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A prescrição intercorrente no processo de execução fiscal como causa de extinção do crédito tributário

A prescrição intercorrente no processo de execução fiscal como causa de extinção do crédito tributário

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O que acontece com a contagem de prazo prescricional intercorrente quando a execução fiscal se encontra parada em razão da morosidade do Poder Judiciário?

RESUMO: Este trabalho examinará o instituto da prescrição intercorrente nos processos de execução fiscal, entendendo-a como causa de extinção do crédito tributário. A prescrição é tratada enquanto perda do poder de efetivar o direito material, não sendo possível a cobrança eterna por parte do Estado de seus créditos. Nesse contexto, a inércia do credor em relação aos poderes e deveres inerentes ao exercício do direito de ação é vista como causa central para a decretação da prescrição, tornando-se impossível a contagem de prazo prescricional intercorrente quando o feito se encontra parado em razão da morosidade do Poder Judiciário.

PALAVRAS-CHAVE: Prescrição Intercorrente. Execução Fiscal. Inércia da Fazenda Pública.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Prescrição enquanto perda do poder de efetivar direito material; 2. Inviabilidade da cobrança estatal por tempo indeterminado; 3. Inércia do credor enquanto causa eficiente da prescrição intercorrente; 4. Impossibilidade de contagem de prazo prescricional durante paralisação do processo decorrente da morosidade do Poder Judiciário; Conclusão; Referências.


Introdução

O vocábulo “prescrição”, segundo Câmara Leal[1], deriva do latim praescripto, procedente do verbo praescrebere. Tal verbo é constituído pelos elementos prae e scribere, significando “escrever antes” ou “escrever no começo”. Em sua acepção original, advinda da Roma Antiga, praescripto correspondia à parte preliminar da fórmula estatuída pelo pretor, na qual este determinava ao juiz a absolvição do réu se consumado o prazo de duração de determinada ação temporária, exceção à regra geral da perpetuidade das ações. De tal modo, o termo praescripto não se relacionava propriamente com o conteúdo da determinação pretoriana, mas com o caráter preliminar ou introdutório, escrito antes ou no começo da fórmula.

Diante de tal escorço histórico, surge a necessidade de definição da prescrição e delimitação do seu conteúdo. Essas questões, é de se ressaltar, não são pacíficas na doutrina, havendo uma pluralidade de concepções sobre o fenômeno. Também não é unânime o tratamento conferido ao instituto da prescrição pelo Direito positivo brasileiro. Existem normas diversas abordando o assunto, ao qual diferentes contornos são dados. Como exemplo, citam-se o Código Tributário Nacional (CTN), que, em seu artigo 156, V, prevê que a prescrição extingue o crédito tributário e o Código Civil de 2002, cujo artigo 189, diversamente, estabelece que a prescrição extingue a pretensão do titular do direito violado.

De uma forma ou de outra, o acolhimento da prescrição tolhe o credor da possibilidade de, concretamente, ter satisfeito o seu direito. É nesse contexto que, em um primeiro momento, a prescrição pode parecer injusta, de modo que apenas valores relevantes possam justificar a restrição a direitos reconhecidos.


1. Prescrição enquanto perda do poder de efetivar direito material

Pontes de Miranda define a segurança jurídica como fundamento da prescrição. Ele ensina que “os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica”[2]. Para o referido autor, tais prazos não cancelam as pretensões, mas apenas encobrem a eficácia da pretensão, ou, dito de outro modo, “atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou acionabilidade”[3].

A segurança é pressuposto fundamental da vida humana, necessidade das mais urgentes e primitivas e que resulta da própria natureza do homem. Significa a estabilidade das relações sociais, extremamente necessária para que possa existir vida em sociedade. Caso as normas pudessem ser alteradas a qualquer momento, todos estariam desamparados, inseguros, sem garantias e sem a confiança de poder viver em paz e tranquilamente.

A ideia de segurança aparece na Constituição Federal de 1988 em diversos momentos, com diferentes enfoques. Identifica-se, já no preâmbulo, a segurança como requisito essencial para a existência do Estado Democrático de Direito, também sendo ela prestigiada, ao longo do corpo constitucional, como direito fundamental e como meio necessário à realização dos objetivos da República.

Juntamente com a justiça, a segurança jurídica é entendida como objetivo do Direito. Acerca desses importantes institutos, expõe Rodrigues de Ataíde Jr.:

“segurança e justiça são valores que se completam e se fundamentam reciprocamente. Não pode haver justiça materialmente eficaz se não for assegurado aos cidadãos, concretamente, o direito de ver reconhecido a cada um o que é seu”.[4]

Consoante leciona Oliveira[5], a prescrição sintetiza a convivência possível entre os referidos dois valores fundamentais do direito: justiça e segurança jurídica. Enquanto flui o prazo prescricional, percebe-se a supremacia da justiça, estando assegurado ao prejudicado o exercício de sua pretensão. Por outro lado, se houver inércia, conformação ou descaso, deixando-se vencer o prazo para corrigir a injustiça, a prioridade desloca-se para o valor segurança jurídica. Ficam sepultadas, sem avaliação de conteúdo, as incertezas que poderiam gerar conflitos, de modo a preservar a paz social e a estabilidade nas relações.

Gagliano e Pamplona Filho[6], com propriedade, esclarecem que, à luz do princípio da inafastabilidade, o direito de ação sempre será conferido pela ordem jurídica ao autor. Todavia, será atingida pela prescrição a pretensão que surge do direito material violado, isto é, o poder de exigir de outrem coercitivamente o cumprimento de um dever jurídico. Isso se dá em nome da preservação do sentido de estabilidade social e de segurança jurídica, por não ser razoável o estabelecimento de relações jurídicas perpétuas, que podem obrigar outros sujeitos sem limitação temporal.

Nesse contexto, quando propõe a ação respectiva para satisfação do seu crédito, o credor concretiza a conduta prevista pela lei de modo a afastar o fundamento prescricional e interromper seu curso. Assim, o prazo prescricional, iniciado quando a obrigação se tornou exigível, interrompe-se pela proposição em juízo do direito material violado.


2. Inviabilidade da cobrança estatal por tempo indeterminado

Especificamente no âmbito do direito tributário, o princípio da segurança jurídica ganha enfoque especial. Para o sujeito passivo da obrigação, “pessoa obrigada a pagar o tributo ou penalidade pecuniária”, nos termos do artigo 121 do CTN, “não basta a segurança com relação aos fatos passados (irretroatividade da lei), também se faz necessário um mínimo de previsibilidade quanto ao futuro próximo”, nos termos de Alexandre[7].

O referido caráter especial se acentua ainda mais nas execuções fiscais, ação pela qual a Fazenda Pública requer de contribuinte crédito que lhe é devido. Trata-se de ação exacional própria, dotada de procedimento especial do qual dispõe a Fazenda Pública para cobrança de seus créditos, sejam tributários ou não, desde que inscritos em dívida ativa.

O enfoque especial conferido à segurança nas execuções fiscais se dá pelo fato de a Fazenda Pública buscar bens suficientes para o pagamento do crédito junto ao patrimônio do executado. Na medida em que é bastante nocivo a ele seus bens serem alvo de buscas pela Fazenda, os danos decorrentes de uma cobrança eterna por parte do Estado são incalculáveis. Lembra-se, desde logo, a impossibilidade, nessa situação, de se prever receitas e despesas, o que, indubitavelmente, prejudica ainda mais a saúde financeira do sujeito passivo da obrigação.

Nesse sentido, o Erário não pode cobrar tributos e outros créditos por tempo indeterminado. Conforme expõe Rocha:

“a duração irrazoável do processo vai de encontro a mandamentos constitucionais, que primam pela celeridade inclusive no âmbito judicial, tendo em vista, primordialmente, a necessidade de as empresas, que desenvolvem a atividade econômica, por conseguinte gerando tributos, poderem ter algum controle mínimo entre a receita e as despesas, incluindo nestas os débitos tributários. A exigibilidade indefinida de créditos não se coaduna com a ordem constitucional, tampouco com a sistemática tributária, que tem como princípio a não-surpresa”[8]. 

Outrossim, existindo execuções fiscais em curso, estando exigível o crédito exequendo, o devedor está impossibilitado de obter certidão negativa. Tal certidão é o documento apto a comprovar a inexistência de débito de determinado contribuinte, de determinado tributo ou relativo a determinado período.

Com efeito, considerando ser possível a Fazenda Pública cobrar por tempo incerto seu crédito, ter-se-ia a situação na qual determinado devedor insolvente não poderia obter certidões negativas. Ficaria, pois, impossibilitado de participar, por exemplo, de procedimentos licitatórios em cuja fase de habilitação o interessado precisa apresentar tais certidões sob pena de ser desabilitado.

A execução fiscal, compreendida dentro das execuções em geral, além de garantir o interesse do credor, deve também levar em consideração defesas dos direitos do devedor. Nesse sentido, Marins conclui que, juntamente com a necessidade de satisfação do crédito fazendário, “surge a necessidade de se buscar também o respeito incondicional ao sistema de garantias da relação jurídico tributária. Desse limite, por mais que se propugne pelo interesse público da satisfação do crédito fazendário, não pode passar a execução fiscal”[9]. Conforme explanado, um desses limites é temporal, sendo inviável a cobrança estatal de dívidas por tempo indeterminado.


3. Inércia do credor enquanto causa eficiente da prescrição intercorrente

Segundo Houaiss, inércia é a “resistência que a matéria oferece à modificação do seu estado de movimento”[10]. Como se infere, tal conceito advém da Física.

A Ciência Jurídica, por sua vez, estuda o “princípio da inércia”, de acordo com o qual o Estado-Juiz só atua se for provocado (ne procedat iudex ex officio). Esse princípio foi consagrado no artigo 2º do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”.

Explicam Cintra, Grinover e Dinamarco:

“o exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo contraproducente, pois a finalidade que informa toda a atividade jurídica do Estado é a pacificação social e isso viria em muitos casos a fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde elas não existiam antes”[11].

Objetivando resguardar a imparcialidade na solução dos conflitos, Cintra, Grinover e Dinamarco ensinam que “quando o próprio juiz toma a iniciativa do processo, ele se liga psicologicamente de tal maneira à ideia contida no ato de iniciativa, que dificilmente teria condições de julgar imparcialmente”[12]. Assim, é desaconselhável que o Estado inicie de ofício a jurisdição, vez que estaria ensejando instabilidade social onde antes não havia.

Nesse contexto, tanto a concepção de inércia da Física quanto à do Direito abarcam a ideia de falta de mobilidade, estagnação. Quando o autor mantém-se inerte, ele deixa de buscar seu direito, ou, dito de outro modo, deixa de exercer sua pretensão. Isso cria uma situação de incerteza e insegurança jurídica, combatidas pelo instituto da prescrição. Por outro lado, uma vez proposta determinada ação buscando satisfação do direito material, está interrompido o prazo prescricional, afastada a inércia do credor.

Em matéria tributária, em se tratando de feitos executivos fiscais, opera-se a prescrição quando a Fazenda Pública não propõe, no prazo legalmente estipulado, a ação de execução fiscal para obter a satisfação coativa do seu crédito. Segundo o artigo 174, caput, do Código Tributário Nacional, “a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva”.

A concepção moderna do Direito de ação, entretanto, entende-o como de atuação contínua das partes, desde a proposição da demanda até a efetivação do direito. Dessa forma entendem Carlos Alberto Álvaro de Oliveira e Daniel Mitidiero, autores que propõem o entendimento da ação como “a síntese de uma série de poderes, faculdades, direitos e deveres e ônus que o ordenamento atribui ao autor no plano processual e ao longo do desenvolvimento do processo, desde o início da demanda até a decisão final fática”[13].

Durante a marcha processual, pois, perdura o dever de diligência, porquanto a ideia de ação engloba a continuidade de atos. Os artigos 267, VIII, e 569, caput, do Código de Processo Civil de 1973, equivalentes, respectivamente, aos artigos 485, VIII, e 775, caput, no Código de Processo Civil de 2015, colaboram com tal entendimento. Isso porque tais dispositivos preveem a possibilidade de o autor desistir da ação e da execução, sendo possível desistir apenas de algo que tenha continuidade.

Assim, se o exercício do direito de ação vai além do momento da propositura da demanda, como visto, e tal propositura afasta a prescrição, esta também não pode restringir-se a ser interrompida com o início do processo, devendo-se pressupor sua continuidade. É de se perceber, portanto, a existência de prescrição endoprocessual, isto é, no curso do processo, denominada prescrição intercorrente.

Ensina Arruda Alvim:

“com o curso normal do processo, a cada ato ‘renova-se’ ou ‘revigora-se’ o estado da prescrição interrompida, porquanto o andamento do processo, com a prática de atos processuais significa, em termos práticos, a manutenção deste estado. É só a partir da inércia, quando ao autor couber a prática de ato, e este não vier a ser praticado, durante prazo superior ao da prescrição, é que ocorrerá a prescrição intercorrente”.[14]

Pelo exposto, a prescrição intercorrente se dá quando o processo permanece paralisado por inércia do exequente, exigindo a legislação pátria em sede de execução fiscal um procedimento específico para sua decretação.

O artigo 40 da lei nº 6830/80, Lei de Execuções Fiscais (LEF), que regula a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, determina que o juiz suspenderá a execução enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, abrindo vistas para a Fazenda logo após a suspensão. O prazo no qual o processo permanece suspenso é de 1 (um) ano findo o qual, nos termos do §2º do referido artigo, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos se não localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis. Após cinco anos da decisão que ordena o arquivamento, segundo o §4º do artigo em comento, o magistrado, depois de ouvida a Fazenda acerca da existência de causas de suspensão ou interrupção, poderá decretar a prescrição intercorrente.

Trata-se a prescrição intercorrente na execução fiscal, portanto, de instituto que impede negligência por parte da Fazenda Pública, a qual fica obrigada, sob pena de perda do manejo do processo executivo e, consequentemente, extinção do feito, a ser sempre diligente e cuidadosa na localização do executado e de seus bens.

Sob o argumento de que prescrição é matéria reservada à lei complementar, segundo o artigo 146, III, b, da Constituição Federal, pode-se pensar ser inconstitucional o mencionado §4º do artigo 40, da lei nº 6830/80. É de se perceber, todavia, que tal §4º, incluído na LEF pela lei nº 11051/04, não tratou de prazo prescricional, não alterando, por exemplo, a sistemática de contagem ou o período quinquenal, mas se limitou a dispor sobre matéria de direito processual civil. Assim considerou o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[15], que, tendo em vista a natureza processual da norma, determinou sua aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso.

Na defesa da constitucionalidade comentada, Marinoni e Arenhart vão além. Para eles, “a prescrição intercorrente não se trata, a rigor, de hipótese de prescrição, mas constitui hipótese de extinção da exigibilidade judicial da prestação, que ocorre pela paralisação injustificada, por culpa do credor, da execução”[16].


4. Impossibilidade de contagem de prazo prescricional durante paralisação do processo decorrente da morosidade do Poder Judiciário

Diante da sobrecarga de processos que abarrotam o Poder Judiciário brasileiro hoje em dia, são bastante comuns paralisações processuais por falha ou morosidade do sistema judiciário, isto é, por questões que não podem ser atribuídas à parte exequente. São exemplos de tais paralisações a demora para expedição de certo mandado de citação e penhora e o longo período em que o processo pode se encontrar concluso aguardando pronunciamento judicial.

Pelo entendimento apresentado de que a inércia da exequente é condição essencial para a decretação da prescrição ordinária e intercorrente, durante as referidas paralisações no curso do processo não poderia fluir prazo prescricional. Tal conclusão parece simples, mas a questão merece aprofundamento, sobretudo no tocante à prescrição ordinária.

Antes da Lei Complementar nº 118/2005, o artigo 174 do CTN previa, em seu parágrafo único, inciso I, a citação válida do devedor como causa de interrupção da prescrição do crédito tributário. Com a referida lei complementar, o dispositivo foi modificado, de modo a antecipar a interrupção prescricional para o despacho do juiz que ordena a citação do devedor tributário. Essa alteração foi benéfica para a Fazenda Pública, que era bastante prejudicada com a morosidade do Judiciário associada à dificuldade de localizar o executado. Nesse sentido, explica Alexandre:

“A prevalência da redação anterior do CTN possibilitava ao devedor fugir à citação pessoal, de forma a manter artificiosamente a fluência do prazo prescricional. Tal situação era por demais injusta para a Fazenda Pública que, mesmo agindo (propondo a execução fiscal), poderia ver seu direito parecer por algo que lhe é alheio (a fuga do devedor)”[17].

O Código de Processo Civil de 1973 dispõe que “a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação” (art. 219, §1º). O Novo Código de Processo Civil, de 2015, por sua vez, em seu artigo 240, §1º, estabelece que “a interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação”. Assim, aplicando subsidiariamente o diploma processual civil na cobrança judicial da Dívida Ativa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme permite o artigo 1º da Lei nº 6830/80, tendo agido a Fazenda Pública, ajuizando o feito executivo fiscal, não há mais o que se falar em fluência de prazo prescricional, já que interrompido.

É no sentido exposto, favorável à Fazenda Pública, o teor do enunciado 106 da Súmula do STJ, segundo a qual “proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”.

Existem autores, porém, que defendem a inaplicabilidade do enunciado 106 da Súmula do STJ em execuções fiscais. Moura, por exemplo, argumenta:

“Não há que se falar em aplicação da Súmula 106 do STJ, quando o CTN (lei complementar) já fixou qual o marco para a interrupção da prescrição nas execuções fiscais, qual seja, o despacho que ordenar a citação. Se assim não fosse, o legislador teria alterado o inciso I, do parágrafo único, do artigo 174, do CTN, com a seguinte redação: ‘A prescrição se interrompe com a propositura da execução fiscal’, o que não ocorreu. (...) não obstante o prazo quinquenal, o Fisco deixa para propor as ações faltando poucos meses para o transcurso do prazo prescricional, e se utiliza da Súmula 106, STJ, para que a arguição da prescrição não seja acolhida. De mais a mais, quando a Fazenda Pública contribui para a ocorrência da prescrição, seja quando deixa para ajuizar a execução fiscal no último exercício ou quando propõem milhares de execuções simultaneamente, não há como ser aplicada a mencionada súmula”[18].

Paulsen, por sua vez, pontifica:

“O CTN enquanto lei de normas gerais de Direito Tributário, sob reserva de lei complementar, e a LEF, enquanto lei processual especial, prevalecem sobre as normas gerais de processo estabelecidas pelo CPC. Assim, ainda hoje, não tem aplicação às execuções fiscais o disposto no §1º do art. 219 do CPC, que prevê que a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação. Nas execuções fiscais, decorrido o prazo prescricional após o ajuizamento mas antes de proferido o despacho inicial que determinar a citação, cabe ao Juiz reconhecer de ofício, a prescrição, não havendo modo de vir a ser sanada”.[19]

Outro argumento apresentado por Moura para defender que a Súmula nº 106 do STJ não deve ser aplicada em execuções fiscais é o de que “há nítida diferença entre despacho e citação”[20], sendo o despacho, interruptor da prescrição, ato do Juiz, e não da Justiça, enquanto que a citação é ato da Justiça pelo qual se chama a juízo o sujeito passivo da relação processual para apresentar sua resposta. Moura considera, portanto, que o despacho não estaria incluído no “mecanismo da justiça”, termos da referida súmula.

Com a devida vênia, entendemos ser aplicável a Súmula nº 106 nos feitos executivos fiscais. Primeiramente, é de se afastar a ideia de que a demora para despachar não pode ser incluída como “demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça”. “Demora na citação”, nesse contexto, inclui também a demora na determinação da citação, isto é, o lapso temporal em que se aguarda o pronunciamento judicial. Igualmente, é indubitável que o juiz, cujo principal poder-dever é o de prestar a tutela jurisdicional, está inserido no mecanismo da justiça.

No tocante ao momento do ajuizamento da ação de cobrança fiscal, não importa se o Fisco movimentou a máquina judiciária faltando poucos meses para o transcurso do prazo prescricional. É indiferente, também, se ajuizou várias execuções simultaneamente. Deve-se aferir, apenas, se cada proposição deu-se dentro de prazo quinquenal, cujo termo inicial é constituição do crédito. Defender a inaplicabilidade do enunciado 106 da Súmula do STJ para executivos fiscais sob o argumento de que a Fazenda deixa para ajuizar pouco tempo antes do final do prazo é, em verdade, desconsiderar a existência do próprio prazo.

Também em sentido contrário às ideias de Moura trazidas, vem se posicionando o STJ, para quem é admissível a aplicação da Súmula 106 nas execuções fiscais. Veja-se julgado recente:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ART. 514, II, DO CPC. REQUISITOS. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTIVA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 106/STJ. (...) 3. Em recurso especial representativo da controvérsia, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que iniciado o prazo prescricional com a constituição do crédito tributário, o termo ad quem se dá com a propositura da execução fiscal. Outrossim, a interrupção da prescrição pela citação válida, na redação original do art. 174, I, do CTN, ou pelo despacho que a ordena, conforme a modificação introduzida pela Lei Complementar 118/2005, retroage à data do ajuizamento, em razão do que determina o art. 219, § 1º, do CPC, quando a demora na citação não for atribuída ao Fisco. Precedentes: REsp 1.120.295/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 21/5/2010, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC e AgRg no AREsp 167.016/DF, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, DJe 19/6/2012. (...). (STJ. AgRg no AREsp 571.242/SC 2014/0216564-4, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 05/05/2015, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2015).

O entendimento de Paulsen, para quem é inaplicável às execuções fiscais o artigo 219, §1º, do CPC de 1973, também merece ser criticado. Isso porque o CTN, segundo nova tese do STJ, ao estabelecer o momento da interrupção da prescrição (despacho ordenando a citação, após a Lei Complementar nº 118/05), não dispôs acerca do momento no qual tal interrupção deveria começar a produzir efeitos. Essa data é buscada por analogia, equidade e princípios gerais de Direito Público no Código de Processo Civil, que estabelece o referido momento como sendo a data de propositura da ação. Eis um trecho do brilhante voto do Ministro Mauro Campbell Marques no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.392.745 - RS (2013/0214318-2)[21]:

“(...) restaram superados os entendimentos que se pretendiam literais no sentido de que a prescrição do crédito tributário somete se interrompia na data da citação pessoal feita ao devedor (redação original do art. 174, parágrafo único, I, do CTN) ou na data do despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal (redação atual dada pela Lei Complementar nº 118/2005).  Em verdade, esses entendimentos confundiam o suporte fático hipotético eleito pelo ordenamento jurídico para haver a interrupção (ocorrência de citação ou despacho) com o momento da produção de seus efeitos (data da interrupção da prescrição). Fazendo uso de outras palavras, traduzindo-se para a terminologia tributária: confundia-se o critério material de uma hipótese de incidência com o critério temporal, cousas que podem estar em normas distintas (e normalmente o estão). Com efeito, se o CTN, a exemplo do CPC, elege expressamente o suporte fático hipotético para haver a interrupção do prazo prescricional (citação ou despacho), ele é omisso em relação ao momento da produção de seus efeitos, pois não estabelece uma data para tal.  Essa data, seja por emprego da analogia, por emprego da equidade ou dos princípios gerais de Direito Público (fórmula prevista no art. 108, I, III e IV, do próprio CTN) pode e deve ser buscada  no CPC que estabelece expressamente  em seu art. 219, §1º, como sendo ‘a data da propositura da ação’”.

É de perceber, com o julgado colacionado, que se encontra superado o posicionamento de não aplicação aos feitos executivos fiscais do artigo 219, §1º, do CPC de 1973 (artigo 240, §1º, no CPC de 2015). O novo ponto de vista no STJ, em verdadeiro juízo de equidade e em analogia com norma vigente de Direito Processual Civil, dá ao crédito fiscal tratamento protetivo equivalente ao dado pelo para o crédito particular. É, portanto, sistematicamente melhor e atenta para o fato de que a inércia do credor se encerra com a propositura da ação.

Assim, a fluência de prazo prescricional perde sentido com o exercício do direito de ação, cuja efetivação é representada pela propositura da demanda. Desse modo, estando paralisado o processo por questões intrínsecas ao Poder Judiciário, seja pela demora a se conceder o despacho, seja pela demora a se efetivar a citação, não há o suporte fático para decretação de prescrição, qual seja a inércia da parte exequente.

Como alhures exposto, também é a inércia a condição fática eficiente para a decretação da prescrição intercorrente, cuja existência impede negligência da Fazenda Pública nas execuções fiscais em que almeja a satisfação do seu crédito e se constitui como medida punitiva para o titular de pretensão que se mantém inerte durante o processo. Dessa forma, importante consignar, igualmente, a impossibilidade de contagem de prazo prescricional intercorrente em casos de paralisação da marcha processual por questões que não podem ser atribuídas à exequente, isto é, questões ligadas à morosidade do Poder Judiciário.


Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que, configurada a inércia da parte exequente, sendo inviável a execução seguir por tempo indeterminado, flui o prazo prescricional intercorrente. Tal prazo é o do artigo 174 do CTN, de cinco anos, que estava interrompido com o despacho ordenando a citação e é retomado verificada a necessidade de a Fazenda dar andamento ao feito executivo.

Registra-se não ser possível incluir no referido prazo as longas paralisações do processo por circunstâncias que não atribuídas à parte exequente, isto é, paralisações por falha ou morosidade do Poder Judiciário, como a demora para expedição de determinado mandado de citação e penhora e o longo período em que o processo se encontra concluso aguardando pronunciamento judicial. Tal impossibilidade decorre da natureza do instituto da prescrição, cuja condição fática eficiente é a inércia da parte exequente, sendo aplicável às execuções fiscais o enunciado 106 da Súmula do STJ.


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RODRIGUES DE ATAÍDE JR., Jaldemiro. A criação judicial do direito: segurança x justiça. Necessidade de releitura dos princípios. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8226>. Acesso em: 30 nov. 2017.


Notas

[1] CÂMARA LEAL, Antônio Luís. apud QUINAIA, Cristiano Aparecido. Prescrição e decadência à luz da classificação das ações. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_a rtigos_leitura&artigo_id=12387#_ftn4 > Acesso em: 09 nov. 2017.

[2] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado - parte geral, tomo VI. 3 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, p. 101.

[3] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado - parte geral, tomo VI. 3 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, p. 101.

[4] RODRIGUES DE ATAÍDE JR., Jaldemiro. A criação judicial do direito: segurança x justiça. Necessidade de releitura dos princípios. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8226>. Acesso em: 30 nov. 2017.

[5] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Prescrição nas ações indenizatórias decorrentes de acidente do trabalho ou doença ocupacional. Revista LTr, v. 70, n. 5. São Paulo: mai./2006, p. 523.

[6] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. 1. 14 ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 496-499.

[7] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 7 ed. São Paulo: Método, 2013, p. 101.

[8] ROCHA, Annelise Brandeburski. A Prescrição Intercorrente na Execução Fiscal. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2009_2/annelise_rocha.pdf> Acesso em: 20 nov. 2017.

[9] MARINS, James. Direito Processual tributário brasileiro (administrativo e judicial). 2 ed. São Paulo: Dialética, 2002, p. 566.

[10] HOUAISS, Antônio. Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 420.

[11] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 159.

[12] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 159.

[13] ÁLVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto de. MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. V.1. São Paulo: Atlas, 2010, p. 140.

[14] ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Da prescrição intercorrente. In: CIANCI, Mirna (Coord.). Prescrição no Novo Código Civil: Uma Análise Interdisciplinar. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 27.

[15] STJ. REsp 735.220/RS, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de julgamento: 03/05/2005, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/05/2005.

[16] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, Execução, 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 345-346.

[17] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 7 ed. São Paulo: Método, 2013, p. 457.

[18] MOURA, Nelson Henrique Rodrigues de França. Inaplicabilidade da Súmula nº 106 do STJ nos executivos fiscais. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9901/inaplicabilidade-da-sumula-n-106-do-stj-nos-executivos-fiscais>. Acesso em: 05 nov. 2017.

[19] PAULSEN, Leandro, Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência, 9. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2007, p. 1126.

[20] MOURA, Nelson Henrique Rodrigues de França. Inaplicabilidade da Súmula nº 106 do STJ nos executivos fiscais. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9901/inaplicabilidade-da-sumula-n-106-do-stj-nos-executivos-fiscais>. Acesso em: 05 nov. 2017.

[21] STJ. AgRg no REsp 1.392.745/RS 2013/0214318-2, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 25/03/2014, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/03/2014.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, Romero Solano de Oliveira. A prescrição intercorrente no processo de execução fiscal como causa de extinção do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5360, 5 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62729. Acesso em: 27 abr. 2024.