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Assédio e improbidade administrativa por violação a princípios jurídicos

Assédio e improbidade administrativa por violação a princípios jurídicos

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O presente artigo fará uma incursão sobre o assédio - moral e sexual - na Administração Pública e que representa a prática de ato de improbidade administrativa - Lei 8429/1992, artigo 11 - por clara violação aos princípios jurídicos estabelecidos.

1. Assédio.  2. Assédio Sexual. 3. Assédio Moral. 4. Princípios Regentes da Administração Pública. 5. Assédio como Ato de Improbidade Administrativa. 6. Jurisprudência. 7. Conclusões. 8. Bibliografia


1. Assédio. 

Na linguagem coloquial a expressão assédio quer significar uma operação militar ou um conjunto de sinais ao redor ou em frente a um determinado local, com estabelecimento de um cerco com a finalidade de exercer o domínio e submissão. Assédio também significa, de forma figurada, a prática de atos que demonstrem uma insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém, geralmente uma vítima que pode não possuir grande resistência.

Quaisquer que sejam as espécies de assédio praticadas, tal comportamento prejudica o desenvolvimento das atividades administrativas, especialmente porque a eficiência da vítima será atingida – e prejudicada – com o assédio perpetrado. Nesse contexto: “solução eficiente é aquela que mais estritamente guarda correspondência com o princípio da prevalência do interesse público. A Administração Pública, em sua atuação, conta com a supremacia do interesse que defende exatamente a pujança de seu desiderato, que justifica tal supremacia, é que impõe uma atuação eficiente, com vistas à maximização dos resultados que busca. Em outras palavras: é decorrência das exigências do bem comum a solução que melhor o atenda”.[1]

O assédio - moral ou sexual, como ainda veremos - deve ser combatido em todas as suas vertentes e extirpado da Administração Pública dos Três Poderes da República e em todos os entes federativos, sem quaisquer exceções.


2. Assédio Sexual.

 Com redação incluída pela Lei 10224/2001 para o Código Penal Brasileiro, assédio sexual é a conduta tipificada no artigo 216 e é constituída pela seguinte ação: Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos”. No parágrafo segundo existe a previsão de que a pena será aumentada em até um terço se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos. 

É inquestionável que o crime de assédio sexual busca proteger a liberdade sexual das pessoas naturais e, por isso, a Lei reprime a conduta sob o aspecto penal. Na jurisprudência: STJ, 2ª Turma, REsp 1680714/ES, Relator: Ministro Herman Benjamin, julgado em 21/9/2017, DJe 9/10/2017; STJ, 5ª Turma, HC 306.628/SP, Relator: Ministro Felix Fischer, julgado em 24/3/2015, DJe 13/4/2015; STJ, 6ª Turma, RHC 52.874/PR, Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 4/12/2014, DJe 18/12/2014; STJ, 6ª Turma, RHC 49.735/PR, Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 4/12/2014, DJe 18/12/2014; STJ, 6ª Turma, HC 280.709/PR, Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 7/10/2014, DJe 28/10/2014; STJ, 6ª Turma, AgRg no REsp 1433253/RJ, Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/9/2014, DJe 10/10/2014; STJ, 5ª Turma, HC 240.678/SP, Relatora: Ministra Laurita Vaz, julgado em 3/4/2014, DJe 14/4/2014, inter alios.


3. Assédio Moral.

Assédio moral ou mobbing consiste na conduta negativa do empregador ou de seus prepostos em face do empregado, sem conotação sexual, submetendo-o à humilhação rotineira, comportamentos hostis, abusos de natureza emocional, de forma velada, dissimulada, objetivando destruir a autoestima, desestabilizando-o emocional e até fisicamente.

O processo de assédio moral inicia um funesto processo de queda no sistema imunológico e geralmente as vítimas dele contraem doenças com facilidade, principalmente de natureza alérgica, como reação do organismo aos abalos emocionais provocados pelo agressor.

Sob o prisma jurídico, pode-se asseverar que o assédio moral decorre do uso arbitrário do poder disciplinar ou diretivo do empregador, sendo exemplos típicos de assédio moral as seguintes situações: ordens confusas e sem objetividade; retirar tarefas e instrumentos de trabalho, críticas negativas, descabidas ou deletérias em público, induzir o empregado a erro, ausência de comunicação direta com a vítima, supressão de documentos ou informações relevantes para a consecução do trabalho, aplicação de reprimendas públicas e em descompasso com o devido processo legal, tratamento aviltante e discriminações pessoais odiosas, perseguição em razão de exercício de direitos constitucionais, entre outras práticas similares.

Tais condutas têm como fim isolar o empregado sem justificativas, hostilizando, inferiorizando, impondo culpas inexistentes, desacreditando-o diante do grupo, que, normalmente, adota um pacto de tolerância cruel, o que vai minando a capacidade da vítima de reagir.

Apesar de não ser um tema contemporâneo, são parcas as legislações e doutrinas versando sobre o tema, sendo alguns municípios do Estado de São Paulo, pioneiros na promulgação de legislação versando sobre o assédio moral e, mais recentemente, o Estado do Rio de Janeiro, e tais normas são direcionadas para o setor público o que bem se coaduna com a hipótese dos autos, conquanto, o demandante é empregado público.

O Município de São Paulo editou a Lei Municipal 13.288/2002. A aludida norma conceitua assédio moral da seguinte forma: “Para fins do disposto nesta lei considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a autoestima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de ideias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços".

O Estado do Rio de Janeiro foi pioneiro na promulgação de norma jurídica vedando condutas configuradoras do assédio moral, a Lei Estadual 3.921/2002, que em seu artigo 2º define, com propriedade jurídica, circunstâncias consideradas assédio moral: “Considera-se assédio moral no trabalho, para os fins do que trata a presente Lei, a exposição do funcionário, servidor ou empregado a situação humilhante ou constrangedora, ou qualquer ação, ou palavra gesto, praticada de modo repetitivo e prolongado, durante o expediente do órgão ou entidade, e, por agente, delegado, chefe ou supervisor hierárquico ou qualquer representante que, no exercício de suas funções, abusando da autoridade que lhe foi conferida, tenha por objetivo ou efeito atingir a autoestima e a autodeterminação do subordinado, com danos ao ambiente de trabalho, aos serviços prestados ao público e ao próprio usuário, bem como, obstaculizar a evolução da carreira ou a estabilidade funcional do servidor constrangido”.

Como visto, o assédio moral possui forte conotação psicológica e em casos extremos pode levar ao extermínio da vida pelo suicídio. Nesse contexto: “atentado à vida e à liberdade individual de particulares, praticado por agentes públicos armados – incluindo tortura, prisão ilegal e "justiciamento" –, afora repercussões nas esferas penal, civil e disciplinar, pode configurar improbidade administrativa, porque, além de atingir a pessoa-vítima, também alcança, simultaneamente, interesses caros à Administração em geral, às instituições de segurança pública em especial e ao próprio Estado Democrático de Direito”.[2]

Em decorrência dos efeitos deletérios do assédio moral, poder-se-á configurar o nascimento da obrigação de reparar os danos, sendo que existe em tal comportamento um reprovável desvio das funções cujo exercício é conferido por Lei.[3]


4. Princípios Regentes da Administração Pública.

Diversos são os conceitos apresentados de princípios jurídicos: normas de grande relevância para o ordenamento jurídico (K. Larenz); chave de todo o sistema jurídico (P. Bonavides); proposição que confere coerência e unidade sistemática ao ordenamento jurídico, qualidades imprescindíveis para que qualquer conjunto integrado de conhecimentos tenha status científico (D. F. M. Neto); fundamento da ordem jurídica (Federico de Castro); super-fonte (Flórez-Valdez); grandes fachos normativos (M. Godinho); mandamentos de otimização (Robert Alexy); mandamento nuclear do sistema jurídico (Bandeira de Mello); estabelecem um estado ideal de coisas a ser atingido, em virtude do qual deve o aplicador verificar a adequação do comportamento a ser escolhido ou já escolhido para resguardar um determinado estado de coisas (Humberto Ávila), pilares axiológicos do sistema jurídico e, consequentemente, possuem força normativa imediata. Os princípios jurídicos não exercem apenas a função secundária de preenchimento das lacunas na lei. São fontes primárias do Direito, subjacentes às regras, expressando juridicamente os valores e os fins de uma sociedade (Eduardo Cambi). 

O Estado brasileiro é comprometido com o desenvolvimento do país para o progresso humano e social. Estampa tal diretriz programática diversas passagens da Constituição Federal, como exemplificativamente rezam: o preâmbulo; o artigo 1º; o artigo 3º, II; o artigo 43, § 2º, inciso III; o artigo 151, inciso I; o artigo 159, inciso I, letra c; o artigo 174; o artigo 192; o artigo 219; o artigo 239, §1º.

A Administração Pública da União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem obediência, dentre outros, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade eficiência, conforme estampado no caput do artigo 37 da Constituição Federal. O gestor de interesses públicos – primários e secundários – está atrelado à juridicidade do ordenamento, embora a lei não seja a única fonte jurígena, pois o “regime jurídico administrativo não se restringe, hoje, ao exame da lei. Sendo ele o ramo do Direito Público que fixa os princípios e as regras que pautam a atuação das atividades administrativas do Estado, e considerando que a função do Estado Democrático é a de "assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos", conforme consta do Preâmbulo da Constituição Federal de 1988, todas as normas jurídicas e, em especial, as de Direito Administrativo, devem ser interpretadas a partir dessa ótica: o Estado existe para realizar o bem-estar da sociedade, para atender às necessidades da população, enfim, para ser instrumento de realização dos direitos fundamentais”.[4]

A par disso, a República Federativa do Brasil tem como uma de suas colunas de sustentação o denominado princípio da dignidade da pessoa humana[5]. Todos os entes federativos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – da Administração Pública Direta e Indireta devem obediência ao referido princípio jurídico e a outros igualmente positivados no ordenamento jurídico. A teoria da horizontalidade dos direitos humanos impõe que os direitos e garantias fundamentais sejam aplicadas não somente frente ao Estado, atingindo e vinculando também as pessoas naturais e privadas.

Os princípios existem como indicativo para determinado comportamento. Assim, por exemplo, o princípio da boa-fé sinaliza que os atos e comportamentos das partes envolvidas numa determinada relação jurídica, devem atuar e se comportar de forma coerente, séria e sensata. Isso antes, durante e depois de extinta determinada relação jurídica. O bem social assim reclama e é expressamente consagrado pela doutrina e jurisprudência brasileira. Neste sentido Rizzato Nunes ensina:

“Na linha do que estamos demonstrando, temos de afirmar que os princípios são, dentre as formulações deônticas de todo o sistema ético-jurídico, os mais importantes a serem considerados, não só pelo aplicador do Direito mas por todos aqueles que, de alguma forma, ao sistema jurídico se dirijam. Assim, estudantes, professores, cientistas, operadores do Direito – advogados, juízes, promotores públicos etc. – todos têm de, em primeiro lugar, levar em consideração os princípios norteadores de todas as demais normas jurídicas existentes.”[6]

Conforme asseverado, no ordenamento existem vários princípios jurídicos, positivados ou não: juridicidade (legalidade + legitimidade + razoabilidade), republicano[7], moralidade, eficiência, segurança jurídica, boa-fé, autonomia da vontade, equidade, dentre outros. Os princípios jurídicos indicam o comportamento adequado a ser atingido e valores caros pela sociedade. Os princípios apontam que os valores nele consagrados devem ser prestigiados, na melhor e “maior medida do possível”, segundo ensina Robert Alexy.

Não apenas aos princípios elencados acima é que os agentes públicos devem obediência. Também outros princípios espalhados na Constituição Federal merecem igual respeito e dentre eles, pode ser mencionado ilustrativamente: dignidade da pessoa humana, planejamento, economicidade, segurança jurídica, especialidade/finalidade, proteção da confiança, boa-fé (objetiva e subjetiva), motivação, razoabilidade e proporcionalidade. O entendimento do Supremo Tribunal Federal não discrepa: "A administração pública é norteada por princípios conducentes à segurança jurídica – da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. A variação de enfoques, seja qual for a justificativa, não se coaduna com os citados princípios, sob pena de grassar a insegurança".[10]

 Hodiernamente encontra grande espaço doutrinário e jurisprudencial o estudo e aplicação dos princípios jurídicos e em especial o princípio da dignidade da pessoa humana. 

O princípio da dignidade da pessoa humana e a importância de sua observação e implementação no mundo moderno despertou interesse em ser estudado e desenvolvido após o mundo ocidental e oriental tomar conhecimento das atrocidades levadas a cabo pelo III Reich na eclosão da Segunda Guerra Mundial.  Foi graças ao Holocausto que a sociedade jurídica internacional apercebeu-se que não basta observar-se o princípio da legalidade na prática de atos estatais, uma vez que tal princípio, por si só, não é legitimador de determinados atos estatais. O exemplo ocorrido na Alemanha de Adolf Hitler é o exemplo mais emblemático do tema.

Como de sabença, a política nacional e internacional de Hitler era garantir a supremacia da raça ariana e para tanto mostrava-se necessário a “limpeza” étnica, que redundou no extermínio maciço e cruel de Judeus, Ciganos, Testemunhas de Jeová, Negros e toda e qualquer outra etnia classificada pelo chanceler alemão de raça “subumana”. 

Richard Z. Chesnoff, autor do livro histórico Bando de Ladrões, obra que conta em detalhes o horror do holocausto e de seus reflexos nos corações e mentes daqueles que vivenciaram na pele a hecatombe ou tomaram dela conhecimento de forma indireta. Os dois relatos abaixo transcritos são uma minúscula demonstração sobre as violências inomináveis praticadas; uma delas conta sobre a sobrevivência de uma mulher do povo judeu – Lisa - e outra de nada mais nada menos do que Sigmund Freud.

“Lisa descreve a cena horrorosa em meio a uma explosão de palavras: “Era meia-noite, os fachos das lanternas brilhavam por toda parte. Vimos os barracões, as grandes chaminés e muitos SS. Outros prisioneiros tiraram nossos relógios e alianças de casamento ali mesmo. ‘Me dá. Se você não me der, eles vão tirar de vocês de qualquer jeito’.” “Começaram então a nos separar: crianças de um lado, mães do outro. Foi horrível, horrível! Surras, gritos, choros. Depois rasparam nossas cabeças. Ficamos carecas. Perguntei a um prisioneiro tcheco que estava raspando a minha cabeça e que já estava ali há mais tempo, sobre o trem que levara meus pais. Ele olhou para mim e respondeu: “Himmelfahrt’ – viagem para o céu – termo usado no campo para as vítimas das câmaras de gás. Nunca façam perguntas. Você vai ver tudo, mas não pergunte nada’.” [8]

Noutra parte alude o autor, agora tendo como protagonista o pai da psicanálise:

“Sigmund Freud foi um dos últimos a sair. Mas antes de conseguir permissão para deixar Viena e refugiar-se em Londres, Freud foi obrigado a abandonar a maior parte de seus bens (alguns de seus preciosos livros e registros foram contrabandeados por diplomatas amigos ou transferidos para instituições para serem mantidos a salvo). Antes de embarcar no trem em Viena, em 4 de junho de 1938, Freud, já muito abatido pelo câncer, foi obrigado a assinar uma declaração da Gestapo atestando que as autoridades nazistas o haviam tratado “com todo o respeito” que o grande cientista merecia. Mais tarde, Freud diria que lamentava não ter acrescentado a frase irônica: “Posso vivamente recomendar a Gestapo para qualquer pessoa.”[9]

Estampado em diversas constituições mundo afora, o princípio da dignidade da pessoa humana sinaliza no sentido de que o Homem jamais deve ser meio para qualquer fim ou objeto de alguma relação. O princípio da dignidade da pessoa humana ocupa posição de centralidade dentro do ordenamento jurídico constitucional, como por diversas vezes tem se pronunciado o Supremo Tribunal Federal (HC, 107108/SP, Relator: Celso de Mello, DJE 19/11/2012; HC 105437/SP, Relator: Celso de Mello, DJE 20/3/2013).

A dignidade humana desenha-se como o respeito pelo Homem enquanto Homem, independentemente de sua origem, nacionalidade, idade, sexo, orientação filosófica ou sexual, cor, condição financeira e qualquer outro fator de comparação, seja de caráter objetivo ou subjetivo.

O objetivo da Lei de Improbidade Administrativa é afastar do acesso à gestão pública ou dos empregos e cargos públicos pessoas que não demonstrem apreço pelos valores republicanos – igualdade, legalidade, democracia, dignidade humana, liberdade – para a construção de uma sociedade próspera e feliz. Nesse sentido, todos os importantes princípios jurídicos devem ser seguidos e o Superior Tribunal de Justiça acertadamente decidiu que o que a "Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e afastar da atividade pública todos os agentes que demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade, denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida".[11]  

O administrativista Waldo Fazzio Júnior, em lição utilizada no Recurso Especial 1.081.743/MG, da relatoria do Ministro Herman Benjamin, pondera que: “Os atos ilícitos cometidos por servidores contra a Administração ofendem a dignidade administrativa, enquanto dignidade do serviço social; a lealdade administrativa, enquanto préstimo para a cidadania; a fidelidade administrativa, como dever de preservar a confiança de um número indeterminado de pessoas em relação aos que cuidam de seus interesses comuns. Só nesse sentido essas noções têm razão de ser, isto é, objetivamente consideradas, à luz dos princípios que informam o Estado de Direito conforme a tríade: soberania popular, cidadania e dignidade humana. O consórcio de normas civis e político-administrativas, que é a Lei n. 8.429/92, protege o exercício probo de potestades administrativas (segundo a legalidade, a moralidade, a imparcialidade, a publicidade e a eficiência), e a segurança do patrimônio público econômico. Apreende, por isso, as improbidades de agentes públicos e terceiros, como ilícitos pluriofensivos”.[12]


5. Assédio como Ato de Improbidade Administrativa.

A Lei 8429/1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, estabelece uma série de preceitos que devem ser seguidos pelo gestor público. Os atos de improbidade administrativa visam tutelar os interesses da Administração Pública, de forma que o interesse público primário seja adequadamente preservado de agentes públicos com expressão curricular não-recomendável. Quanto à aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa, o Superior Tribunal de Justiça assentou que uma “detida análise da Lei 8.429/1992 demonstra que o legislador não determinou expressamente quais seriam as vítimas mediatas ou imediatas da atividade ímproba para fins de configuração do ato ilícito. Impôs, sim, que o agente público respeite o sistema jurídico em vigor, pressuposto da boa e correta Administração Pública. Essa ausência de menção explícita certamente decorre da compreensão de que o ato ímprobo é, muitas vezes, fenômeno pluriofensivo, de tal modo que pode atingir bens jurídicos e pessoas diversos de maneira concomitante”.[13]

A Lei de Improbidade Administrativa tem por destinatário qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

Distribuída em 25 artigos, a Lei de Improbidade Administrativa possui essencialmente quatro núcleos de proteção legal: (a) atos de improbidade administrativa que importem em enriquecimento ilícito; (b) atos de improbidade administrativa que importem prejuízos ao erário; (c) atos de improbidade administrativa que importem na Concessão ou Aplicação Indevida de Benefício Financeiro ou Tributário ligado ao Imposto Sobre Serviços, recentemente incluído pela Lei Complementar 157/2016; (d) atos de improbidade administrativa que importem atentado aos princípios da Administração Pública.

Relativamente ao artigo 11 – ato de improbidade por violação a princípios jurídicos – a jurisprudência é uníssona, no sentido de ser necessária a presença de dolo, sob pena de inadmissível responsabilidade objetiva na aplicação da Lei 8429/1992. Nesse sentido: 2ª Turma, AgRgREsp 1500812/SE, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques,  Julgado em 21/5/2015, DJE 28/05/2015; 1ª Turma, AgRgREsp 968447/PR, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em 16/4/2015, DJE 18/5/2015; 1ª Turma, REsp 1238301/MG, Relator: Ministro Sérgio Kukina, Julgado em 19/3/2015, DJE 4/5/2015; 2ª Turma, AgRgAREsp 597359/MG, Relator: Ministro Humberto Martins, Julgado em 16/4/2015, DJE 22/4/2015; 2ª Turma, REsp 1478274/MT, Relator: Ministro Herman Benjamin, Julgado em 3/3/2015, DJE 31/3/2015; 2ª Turma, AgRgREsp 1397590/CE, Relatora: Ministra Assusete Magalhães, Julgado em 24/2/2015, DJE 5/3/2015; 2ª Turma, AgRgAREsp 560613/ES, Relator: Ministro Og Fernandes, Julgado em 20/11/2014, DJE 9/12/2014; 1ª Turma, REsp 1237583/SP, Relator: Ministro Benedito Gonçalves, Julgado em 8/4/2014, DJE 2/9/2014.

Convém lembrar que a Lei 8429/1992 dispõe no parágrafo 1º do artigo 17 ser vedada “a transação, acordo ou conciliação nas ações” que tratem de improbidade administrativa, numa clara demonstração de indisponibilidade dos interesses públicos – primários – envolvidos.

Vários são os princípios jurídicos – positivados ou não – que são prejudicados com a prática de assédio – moral ou sexual – na Administração Pública. Um dos princípios jurídicos atacados é o princípio da eficiência administrativa, na medida em que a vítima de assédio geralmente tem seu rendimento/aproveitamento afetado.


6. Jurisprudência.

Começa a ser formado – ainda que intempestivamente – entendimento jurisprudencial no sentido de que atos de assédio sexual ou moral, representam forte violação aos princípios da administração pública, pois os agentes públicos (servidores, empregados, funcionários e demais destinatários da Lei 8429/1992) devem obediência aos princípios jurídicos estabelecidos no ordenamento jurídico. Nesse sentido, a conduta de causar terror psicológico ou assédio de cunho sexual são atos suficientes para atrair a incidência do disposto no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa e suas sanções.

O Superior Tribunal de Justiça, ao menos em duas oportunidades distintas, decidiu por bem em confirmar a aplicação de sanções aos agentes que tenham descurado dos princípios da administração pública, além, é lógico, de tais atos redundarem em nítida violação ao princípio da dignidade humana com a prática repudiada de assédio - moral ou sexual.

Confira-se:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ASSÉDIO MORAL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI 8.429/1992. ENQUADRAMENTO. CONDUTA QUE EXTRAPOLA MERA IRREGULARIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO. 1. O ilícito previsto no art. 11 da Lei 8.249/1992 dispensa a prova de dano, segundo a jurisprudência do STJ. 2. Não se enquadra como ofensa aos princípios da administração pública (art. 11 da LIA) a mera irregularidade, não revestida do elemento subjetivo convincente (dolo genérico). 3. O assédio moral, mais do que provocações no local de trabalho - sarcasmo, crítica, zombaria e trote -, é campanha de terror psicológico pela rejeição. 4. A prática de assédio moral enquadra-se na conduta prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, em razão do evidente abuso de poder, desvio de finalidade e malferimento à impessoalidade, ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém. 5. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e/ou afastar da atividade pública os  agentes que demonstrem caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida. 6. Esse tipo de ato, para configurar-se como ato de improbidade exige a demonstração do elemento subjetivo, a título de dolo lato sensu ou genérico, presente na hipótese. 7. Recurso especial provido.” STJ, 2ª Turma, REsp 1286466/RS, Relatora: Ministra Eliana Calmon, julgado em 3/9/2013, DJe 18/9/2013.

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGENTES POLICIAIS. PRÁTICA DE TORTURA. CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PREVISTO NO ART. 11 DA LEI 8429/92. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1.  O Superior Tribunal  de  Justiça  pacificou  o entendimento no sentido   de   que   para  a  configuração  do  ato  de  improbidade administrativa  previsto  no art. 11 da Lei 8.429/92, é necessária a presença  de  conduta  dolosa,  não  sendo  admitida a atribuição de responsabilidade objetiva em sede de improbidade administrativa. 2.  A Primeira  Seção  desta  Corte  Superior,  em recente julgado, proclamou  entendimento  no  sentido de que a prática de tortura por policiais  configura  ato de improbidade administrativa por violação dos princípios da administração pública, ao afirmar que: "atentado à vida e à liberdade individual de particulares, praticado por agentes públicos    armados   -   incluindo   tortura,   prisão   ilegal   e "justiciamento"  -,  afora  repercussões  nas esferas penal, civil e disciplinar,  pode  configurar  improbidade  administrativa, porque, além  de atingir a pessoa-vítima, alcança simultaneamente interesses caros à Administração em geral, às instituições de segurança pública em  especial,  e  ao  próprio  Estado  Democrático de Direito. Nesse sentido:  REsp 1081743/MG, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24.3.2015, acórdão ainda não publicado." (excerto  da  ementa  do  REsp  1.177.910/SE,  Rel.  Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 17/02/2016). 3. Agravo regimental não provido.” STJ, 2ª Turma, AgRgREsp 1200575/DF, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 5/5/2016, DJe 16/5/2016.

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ASSÉDIO DE PROFESSOR DA REDE PÚBLICA. PROVA TESTEMUNHAL SUFICIENTE. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DA EXCELSA CORTE. DOLO DO AGENTE. ATO ÍMPROBO. CARACTERIZAÇÃO. 1. Cinge-se a questão dos autos a possibilidade de prática de assédio sexual como sendo ato de improbidade administrativa previsto no caput do art. 11 da Lei n. 8.429/1992, praticado por professor da rede pública de ensino, o qual fora condenado pelas instâncias ordinárias à perda da função pública. 2. A tese inerente à atipicidade da conduta em razão da inexistência de nexo causal entre o ato e a atividade de educador exercida pelo Professo não foi abordada pelo Corte de origem, o que atrai a incidência da Súmula 282 do STF. 3. O recorrente também tratou de questão constitucional, qual seja, a dignidade da pessoa humana, matéria que refoge da competência desta Corte Superior, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 4. É firme a orientação no sentido da imprescindibilidade de dolo nos atos de improbidade administrativa por violação a princípio, conforme previstos no caput do art. 11 da Lei n. 8.429/1992 - o que foi claramente demonstrado no caso dos autos, porquanto o professor atuou com dolo no sentido de assediar suas alunas e obter vantagem indevida em função do cargo que ocupava, o que subverte os valores fundamentais da sociedade e corrói sua estrutura. 5. O recurso não pode ser conhecido em relação à alínea "c" do permissivo constitucional, porquanto o recorrente não demonstrou suficientemente a divergência, o que atrai, por analogia, a incidência da Súmula 284/STF. Recurso especial conhecido em parte e improvido” STJ, 2ª Turma, REsp 1255120/SC, Relator: Ministro Humberto Martins, julgado em 21/5/2013, DJe 28/5/2013.

Mostra-se inviável a propositura de ação civil de improbidade administrativa exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda.  Nesse sentido: STJ, 2ª Turma, AgRgAREsp 574500/PA, Relator: Ministro Humberto Martins, Julgado em 2/6/2015, DJE 10/6/2015; 1ª Turma, REsp 1282445/DF, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em 24/4/2014, DJE 21/10/2014; 2ª Turma, REsp 1409940/SP, Relator: Ministro Og Fernandes, Julgado em 4/9/2014, DJE 22/9/2014; 1ª Turma, REsp 1171017/PA, Relator: Ministro Sérgio Kukina, Julgado em 25/2/2014, DJE 6/3/2014; 2ª Turma, REsp 896044/PA, Relator: Ministro Herman Benjamin, Julgado em 16/9/2010, DJE 19/4/2011; 2ª Turma, REsp 1181300/PA, Relator: Ministro Castro Meira, Julgado em 14/9/2010, DJE 24/9/2010; 2ª Turma, REsp 1504052/RJ, Relatora: Ministra Assusete Magalhães, Julgado em 29/5/2015, Publicado em 17/6/2015.

Também deve ser registrado que existe a necessidade de recomposição do erário público com eventual condenação da administração pública por ato imputável a agente que tenha praticado a improbidade, restando legítimo ao Ministério Público ajuizar a respectiva ação civil pública. Entendimento contrário seria transferir à Administração Pública – a toda sociedade, em último entendimento – os ônus pela condenação. Assim entende o Superior Tribunal de Justiça: 1ª Turma, REsp 1261660/SP, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator p/ Acórdão: Ministro Benedito Gonçalves, Julgado em 24/3/2015, DJE 16/4/2015; 2ª Turma, REsp 1435550/PR, Relator: Ministro Humberto Martins, Julgado em 16/10/2014,DJE  11/11/2014; 2ª Turma, EDclREsp 723296/SP, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Julgado em 3/4/2014, DJE 19/12/2014; 2ª Turma, REsp 1153738/SP, Relator: Ministro Og Fernandes, Julgado em 26/8/2014, DJE 5/9/2014; 1ª Turma, REsp 1203232/SP, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em 3/9/2013, DJE 17/9/2013; 2ª Turma, REsp 817921/SP, Relator: Ministro Castro Meira, Julgado em 27/11/2012, DJE 6/12/2012; 2ª Turma, AgRgAREsp 076985/MS, Relator: Ministro César Asfor Rocha, Julgado em 3/5/2012, DJE 18/5/2012; 2ª Turma, REsp 1219706/MG, Relator: Ministro Herman Benjamin, Julgado em 15/3/2011, DJE 25/4/2011; 1ª Turma, REsp 1089492/RO, Relator: Ministro Luiz Fux, Julgado em 4/11/2010,DJE 18/11/2010.

A ocorrência de prescrição das sanções decorrentes dos atos de improbidade administrativa – Lei 8429/1992 – não obsta o prosseguimento da demanda quanto ao pleito de ressarcimento dos danos causados ao erário, que é imprescritível - artigo 37, § 5º da CF. Nesse sentido: STJ, 2ª Turma, AgRgAREsp 663951/MG, Relator: Ministro Humberto Martins, Julgado em 14/4/2015, DJE 20/4/2015; 2ª Turma, AgRgREsp 1481536/RJ, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Julgado em 18/12/2014, DJE 19/12/2014; 1ª Seção, REsp 1289609/DF, Relator: Ministro Benedito Gonçalves, Julgado em 12/11/2014, DJE 2/2/2015; 2ª Turma, AgRgREsp 1287471/PA, Relator: Ministro Castro Meira, Julgado em 6/12/2012, DJE 4/2/2013; 2ª Turma, AREsp 622765/PE, Relator: Ministro Herman Benjamin, Julgado em 11/5/2015, Publicado em 17/6/2015; 1ª Turma, AREsp 650163/MT, Relatora: Ministra Regina Helena Costa, Julgado em 23/4/2015, Publicado em 28/4/2015; 1ª Turma, REsp 1422063/RJ, Julgado em 24/3/2015, Publicado em 26/3/2015.

O ato administrativo que reflita a ocorrência de assédio moral não se sujeita aos efeitos da prescrição se porventura não tiver sido publicado nos veículos oficiais do Estado, como manda o caput do artigo 37 da Constituição Federal. Não poderia ser diferente, uma vez que embora a publicação não depure os vícios do ato, sua omissão impede o controle social, a revisão judicial ou exercício de controle pelos órgãos externos.

É cabível  a concessão de medida cautelar de indisponibilidade dos bens prevista no artigo 7º da Lei de Improbidade Administrativa aos atos que impliquem violação dos princípios da administração pública. Tanto a 1ª quanto a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendem dessa forma, confira-se: 2ª Turma, AgRgREsp 1311013/RO, Relator: Ministro Humberto Martins, Julgado em 4/12/2012, DJE 13/12/2012; 2ª Turma, AgRgREsp 1299936/RJ, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Julgado em 18/4/2013, DJE 23/4/2013; 1ª Turma, REsp 957766/PR, Relator: Ministro Luiz Fux, Julgado em 9/3/2010, DJE 23/3/2010.

Sobre a Lei 8429/1992 também é pacífico:

I - a aplicação da pena de demissão por improbidade administrativa – não apenas quanto ao artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa - não é exclusividade do Judiciário, sendo passível a sua incidência no âmbito do processo administrativo disciplinar.  Assim entende o Superior Tribunal de Justiça: 1ª Seção, MS 17537/DF, Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator p/ Acórdão: Ministro Mauro Campbell Marques, Julgado em 11/3/2015, DJE 9/6/2015; 1ª Seção, MS 17666/DF, Relatora: Ministra Assusete Magalhães, Julgado em 10/12/2014, DJE  16/12/2014; 1ª Seção, MS 17535/DF, Relator: Ministro Benedito Gonçalves, Julgado em 10/9/2014, DJE 15/9/2014; 3ª Seção, MS 12660/DF, Relatora: Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE), Julgado em 13/8/2014, DJE 22/8/2014; 3ª Seção, MS 14968/DF, Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, Julgado em 12/3/2014, DJE 25/3/2014; 1ª Seção, MS 16183/DF, Relator: Ministro Ari Pargendler, Julgado em 25/9/2013, DJE 21/10/2013; 1ª Seção, MS 18666/DF, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em 14/8/2013, DJE 7/10/2013; 1ª Seção, MS 16133/DF, Relatora: Ministra Eliana Calmon, Julgado em 25/9/2013, DJE 2/10/2013; 3ª Seção, MS 13520/DF, Relatora: Ministra Laurita Vaz, Julgado em 14/8/2013, DJE 2/9/2013; 3ª Seção, MS 14504/DF, Relator: Ministro Jorge Mussi, Julgado em 14/8/2013, DJE 20/8/2013; 1ª Seção, MS 15848/DF, Relator: Ministro Castro Meira, Julgado em 24/4/2013, DJE 16/8/2013; 1ª Seção, MS 15826/DF, Relator: Ministro Humberto Martins, Julgado em 22/5/2013, DJE 31/5/2013;

II - a decretação de indisponibilidade de bens na ação de improbidade administrativa pode recair sobre aqueles adquiridos anteriormente ao suposto ato, além de levar em consideração, o valor de possível multa civil como sanção autônoma. Tanto em decisões colegiadas quanto em decisões monocráticas assim tem entendido o Superior Tribunal de Justiça: 2ª Turma, REsp 1461892/BA, Relator: Ministro Herman Benjamin, Julgado em 17/3/2015, DJE 6/4/2015; 1ª Turma, REsp 1461882/PA, Relator: Ministro Sérgio Kukina, Julgado em 5/3/2015, DJE 12/3/2015; 1ª Turma, REsp 1176440/RO, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em 17/9/2013, DJE 4/10/2013; 2ª Turma, AgRgREsp 1191497/RS, Relator: Ministro Humberto Martins, Julgado em 20/11/2012, DJE 28/11/2012; 1ª Turma, AgRgAREsp 20853/SP, Relator: Ministro Benedito Gonçalves, Julgado em 21/6/2012, DJE 29/6/2012; 1ª Turma, REsp 1426699/MA, Relatora: Ministra Regina Helena Costa, Julgado em 16/6/2015, Publicado em 23/6/2015; 2ª Turma, AREsp 391067/SP, Relator: Ministro Og Fernandes, Julgado em 27/2/2015, Publicado em 19/3/2015; 2ª Turma, REsp 924142/ES, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Julgado em 3/8/2009,Publicado em 13/8/2009;

III - é viável a concessão de medida acautelatória de indisponibilidade de bens em ação de improbidade administrativa nos autos da ação principal sem audiência da parte adversa e, portanto, antes da notificação a que se refere o art. 17, § 7º, da Lei 8.429/1992. Assim entende o Superior Tribunal de Justiça: 2ª Turma, AgRgAREsp 460279/MS, Relator: Ministro Herman Benjamin, Julgado em 7/10/2014, DJE 27/11/2014; 1ª Turma, REsp 1197444/RJ, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em 27/8/2013, DJE 5/9/2013; 2ª Turma, AgRgAgRgREsp 1328769/BA, Relatora: Ministra Eliana Calmon, Julgado em 13/8/2013, DJE 20/8/2013; 1ª Turma, AgRgAg 1262343/SP, Relator: Ministro Teori Albino Zavascki, Julgado em 28/8/2012, DJE 21/9/2012; 2ª Turma, AgRgREsp 1256287/MT, Relator: Ministro Humberto Martins, Julgado em 15/9/2011, DJE 21/9/2011; 2ª Turma, EDclREsp 1163499/MT, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Julgado em 16/11/2010, DJE 25/11/2010; 1ª Turma, REsp 1078640/ES, Relator: Ministro Luiz Fux, Julgado em 9/3/2010, DJE 23/3/2010; 1ª Turma, REsp 1040254/CE, Relatora: Ministra Denise Arruda, Julgado em 15/12/2009, DJE 2/2/2010;

IV - se mostra possível a decretação da indisponibilidade de bens do promovido em ação civil Pública por ato de improbidade administrativa, quando ausente (ou não demonstrada) a prática de atos (ou a sua tentativa) que induzam a conclusão de risco de alienação, oneração ou dilapidação patrimonial de bens do acionado, dificultando ou impossibilitando o eventual ressarcimento futuro. Nesse sentido, confira-se: 2ª Turma, AgRgAREsp 460279/MS, Relator: Ministro Herman Benjamin, Julgado em 7/10/2014, DJE 27/11/2014; 1ª Turma, REsp 1197444/RJ, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em 27/8/2013, DJE 5/9/2013; 2ª Turma, AgRgAgRgREsp 1328769/BA, Relatora: Ministra Eliana Calmon, Julgado em 13/8/2013, DJE 20/8/2013; 1ª Turma, AgRgAg1262343/SP, Relator: Ministro Teori Albino Zavascki, Julgado em 28/8/2012, DJE 21/9/2012; 2ª Turma, AgRgREsp 1256287/MT, Relator: Ministro Humberto Martins, Julgado em 15/9/2011, DJE 21/9/2011; 2ª Turma, REsp 1163499/MT, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Julgado em 21/9/2010, DJE 8/10/2010; 1ª Turma, REsp 1078640/ES, Relator: Ministro Luiz Fux, Julgado em 9/3/2010, DJE 23/3/2010; 1ª Turma, REsp 1040254/CE, Relatora: Ministra Denise Arruda, Julgado em 15/12/2009, DJE 2/2/2010;

V - consoante orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, eventual punição administrativa do servidor/empregado/funcionário faltoso não impede a aplicação das penas da Lei de Improbidade Administrativa, porque os escopos de ambas as esferas são diversos; e as penalidades dispostas na Lei 8.429/1992, mais são amplas. Nesse sentido são os precedentes: 1ª Seção, MS 16.183/DF, Relator: Ministro Ari Pargendler, DJe  21/10/2013; 3ª Seção, MS 15.054/DF, Relator: Ministro  Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Gilson Dipp, DJe 19/12/2011; 1ª Seção, MS 17.873/DF, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator p/ Acórdão: Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 2/10/2012; 1ª Turma, AgRgAREsp 17.974/SP, Relator: Ministro Benedito Gonçalves, DJe 11/11/2011; 3ª Seção, MS 12.660/DF,  Relatora:  Ministra Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do  TJ/SE),  DJe  22/8/2014; 3ª Seção, MS 13.357/DF, Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 18/11/2013.

O entendimento jurisprudencial estampado na redação do acórdão prolatado no REsp 1286466/RS e no AgRgREsp 1200575/DF deve servir de paradigma para similares comportamentos do gestor em razão da ratio decidendi contida nos aludidos precedentes. O processualista Vinícius Silva Lemos acertadamente entende que o “precedente nasce da ratio decidendi da decisão. O que seria essa ratio decidendi? A definição do conteúdo e dos limites da decisão. Numa tradução informal, as razões de decidir. A parte dispositiva, a decisão em si, a ordem judicial importa para as partes do processo, já as razões de decidir - ratio decidendi - importam para a utilização como precedente, numa transcendência ao próprio julgado, como uma formatação basilar para outras decisões futuras que se identificarão com os fatos constantes na limitação feita pelas razões da decisão”.[14] Além disso, segundo o Ministro Marco Aurélio, o “intérprete constitucional há de ter o papel de ampliar a proteção do indivíduo perante medidas estatais injustificadas e exorbitantes, conferindo sentido maior à liberdade e à dignidade”.[15]


7. Conclusões.

Ante o exposto, conclui-se:

I – assédio quer significar a criação de um cerco com a finalidade de exercer o domínio e submissão. Assédio também significa, de forma figurada, a prática de atos que demonstrem uma insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém, geralmente uma vítima que pode não possuir grande resistência; existe o assédio moral e o assédio sexual, o último tipificado como crime, em determinadas condições;

II – assédio moral ou mobbing consiste na conduta negativa do empregador ou de seus prepostos em face do empregado, sem conotação sexual, submetendo-o à humilhação rotineira, comportamentos hostis, abusos de natureza emocional, de forma velada, dissimulada, objetivando destruir a autoestima, desestabilizando-o emocional e até fisicamente.

III – o Estado brasileiro é comprometido com o desenvolvimento do país para o progresso humano e social, sendo que a Administração Pública da União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, conforme estampado no caput do artigo 37 da Constituição Federal. O gestor de interesses públicos – primários e secundários – está atrelado à juridicidade do ordenamento, embora a lei não seja nem a única e tampouco a mais importante fonte jurígena;

IV – acertadas as decisões que vislumbraram a prática de ato de improbidade administrativa daqueles agentes que praticam assédio moral ou sexual, pois tal comportamento não se afina com os elevados princípios a que os interesses públicos estão submissos por imposição constitucional;

V - o entendimento jurisprudencial estampado na redação dos acórdãos prolatados no REsp 1286466/RS e no AgRgREsp 1200575/DF devem servir de paradigma para similares comportamentos do gestor em razão da ratio decidendi e para afastar do serviço público aquelas pessoas descomprometidas com a construção de uma sociedade livre, justa, solidária e fraterna.


8. Bibliografia

BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. Belo Horizonte/MG : Editora Forum, 2012.

CHESNOFF, Richard Z. Bando de Ladrões. São Paulo/SP : Editora Manole, 2001.

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa: Doutrina, Legislação e Jurisprudência. São Paulo/SP : Editora Atlas, 2012.

FURTADO, Lucas Rocha. Princípios Gerais de Direito Administrativo. Belo Horizonte/MG : Editora Forum, 2016.

LEMOS, Vinícius Silva.  Os Precedentes Judiciais e seus Princípios no Novo Código de Processo Civil. RDDP 153.

MELLO, Marco Aurélio de. Princípios Constitucionais e Direitos Fundamentais. Texto Inserto da Obra Coletiva: Democracia e Direitos Fundamentais. Uma Homenagem aos 90 Anos do Professor Paulo Bonavides. Organizadores: Emanuel Andrade Linhares. Hugo de Brito Machado Segundo. São Paulo/SP : Editora Gen/Atlas, 2016.

NUNES, Rizzato. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. 1ª edição – 3ª tiragem. São Paulo/SP : Editora Saraiva, 2007.


Notas

[1] BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. Belo Horizonte/MG : Editora Forum, 2012, p. 272.

[2] STJ, 2ª Turma, REsp 1.081.743/MG, Relator: Ministro Herman Benjamin, DJe 22/3/2016, RSTJ 241/239, Decisão: 24/3/2015.

[3] “AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. MILITAR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. EXERCÍCIO IRREGULAR DE ENFERMAGEM. DESVIO DE FUNÇÃO. ASSÉDIO MORAL. INCURSIONAMENTO NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279/STF. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APLICAÇÃO DE NOVA SUCUMBÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.” STF, 1ª Turma, ARE 935928/RS, Relator:  Ministro Luiz Fux, Julgamento: 17/2/2017, DJe-047, Divulgação: 10/3/2017, Publicação: 13/3/2017.

[4] FURTADO, Lucas Rocha. Princípios Gerais de Direito Administrativo. Belo Horizonte/MG : Editora Forum, 2016, pp. 22-23.

[5] “Nenhuma interpretação será bem feita se for desprezado um princípio. É que ele, como estrema máxima do universo ético-jurídico, vai sempre influir no conteúdo e alcance de todas as normas.” NUNES, Rizzato. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. 1ª edição – 3ª tiragem. São Paulo/SP : Editora Saraiva, 2007, p. 19.

[6] NUNES, Rizzato. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. 1ª edição – 3ª tiragem. São Paulo/SP : Editora Saraiva, 2007, p. 19.

[7] “[...] o princípio republicano se expressa e irradia num elenco numeroso de normas constitucionais. Desde logo, através da consagração da ação popular (CF, art. 5º, inciso LXXIII), ampliada em seu objeto - ação republicana por excelência, através da qual cada cidadão constitui-se em tutor do bom e devido emprego do patrimônio público, bem como em fiscal da moralidade administrativa, cujo conteúdo deflui da mesma ética republicana. E, mais além, pela constitucionalização da ação civil pública (CF, art. 129, inciso III), e pela prerrogativa, assegurada aos cidadãos em geral, seus partidos, associações e sindicatos, de denunciar irregularidades perante o Tribunal de Contas da União (CF, art. 74, § 2º). A intenção de estabelecer e consolidar uma rigorosa distinção entre o patrimônio público e o patrimônio privado dos agentes estatais - de modo a criar condições normativas para a superação dos padrões de clientelismo, filhotismo e patrimonialismo que têm caracterizado secularmente os descaminhos do Estado brasileiro em suas relações com elites dirigentes parasitárias e predatórias - inspirou a inovação formal do Constituinte de 1987-1988, traduzida na abertura de capítulo próprio para a disciplina da organização e da atuação da Administração Pública (CF, arts. 37 a 43). Merecem destaque, aqui, a inédita explicitação constitucional dos princípios da impessoalidade - inclusive na divulgação dos feitos administrativos - da moralidade e da publicidade (CF, art. 37, caput, e § 1º); o fortalecimento do instituto do concurso público para acesso a cargos e empregos na Administração (CF, art. 37, incisos II a V e § 2º); a constitucionalização da exigência de procedimento licitatório para a celebração de contratos (CF, art. 37, inciso XXI); a previsão de rigoroso tratamento legal para os responsáveis por atos de improbidade administrativa (CF, art. 37, § 4º, c/c art. 15, inciso V); e, num dos poucos conteúdos louváveis da teratológica Emenda Constitucional na 19/98, a preocupação de prevenir o uso indevido - contrário às finalidades republicanas - de informações privilegiadas (CF, art. 37, § 7º). De resto, o dever - republicano por excelência - de prestação de contas mereceu consagração realçada, não apenas através de sua explicitação na seção pertinente (CF, art. 70, parágrafo único), mas bem assim em sua manutenção como princípio constitucional sensível, cujo descumprimento, pelos Estados ou pelo Distrito Federal, enseja decretação de intervenção federal (CF, art. 34, inciso VII, alínea d). Observe-se, por oportuno, que esta última previsão seria até desnecessária, eis que o dever de prestação de contas é inerente à condição de todo aquele que atua como gestor da coisa pública em nome da cidadania, e por isso mesmo, está implícito no princípio republicano que, além de princípio fundamental, é também princípio constitucional sensível (CF, art. 34, inciso VII, alínea a).” PILATTI, Adriano. O Princípio Republicano na Constituição de 1988. Texto inserto da obra: Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris. Coordenadores: PEIXINHO, Manoel Messias. GUERRA, Isabella Franco. FILHO, Firly Nascimento. 2ª edição, 2006, pp. 128-129. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26ª edição: revista, atualizada e ampliada. São Paulo : Malheiros Editores, 2010, pp. 70-71.

[8] CHESNOFF, Richard Z. Bando de Ladrões. São Paulo/SP : Editora Manole, 2001, p. 66.

[9] CHESNOFF, Richard Z. Bando de Ladrões. São Paulo/SP : Editora Manole, 2001, p. 43.

[10] STF, Pleno, MS 24.872, Relator: Ministro Marco Aurélio, Julgamento: 30/6/2005, DJ 30/9/2005.

[11] STJ, 2ª Turma, REsp 1.297.021/PR, Relatora: Ministra Eliana Calmon, julgado em 12/11/2013, DJe 20/11/2013.

[12] FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa: Doutrina, Legislação e Jurisprudência. São Paulo/SP : Editora Atlas, 2012, p. 27.

[13] STJ, 2ª Turma, REsp 1.081.743/MG, Relator: Ministro Herman Benjamin, DJe 22/3/2016, RSTJ 241/239, Decisão: 24/3/2015.

[14] LEMOS, Vinícius Silva.  Os Precedentes Judiciais e seus Princípios no Novo Código de Processo Civil. RDDP 153/139.

[15] MELLO, Marco Aurélio de. Princípios Constitucionais e Direitos Fundamentais. Texto Inserto da Obra Coletiva: Democracia e Direitos Fundamentais. Uma Homenagem aos 90 Anos do Professor Paulo Bonavides. Organizadores: Emanuel Andrade Linhares. Hugo de Brito Machado Segundo. São Paulo/SP : Editora Gen/Atlas, 2016, p. 528.


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