), advocacia da união (art. 131, § 2º), procuradores dos estados e do distrito federal (art. 132), defensoria pública (art. 134, parágrafo primeiro).

12 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) estabelece, nos art. 62 e 64, a formação exigida para atuação na educação básica e infantil e, no art. 66, aquela exigida para atuação no ensino superior.

13 Conforme art. 1º, parágrafo único, em que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos (ou seja, os chefes dos cargos executivos e os parlamentares são apenas veículo de expressão da soberania popular) ou diretamente, nos seus termos, ou seja, através de plebiscitos, referendos e projetos de lei de iniciativa popular (art. 14) ou através de outros mecanismos de informal participação. Para mais detalhes sobre o modelo de democracia formal adotado pela Constituição, consultar Benevides (1998) e Bonavides (1998).

14 Partícipes desse entendimento foram os Ministros Maurício Corrêa, Carlos Velloso, Celso de Mello, Nelson Jobim, Moreira Alves, Néri da Silveira, Sidney Sanches, Octávio Galloti e Ilmar Galvão, estando ainda compondo a Corte os Ministros Carlos Velloso, Celso de Mello e Nelson Jobim (ADINs 578-2/RS, 123/SC, 244/RJ dentre outras).

15 Em um dos trechos da justificativa da proposta, lê-se: "Esta nova redação do Inciso VI do Art. 206 da Constituição Federal corrige um duplo equívoco histórico no que se refere ao princípio educacional de gestão democrática pois, ao mesmo tempo que não se pode admitir um "princípio educacional" que não precisa ser cumprido por todos aqueles que se dedicam à educação, este princípio restrito (às escolas) e ao ensino público, de certa maneira, inviabiliza ou dificulta a realização dos objetivos da Educação, previstos no Art. 205, qual seja: "O pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".". Fonte: www.camara.gov.br.

16 Art. 175 da Constituição Federal: "Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos".

17 Apesar do que previsto expressamente pela Carta Constitucional nos artigos 1º e 18, autores há que levantam óbices, extraídos do próprio texto constitucional em outras passagens, quanto à aceitação do Município como ente federativo. Ver, por todos, José Afonso da Silva (1999).

18 Há exceções, por exemplo: a competência residual, em matéria tributária, é da União, e, em alguns casos, a competência do Estado-membro não é remanescente, mas expressamente enumerada.

19 Não há matéria em que o interesse seja exclusivamente nacional, regional ou local, sendo comum a ocorrência de conflitos e interesses. Assim, em cada matéria, segundo soberana apreciação, a Assembléia Nacional pesou os interesses e verificou qual o predominante, para fins de atribuição de competência.

20 É a atual Lei nº 9.394, de 20.12.1996, conhecida como "Lei Darcy Ribeiro", porque aprovada mediante substitutivo apresentado pelo então Senador.

21 Sendo que, em tema de competência concorrente, cabe à União apenas a edição de normas gerais (art. 24, § 1º).

22 Verificando-se, aí, a necessária atuação concomitante dos Estados, Distrito Federal e Municípios no ensino fundamental.

23 É dizer, por exemplo: se o Município é capaz de atender toda a demanda de ensino fundamental, os Estados devem concentrar os seus esforços e os seus recursos no oferecimento do ensino médio; se o Município é capaz de atender, pelo menos, toda a demanda de ensino fundamental de primeira a quarta séries, o Estado deverá atuar apenas no ensino fundamental de quinta a oitava séries, de modo a poder concentrar seus esforços e seus recursos no oferecimento do ensino médio.

24 Valendo frisar que as universidades, nos termos do art. 207, "gozam de autonomia didático-científica, administrativa e gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão", sendo esse princípio estendido também às universidades privadas.

25 A outra opção seria não estabelecer nenhuma reserva constitucional, deixando a cargo do debate político na elaboração dos orçamentos dos entes federativos a definição dos investimentos a serem realizados em educação, assim como se procede em relação a outras áreas de obrigatória atuação estatal.

26 Pode-se apontar como origem dessa regra aquilo que se convencionou chamar de Emenda João Calmon, na "Constituição" de 1969.

27 A origem dessa tributação está na Constituição de 1946, cujo art. 168, inciso III, impunha às empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhassem mais de cem pessoas, a obrigatoriedade de manutenção, às suas próprias expensas, do ensino primário gratuito para os seus servidores e para os seus filhos. A atual disposição substitui a prestação direta pelas empresas do ensino aos seus funcionários pela contribuição social do salário-educação, como modalidade tributária, a fim de que o Estado receba fonte adicional de receita para investimento no ensino fundamental.

28 Por força do que dispõe o art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, é desvinculado de órgão, fundo ou despesa, no período de 2003 a 2007, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que venham a ser criados no referido período, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, com o que a União fica, do total de 18% (dezoito por cento) da receita resultante de impostos a ser aplicados em educação, desvinculada de tal aplicação no montante equivalente a 20% (vinte por cento), excetuada a arrecadação da contribuição social do salário-educação (conforme o § 2º do art. 76 do ADCT).

29 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) define, em seu art. 70, que consideram-se como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a oito itens enumerados expressamente, e no art. 71 define como não sendo consideradas despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com seis itens expressamente enumerados.

30 Não se admitindo ainda, durante a vigência de intervenção federal, a aprovação de emenda à constituição (art. 60, § 1º). É dizer: não se admite mudanças no pacto federativo em momento de crise da federação.

31 A redação original do dispositivo era a seguinte: "Art. 60. Nos 10 (dez) primeiros anos da promulgação da Constituição, o Poder Público desenvolverá esforços, com a mobilização de todos os setores organizados da sociedade e com a aplicação de, pelo menos, 50% (cinqüenta por cento) dos recursos a que se refere o art. 212 da Constituição, para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental. Parágrafo único. Em igual prazo, as universidades públicas descentralizarão suas atividades, de modo a estender suas unidades de ensino superior às cidades de maior densidade populacional.".

32 A regulamentação do FUNDEF ocorreu através da Lei nº 9.424, de 24.12.1996.

33Art. 60, §7º do ADCT: "A lei disporá sobre a organização dos Fundos, a distribuição proporcional ede seus recursos, sua fiscalização e controle, bem como sobre a forma de cálculo do valor mínimo nacional por aluno". A Lei 9.424/96 dispõe, em seu art. 6º, § 2º, que "o valor mínimo anual por aluno, ressalvado o disposto no § 4º, será fixado por ato do Presidente da República, e nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas, observado o disposto no art. 2º, § 1º, incisos I e II", sendo que o § 4º do mesmo artigo já fixara em R$ 300,00 (trezentos reais) o valor mínimo anual por aluno. Para 1998 e 1999 foi de
R$ 315,00 (trezentos e quinze reais). Em 2000, estes valores foram diferenciados, ficando em
R$ 333,00 (trezentos e trinta e três reais) para alunos de 1ª a 4ª séries, e R$ 349,65 (trezentos e quarenta e nove reais e sessenta e cinco centavos), para os de 5ª a 8ª séries e da Educação Especial. Os valores mínimos para 2001 ficaram em R$ 363,00 (trezentos e sessenta e três reais) e R$ 381,15 (trezentos e oitenta e um reais e quinze centavos). Para 2002, esses valores foram fixados em R$ 418,00 (quatrocentos e dezoito reais) e R$ 438,90 (quatrocentos e trinta e oito reais e noventa centavos) (fonte dos dados: www.mec.gov.br).

34 Daí a inconstitucionalidade de práticas administrativas que incluem os professores inativos dentro da folha de pagamento dos recursos do FUNDEF, eis que não estão em efetivo exercício do magistério fundamental, devendo o poder público encontrar outras fontes de receita para tal pagamento.

35 A Lei 9.424/96 autorizou, em seu art. 7º, parágrafo único, que, nos cinco primeiros anos de sua publicação, poderia ocorrer a aplicação de parte dos recursos dentre os 60% do FUNDEF destinados ao pagamento dos professores do ensino fundamental com a capacitação dos professores leigos.

36 PT, PDT, PCdoB, PMDB e PV propuseram ação direta de inconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal, em face da nova redação do art. 60 do ADCT conferida pela emenda constitucional nº 14/96, alegando violação à cláusula pétrea da forma federativa de Estado, no que, em especial, comprometeria a autonomia dos Municípios, ao determinar a retenção de receitas tributárias a eles pertencentes e a quem compete gerir, bem ainda pela discriminação, em detrimento do ensino infantil, educação do jovem e adulto e desprezo ao ensino médio, priorizando apenas o ensino fundamental (ADIN 1749-5/DF). O STF rejeitou, em 18/12/1997, o pedido de medida cautelar para suspensão dos dispositivos impugnados, e, em 25/11/1999, não conheceu da ação, sendo mantidos na ordem jurídica os dispositivos tais como inseridos pela emenda constitucional nº 14/96.


Autor

  • Maurício Gentil Monteiro

    Maurício Gentil Monteiro

    Advogado militante no ramo do Direito Público. Membro do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Sergipe. Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da mesma entidade. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará. Professor universitário. Atualmente lecionando a matéria Direito Constitucional na Universidade Tiradentes (graduação e pós-graduação).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Maurício Gentil. Regime jurídico-constitucional da educação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 524, 13 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6039. Acesso em: 19 abr. 2024.