Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/64492
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Juízes que oficiam à OAB para apuração de inépcia de advogados: Alguma violação de prerrogativa?

Juízes que oficiam à OAB para apuração de inépcia de advogados: Alguma violação de prerrogativa?

Publicado em . Elaborado em .

Analisa-se a comunicação por autoridades públicas de práticas que indiquem inépcia profissional, prevista no art. 34, XXIV, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

Sumário. 1. Introdução; 2. O dever de aperfeiçoamento profissional. Primado ético da Advocacia; 2.1 Sanção por infringência do art. 34, XXIV. Formas de recuperação da Inscrição. Incongruência da Lei 8906/94; 2.2. Como apurar as reiteradas condutas de inépcia profissional; 2.3. Oque se considera como reiteradas condutas de inépcia profissional; 3. A pretexto de comunicação de fato à OAB. A exposição de profissional à execração pública; 3.1. Exemplo de comunicação com extrema lhaneza; 4. Conclusão.

Palavras-Chave. Inépcia profissional. Comunicação à OAB. Processo Disciplinar.


1. Introdução

Recentemente a comunidade jurídica brasileira vivenciou algumas ocorrências de um mesmo fato, sempre divulgado com um quê de alarde. Magistrados sugeriram a falta de capacidade técnica de advogados que atuaram em suas respectivas Varas. Num destes casos o Magistrado oficiou à Ordem dos Advogados nos seguintes termos:

Por fim, verificando que o advogado impetrante não detém conhecimentos mínimos para o exercício da profissão, determino sejam impressas todas as peças do presente processo – inclusive esta decisão – a serem encaminhadas ao Presidente da Seccional local da OAB, para que sua Excelência mande inscrevê-lo, ex-ofício, na Escola da Advocacia para que, após, seja submetido ele a uma nova prova daquela entidade. Não sendo ele aprovado na prova de que se trata, reúna sua Diretoria para decidir se cassam ou não a Carteira daquele que ajuiza ação temerária, que Rui Barbosa, se vivo fosse, teria vergonha de dizer que pertenceria à mesma categoria profissional deste impetrante.

Com o respeito que tenho pela OAB, pelo seu Presidente e demais membros dessa entidade local, gostaria de ser informado do desfecho dado a esta recomendação.[1]

Em outro caso o Magistrado apenas referiu — em áudio que circulou nas redes sociais, supostamente de uma audiência[2] — que se o fato se repetisse oficiaria à Ordem dos Advogados.

Em casos como os acima referidos, a Ordem dos Advogados de cada Seccional geralmente tem respondido com uma Nota de Repúdio,[3] ou algum tipo de “desagravo”, como se o Magistrado ao realizar um tal ofício violasse prerrogativa dos advogados.

Para não deixar em brancas nuvens, tais notas acabam seguidas de manifestações das Associações de Magistrados, em apoio à atuação dos juízes.[4]

Infelizmente, o tema descamba para o lamurioso vale das cogitações e do discurso fácil da defesa de prerrogativas (sejam essas prerrogativas da advocacia ou da magistratura, para ficarmos restritos aos casos acima). O tema das prerrogativas — em qualquer atividade profissional — é de suma importância, e disto não podemos duvidar jamais. Todavia, já faz algum tempo, toda e qualquer discussão que envolva algumas categorias profissionais tem sido conduzida para uma espécie de discurso de medo, dando sempre a conotação de violação de alguma prerrogativa profissional. Como tema de uso político isso é ótimo: agrada a todos ter as próprias prerrogativas protegidas. Aliás, o uso eleitoral da defesa de prorrogativas é algo fácil, palatável, e razoavelmente não desperta análises críticas; e se uma análise objetiva e crítica for realizada, é tão fácil quanto o discurso inicial, acusar o oponente de ser alguém que também deseja violar ou não proteger a prerrogativa da categoria.

Ocorre que — e isto é igualmente relevante — é fundamental ter uma visão crítica deste proceder, pois em sua essência uma prerrogativa é composta tanto de direitos quanto de deveres. Se por um lado uma questão ética é trazida ao conhecimento de uma entidade de classe, o conceito de violação de prerrogativa só estará presente se — e somente se — estivermos diante de alguma forma de abuso de direito do denunciante.

Sem ingressar no mérito dos casos específicos, vejamos se — ainda que em tese — um Magistrado, ao oficiar à Ordem dos Advogados para dar ciência de uma suposta incapacidade técnica de um advogado ou advogada, estaria de alguma forma afrontando à Advocacia. E, em oficiando um Magistrado à Ordem dos Advogados, qual o dever legal de sua Diretoria para tratar a representação recebida.


2. O dever de aperfeiçoamento profissional: Primado ético da Advocacia.

Primeiramente é necessário reconhecer o óbvio. A advocacia é uma profissão liberal que exige senso e ciência, impondo aos seus inscritos o dever ético de constante aperfeiçoamento intelectual e pessoal. Não se trata apenas de ilação, mas de dever ético expresso no Código de Ética e Disciplina:[5]

Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.

Parágrafo único. São deveres do advogado:

IV - empenhar-se, permanentemente, no aperfeiçoamento pessoal e profissional;

Não bastando a previsão ética, é preciso reconhecer que a Lei 8906/94[6] determina que constitui potencial infração disciplinar a incidência em reiterados erros que deixem evidenciar inépcia profissional. É o que prescreve o art. 34, Inciso XXIV:

Art. 34. Constitui infração disciplinar:

[...]

XXIV - incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional;

Os “erros reiterados” são passíveis de sanção:

Art. 37. A suspensão é aplicável nos casos de:

I - infrações definidas nos incisos XVII a XXV do art. 34;

Não se pode dizer, então, que eventuais atos de inépcia profissional não devam ser comunicados à Ordem dos Advogados.

2.1. Sanção por infringência do art. 34, XXIV. Formas de recuperação da Inscrição. Incongruência da Lei 8906/94.

Antes de prosseguir é preciso verificar que as sanções por violação do art. 34, XXIV da Lei 8906/94 não são desconhecidas no Conselho Federal da Ordem dos Advogados, no que podemos encontrar do ementário do CFOAB:

Recurso 0046/2006/OEP. Origem: Conselho Seccional da OAB/São Paulo, Processo TED IV nº 1277/98, de 09.03.1998. Processo SC IV 3536/2004, de 17.03.2004. Conselho Federal da OAB, REC-0700/2005-SCA. Assunto: Recurso contra decisão da Egrégia Segunda Câmara. Recorrente: S. F. (adv.: Luiz Antonio de Oliveira Mello OAB/SP 145.142). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Relator: Conselheiro Federal Jorge José Anaice da Silva (AP). Ementa 01/2008/OEP. INÉPCIA PROFISSIONAL. ERROS GROSSEIROS REITERADOS. INFRAÇÃO AO ART. 34, XXIV, DO EAOAB. O advogado que não demonstra conhecimentos técnicos de direito material e processual e do idioma pátrio, formulando pedidos incabíveis e sem nexo mostra-se inapto para o exercício da advocacia, devendo ser suspenso de seu exercício profissional até que preste nova habilitação. Inteligência dos art. 34, inciso XXIV, da Lei nº 8.906, nos termos do art. 37, I do mesmo Diploma Legal. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantes do Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, à unanimidade, acolher o voto do Relator, no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso interposto, mantendo a decisão recorrida. Brasília, 08 de dezembro de 2007. Vladimir Rossi Lourenço, Presidente. Jorge José Anaice, Conselheiro Relator. (DJ, 07.03.2008, p. 597, S1)[7]

A sanção a ser aplicada é a de suspensão. Inclusive, a recuperação da Carteira de Advogado tem a forma prevista no §3º do mesmo artigo 37:

§ 3º Na hipótese do inciso XXIV do art. 34, a suspensão perdura até que preste novas provas de habilitação.

Isto já demonstra uma aparente atecnia. A suspensão por reiteradas condutas que evidenciem inépcia profissional se equipara, de fato, a uma exclusão. Tanto que o conceito de provas de habilitação só tem previsão neste dispositivo. E como faz um advogado a prova de habilitação? A resposta é: inicialmente mediante exame de ordem. É a regra no Brasil. Inclusive esta é a posição do Conselho Federal da Ordem dos Advogados para a prova de habilitação referida no art. 37, §3º:

RECURSO 2010.08.06698-05/SCA-TTU. Recte.: J.L.N. (Adv.: José Ladir do Nascimento OAB/MG 33334). Recdos.: Conselho Seccional da OAB/Minas Gerais e A.M. (Adv.: Arnaldo de Melo OAB/MG 60309). Relator: Conselheiro Federal Délio Fortes Lins e Silva (DF). EMENTA 124/2011/SCA-TTU. Processo Administrativo de Natureza Disciplinar - Inépcia profissional demonstrada e comprovada com documentos integrantes dos autos - Regra do inciso XXIV, do artigo 34, do Estatuto, aplicada em desfavor do representado para suspendê-lo do exercício profissional até que se submeta a novo  exame de Ordem e logre aprovação - Decisão unânime na Seccional - Recurso ao Conselho Federal que não se conhece por ausência de atendimento dos pressupostos de admissibilidade contidos no artigo 75, do Estatuto - Decisão unânime. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Terceira Turma da Segunda Câmara do CFOAB, por unanimidade de votos, em não conhecer do recurso, nos termos do voto do Relator, que integra o presente. Brasília, 05 de julho de 2011. Délio Lins e Silva, Presidente, em exercício, e Relator. (D. O. U, S. 1, 16/08/2011 p. 126)[8]

Há uma aparente incongruência. Se estamos falando de suspensão e não de exclusão, dever-se-ia falar de pedido de reabilitação — no que seria dispensado novo exame de ordem, mas mera demonstração de aperfeiçoamento que assegure sido ter sanada a situação que gerou a suspensão. Não seria, então, correto o uso da expressão habilitação, que aí sim, indica ser a relação com a inscrição algo ex nihilo, novo, inaugural. Ora, se uma suspensão se encerra, o profissional deve apenas retomar sua atividade (e sua inscrição de origem), e não se considerada uma nova inscrição.

Vejamos a incongruência com a redação do artigo 11 da Lei 8906:

Art. 11. Cancela-se a inscrição do profissional que:

[...]

II - sofrer penalidade de exclusão;

[...]

§ 1º Ocorrendo uma das hipóteses dos incisos II, III e IV, o cancelamento deve ser promovido, de ofício, pelo conselho competente ou em virtude de comunicação por qualquer pessoa.

§ 2º Na hipótese de novo pedido de inscrição - que não restaura o número de inscrição anterior - deve o interessado fazer prova dos requisitos dos incisos I, V, VI e VII do art. 8º.

§ 3º Na hipótese do inciso II deste artigo, o novo pedido de inscrição também deve ser acompanhado de provas de reabilitação.

Uma hora o artigo 11 fala  em exclusão, outra fala em cancelamento, inclusive ex officio, mas seu §2º não exige novo Exame de Ordem (incongruência extrema). Na hipótese do Inciso II, prescreve o §3º, fala-se em reabilitação. Aqui sim era para ser nova habilitação já que, em tese, será uma situação que não restaura o número de inscrição anterior. Veja-se ainda a redação do artigo 38 da Lei 8906, em especial seu inciso I, onde lemos:

Art. 38. A exclusão é aplicável nos casos de:

I - aplicação, por três vezes, de suspensão;

II - infrações definidas nos incisos XXVI a XXVIII do art. 34.[9]

Parágrafo único. Para a aplicação da sanção disciplinar de exclusão, é necessária a manifestação favorável de dois terços dos membros do Conselho Seccional competente.

Ora, se para exclusões decorrentes de atos ainda mais graves se fala em exigência de julgamento por dois terços dos membros do Conselho Seccional, tal quórum deveria ser exigido para a suspensão com base no art. 34, XXIV, pois o que se tem é algo semelhante (ou mais gravoso) que uma exclusão.

E o que dizer do artigo 41 que permite ao que tenha sofrido sanção disciplinar requerer sua reabilitação mediante prova de bom comportamento? No caso da inépcia profissional seria suficiente a prova do advogado ter-se matriculado e estar com satisfatório aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento? Ou seria mesmo necessária nova aprovação no Exame de Ordem?

Art. 41. É permitido ao que tenha sofrido qualquer sanção disciplinar requerer, um ano após seu cumprimento, a reabilitação, em face de provas efetivas de bom comportamento.

Parágrafo único. Quando a sanção disciplinar resultar da prática de crime, o pedido de reabilitação depende também da correspondente reabilitação criminal.

Com a máxima vênia, toda reabilitação em caso de exclusão deveria ser precedida de nova aprovação no Exame de Ordem, com número novo, e nova contagem de tempo de prática profissional.[10]

Ainda que se tenha questionado a exigência de novo exame para a prova de habilitação visando o cancelamento da suspensão na forma do art. 34, XXIV, não se pode afastar o fato de ser o exame de ordem um critério objetivo desta avaliação. Talvez não seja o único critério possível para a reabilitação no caso desta suspensão, porém, é a única forma regulamentada atualmente na Ordem dos Advogados. Fica sugestão de lege ferenda que se regule a forma de habilitação os casos do art. 34, XXIV: ainda que o Exame de Ordem seja mantido como uma das formas de provar habilitação, podem ser reconhecidos cursos de aperfeiçoamento e atualização, em especial se credenciados ou realizados pela própria Ordem dos Advogados.

2.2. Como apurar as reiteradas condutas de inépcia profissional.

Não se exige do profissional de advocacia ser uma máquina perfeita. Falhas podem ocorrer e nem todas ocasionam a sanção de suspensão. Vejamos como tem decidido o Conselho Federal da OAB:

Ementa 020/2002/SCA. Inépcia profissional. Exegese do art.34 , XXIV do EOAB. Erros reiterados devem ser verificados em vários processos  e em tempo razoável para configuração. Falhas eventuais na atuação profissional em processo específico não tipificam inépcia profissional. Provimento do recurso com recomendação para que os advogados freqüentem e concluam o curso de reciclagem profissional. Conduta que emerge nas petições de defesa e recurso com ausência dos deveres de respeito e urbanidade a Juiz e colegas advogados. Determinação de abertura de procedimento disciplinar para apurar possível infração ética. (Recurso nº 2439/2001/SCA-GO. Relator: Conselheiro Delosmar Domingos Mendonça Júnior (PB), julgamento: 10.12.2001, por maioria, DJ 13.06.2002, p. 467, S1)[11]

Nada obstante é essencial que se evidencie um critério seguro de apuração do conceito de erros reiterados que evidenciem inépcia profissional”.

Em primeiro lugar, é preciso que cada um destes atos de inépcia cheguem ao conhecimento da Ordem dos Advogados. Podem chegar isoladamente, caso a caso, ou se constatados vários concomitantemente, todos podem ser comunicados de uma só vez.

Em segundo lugar, quem pode comunicar? A Lei 8906 não traz qualquer exclusão de possíveis comunicadores do fato à OAB. Nada obstante, as situações mais comuns de serem imaginadas seriam:

  • O cliente potencialmente lesado;
  • Um magistrado que presidiu os autos ou o ato processual onde teria ocorrido a conduta a evidenciar a inépcia;
  • Um membro do Ministério Público, se o ato fora praticado em procedimento administrativo perante aquele órgão;
  • E assim por diante.

Certamente o poder de punir pertence ao Conselho perante o qual fora praticada a infração:

Art. 70. O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho Federal.

O ato de comunicar ao Conselho pode ser praticado na forma do artigo 72:

Art. 72. O processo disciplinar instaura-se de ofício ou mediante representação de qualquer autoridade ou pessoa interessada.

Inclusive, a Lei 8906 é clara em estabelecer o processamento a partir do recebimento da representação:

Art. 73. Recebida a representação, o Presidente deve designar relator, a quem compete a instrução do processo e o oferecimento de parecer preliminar a ser submetido ao Tribunal de Ética e Disciplina.

Até mesmo para opinamento visando o arquivamento sumário deve-se ouvir previamente um Relator do processo disciplinar. É o que preconiza o §2º do artigo 73:

§ 2º Se, após a defesa prévia, o relator se manifestar pelo indeferimento liminar da representação, este deve ser decidido pelo Presidente do Conselho Seccional, para determinar seu arquivamento.[12]

Portanto, não pode o Presidente do Conselho Seccional, per se, determinar o arquivamento sem antes designar relator para que este se manifeste. Inclusive, se o relator designado não sugerir o arquivamento, deverá o processo disciplinar seguir ao Tribunal de Ética, na forma contida no caput do art. 73.

No mais, segue-se o procedimento do Código de Ética e Disciplina, na forma dos artigos 55 a 69.

2.3. Oque se considera como reiteradas condutas de inépcia profissional.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados tem posição razoavelmente reiterada sobre este tema:

RECURSO 49.0000.2011.006932-0/SCATTU. Recte.: C.A.S. (Adv.: Christian Alexandra Santos OAB/MS 10237). Recdo.: Conselho Seccional da OAB/Mato Grosso do Sul. Relator: Conselheiro Federal Lúcio Teixeira dos Santos (RN). Relator para acórdão: Conselheiro Federal Délio Fortes Lins e Silva (DF). EMENTA 118/2012/SCA-TTU. Recurso ao Conselho Federal. Decisão unânime de Conselho Seccional. Art. 34, inciso XXIV, do Estatuto. Ausência do elemento "erros reiterados ", a configurar a infração disciplinar. Advogada que impetra habeas corpus sem indicar a autoridade coatora, por falta de informações suficientes. Recurso conhecido e provido, para absolver a recorrente da sanção imposta. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Terceira Turma da Segunda Câmara do CFOAB, por maioria, em conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto da divergência, que integra o presente julgado. Brasília, 08 de maio de 2012. Renato da Costa Figueira, Presidente em exercício. Délio Fortes Lins e Silva, Relator para o acórdão. (DOU. 11/09/2012, S. 1, p. 152)[13]

Portanto, não basta um equívoco profissional. É necessário que a situação caracterize uma verdadeira inépcia funcional, não se confundindo com o conceito processual de inépcia de petição. Para o conceito de inépcia da petição inicial olham-se estritos elementos processuais:

Art. 330.  A petição inicial será indeferida quando:

I - for inepta;

[...]

§ 1o Considera-se inepta a petição inicial quando:

I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;

II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;

III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;

IV - contiver pedidos incompatíveis entre si.[14]

Não necessariamente uma falha eventual, de caracterização mesmo de inépcia da petição inicial será considerada uma inépcia profissional. A falha para caracterizar a inépcia profissional deve ser grosseira. Não se devem equiparar casos esparsos de erros de digitação, de falta de informação ou confusão textual que, em tese, possam conduzir aos elementos do §1º do art. 330 CPC.

No caso acima ainda estava ausente o conceito de “erros reiterados”. E tal continuidade e reiteração são exigidas pela posição do Conselho Federal da OAB:

RECURSO Nº 0317/2005/SCA - 02 volumes - 3ª Turma. Recorrente: A.S.B. (Advogado: Adair Santinho Bertotti OAB/SC 9.221). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/Santa Catarina. Relator: Conselheiro Federal Ulisses César Martins de Sousa (MA). EMENTA Nº 028/2007/3ªT-SCA. INÉPCIA PROFISSIONAL - A configuração da infração prevista no artigo. 34, XXIV  do EAOAB exige erros reiterados, em diferentes processos e por período continuado. Recurso conhecido e provido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Conselheiros Federais integrantes da 3ª Turma da Segunda Câmara do CFOAB, na conformidade do relatório e voto a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso, dando-lhe provimento. Brasília, 18 de junho de 2007. Pedro Origa Neto, No exercício eventual da Presidência. Ulisses César Martins de Sousa, Relator. (DJ, 11.07.2007, p. 226, S.1)[15]

Cabem algumas considerações sobre a questão dos erros reiterados:

  • Se o advogado ou advogada atuam em processos-padrão, eventual erro de uma petição — ainda que repetido em volume e quantidade — não acarretará necessariamente o conceito de reiteração prevista na Lei. É necessária a continuidade no tempo. O advogado, p.ex. que comete um equívoco em petição de “processos de massa”, após avisado — se não desidioso — tenderá à correção do erro. Mas se mantiver o erro, aí sim — na presença do elemento continuidade — incidirá nas iras do art. 34, XXIV da Lei 8906.
  • Em segundo lugar, a noção de reiteração não exclui, necessariamente, que num mesmo processo possam ser praticados tantos atos ineptos que seja suficiente apenas aquele processo para fins de aplicação da sanção. Ou seja, um só processo, se contiver tantos e sucessivos erros grosseiros, poderá conduzir à aplicação da sanção do art. 34, XXIV.

Outro elemento ponderado — e com extrema razão — pelo Conselho Federal é a presença de prova inequívoca do cometimento da inépcia profissional continuada:

Ementa 094/2003/SCA. PROCESSO ÉTICO-DISCIPLINAR - ARTIGO 34, XXIV, EAOAB - INÉPCIA PROFISSIONAL - ERROS REITERADOS - INOCORRÊNCIA. A suspensão do exercício profissional por inépcia, cuida de medida grave com repercussão imediata e duradoura sobre o patrimônio moral do Profissional do Direito. Milita em favor do advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil a presunção de habilitação e capacitação para o exercício da profissão. Somente mediante prova inquestionável - espancada qualquer dúvida - da incidência em erros reiterados é que se pode concluir estar evidenciada a inépcia profissional. (Recurso nº 0352/2002/SCA-SP. Relator: Conselheiro Federal Evandro Paes Barbosa (MS). Pedido de vista: Conselheiro Federal Marcus Antônio Luiz da Silva (SC), julgamento: 17.03.2003, por maioria, DJ 02.10.2003, p. 516, S1)[16]

Alerta o CFOAB que a repercussão sobre o profissional é devastadora e imediata, além de duradora no tempo. Afetam-se seu nome e reputação, que são, ao final e ao cabo, parte essencial de sua atuação. Por uma tal razão é que se exige prova inequívoca do cometimento de erros reiterados.

A necessidade de cautelas com este tipo de processo ético disciplinar nos conduz ao próximo tema: eventual abuso do direito no ato de representação.


3. A pretexto de comunicação de fato à OAB, A exposição de profissional à execração pública

Pontuadas as questões retro é preciso verificar algo um tanto distinto da possibilidade de comunicação da inépcia profissional. Como acima referido, seja o cliente prejudicado, seja o Magistrado que presidiu o ato onde se detectou a inépcia profissional, é franqueada a comunicação à Ordem dos Advogados para providências. Ao magistrado, inclusive, é seu dever de ofício.

Situação distinta é a forma de se fazer tal comunicação. Sem qualquer pretensão de proteção a profissionais desidiosos ou demonstradores de inépcia, é preciso trazer novamente ao debate uma frase de grande precisão proferida em julgamento perante o Conselho Federal:

“A suspensão do exercício profissional por inépcia, cuida de medida grave com repercussão imediata e duradoura sobre o patrimônio moral do Profissional do Direito. Milita em favor do advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil a presunção de habilitação e capacitação para o exercício da profissão.”[17]

Não é exclusividade da Advocacia o sigilo em processos éticos. Uma situação desta gravidade pode macular toda uma vida profissional, especialmente em se tratando de profissionais em início de carreira. Não se deseja qualquer condescendência com o ilícito. Porém, mesmo no exercício do direito de representação, seja o cliente, seja uma autoridade constituída, não se pode realizar abuso de direito.

A exposição vexatória, espalhafatosa, escandalosa, do profissional e seu nome, sem que se proceda a comunicação com lhaneza é, salvo melhor juízo, passível de efeitos jurídicos.

Poderá — e até mesmo deverá — o profissional valer-se de todos os expedientes para ver sua honra reparada judicialmente.

Note-se: a referência é para exclusivamente casos de abuso de direito[18] e não para casos de regular comunicação[19] do fato. Nem mesmo basta que a representação seja arquivada para que se caracterize potencial lesão a direito do advogado. É essencial o abuso, a má fé, a exposição excessiva ou espalhafatosa capaz de lesar o advogado ou a advogada em seu bom nome e reputação.

3.1. Exemplo de comunicação com extrema lhaneza.

Cumpre referir que as comunicações por parte de Membros do Poder Judiciário dando conta de possível inépcia profissional não são novidades.

Tomemos como exemplo de comunicação feita com extrema lhaneza e discrição a ocorrida nos termos seguintes:

Neste exame precário, que não substitui o da Ordem dos Advogados do Brasil, parece-me que o comportamento processual do Advogado do Autor da ação rescisória subsume nesse dispositivo legal.

[...]

12. Pelo exposto, determino à Secretaria Judiciária do Supremo Tribunal Federal que encaminhe cópia dos presentes autos à Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ, para conhecimento (art. 14 do Código de Processo Civil). [20]

Como se nota, são desnecessárias as bravatas, as ilações, a invasões de atribuição da Ordem como entidade reguladora da Advocacia.

O magistrado pode comunicar ao competente Conselho da Ordem dos Advogados a potencial ocorrência de violação do art. 34, XXIV da Lei 8906, cabendo fazê-lo com auto restrição, para que não efetue juízo de valor que invada a competência da OAB na apuração, e para que se preserve — tanto quanto possível — o profissional alvo da respectiva comunicação.


4. Conclusão

Postas as razões acima, cabe concluir que:

a) O oferecimento de representação em desfavor de advogados ou advogadas por eventual cometimento de violação do art. 34, XXIV da Lei 8906/96 (reiterada inépcia profissional) pode ser realizado por autoridades públicas ou por qualquer pessoa interessada que tenha ciência dos fatos;

b) No caso específico do Magistrado que eventualmente presidiu o ato processual ou teve acesso à peça profissional onde o advogado ou a advogada cometeram a inépcia, pode atuar mediante Ofício ao respectivo Conselho da Ordem, sempre anexando cópias comprobatórias da inépcia;

c) Tratando-se de ato de apuração ético disciplinar, especialmente diante do alto poder de lesão que desde uma acusação deste tipo pode causar ao nome e reputação profissional, cumpre, desde o Ofício de representação, tratar a questão com máxima objetividade e discrição, em particular reservando-se o Juízo de Valor para a fase de apuração e processamento do processo disciplinar, a ocorrer perante o Tribunal de Ética e Disciplina;

d) É direito (em verdade é um dever) da autoridade pública oficiar à Ordem dos Advogados os casos de inépcia que eventualmente identificar. Como autoridade pública, toda e qualquer violação legal deve ser objeto da comunicação devida;

e) Eventual excesso no ato de comunicar ou representar pode ser alvo de sanção judicial, mesmo a título de reparação moral, pois — situação que só pode ser avaliada nos casos concretos — mesmo no exercício de direitos podemos tangenciar o que se costuma denominar por abuso de direito ou excesso;

f) Não cabe à Presidência dos Conselhos Seccionais a emissão de juízo de valor quanto ao Ofício ou Representação por violação do art. 34, XXIV, sem antes designar Relator, e este emitir seu posicionamento. Caberá ao Presidente do Conselho respectivo decidir por arquivamento sumário apenas nos casos de o Relator opinar neste sentido. Caso o relator não opte pelo arquivamento sumário, deverá proferir despacho ao Tribunal de Ética, na forma do art. 73 caput da Le 8906;

g) Tratando-se de processo disciplinar, todo “denunciante” deve ser comunicado do resultado, ainda que seja pelo arquivamento. Logo, não é qualquer afronta ao Conselho Seccional ou Federal a solicitação de aviso sobre o deslinde das representações.

h) Escoimadas as incongruências da legislação, podemos identificar que, de acordo com as decisões do Conselho Federal da OAB sobre o tema, são elementos essenciais para a sanção:

(i) Primeiro, é dever ético do advogado o aprimoramento pessoal e profissional, no que se justifica o tipo disciplinar do art. 34, XXIV da Lei 8906, bem como sua severidade;

(ii) O conceito de inépcia profissional não se confunde com o de simples inépcia de petição inicial. O advogado que não demonstra conhecimentos técnicos de direito material e processual e mesmo do idioma pátrio, formulando pedidos incabíveis e petições ou sustentações orais sem nexo, mostra-se, em tese, inapto para o exercício da advocacia, na forma de decisões do Conselho Federal;

(iii) Não basta um ato isolado para a aplicação da sanção de suspensão. Todavia, se um destes atos for constatado em processo administrativo regular, poderá somar-se para efeito de cômputo com outros atos que forem comunicados, concomitantemente ou não;

(iv) Não basta que um erro seja identificado em várias peças processuais. É necessária a noção de continuidade na inépcia. Todavia, não se descarta a hipótese de, num mesmo processo, serem praticados tantos atos ineptos, e de tamanha gravidade, que, eventualmente, sejam suficientes para a aplicação da sanção.

i) Os processos disciplinares, desde os atos de representação, devem guardar discrição ou sigilo até que sobrevenha decisão. Eventual excesso no ato de representar, caso chegue a caracteriza abuso de direito, poderá ser levado ao Poder Judiciário.

j) A prova de habilitação prevista para o encerramento da suspensão tem sido interpretada como nova aprovação em exame de ordem. Nada obstante, de le ferenda, é possível à Ordem dos Advogados regulamentar outras formas de habilitação para o caso do art. 34, XXIV, como cursos específicos de aperfeiçoamento, desde que credenciados pela OAB ou por ela oferecidos.

k) É nossa opinião que, em se tratando de suspensão, o encerramento da sanção após nova habilitação, deve conduzir ao mesmo número de inscrição, e todos os efeitos dele decorrentes, apenas escoimado o período de suspensão. Todavia, se reiteradas forem as suspensões, e estas se converterem em exclusão, deve-se então gerar número de inscrição novo, e, de igual modo, iniciar-se do zero a contagem do tempo de inscrição.

l) Por derradeiro, é preciso encarar as questões éticas de maneira menos conflituosa. Assim como cabe à Ordem dos Advogados comunicar às Corregedorias de Justiça eventuais erros de Magistrados, também os Magistrados devem reportar à Ordem dos Advogados eventuais erros dos profissionais de advocacia. Com um agravante: sendo autoridades públicas constituídas, os Magistrados não apenas podem como têm o dever de ofício de comunicar toda potencial infração que for de seu conhecimento.


Notas

[1] http://www.migalhas.com.br/arquivos/2018/2/art20180205-07.pdf

[2] http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI275091,11049-Magistrado+diz+que+advogada+nao+esta+capacitada+para+exercer+a

[3] O texto original se encontra no link http://www.oabma.org.br/agora/noticia/nota-de-repudio-3314, mas também pode ser acessado em http://gilbertoleda.com.br/2018/02/05/oab-ma-repudia-desembargador-que-mandou-advogado-refazer-exame-de-ordem/

[4] Por exemplo: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI275091,11049-Magistrado+diz+que+advogada+nao+esta+capacitada+para+exercer+a

[5] http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/11/art20151104-01.pdf

[6] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm

[7] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/4629?title=0046-2006-oep&search=0046%2F2006%2FOEP

[8] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/8452?title=2010-08-06698-05&search=RECURSO%202010.08.06698-

[9] Vejamos que a exclusão pode ocorrer por atos tão ou mais gravosos, como prescritos nos incisos XXVI a XXVII do artigo 34:

“XXVI - fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para inscrição na OAB;

XXVII - tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;

XXVIII - praticar crime infamante;”

[10] Não se faz a referência o tempo profissional de forma vaga. Inúmeras situações na Ordem dos Advogados demando prazo específico de inscrição regular. Por exemplo a participação em cargos eletivos (art. 63, §2º da Lei 8906), ou a participação no quinto constitucional (art. 94 da Constituição Federal).

[11] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/1516?title=2439-2001-sca&search=Ementa%20020%2F2002%2FSCA

[12] Da Lei 8906, salvo melhor juízo, não existe previsão para o Presidente do Conselho ou a Diretoria realizarem atos de valor e determinarem ex officio o arquivamento de representação recebida. Por mais excessiva em seus termos, a representação deve ser processada na forma da Lei. Ainda que escoimada dos exageros e abusos. Caberá ao Relator designado opinar, se for o caso, pelo arquivamento. Poderá o Presidente ou Diretoria proporem o desagravo quanto eventuais excessos na exposição do representado. Nada obstante, não se deve dispensar o processamento da representação, ainda que na forma do §2º do art. 73 seja sugerido seu arquivamento sumário pelo relator.

[13] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/9715?title=49-0000-2011-006932-0&search=RECURSO%2049.0000.2011.006932-0%2FSCATTU

[14] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

[15] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/4029?title=0317-2005-sca&search=RECURSO%20N%C2%BA%200317%2F2005%2FSCA

[16] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/1952?title=0352-2002-sca&search=Ementa%20094%2F2003%2FSCA

[17] http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/1952?title=0352-2002-sca&search=Ementa%20094%2F2003%2FSCA

[18] Nos casos de atuação imoderada e abusiva tem-se reconhecido o direito à indenização por danos morais: “RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. REPRESENTAÇÃO CONTRA ADVOGADO, FORMULADA PERANTE O ÓRGÃO REPRESENTATIVO DE CLASSE (OAB/SC). EXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL (LEI FEDERAL N. 4.215/63, ART. 119, E A ATUAL LEI N. 8.906/94, ART. 72). ATUAÇÃO, ENTRETANTO, ANORMAL E IMODERADA DA PESSOA INTERESSADA. INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR, REQUERIDA POR MEIO DE ADVOGADO. IMPUTAÇÃO DE FALTA DE ÉTICA E DE PATROCÍNIO INFIEL. INFRAÇÃO DISCIPLINAR QUE ENCONTRA REGRAMENTO DE NATUREZA PENAL (ART. 355 DO CP). FUNDAMENTOS DE FATO UTILIZADOS EM DEMANDA JUDICIAL NO INTERESSE DO REPRESENTANTE E COM REPERCUSSÃO NA ATIVIDADE PROFISSIONAL DOS REPRESENTADOS. INSUCESSO DA REPRESENTAÇÃO E DAS AÇÕES JUDICIAIS ENCETADAS. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO AFASTA O DANO, QUE SE CONSUMOU COM A IMPUTAÇÃO DE CONDUTA PROFISSIONAL INCOMPATÍVEL. REPUTAÇÃO PROFISSIONAL E PESSOAL QUE INTEGRAM O DIREITO DA PERSONA-LIDADE. ABUSO DE DIREITO CARACTERIZADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 160, I, DO CÓDIGO CIVIL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. FIXAÇÃO DO QUANTUM. CRITÉRIOS. RECURSO PROVIDO.    Consoante previsto em lei, "não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido" (CC, art. 160, I), donde se conclui, a contrario sensu, que ilícito é o ato praticado no exercício não regular de um direito, ou o seu uso anormal.    "O que a lei não tolera é que o direito seja exercido de maneira imoderada. Não tolera a atuação anormal" (J. M. de Carvalho Santos). (TJSC, Apelação Cível n. 1997.011244-0, da Capital, rel. Des. Cesar Abreu, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 26-08-1999).” No voto condutor foi realizada inclusive a verificação de ter o representante dado ciência da representação a terceiros, ao comunica-la judicialmente como forma de tentar anular atos processuais: “E não é só. Essa representação que, em tese, não deveria ultrapassar o âmbito interno do órgão representativo da classe, afeito a dar a tais ocorrências a sua exata dimensão e alcance, sem lhes permitir alarde e notoriedade prejudiciais aos seus filiados (art. 119 do Estatuto anterior e 72 da Lei n. 8.906/94), alcançou o processo judicial, denunciada a prática, como forma de desfazer o acordo judicialmente homologado, com a mesma força e vigor da representação encetada, assinalado o vício de vontade. É o que se colhe da petição inicial da ação cautelar inominada (fls. 14/20), preparatória da ação de anulação de ato jurídico, declarada extinta, por sentença, diante do abandono da causa pelo autor (fls. 45/80); da própria AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO (fls. 51/58), igualmente, na mesma sentença, declarada extinta, também por abandono da causa.”

[19] Nos casos de regular comunicação, de boa fé, sem excessos, a jurisprudência não reconhece qualquer dano o abalo moral ao representado: “RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. REPRESENTAÇÃO CONTRA ADVOGADO JUNTO AO CONSELHO DE ÉTICA DA OAB. ABUSO DE DIREITO NÃO CONFIGURADO. DANO MORAL AUSENTE. Ação que visa indenização por danos morais em face de representação. Não veio aos autos prova no sentido de que a requerida atuou com má-fé ou com o intuito de prejudicar o autor quando ouvida em juízo. O que efetivamente caracteriza o abuso é o anormal exercício do Direito, assim entendido aquele que se afasta da ética, da boa-fé, da finalidade social ou econômica, enfim, o que é exercido sem motivo legítimo, do que aqui não se cuida. Doutrina e jurisprudência. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 7004734869, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 19/07/2012)”

[20] AR 2241 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 14/09/2011, publicado em DJe-182 DIVULG 21/09/2011 PUBLIC 22/09/2011.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Juízes que oficiam à OAB para apuração de inépcia de advogados: Alguma violação de prerrogativa?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5360, 5 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64492. Acesso em: 27 abr. 2024.