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Relativização do princípio da presunção de inocência

Relativização do princípio da presunção de inocência

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O artigo trata da relativização do princípio da presunção de inocência, com foco na decisão do Supremo Tribunal Federal no HC nº 126.292/SP, quando entendeu que o condenado em segunda instância, por órgão colegiado, pode iniciar o cumprimento de pena.

1  Introdução

O tema proposto para a pesquisa acadêmica é a RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, baseando-se na decisão do Supremo Tribunal Federal no HC nº 126.292/SP e nas consequentes divergências doutrinárias sobre o tema. Tal princípio está consagrado na Constituição Federal Brasileira em seu artigo 5º, inciso LVII e pelo Código de Processo Penal no artigo 283.

Segundo os dispositivos legais, ninguém poderá ser considerado culpado até que haja o trânsito em julgado de sua condenação. Porém, o Supremo Tribunal Federal, em decisão já citada anteriormente, entendeu, por maioria, que após haver uma condenação em um órgão colegiado o condenado já deve começar a cumprir sua pena, mesmo que ainda possa recorrer da condenação sem o trânsito em julgado do processo.

O entendimento é de que após a condenação em segunda instância já estaria demonstrada a culpabilidade do acusado, pois nos Tribunais Superiores não seriam mais discutidas questões de fato, mas apenas de Direito.

Dentro do tema proposto para a pesquisa, o foco se dá principalmente na CONSTITUCIONALIDADE ou INCONSTITUCIONALIDADE da decisão proferida. A Constituição Federal Brasileira claramente consagra o Princípio da Presunção de inocência, trazendo divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema.

A decisão proferida pela mais alta corte do país poderá ter consequências no Sistema Jurídico Brasileiro, as decisões do Supremo Tribunal Federal formam jurisprudência e os demais casos em prática em todo o país seguirão seu entendimento, assim, iniciarão os cumprimentos das penas conforme a suprema corte prevê.

Portanto, a pesquisa realizada trata desse tema de relevante importância dentro do ordenamento jurídico brasileiro, pois poderá trazer consequências jurídicas muito drásticas em nosso país. 


2  PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

2.1  CONCEITO

O Princípio da Presunção de Inocência é uma das principais garantias Constitucionais e Processuais Penais do ordenamento jurídico Brasileiro, conhecido também como Princípio do estado de inocência ou da não culpabilidade. Em linhas gerais, significa que todo acusado deve ser presumido inocente até que uma sentença condenatória transite em julgado, conforme Nucci (2015. p. 35 e 36):

Conhecido, igualmente, como princípio do estado de inocência (ou da não culpabilidade), significa que todo acusado é presumido inocente, até que seja declarado culpado por sentença condenatória, com trânsito em julgado. Encontra-se previsto no art. 5.º, LVII, da Constituição.

Tal princípio consiste em um direito que o acusado possui de não ser declarado culpado, até o final de sua ação penal, sendo obedecido o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, conforme nos ensina Lima (2015. p. 43):

Consiste, assim, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório).

A previsão legal está no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal e no artigo 283 do Código de Processo Penal.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;.”

“Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”

Tais artigos determinam que nenhum indivíduo será considerado culpado até que sua sentença penal condenatória transite em julgado, e que não poderá ser preso senão em flagrante delito, devendo ser relaxada a prisão, se cumprir os requisitos ser convertida em preventiva ou temporária, ou ao final do processo com uma sentença penal condenatória. Desse princípio derivam duas regras fundamentais: probatória e do tratamento, segundo Lima (2015. p. 44) “Do princípio da presunção de inocência (ou presunção de não culpabilidade) derivam duas regras fundamentais: a regra probatória (também conhecida como regra de juízo) e a regra de tratamento.”

A primeira trata do ônus de provar a culpabilidade, sendo este de quem acusa, de forma que o acusado não tem o dever de provar sua inocência, restando dúvidas, o acusado é considerado inocente. A segunda diz respeito à excepcionalidade da privação da liberdade, sendo justificada apenas em hipóteses estritas, a regra é que se responda o processo penal em liberdade, sendo as prisões cautelares medidas excepcionais.

Se for útil para a instrução investigatória ou processual e para manter a ordem pública, existindo regras específicas para cada uma delas, sendo os principais o “fumus commissi delicti” e o “periculum libertatis”. O primeiro trata de indícios muito fortes e provas de autoria do crime e o segundo do perigo que possa existir em responder o processo em liberdade, o perigo que corre o bem jurídico tutelado, ou ainda podendo atrapalhar o andamento do processo, devendo ser muito bem fundamentados esses dois pontos.

Percebemos ainda que o princípio não se opõe às formas de prisões cautelares, como citado anteriormente, podendo haver a prisão antes da condenação e trânsito em julgado da sentença penal, mas há que se entender que tais medidas deverão ser utilizadas em caráter excepcional.

2.2  HISTÓRICO

O princípio da presunção de inocência inicia-se no Direito Romano, porém foi bastante mitigado na Idade Média, com a inquisição, entre os séculos V e XV, conforme explica Lopes Jr. (2015. p. 215 e 216):

A presunção de inocência remonta ao Direito Romano (escritos de Trajano), mas foi seriamente atacada e até invertida na inquisição da Idade Média. Basta recordar que na inquisição a dúvida gerada pela insuficiência de provas equivalia a uma semiprova, que comportava um juízo de semiculpabilidade e semicondenação a uma pena leve. Era na verdade uma presunção de culpabilidade.

O sistema de persecução penal inquisitivo era concentrado em uma única pessoa em toda a atividade investigativa, acusatória e também no julgamento. Assim foi possível que ocorressem muitas barbáries e abusos, durante a Idade Média, imperou a presunção de culpabilidade.

Percebe-se que não foi sempre que o cidadão tinha à sua disposição essas garantias do Estado, este aplicava penas muito cruéis, sem nenhum fundamento. O direito penal era utilizado como instrumento para perseguir as pessoas, para que a felicidade pública ou para que o bem da coletividade fosse garantido, nessa época, contrariavam qualquer direito individual, fazendo com que pessoas inocentes sofressem penas cruéis e abusos, conforme relata Beccaria (2010. p. 13 e 14):

É esse código informe, que não passa de produção monstruosa dos séculos mais bárbaros, que eu quero examinar nesta obra. Limitar-me-ei, porém, ao sistema criminal, cujos abusos ousarei assinalar aos que estão encarregados de proteger a felicidade pública (...) De resto, examinando os abusos de que vamos falar, verificar-se-á que os mesmos constituem a sátira e a vergonha dos séculos e dos legisladores.

Contudo, a principal mudança foi com a Revolução Francesa, que ocorreu no final do século XVIII, resultando na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, neste momento o referido princípio foi positivado em seu artigo 9º, e ainda, o artigo 7º faz a proibição da prisão ilegal.

“Art. 9.º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.”

“Art. 7.º Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência.”

Refletindo ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, na tentativa de que o povo não fosse obrigado a servir aos interesses do governo, e sim, um governo que começasse a servir aos interesses do povo, resguardando direitos individuais dos cidadãos, na tentativa de dar o poder ao poder e protegê-lo do Estado.

Porém, voltou a ser muito atacado no fim do século XIX, conforme nos ensina Lopes Jr. (2014. p. 215 e 216):

A presunção de inocência e o princípio de jurisdicionalidade foram, como explicíta FERRAJOLI, (Derecho y Razón, p. 550), finalmente, consagrados na Declaração dos Direitos do Homem de 1789. A despeito disso, no final do século XIX e início do século XX, a presunção de inocência voltou a ser atacada pelo verbo totalitário e pelo fascismo, a ponto de MANZINI chama-la de estranho e absurdo extraído do empirismo francês.

A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 1950, também estabeleceu tal princípio, A finalidade dessa Convenção Europeia foi unir os seus Membros, para isso se fez necessário proteger e desenvolver os direitos do homem e as liberdades fundamentais, neste contexto a Europa também reconheceu o Princípio.

Finalmente, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ou o Pacto de San José da Costa Rica, no ano de 1969 estabeleceu o princípio da presunção de inocência entre as garantias processuais do cidadão. O Brasil é signatário dessa Convenção, foi aprovada pelo Congresso Nacional e ratificada pelo Presidente da República no decreto nº 678 de 1992. O tratado foi celebrado por membros da Organização de Estados Americanos, o principal objetivo era estabelecer direitos fundamentais do cidadão, à vida, à liberdade, á educação, à dignidade da pessoa humana, proibindo a escravidão e a servidão humana, resguardando a liberdade de consciência, religião, pensamento, expressão, de associação e protegendo a família.

O tratado busca a união dos países americanos para unificar um regime de liberdade individual e de justiça social, respeitando os direitos humanos, em qualquer dos países, seu artigo 8º trata deste tema.

“Artigo 8º - Garantias judiciais:

(...)

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.”

A Presunção de Inocência é uma das principais garantias constitucionais e processuais penais do cidadão. Finalmente, no Brasil foi consagrado no inciso LVII, artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988 e pelo artigo 283 do Código de Processo Penal, inserido no ano de 2011.

O objetivo é respeitar o estado de inocência que os acusados teoricamente se encontrariam, esse estado se findaria apenas após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sendo um direito humano, fundamental, de liberdade e dignidade da pessoa Humana.

Mas, percebemos que mesmo antes da positivação do princípio, já podíamos encontrar seus reflexos como um princípio implícito, contudo, foi com a previsão expressa que o princípio se tornou mais efetivo, principalmente por vir consagrado na Constituição Federal.


3  DECISÕES

3.1  HISTÓRICO

O Supremo Tribunal Federal se manifestou pela primeira vez sobre o tema em discussão que não dizia respeito de forma específica à execução penal antecipada, e sim de efeitos extrapenais consequentes de um indivíduo estar respondendo a um processo criminal.

Sobre os posicionamentos do Sistema Jurídico Brasileiro, referentes ao tema, em 1976, estava em vigência o artigo 1º, inciso I, alínea n da lei complementar nº 5 de 1970, que deixava inelegível o indivíduo denunciado por prática de alguns crimes específicos, contra a segurança nacional e a ordem política e social, a economia popular, a fé pública e a administração pública e o patrimônio. O Tribunal Superior Eleitoral entendeu pela inconstitucionalidade da mesma (por interpretação da Constituição), já que não previa expressamente o princípio da presunção de inocência, contudo, a Suprema Corte Brasileira não entendeu dessa forma, declarando a norma constitucional, conforme decisão no Recurso Extraordinário nº 86.297/SP.

“INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1., I, N, DA LEI COMPLEMENTAR N. 5/1970. E VALIDO, POR NÃO SER INCONSTITUCIONAL, AINDA QUE EM PARTE, AQUELE PRECEITO. EXEGESE DOS ARTS. 151, II E IV, E 149, PAR.2., C, DA CONSTITUIÇÃO. II. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. VOTOS VENCIDOS.

(STF - RE: 86297 SP, Relator: THOMPSON FLORES, Data de Julgamento: 17/11/1976, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 26-11-1976 PP-10206 EMENT VOL-01044-03 PP-00579 RTJ VOL-00079-02 PP-00671)”

Contudo, esse entendimento, tratando de forma específica da inelegibilidade, seria alterado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 144/DF, em 2008. Nessa oportunidade entendeu que o indivíduo não pode ser privado de sua capacidade eleitoral passiva por processos judiciais sem que neles haja condenação irrecorrível.

“ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - POSSIBILIDADE DE MINISTROS DO STF, COM ASSENTO NO TSE, PARTICIPAREM DO JULGAMENTO DA ADPF - INOCORRÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE PROCESSUAL, AINDA QUE O PRESIDENTE DO TSE HAJA PRESTADO INFORMAÇÕES NA CAUSA - RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM" DA ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - EXISTÊNCIA, QUANTO A ELA, DO VÍNCULO DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA - ADMISSIBILIDADE DO AJUIZAMENTO DE ADPF CONTRA INTERPRETAÇÃO JUDICIAL DE QUE POSSA RESULTAR LESÃO A PRECEITO FUNDAMENTAL - EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA RELEVANTE NA ESPÉCIE, AINDA QUE NECESSÁRIA SUA DEMONSTRAÇÃO APENAS NAS ARGÜIÇÕES DE DESCUMPRIMENTO DE CARÁTER INCIDENTAL - OBSERVÂNCIA, AINDA, NO CASO, DO POSTULADO DA SUBSIDIARIEDADE - MÉRITO: RELAÇÃO ENTRE PROCESSOS JUDICIAIS, SEM QUE NELES HAJA CONDENAÇÃO IRRECORRÍVEL, E O EXERCÍCIO, PELO CIDADÃO, DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA - REGISTRO DE CANDIDATO CONTRA QUEM FORAM INSTAURADOS PROCEDIMENTOS JUDICIAIS, NOTADAMENTE AQUELES DE NATUREZA CRIMINAL, EM CUJO ÂMBITO AINDA NÃO EXISTA SENTENÇA CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO - IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE DEFINIR-SE, COMO CAUSA DE INELEGIBILIDADE, A MERA INSTAURAÇÃO, CONTRA O CANDIDATO, DE PROCEDIMENTOS JUDICIAIS, QUANDO INOCORRENTE CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO - PROBIDADE ADMINISTRATIVA, MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DO MANDATO ELETIVO, "VITA ANTEACTA" E PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA - SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS E IMPRESCINDIBILIDADE, PARA ESSE EFEITO, DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO CRIMINAL (CF, ART. 15, III) - REAÇÃO, NO PONTO, DA CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA DE 1988 À ORDEM AUTORITÁRIA QUE PREVALECEU SOB O REGIME MILITAR - CARÁTER AUTOCRÁTICO DA CLÁUSULA DE INELEGIBILIDADE FUNDADA NA LEI COMPLEMENTAR Nº 5/70 (ART. 1º, I, N), QUE TORNAVA INELEGÍVEL QUALQUER RÉU CONTRA QUEM FOSSE RECEBIDA DENÚNCIA POR SUPOSTA PRÁTICA DE DETERMINADOS ILÍCITOS PENAIS - DERROGAÇÃO DESSA CLÁUSULA PELO PRÓPRIO REGIME MILITAR (LEI COMPLEMENTAR Nº 42/82), QUE PASSOU A EXIGIR, PARA FINS DE INELEGIBILIDADE DO CANDIDATO, A EXISTÊNCIA, CONTRA ELE, DE CONDENAÇÃO PENAL POR DETERMINADOS DELITOS - ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O ALCANCE DA LC Nº 42/82: NECESSIDADE DE QUE SE ACHASSE CONFIGURADO O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO (RE 99.069/BA, REL. MIN. OSCAR CORRÊA) - PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA: UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE A QUALQUER PESSOA - EVOLUÇÃO HISTÓRICA E REGIME JURÍDICO DO PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA - O TRATAMENTO DISPENSADO À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PELAS DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS, TANTO AS DE CARÁTER REGIONAL QUANTO AS DE NATUREZA GLOBAL - O PROCESSO PENAL COMO DOMÍNIO MAIS EXPRESSIVO DE INCIDÊNCIA DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA - EFICÁCIA IRRADIANTE DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DESSE PRINCÍPIO AO ÂMBITO DO PROCESSO ELEITORAL - HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE - ENUMERAÇÃO EM ÂMBITO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 14, §§ 4º A 8º)- RECONHECIMENTO, NO ENTANTO, DA FACULDADE DE O CONGRESSO NACIONAL, EM SEDE LEGAL, DEFINIR "OUTROS CASOS DE INELEGIBILIDADE" - NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, EM TAL SITUAÇÃO, DA RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR (CF, ART. 14, § 9º)- IMPOSSIBILIDADE, CONTUDO, DE A LEI COMPLEMENTAR, MESMO COM APOIO NO § 9º DO ART. 14 DA CONSTITUIÇÃO, TRANSGREDIR A PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA, QUE SE QUALIFICA COMO VALOR FUNDAMENTAL, VERDADEIRO "CORNERSTONE" EM QUE SE ESTRUTURA O SISTEMA QUE A NOSSA CARTA POLÍTICA CONSAGRA EM RESPEITO AO REGIME DAS LIBERDADES E EM DEFESA DA PRÓPRIA PRESERVAÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA - PRIVAÇÃO DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA E PROCESSOS, DE NATUREZA CIVIL, POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - NECESSIDADE, TAMBÉM EM TAL HIPÓTESE, DE CONDENAÇÃO IRRECORRÍVEL - COMPATIBILIDADE DA LEI Nº 8.429/92 (ART. 20, "CAPUT") COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 15, V, c/c O ART. 37, § 4º) - O SIGNIFICADO POLÍTICO E O VALOR JURÍDICO DA EXIGÊNCIA DA COISA JULGADA - RELEITURA, PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, DA SÚMULA 01/TSE, COM O OBJETIVO DE INIBIR O AFASTAMENTO INDISCRIMINADO DA CLÁUSULA DE INELEGIBILIDADE FUNDADA NA LC 64/90 (ART. 1º, I, G) - NOVA INTERPRETAÇÃO QUE REFORÇA A EXIGÊNCIA ÉTICO-JURÍDICA DE PROBIDADE ADMINISTRATIVA E DE MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATO ELETIVO - ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL JULGADA IMPROCEDENTE, EM DECISÃO REVESTIDA DE EFEITO VINCULANTE.

(STF - ADPF: 144 DF, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 06/08/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-02 PP-00342).

Nessa esteira, a mais alta corte brasileira, no ano de 2002, em julgamento do Habeas Corpus nº 82.490 de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, decidiu que mesmo a decisão estando sujeita aos recursos especial e extraordinário, a pena poderia ser executada provisoriamente, assim, o entendimento era de que o requisito para o início do cumprimento da pena era a comprovação da culpa.

“EMENTA: Presunção de não culpabilidade. I. Execução penal provisória e presunção de não culpabilidade. A jurisprudência assente do Tribunal é no sentido de que a presunção constitucional de não culpabilidade - que o leva a vedar o lançamento do nome do réu no rol dos culpados - não inibe, porém, a execução penal provisória da sentença condenatória sujeita a recursos despidos de efeito suspensivo, quais o especial e o extraordinário: aplicação da orientação majoritária, com ressalva da firme convicção em contrário do relator. II. Jurisprudência e coerência: legitimidade da observância da jurisprudência sedimentada, não obstante a convicção pessoal em contrário do juiz. A crítica ao relator que aplica a jurisprudência do Tribunal, com ressalva de sua firme convicção pessoal em contrário trai a confusão recorrente entre os tribunais e as academias: é próprio das últimas a eternização das controvérsias; a Justiça, contudo, é um serviço público, em favor de cuja eficiência - sobretudo em tempos de congestionamento, como o que vivemos -, a convicção vencida tem muitas vezes de ceder a vez ao imperativo de poupar o pouco tempo disponível para as questões ainda à espera de solução.

(HC 82490, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 29/10/2002, DJ 29-11-2002 PP-00022 EMENT VOL-02093-02 PP-00263)”

Os entendimentos eram muito conflitantes nesse momento, até mesmo a legislação não estava em harmonia, o artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, consagra que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória. Em discordância estava o artigo 594 do Código de Processo Penal, consignando que o réu não poderia apelar sem recolher-se à prisão ou prestar fiança, de sorte que tal artigo foi revogado pela Lei nº 11.719 de 2008.

Entretanto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal foi modificado no ano de 2009, no mérito do Habeas Corpus nº 84.078/MG, de relatoria do Ministro Eros Grau. Nesse momento entendia que a execução da pena, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, iria atentar contra uma garantia fundamental do cidadão, sendo essa garantia o Princípio da Presunção de Inocência.

“HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos "crimes hediondos" exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente". 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que "ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como incitação à "jurisprudência defensiva", que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional , o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante viola[art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52]ção do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- "a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição". Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida.

(STF - HC: 84078 MG, Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 05/02/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-05 PP-01048)”

A decisão traz o entendimento de que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação poderá ser decretada apenas a título cautelar. Neste período, consideram o trânsito em julgado o principal requisito para o início do cumprimento da pena, ainda, com relação ao entendimento quanto à consequência da culpabilidade, não se tratando apenas de tratar o condenado como culpado, mas sim na liberdade que será privada por uma pena.

Desde a decisão que modificou o entendimento sobre o tema, houveram algumas mudanças na composição dos ministros do Supremo Tribunal Federal, saíram os ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Menezes Direito, entrando em suas vagas os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin, mudanças aliadas à alterações sociais e comportamentais de nosso país, fazendo com que o entendimento fosse modificado novamente com a decisão do Habeas Corpus nº 126.292/SP.

3.2  HABEAS CORPUS nº 126.292/sp

Finalmente o entendimento foi novamente modificado pelo Supremo Tribunal Federal no dia 17 de fevereiro de 2016, no julgamento do Habeas Corpus nº 126.292/SP.

“CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.

1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

2. Habeas corpus denegado.

(STF - HC: 126292 SP, Relator: Min. TEORI ZAVADSCKI, Data de Julgamento: 17/02/2016, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJE N 32, 19/02/2016)”

Entendeu por maioria que tal garantia constitucional pode ser “relativizada”, decidindo que o acusado pode começar a cumprir sua pena após haver condenação por um órgão colegiado, mesmo sem o trânsito em julgado do processo e ainda podendo haver recursos para reverter tal condenação.

O julgado trata de habeas corpus impetrado contra decisão do Ministro Francisco Falcão, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, onde o mesmo indeferiu o pedido de liminar no Habeas Corpus nº 313.021/SP. Consta nos autos que o paciente foi condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pelo crime de roubo majorado, incurso às penas do artigo 157, parágrafo 2º, incisos I e II do Código Penal, podendo recorrer em liberdade. Todavia, somente a defesa apelou para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, porém, este negou seguimento ao recurso, determinando a expedição de mandado de prisão contra o paciente. Inconformada com a ordem de prisão, a defesa impetrou Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, contudo, o Ministro Presidente indeferiu o pedido de liminar e manteve a decisão. Dessa forma, a defesa inconformada, recorreu ao Supremo Tribunal Federal.

A Suprema Corte Brasileira, por maioria, não concedeu a ordem de Habeas Corpus, denegando o pedido os Ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, ficando vencidos os Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Percebemos que apenas o Ministro Gilmar Mendes alterou seu posicionamento desde a decisão de 2009, como citado anteriormente, houve uma alteração considerável na composição da Corte, entre os novos Ministros apenas Rosa Weber votou pela concessão do habeas corpus, o restante votou em não concedê-lo. Portanto a alteração na composição foi de extrema relevância para a mudança de entendimento.

O Ministro relator Teori Zavascki fundamentou que esse já era o entendimento da corte durante a vigência da Constituição Federal de 1988, conforme julgamento do Habeas Corpus nº 68.726/DF, de relatoria do Ministro Néri da Silveira, realizado em 28/06/1991, e que as turmas da Suprema Corte Brasileira afirmaram e reafirmaram que o princípio da presunção de inocência não atrapalhava a execução provisória da pena imposta.

“HABEAS CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA EM SEGUNDO GRAU. MANDADO DE PRISÃO DO PACIENTE. INVOCAÇÃO DO ART. 5 , INCISO LVII, DA CONSTITUIÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 669. A ORDEM DE PRISÃO, EM DECORRÊNCIA DE DECRETO DE CUSTODIA PREVENTIVA, DE SENTENÇA DE PRONUNCIA OU DE DECISÃO DE ÓRGÃO JULGADOR DE SEGUNDO GRAU E DE NATUREZA PROCESSUAL E CONCERNE AOS INTERESSES DE GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL OU DE EXECUÇÃO DA PENA IMPOSTA, APÓS O DEVIDO PROCESSO LEGAL. NÃO CONFLITA COM O ART. 5 , INCISO LVII, DA CONSTITUIÇÃO. DE ACORDO COM O PAR.2 DO ART. 27. DA LEI N 8.038/1990, OS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL SÃO RECEBIDOS NO EFEITO DEVOLUTIVO. MANTIDA, POR UNANIMIDADE, A SENTENÇA CONDENATÓRIA, CONTRA A QUAL O RÉU APELARA EM LIBERDADE, EXAURIDAS ESTAO AS INSTANCIAS ORDINÁRIAS CRIMINAIS, NÃO SENDO, ASSIM, ILEGAL O MANDADO DE PRISÃO QUE ÓRGÃO JULGADOR DE SEGUNDO GRAU DETERMINA SE EXPECA CONTRA O RÉU. HABEAS CORPUS INDEFERIDO.

(STF - HC: 68726 DF, Relator: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Data de Julgamento: 28/06/1991, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 26-11-1992 PP-21612 EMENT VOL-01685-01 PP-00209).”

Citou também a orientação das Súmulas 716 e 717 do Supremo Tribunal Federal, contendo situações de execução provisória de sentenças penais condenatórias.

“Súmula 716 - Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.”

“Súmula 717 - Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial.”

O principal argumento defendido pelo Ministro relator do processo é de que uma condenação em primeira e em segunda instância representa um juízo de culpabilidade, devendo decorrer da análise dos elementos de prova produzidos no contraditório da ação penal. Neste caso, já estaria superada a presunção de inocência, pois a culpa já estaria provada, sendo que na segunda instância ou juízo de apelação, ficaria definitivamente exaurido o exame dos fatos e provas do caso concreto. A grande questão estaria em qual momento o acusado seria considerado culpado, com a condenação em segundo grau, ou o trânsito em julgado.

Segundo seu voto, a decisão de denegar a ordem restaura o tradicional entendimento da Suprema Corte, no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário e não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência. Uma condenação representaria um juízo de culpabilidade, devendo ser extraída dos elementos de prova colhidos na fase investigatória e na ação penal e a presunção de inocência ficaria superada, não sendo definitivo, pois havendo recurso poderia ser mudada pelo Tribunal imediatamente superior. Diante disso, percebemos que o entendimento da Suprema Corte nesse julgado é de que o momento em que o condenado seria considerado culpado é a condenação em segunda instância.

Assim, no Tribunal que julgaria a apelação, ficaria definitivamente concluído o exame dos fatos e das provas, sendo fixada a pena do acusado. Nesse momento fica evidenciado o duplo grau de jurisdição, sendo reexaminada a decisão, o acusado ficaria em liberdade até o julgamento no juízo de apelação.

Os recursos extraordinário e especial não se prestam ao debate de fatos e provas, são restritos à matéria de direito, como já sabido, conforme súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.

O relator considera justificável a relativização, negando efeito suspensivo, como traz o artigo 637 do Código de Processo Penal.

O relator ainda demonstra que no cenário Internacional isso não é diferente, pelo direito comparado, apresentando vários países em que é respeitado o príncipio até que o acusado seja condenado, mas após a condenação em segunda instância, aguarda o julgamento de recursos extraordinários cumprindo sua pena, exemplificando com a Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Portugal e Espanha.

Outro fundamento utilizado pelo relator é de que a grande maioria dos recursos extraordinários interpostos não possuem os requisitos de admissibilidade exigidos. Nesse sentido o ex Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa constava no Habeas Corpus nº 84.078 que fez um levantamento dos recursos extraordinários que julgou.

“Aliás, na maioria esmagadora das questões que no chegam para julgamento em recurso extraordinário de natureza criminal, não é possível vislumbrar o preenchimento dos novos requisitos traçados pela EC 45, isto é, não se revestem expressivamente de repercussão geral de ordem econômica, jurídica, social e política. Mais do que isso: fiz um levantamento da quantidade de Recursos Extraordinários dos quais fui relator e que foram providos nos últimos dois anos e cheguei a um dado relevante: de um total de 167 RE’s julgados, 36 foram providos, sendo que, destes últimos, 30 tratavam do caso da progressão de regime em crime hediondo. Ou seja, excluídos estes, que poderiam ser facilmente resolvidos por habeas corpus , foram providos menos de 4% dos casos”. (STF - HC: 84078 MG, Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 05/02/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-05 PP-01048).

Assim, entendem que tais recursos, na maioria dos casos são utilizados de maneira protelatória, para que se atrase o cumprimento da pena, sendo esses os principais fundamentos do Ministro relator para firmar tal entendimento.


4  DOUTRINA

Sabemos que a doutrina entende tal princípio como um direito fundamental que está relacionado à segurança jurídica penal e processual penal. Todavia, na forma em que o princípio foi positivado na Constituição Federal acabou trazendo divergências acerca da significação do princípio e uma relação com a não culpabilidade, mas, na prática jurídica de nosso país a aplicação dos princípios não se diferencia. Assim, utilizam as expressões “princípio da presunção de inocência” e “princípio da não culpabilidade” como se fossem sinônimos.

A grande divergência surge ao falar do trânsito em julgado, convém, primeiramente, conceituar tal instituto, assim, para o professor Saulo José Casali Bahia (2010. p. 4) “na qualidade da decisão ou sentença da qual não cabe mais recurso, tem-se que a mesma pode se formar, nos mais variados graus de jurisdição, no Brasil.”. Dessa forma, a presunção de inocência terá fim quando não houver mais possibilidade de interposição de recurso.

Essa diferença sobre o momento da existência de culpa é resultado de dois sistemas utilizados no mundo para o início do cumprimento de pena, ocorrendo com o trânsito em julgado ou com o duplo grau de jurisdição, conforme ensina Gomes (2016. p. 2):

No primeiro sistema, somente depois de esgotados ‘todos os recursos’ (ordinários e extraordinários) é que a pena pode ser executada (salvo o caso de prisão preventiva, que ocorreria teoricamente em situações excepcionalíssimas). No segundo sistema a execução da pena exige dois julgamentos condenatórios feitos normalmente pelas instâncias ordinárias (1º e 2º graus). Nele há uma análise dupla dos fatos, das provas e do direito, leia-se, condenação imposta por uma instância e confirmada por outra.

No primeiro sistema a presunção de inocência se finda com o trânsito em julgado e no segundo sistema com dois julgamentos condenatórios de instâncias ordinárias. Nesse momento instala-se a divergência.

A doutrina majoritária entende que por tal princípio, o acusado não pode iniciar o cumprimento da pena antes de ser condenado definitivamente, ou seja, com o trânsito em julgado, conforme Tourinho Filho (2013. p. 92):

Aí está o ponto nevrálgico da questão devidamente solucionado: enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente. Sendo este presumidamente inocente, sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória apenas poderá ser admitida a título de cautela.

Segundo ele a prisão antes do trânsito em julgado deve ser admitida apenas à título de cautela, já que a Constituição declara de forma clara que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado, devendo as normas infraconstitucionais e as decisões dos tribunais serem compatíveis a ela.

Também entende dessa forma Carvalho (2004, p. 151-152):

A Constituição proibiu terminantemente que o acusado fosse considerado culpado antes da sentença judicial transitada em julgado. De outro lado, previu e manteve as medidas cautelares de prisão, como o flagrante e a prisão preventiva, como não poderia deixar de fazer, porque instrumentos indispensáveis à legítima defesa da sociedade.

Não previu a Constituição qualquer outro fundamento para a prisão que estes: a cautelaridade e a pena. Ora, se o acusado não pode ser considerado culpado antes de assim declarado judicialmente, com que título se justifica encarcerá-lo antes da prolação da sentença final, fora dos dois casos permitidos, cautelaridade e pena?

Trata-se de prisão cautelar?

Não, não estão presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Trata-se de pena?

Não, pois não há pena sem o trânsito em julgado da sentença. Então, essas modalidades de prisão - decorrente da sentença condenatória recorrível e decorrente da sentença de pronúncia - não são constitucionalmente admitidas; não se enquadram nas modalidades de prisão aceitas pela Constituição como exceções necessárias ao direito natural de liberdade.

Na mesma esteira, a Convenção Americana de Direito Humanos e o Pacto de São José da Costa Rica não exigem o trânsito em julgado da condenação do processo penal, de forma que exigem apenas a comprovação legal da culpa, conforme ensina Lima (2015. p. 44):

A par dessa distinção terminológica, percebe-se que o texto constitucional é mais amplo, na medida em que estende referida presunção até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ao passo que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8º, nº2) o faz tão somente até a comprovação legal da culpa. Com efeito, em virtude do texto expresso do texto do Pacto de São José da Costa Rica, poder-se-ia pensar que a presunção de inocência deixaria de ser aplicada antes do trânsito em julgado, desde que já estivesse comprovada a culpa, o que poderia ocorrer, por exemplo, com a prolação do acórdão condenatório no julgamento de um recurso, na medida em que a mesma Convenção Americana também assegura o direito ao duplo grau de jurisdição (art. 8º, §2º, “h”).

A Constituição Federal, todavia, é claríssima ao estabelecer que somente o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória poderá afastar o estado inicial de inocência de que todos gozam. Seu caráter mais amplo deve prevalecer, portanto, sobre o teor da Convenção Americana de Direitos Humanos. De fato, a própria Convenção Americana prevê que os direitos nela estabelecidos não poderão ser interpretados no sentido de restringir ou limitar a aplicação de normas mais amplas que existam no direito interno dos países signatários (art. 29, b). Em consequência, deverá sempre prevalecer a disposição mais favorável.

Todavia, tais convenções preveem que os direitos estabelecidos nelas não poderão ser interpretados restringindo ou limitando a aplicação das normas. Assim, existindo normas mais amplas no direito interno dos países signatários, deverão sempre prevalecer estas, portanto, entende que a Constituição exigindo o trânsito em julgado da condenção, deve ela prevalecer.

Nesse sentido também entendem Moraes (2016. p. 125) e Nucci (2015. p. 35 e 36), respectivamente:

A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal.

Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal, permitindo-se o odioso afastamento de direitos e garantias individuais e a imposição de sanções sem o devido processo legal e a decisão definitiva do órgão competente.

Conhecido, igualmente, como princípio do estado de inocência (ou da não culpabilidade), significa que todo acusado é presumido inocente, até que seja declarado culpado por sentença condenatória, com trânsito em julgado. Encontra-se previsto no art. 5.º, LVII, da Constituição.

Segundo eles a Constituição Federal exige o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, caso contrário o acusado ainda será presumido inocente.

Na doutrina Constitucional, entende Cretella Jr. (1990. p. 537):

Somente a sentença penal condenatória, ou seja, a decisão de que não mais cabe recurso, é a razão jurídica suficiente para que alguém seja considerado culpado. (...) Não mais sujeita a recurso, a sentença penal condenatória tem força de lei e, assim, o acusado passa ao status de culpado, até que cumpra a pena, a não ser que revisão criminal nulifique o processo, fundamento da condenação.

Lopes Jr. e Badaró também partilham dessa ideia, conforme parecer jurídico (2016. p. 14):

Do ponto de vista dinâmico, importa definir que que momentos ou etapas da persecução penal, incide a presunção de inocência. Ou: até quando o acusado é presumido inocente?

A Constituição é clara ao estabelecer o marco temporal final da presunção de inocência: “Ninguém será considerado culpado, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5.º, caput, LVII).

A presunção de inocência é uma garantia de todo acusado “até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Não se trata de uma garantia que se aplica somente até a sentença penal recorrível, ou mesmo até o julgamento em segundo grau de jurisdição.

Entendem que a Constituição Federal claramente exige o trânsito em julgado, não havendo o que se discutir sobre o tema.


5  INCONSTITUCIONALIDADE DA DECISÃO

5.1  TRÂNSITO EM JULGADO COMO MARCO TEMPORAL

Percebemos que a presunção de inocência na Constituição Federal Brasileira, em se tratando do marco temporal para a aplicabilidade da presunção de inocência, vai além das leis internacionais sobre direitos humanos. Consagra que o acusado é presumido inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, enquanto aquelas não utilizam explicitamente este marco.

Tal interpretação não é vedada pela Convenção Americana de Direitos Humanos, pelo contrário, esta veda apenas a interpretação que restringir ou limitar a aplicação das normas dos países signatários que sejam mais amplas do que a norma internacional. Conforme art. 29, b da supracitada convenção.

“Artigo 29.  Normas de interpretação:

Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:

b. limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de   acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;”

Dessa forma, caso o país signatário tenha uma norma que amplie os direitos consagrados na Convenção, esta não poderá restringí-los, isso ocorre em nosso país, como já salientado em vários momentos, a Constituição Federal em seu artigo 5, inciso LVII, e o Código de Processo Penal em seu artigo 283, exigem o trânsito em julgado. Ainda, o artigo 105 da lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal, também determina como marco temporal o trânsito em julgado.

“Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.”

Na mesma esteira, até mesmo as penas restritivas de direitos, que são em tese menos gravosas do que as penas restritivas de liberdade do indivíduo, só podem iniciar seu cumprimento após o trânsito em julgado, conforme artigo 147 da lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal.

“Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares.”

Entendendo também dessa forma o Superior Tribunal de Justiça em conforme decisão.

“PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 147 DA LEP EM VIGÊNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Diante da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC 126.292/SP, ficou assente que, esgotadas as instâncias ordinárias, a interposição de recurso especial não obsta a execução da decisão penal condenatória. E, ainda, em julgamento colegiado do pedido de liminar das ADCs 43 e 44, o referido entendimento foi confirmado.

2. A Suprema Corte, ao tempo em que vigorava o entendimento de ser possível a execução provisória da pena, como agora, não a autorizava para as penas restritivas de direito. Precedentes.

3. Encontra-se em pleno vigor, o disposto no art. 147 da Lei das Execuções Penais (Lei n. 7.210, de 11.07.1984). Não há notícia de que o STF ou a Corte Especial do STJ, no âmbito de suas respectivas competências, tenham declarado a inconstitucionalidade de aludida norma. Nem mesmo no já referido HC 126.292/SP fez-se menção a tal possibilidade. Por conseguinte, este órgão turmário não poderia recusar a aplicação do art. 147 da LEP sem ferir a CF ou desconsiderar a orientação da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STJ - AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 998.641 - SP, Relator: Min. RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 28/03/2017, Data de Publicação: DJe 05-04-2017 Documento: 1584954).”

O Supremo Tribunal Federal, sabidamente é o guardião da Constituição Federal e a Corte mais alta de nosso país, todavia, não pode alterar conceitos construídos ao longo do tempo como o conceito do trânsito em julgado, consistindo na sentença que sai da condição de mutável para a de imutável. Marcando o início de uma nova situação jurídica, fazendo coisa julgada formal ou material.

Na norma Constitucional não há margem para interpretações, mesmo sendo pela Suprema Corte, entendendo que o acusado seja presumido inocente apenas até a condenação em segunda instância, mesmo que possa recorrer. Portanto, não se pode aceitar esse entendimento que claramente confronta a Constituição Federal.

5.2  RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO

a)    IMPORTÂNCIA PARA ALTERAR A SENTENÇA

Os recursos ordinários servem para proteger o direito subjetivo das partes contra os vícios da decisão, em contrapartida, os recursos extraordinários possuem o objetivo de tutelar o direito objetivo, protegendo a Constituição, a lei federal e os tratados, não assegurando o duplo grau de jurisdição, tendo uma função de controlar a aplicação e interpretação correta da Constituição e da lei federal, uniformizando a aplicação dessas normas.

Contudo, é muito simplista afirmar que os recusos especial e extraordinário não possuem preocupação nenhuma com o direito concreto, para alguns, existem dois modelos de Cortes que controlam a legalidade. No primeiro, a interpretação da lei seria apenas uma forma de resolução de uma controvérsia, no segundo, o caso concreto é apenas uma forma de garantir a legalidade do ordenamento, pensando mais nas consequências do que no caso concreto. As Cortes Brasileiras se enquadram no primeiro modelo, de forma que possuem um grande vínculo com o caso concreto.

Diante disso, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não decidem os recursos extraordinário e especial de forma abstrata, mas aplicam o direito aos fatos, negando ou dando provimento ao recurso. Vemos ainda, muitas vezes em que se cuida mais do direito subjetivo das partes e em segundo plano a tutela da Constituição ou da lei federal, sendo este o direito objetivo.

É preciso diferenciar a presunção de inocência como regra probatória, encontrada principalmente no princípio do in dubio pro reo, que trata de resolver a dúvida sobre fatos, e a presunção de inocência como regra de tratamento do acusado, impedindo que o acusado que está no curso do processo, seja tratado como culpado, sendo possível ser alterada a decisão e ser absolvido.

Feita essa diferenciação, de maneira hipotética, não havendo nenhuma controvérsia de fatos, nos recursos especial e extraordinário, seria incabível a presunção de inocência, como regra probatória, mas, seria claramente cabível a presunção de inocência como regra de tratamento, pois este deve ser tratado como inocente até o trânsito em julgado de sua condenação.

Ademais, existem várias questões predominantemente de direito que são passíveis de recursos especial e extraordinário, que podem ensejar uma alteração de uma condenação, podendo absolver, reduzir a pena imposta, alterar a espécie de pena, ainda ocorrer a prescrição e extinguir a punibilidade, podendo ser provido por violação de regra constitucional processual ou de lei federal, anulando a decisão.

Pode-se ainda interpor tais recursos para questionar critérios de apreciação de provas, utilização de provas ilícitas, nulidade das provas, valor legal das provas, a distribuição do ônus de provar, sendo essas questões de direito. Podendo questionar a qualificação jurídica dada a um determinado fato, não decorrendo de dúvida sobre algum dos elementos que integram o tipo penal, pois seria questão fática, mas em alguns casos, sendo considerados os fatos verdadeiros, poderiam existir dúvidas sobre a correta subsunção dos fatos ao tipo penal, sendo questão de direito.

Diante disso, precebemos que mesmo não podendo tratar de questões de fato e não podendo se valorar as provas em tais recursos, existem muitas outras formas de se alterar a decisão das instâncias inferiores. Não podendo deixar de lado a presunção de inocência como regra de tratamento. Dessa forma, o caráter desses recursos não é fundamento plausível para a antecipação da execução de pena, isso só pode ocorrer com o trânsito em julgado da condenção penal.

b)    EFEITO SUSPENSIVO

Uma das teses para tal decisão, é que os recursos extraordinário e especial não teriam efeito suspensivo, justificando a execução antecipada da pena.

Contudo, o art. 27, § 2º da Lei nº 8038/1990, já revogado, e o art. 995, caput do novo Código de Processo Civil, não são aplicáveis ao processo penal, pois trata-se de direitos tutelados totalmente diferentes. Não se refere apenas de efeitos recursais, mas sim da liberdade de alguém, tratando assim de direitos e liberdades individuais, destacando a presunção de inocência.

Percebemos ainda que uma execução antecipada da pena, os seus efeitos são totalmente irreversíveis e irremediáveis, não ocorrendo isso no processo civil. Não é possível devolver ao condenado o tempo que ficou preso, se ao final do processo o seu recurso especial ou extraordinário for provido, sendo absolvido,  reduzindo sua pena ou alterando o regime de cumprimento. Assim, não há que se comparar o processo penal e o processo civil, e o trânsito em julgado não possui relação com o efeito dos recursos.

c)    QUANTIDADE DE RECURSOS ADMITIDOS

Outro argumento utilizado na venerada decisão seria o número ínfimo de recursos especial e extraordinário que seriam admitidos ou providos, porém não tem cabimento, pois mesmo que isso fosse verdadeiro, não se trata de quantidade para a legitimação de tais recursos.

O princípio da Presunção de Inocência também não depende da quantidade de sentenças absolutórias, deve-se respeitar a Constituição Federal e seus princípios e garantias, se entendermos dessa maneira dentro do direito, não vamos respeitar as regras e virará uma insegurança jurídica. Caso a grande maioria dos recursos de apelações penais fossem improvidos, o princípio em questão também não deveria vigorar nesse período, ainda, caso as sentenças de primeira instância sejam, em sua grande maioria, condenatórias, o princípio também não iria vigorar e todos os acusados cumpririam suas penas antecipadamente, não existe lógica em tal argumento.

Além disso, segundo o Ministro Celso de Mello em seu voto no julgamento do habeas corpus nº 126.292/SP, foram levantados alguns dados estatísticos, pelo Ministro Ricardo Lewandowski, a partir de informações veiculadas no portal de informações gerenciais da Secretaria de Tecnologia de Informação do Supremo Tribunal Federal. A partir do ano de 2006 até outubro de 2009, 25,2% recursos extraordinários criminais foram providos, 3,3% foram providos parcialmente, somando-se os recursos providos e os pacialmente providos chegamos a 28,5%. Assim, quase um terço dos recursos extraordinários criminais foram providos, sendo um número bastante considerável.

Em pesquisa realizada, foram encontrados dados em relatório estatístico de 2016 do Superior Tribunal de Justiça. Nesse ano foram julgados 83.763 Recursos Especiais, a 32,05% foi dado provimento, a 41,24% negado, 13,79% não foram conhecidos, 11,78% incluem-se na categoria “outros” e 1,14% sem teor, são números bastante elevados de provimentos.

Os recursos extraordinários e especiais providos são em quantidade considerável, aquele quase chega a um terço e este ultrapassa esse número. Portanto, se esses condenados estiverem cumprindo pena antecipadamente e após sejam absolvidos ou tenham sua punibilidade extinta, terão ficado presos sem que no final do processo fossem condenados e obrigados a cumprir pena.

5.3  PRÉVIA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Podemos perceber, que de forma lógica, sendo alterado o entendimento e a presunção de inocência sendo respeitada apenas até a condenação em segunda instância, mesmo que possa haver a condição de interposição de recursos especial e extraordinário, poderia ser expedido o mandado de prisão nesse momento. Em consequência, isso implicaria necessariamente no reconhecimento de inconstitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, porém, na venerada decisão, não encontramos uma fundamentação para declarar sua inconstitucionalidade, nem mesmo foi citado, escondendo-se sua total incompatibilidade com a decisão.

Entende também dessa forma Caleffi (2017, p. 124):

Diante de tal impasse, Lenio Streck frisava que a Suprema Corte se encontrava em uma “sinuca de bico” em face de procedimento (não) adotado em relação à declaração formal de inconstitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal. Ou seja, para que o Supremo Tribunal Federal mantivesse a sua decisão, teria, necessariamente, que declarar as razões pelas quais o referido dispositivo processual violaria a Constituição.

Após foram propostas as ações declaratórias de constitucionalidade 43 e 44, protocoladas nos dias 18 e 19 de maio de 2016, respectivamente, pedindo que o referido artigo fosse declarado constitucional, para que os cumprimentos de pena iniciem apenas após o trânsito em julgado, porém ainda está em andamento. Foi indeferida no dia 05 de outubro de 2016 a cautelar requerida.

“DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. MEDIDA CAUTELAR EM AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃO CULPABILIDADE. ART. 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO DA PENA APÓS JULGAMENTO DE SEGUNDO GRAU. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. INDEFERIMENTO DOS PEDIDOS DE MEDIDA CAUTELAR.” (STF - ADC: 43 e 44, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 05/10/2016).

Entendemos que não se pode negar a aplicação de norma federal, sem que antes seja declarada formalmente sua inconstitucionalidade, cumprindo ainda os requisitos do artigo 97 da Constituição Federal.

“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”

Sendo apenas por voto de maioria absoluta dos membros de órgão especial que poderá ser declarada inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Ademais, o próprio relator Ministro Teori Zavascki, assentou esse entendimento em decisão proferia na Rcl 2645/SP, no Superior Tribunal de Justiça, segundo ele, não deve se admitir que se negue aplicação a preceito normativo, “sem antes declarar formalmente a sua inconstitucionalidade”. Assim, entende-se que deve ser declarada formalmente a inconstitucionalidade da lei para negá-la.

Na mesma esteira, não é cabível a tese da utilização do controle difuso, pois nesse caso, não houve nenhuma declaração de inconstitucionalidade. Podemos entender que se os tribunais resolvessem aplicar o texto do artigo 283 do Código de Processo Penal, não estariam contrariando a decisão da Suprema Corte, já que tal dispositivo não foi declarado inconstitucional. Portanto, não pode as duas vigorar ao mesmo tempo em nosso sistema jurídico.

1.1  A LENTIDÃO JURISDICIONAL E O SENTIMENTO DE IMPUNIDADE

Na venerada decisão, a Suprema Corte Brasileira argumentou que a lentidão jurisdicional para o julgamento dos recursos especial e extraordinário gera um sentimento de impunidade na social, assim, a sociedade não estaria satisfeita com essa demora na prestação jurisdicional.

Percebemos claramente que o Poder Judiciário de nosso país está sobrecarregado. Não sendo diferente na área criminal e também no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, principalmente naquele, há a necessidade de se aumentar o número de Ministros e também das turmas criminais, a demanda é muito grande e o sistema não está dando conta.

A afirmação é verdadeira, porém, deve-se encontrar uma alternativa para a resolução do problema. Se o Estado é ineficiente para pretar a jurisdição no tempo que a sociedade necessita, sendo responsabilidade esta do próprio Estado, conforme explica Lopes Jr. (2009. p. 69):

trata-se, sem dúvida, de responsabilidade do Estado perante o cidadão. Cumpre ao Estado prover o órgão judiciário e estruturar eficientemente sua organização judiciária para que o processo possa se desenvolver sem retardos indevidos.

Não é justo diminuir os direitos individuais para o bem estar da sociedade, para que seja diminuído o sentimento de “impunidade” desta. Para alguns, isso deve ocorrer para que os indivíduos que transgridam as regras sejam punidos. Porém, esta atitude pode ser muito perigosa para a própria sociedade, pois não se percebe que a defesa das garantias constitucionais individuais é o que traz o bem estar dos cidadãos, é defendendo cada cidadão que se defende o coletivo.


Considerações Finais OU CONCLUSÃO

Diante do exposto, concluímos que a Constituição Federal de nosso país, de forma muito clara e evidente, determina o marco temporal como final do Princípio da Presunção de Inocência, o trânsito em julgado da condenação penal, conforme artigo 5º, inciso LVII da lei suprema, assim também determina o artigo 283 do Código de Processo Penal, da mesma forma entende a doutrina majoritária de nosso país,

Dessa forma, não é possível contrariar tais dispositivos sem antes declará-los inconstitucionais, para antecipar o cumprimento de pena do acusado, deve-se respeitar o Princípio da Presunção de Inocência como regra de tratamento do acusado, não podendo este ser tratado como culpado antes de sua condenação definitiva, ademais, os recursos extraordinários e especiais tem grande importância, podendo mudar o resultado final do processo de várias formas já citadas anteriormente.

Percebemos também que o argumento da quantidade de recursos providos não tem cabimento, pois traz uma insegurança jurídica muito grande ao nosso país, podendo ser utilizado esse argumento para retirar várias outras garantias individuais do cidadão, e ainda, os dados nos mostram que a quantidade de recursos providos é considerável, ainda, não se pode diminuir direitos e garantias individuais dos cidadãos para suprir a ineficácia do Estado para julgar com mais agilidade os recursos interpostos.

Portanto, entendemos pela Inconstitucionalidade da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que relativizou o Princípio da Presunção de Inocência e entendeu ser possível a antecipação do cumprimento de pena dos condenados em segunda instância.

Por fim, não podemos aceitar a diminuição das garantias e direitos individuais do cidadão para o “bem estar” da sociedade, pois não se percebe que a defesa das garantias constitucionais individuais é o que traz o bem estar dos cidadãos, é defendendo cada cidadão que se defende o coletivo, finalizamos, citando a frase de Ruy Barbosa. “Onde quer que haja um direito individual violado, há de haver um recurso judicial para a debelação da injustiça; este, o princípio fundamental de todas as constituições livres.” (BARBOSA, 1892, p. 42).


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FREITAS, Marcos Roberto de. Relativização do princípio da presunção de inocência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5259, 24 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62075. Acesso em: 18 abr. 2024.