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Responsabilidade civil do advogado

A função social do advogado nas relações jurídicas e sua responsabilidade à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC)

Responsabilidade civil do advogado. A função social do advogado nas relações jurídicas e sua responsabilidade à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC)

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O profissional liberal se sujeita ao regime do Código do Consumidor e ao princípio constitucional de proteção, mas sua responsabilidade pessoal será apurada mediante verificação de culpa.

INTRODUÇÃO

O advogado é reconhecido pela Constituição da República de 1988, em seu artigo 133, como sendo “indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Atualmente, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 8.906/94) regulamenta o exercício da advocacia, ratificando o texto constitucional e acrescentado, ainda, que “no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social” (art. 2º, §1º), bem como que “no processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público” (art. 2º, §2º).

Na sociedade moderna, não se concebe a paz social sem a observância dos preceitos legais que compõe o ordenamento jurídico. As relações interpessoais têm as mais diversas formas, todas dependendo de que as pessoas ajam de não somente de boa-fé e conforme a moral, mas também de acordo com a legislação.

Singelamente pode-se dizer que, segundo as regras do processo civil pátrio, devem as partes buscar solucionar o conflito de interesses existente, valendo-se para tanto do direito de ação através da via jurisdicional _ ou através da arbitragem regulada pela Lei 9.307/1996 (desde que a questão litigiosa se refira a direitos patrimoniais disponíveis, a partes sejam capazes e ambas tenham, consensualmente, optado pelo juízo arbitral, mediante convenção de arbitragem firmada na forma da lei _ artigos 1º e 3º), hipótese que não será objeto deste artigo.

Há ainda direitos que precisam da intervenção do Poder Judiciário para serem exercidos, como por exemplo, nas ações judiciais de divórcio consensual, separação consensual ou extinção consensual de união estável, necessárias para o término do casamento ou da união estável em que haja nascituro ou filhos incapazes (art. 733 da Lei 13.105/2015).

O advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil é essencial para a garantia do pleno exercício do Direito, vez que é quem detém capacidade postulatória, exigida pelo legislador para que a parte esteja devidamente representada em juízo (artigo 103 da Lei 13.105/2015)[1].

Inobstante possa parecer à sociedade algo diverso do que ora se afirma, certo é que o exercício da advocacia não é livre, ela dependente de requisitos, qualificações e controles legalmente impostos.


DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

A relação cliente advogado se insere no conceito de relação de consumo, pois o advogado é um prestador de serviço, na qualidade de profissional liberal. Quando surge um dano causado por alguém a outrem, surge a responsabilidade daquele pelos prejuízos proporcionados, sendo essa a denominada responsabilidade civil, cujos requisitos básicos são: a existência do dano, da ação comissiva ou omissiva do agente, do nexo de causalidade e, conforme o Direito Civil clássico tradicionalmente ensina, da culpa.

Nesse sentido:

“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE.

I - Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos serviços prestados por profissionais liberais, com as ressalvas nele contidas.

II - Caracterizada a sucumbência recíproca devem ser os ônus distribuídos conforme determina o art. 21 do CPC.

III - Recursos especiais não conhecidos.”

(Processo RESP 364168/SE ; Recurso Especial 2001/0119957-4 Relator(a) Min. Antônio de Pádua Ribeiro; Órgão Julgador Terceira Turma; Data do Julgamento 20/04/2004; DJ 21.06.2004; p.00215)

Dispõe o artigo 32 da Lei 8.906/1994 que o advogado será responsável quando agir com dolo ou culpa no exercício profissional.      

Sendo um prestador de serviços, recai sobre o advogado o manto do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), que regula a responsabilidade civil dos profissionais liberais, o qual em seu artigo 14, parágrafo 4º, estipula que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. 

A leitura rápida desse dispositivo legal indica que, apesar do Código de Defesa do Consumidor trazer como regra a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de produtos e de serviços, ou seja, sem a verificação do requisito culpa, albergou ele também uma exceção, adotando a teoria da responsabilidade civil subjetiva para todos os profissionais liberais.

A explicação para essa diversidade de tratamento entre esses profissionais e os demais fornecedores é a natureza intuitu personae dos serviços por aqueles prestados, que são contratados, constituídos ou ainda consultados com base na confiança que inspiram em seus respectivos clientes. No que tange à responsabilidade civil dos advogados, é ela de natureza contratual e decorrente especificamente do mandato.

É direito do consumidor quando lhe é prestado um serviço por um profissional liberal que este lhe preste todas as informações de modo claro e adequado, o que para os advogados sugere uma espécie de obrigação progressiva, que deve ser prestada à medida que o caso se desenvolve, levando-se em conta as informações originárias trazidas pelo cliente. 

Cabe destacar que não somente é o advogado responsável também perante terceiros no exercício da profissão, eis que o artigo 133 da Constituição da República de 1988 lhe assegura a inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da profissão, mas o seu artigo 5º, inciso X, garante o direito de todos a inviolabilidade de sua honra, assegurando-lhes em caso de desrespeito a esta ordem o direito à indenização por quaisquer danos, materiais ou morais, que vierem a ser observados.  

Deste modo, a imunidade do advogado não é absoluta, devendo este observar parâmetros éticos e morais no exercício de sua profissão, respeitando tanto seus clientes quanto os magistrados, funcionários e parte adversa, sob pena de vir a ser responsabilizado.

Nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. ADVOGADO. EXCESSO. EXPRESSÕES EM PETIÇÃO. OFENSA MAGISTRADO. CASO CONCRETO. AS LIÇÕES DE RAFAEL MAGALHÃES E MILTON CAMPOS. DISSÍDIO NÃO CARACTERIZADO. RECURSO DESACOLHIDO.

I - Na linha da jurisprudência deste Tribunal, a imunidade profissional, garantida ao advogado pelo Estatuto da Advocacia, não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de qualquer das pessoas envolvidas no processo.

II - De outro lado, no entanto, também na linha da orientação desta Corte, "mero receio ou dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige".

III - Não se caracteriza o dissídio jurisprudencial quando dessemelhantes as circunstâncias fáticas dos casos confrontados.”

(Processo RESP 438734/RJ ; Recurso Especial 2002/0061256-7; Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; Órgão Julgador Quarta Turma; Data do Julgamento 22/10/2002; DJ 10.03.2003; p.00233)

“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO. JUIZ DIREITO. PARTE EM AÇÃO DE ALIMENTOS. ADVOGADO. PATRONO DA ALIMENTANTE. OFENSAS DIRIGIDAS PELO CAUSÍDICO À PARTE. REPRESENTAÇÃO NO CONSELHO DA MAGISTRATURA. DANO MORAL CARACTERIZADO. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE ACOLHIDO PARA REDUZIR O VALOR DA INDENIZAÇÃO.

I - Na linha da jurisprudência desta Corte, o Advogado, assim como qualquer outro profissional, responde pelos danos que causar no exercício de sua profissão, não encontrando respaldo no ordenamento jurídico, inclusive no Estatuto da Advocacia, a responsabilidade da parte pelos excessos cometidos por seu patrono.

II - Caracteriza dano moral a ofensa dirigida pelo Advogado como patrono de uma das partes à parte contrária.

III - A imunidade profissional garantida ao Advogado pelo Estatuto da Advocacia não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de qualquer das pessoas envolvidas no processo.

IV - Não se referindo os excessos cometidos à posição funcional do Magistrado, mas à sua condição de parte em ação de alimentos, que tramita em segredo de justiça, não tendo sido publicadas ofensas além dos estreitos limites do processo, nem no meio profissional dos envolvidos, nem nas respectivas esferas sociais, tais circunstâncias devem ser sopesadas na espécie.

V - A representação, por si só, perante o Conselho da Magistratura, não tem o condão de impingir ofensa à honra do Juiz, principalmente se a própria decisão do Conselho, como no caso, excluiu de sua competência a apreciação do tema.”

(Processo RESP 357418/RJ; Recurso Especial 2001/0132987-9; Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; Órgão Julgador Quarta Turma; Data do Julgamento 04/02/2003; DJ 10.03.2003; p.00227)

O segredo profissional é outra regra imposta ao advogado para o exercício de sua profissão. Deste modo, poderá ele ser responsabilizado perante o cliente se divulgar fatos a que tenha tido acesso em razão da profissão causando prejuízos à parte.

Neste diapasão, há de se ressaltar que é direito do advogado, nos moldes do disposto no artigo 7º da Lei 8.906/94, recusar-se a depor como testemunha em processo no qual atuou ou ainda vá atuar, ou mesmo sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional.

Noutro giro, do mesmo modo que não é obrigado a aceitar determinada causa, nada obsta que o advogado renuncie ao mandato outorgado, não importando as suas razões para tanto. Nessas hipóteses não poderá ser o advogado responsabilizado de nenhuma forma, desde que seja dada ciência deste ato ao cliente para que este o substitua e que pratique o renunciante todos os atos processuais urgentes dentro do prazo de dez dias contados a partir do referido comunicado, conforme estipulam os artigos 112 da Lei 13.105/2015, e 5º, § 3º, da Lei 8.906/94.

Nesse sentido:

“MANDATO OUTORGADO A ADVOGADO. RENÚNCIA. NOTIFICAÇÃO INEQUÍVOCA DO MANDANTE. NECESSIDADE. RESPONSABILIDADE.

1. Conforme precedentes, a renúncia do mandato só se aperfeiçoa com a notificação inequívoca do mandante.

2. Incumbe ao advogado a responsabilidade de cientificar o seu mandante de sua renúncia.

3. Enquanto o mandante não for notificado e durante o prazo de dez dias após a sua notificação, incube ao advogado representá-lo em juízo, com todas as responsabilidades inerentes à profissão.

4. Recurso especial não conhecido.”

(Processo RESP 320345/GO; Recurso Especial 2001/0048841-2; Relator Min. Fernando Gonçalves; Órgão Julgador Quarta Turma; Data do Julgamento 05/08/2003; DJ 18.08.2003; p.00209)

Por fim, no caso da denominada sociedade de advogados, tratada no Capítulo IV da Lei 8.906/94, que é definida como sendo a sociedade civil formada para prestação de serviços de advocacia, que adquire personalidade jurídica com o registro aprovado de seus atos constitutivos no Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em cuja base territorial tiver sede (artigo 15, § 1º), determina o artigo 17 desse diploma legal que além da sociedade, o sócio poderá ser responsabilizado, de forma subsidiária e ilimitada, pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia.

Mas será que somente por ter constituído o profissional liberal uma sociedade perde ele o privilégio legal previsto no artigo 14, parágrafo 4º, do Código de Defesa do Consumidor?

Não é somente porque o advogado constituiu com colegas uma sociedade que fará com que sua responsabilidade civil passe a ser objetiva, eis que esta união pode ter por escopo apenas efetuar uma melhor organização fiscal ou de despesas, não tendo qualquer intenção de desfazer o caráter intuitu personae da prestação dos serviços.

Assim sendo, mesmo sobre as sociedades de advogados recai a responsabilidade civil subjetiva, prevista no artigo 14, parágrafo 4º, do Código de Defesa do Consumidor, somente se aplicando a regra geral se houver por parte da sociedade de advogados exploração de serviço típico de massa, o que conforme exposto não é permitido pela lei.  


OBRIGAÇÃO DE MEIO OU DE RESULTADO?

Os estudos acerca da responsabilidade civil, em especial com relação aos profissionais liberais, classe onde se inserem os advogados, elaborou uma dicotomia que classifica as obrigações como sendo sempre ou de meio, ou de resultado.

Com base nessa teoria, a doutrina predominante afirma que o profissional liberal assume em regra obrigação de meios, sendo excepcionais as obrigações de resultado.

A jurisprudência pátria se utiliza dessa dicotomia como pré-requisito para imputar a responsabilidade ou não do profissional liberal. Se o profissional atuou com diligência no exercício da sua profissão, pouco importa o resultado, excluindo-se sua responsabilidade, liminarmente, inobstante não tenha o consumidor alcançado seu objetivo quando contratou aquele serviço. Isso se dá porque o resultado sempre é falível, sujeito às vicissitudes intrínsecas do processo.

Por obrigação de meio entende-se que a obrigação assumida pelo profissional liberal perante seu cliente consiste em que ele se utilize, no momento da prestação de seus serviços, em utilizar diligentemente todas as ferramentas que lhe estejam disponíveis para alcançar êxito.

O profissional da advocacia não promete resultado, mas a utilização, com a máxima diligência possível, dos meios técnicos e científicos que são esperados de sua qualificação.

Há, no entanto, áreas específicas da advocacia que podem, em princípio, ser classificadas como obrigações de resultado, como, por exemplo, na elaboração de um contrato ou de uma escritura. Porém existe nesse aspecto muita controvérsia, restando ao julgador, na análise do caso concreto que se lhe apresente, verificar eventual falha do advogado que resulte em dever de indenizar.

Segundo a doutrina, nas situações em que se configurar a obrigação assumida pelo advogado como sendo de meio, incide sobre ele a regra prevista no artigo 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, enquanto que nos casos em que aquela se configura como de resultado, aplica-se a regra geral de responsabilidade civil prevista para as relações de consumo, in casu a de natureza objetiva, vez que seria presumível sua culpa.

Muitas são as críticas ao sistema de classificação da obrigação dos profissionais liberais em obrigação de meio ou de resultado, pois esta acabaria por prejudicar o consumidor ao complicar ainda mais a questão da responsabilidade do profissional liberal.

As obrigações assumidas pelo advogado perante o cliente são de meio e não de resultado. Assim, cabe a ele atuar com as diligências necessárias e utilizando-se de toda sua capacidade profissional para alcançar o resultado pretendido, mas sem se vincular ao mesmo. Para tanto, deverá prestar todas as informações devidas de forma clara e específica, inclusive os riscos advindos da demanda.

Deste modo, pode-se afirmar que é obrigatório para o exercício da advocacia que o advogado observe seu dever de informar claramente os direitos e as possibilidades jurídicas do que ele pretende o cliente que o procura, eis que conforme já visto nada mais é ele que um fornecedor de serviços.

Cabe ao advogado informar ao cliente todos os percalços e possibilidades que a causa traz e das conveniências e inconveniências das medidas judiciais ou extrajudiciais a serem propostas, para que aquele tenha a oportunidade de decidir de deseja envolver-se naquela situação ou não.

Tal dever não se esgota na consulta inicial ao advogado, mas terá sim um caráter progressivo, à medida que o caso se desenvolver, persistindo enquanto perdurar a prestação do serviço pelo profissional.

Em cada situação que lhe for exposta, mesmo que não entre em detalhes técnicos, o advogado deve dar noção das perspectivas que envolvem o direito do cliente e as mudanças de rumo que a hipótese sugere, usando sempre uma linguagem clara e acessível ao cliente, hipossuficiente técnico face o fornecedor de serviços.

Se assim for, não será ele obrigado a ressarcir o consumidor na hipótese de não ser obtido sucesso na demanda judicial, salvo se agiu com culpa, ou seja, com imprudência, negligência ou imperícia no exercício de suas obrigações, caso em que poderá vir a ser responsabilizado civilmente por sua conduta.

O erro do advogado que admite a sua responsabilidade civil é aquele injustificável, que seria elementar para o advogado médio, devendo-se averiguar se ele agiu com a diligência e prudência necessárias no caso que aceitou patrocinar.

Nesse sentido, a desídia ou o retardamento na propositura de uma ação judicial que leve a prescrição ou a decadência do direito do cliente, a perda de um prazo processual para recorrer ou ainda que gere a preclusão para a produção de determinada prova são exemplos onde se verificam a responsabilidade civil do advogado em uma obrigação de meio, que têm inclusive amparo na Teoria da Perda de uma Chance.

Nesse sentido:

“DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ORDINÁRIO CABÍVEL. O advogado que recebe e aceita mandato que veicula poderes para defender o seu constituinte em juízo assume os deveres e responsabilidades inerentes à sua nobre profissão enquanto atuar no patrocínio da causa. A omissão, sem o consentimento prévio do constituinte, quanto à interposição de qualquer recurso ordinário que se impunha necessário para defesa dos interesses do patrocinado, configura-se desídia de todos os outorgados do mandato judicial, quando os poderes foram conferidos para atuação em conjunto ou isoladamente de cada advogado. Recurso especial não conhecido.”

(Processo RESP 596613/RJ; Recurso Especial 2003/0177102-6; Relator(a) Min. César Asfor Rocha; Órgão Julgador Quarta Turma; Data do Julgamento 19/02/2004; DJ 02.08.2004; p.00411)

“ADVOGADO. DANO MORAL. NEGLIGÊNCIA NA ATUAÇÃO PROFISSIONAL. CARACTERIZAÇÃO. Ação trabalhista proposta só após o decurso do prazo de prescrição. Impossibilidade, entretanto, de avaliar o direito do reclamante. Indenização pela perda da chance de ver o pleito examinado pelo Judiciário. Modalidade dano moral. Recurso provido para julgar procedente a ação.”

(1º TACSP, Ap.680.655-1 – Mariópolis, Boletim AASP n.º 1986, p. 23)

Sendo o primeiro juiz da causa, não é exigível que o advogado recorra sempre, mas deve ele se resguardar comunicando ao seu cliente as possibilidades de êxito e os custos, a fim de que este concorde ou não com a opinião do patrono. Havendo desobediência por parte do profissional às instruções do cliente pode haver incidência de responsabilidade civil, eis que caso não concorde com elas pode o advogado a qualquer momento renunciar ao mandato.

Excetua-se do exposto acerca da atuação do advogado na área litigiosa as hipóteses de omissão ou ainda de equívoco no que concerne as informações prestadas, salvo se assim for por culpa do próprio cliente. Havendo indução do consumidor a erro que lhe cause prejuízo, nasce para esse profissional a obrigação de reparar os danos causados, ainda que a princípio seja esta apenas uma obrigação dita de meio. É o que ocorre por exemplo quando o advogado diz ao consumidor que o contrata que aquela “é uma causa ganha”, pois com isso assume ele a obrigação de alcançar o resultado, ainda que este não seja possível ser previsto antes do trânsito em julgado da decisão judicial.

Com essa conduta, e também nas atividades advocatícias de assessoria e consultoria extrajudicial, ou ainda de elaboração de documentos como contratos ou escrituras, obriga-se o advogado, via de regra, a uma obrigação de resultado, que se não alcançado configura inadimplência passível de reparação se dela advir algum dano ao consumidor.

Todavia, ressalta-se que o advogado não é responsável se os meios invocados podem ser honestamente sustentados. Assim, não pode ser ele responsabilizado civilmente por conselhos convictos e honestos prestados ao seu cliente só porque não houve sucesso na ação proposta. 


DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA

Na questão da assistência jurídica gratuita, há de se ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor conceitua em seu artigo 3º, § 2º, serviço como sendo a atividade fornecida mediante remuneração. Este requisito é entendido pela doutrina como qualquer espécie de cobrança ou repasse, seja ela direta ou indireta.

Desta forma, para que se possa considerar um serviço como sendo gratuito ou sem remuneração é preciso que este seja de fato prestado sem qualquer espécie de ressarcimento para o profissional que o presta.

Aplicando essa máxima aos advogados, pode-se afirmar que o serviço gratuito e voluntário prestado por esses profissionais não enseja reparação civil, desde que sejam observados os preceitos éticos, morais e legais intrínsecos ao exercício da advocacia. 

Na hipótese acima, caso assim não o seja, poderá ser o profissional responsabilizado civilmente sim, mas conforme regras do Código Civil e não do Código de Defesa do Consumidor. Isso pode ser explicado de modo simples: uma vez sendo o serviço prestado de caráter gratuito, não se enquadra este no conceito prescrito no artigo 3º, § 2º, do diploma consumerista e, portanto, descaracteriza-se a relação entre as partes como sendo uma relação de consumo. 

Como exemplo da situação descrita pode-se mencionar o primeiro atendimento efetuado nos Juizados Especiais Cíveis que, atendendo aos consumidores em geral, prestam os esclarecimentos devidos e preparam as petições iniciais daqueles que não desejam constituir um advogado particular para patrocinar suas demandas, cujo valor da causa não pode nesse caso ultrapassar o limite de vinte salários-mínimos (artigo 9º da Lei 9.099/95).

No entanto, o mesmo não prevalece se houver algum tipo de remuneração, como, por exemplo, ocorre quando o advogado percebe por seus serviços naquela causa os honorários de sucumbência.  Nesses casos, mesmo que não sendo seu cliente a lhe remunerar diretamente, persiste a relação de consumo entre este e seu advogado, o qual foi remunerado indiretamente pela parte sucumbente.

Esta é uma situação que tem como exemplo a atuação dos denominados advogados dativos, que são procurados pelas partes que propõem demandas junto aos Juizados Especiais Cíveis para lhes auxiliar nos trâmites desses processos, eis que não têm eles interesse em contratar um advogado particular para a demanda.

Tais profissionais liberais, advogados que são, percebem remuneração ao final do processo, caso haja verba sucumbencial advinda de grau recursal, nos moldes do previsto no artigo 55, caput, da Lei n. 9.099/95.

Não havendo tal remuneração a ser percebida pelo advogado, seus serviços serão de natureza exclusivamente gratuita e será sua responsabilidade civil submetida à égide do Direito Civil, salvo se houver contrato de prestação de serviços fixando honorários a serem pagos pelo cliente, hipótese onde sempre incidirão as regras do Direito do Consumidor.


DAS SANÇÕES CIVIS E ADMINISTRATIVAS

A ação ou mesmo omissão do advogado que, no exercício do seu mister, causar dano a um cliente, terá recaindo sobre si não somente a responsabilização na esfera civil, mas também na administrativa.

No âmbito da responsabilidade civil, o consumidor que se sentir lesado pela conduta do advogado a quem ele outorgou através de um mandato poderes para representá-lo, ou para exercer para ele um trabalho profissional qualquer, como, por exemplo, a elaboração de um parecer, poderá propor uma ação cível em face desse profissional, almejando ressarcimento dos prejuízos por ele sofridos, nos moldes do determinado no Código de Defesa do Consumidor e observando as máximas previstas para propositura da demanda pelo Código de Processo Civil ou, em sendo o caso, pelas Leis n. 9.099/95 e n. 10.256/2001, que regulamentam os Juizados Especiais Estaduais e Federais.

Administrativamente, pode o consumidor lesado procurar a Ordem dos Advogados do Brasil, cujo âmbito de atuação restringe-se à apuração das infrações disciplinares e a aplicação da sanção disciplinar correspondente, dentre as previstas no artigo 35 da Lei n. 8.906/94, que são: censura, suspensão, exclusão e multa.

O processo disciplinar pode, ao contrário do processo judicial que se destina a apurar a responsabilidade civil, ser instaurado tanto mediante representação do cliente lesado quanto de ofício pela autoridade administrativa competente, podendo servir de subsídio obtenção da reparação civil pelo dano causado, por culpa de seu patrono no exercício da profissão.

Nesse interím, faz-se mister relembrar que não há qualquer vinculação entre as esferas judicial e administrativa, razão pela qual a decisão do órgão administrativo somente servirá como uma das provas dos autos do processo judicial, ficando ao arbítrio do magistrado valorá-la a seu critério.

O artigo 71 da Lei n. 8.906/94 indica que a jurisdição disciplinar não exclui a comum, devendo ser comunicado às autoridades competentes, quando o fato constitui crime ou contravenção.


EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

O Código do Consumidor, no artigo 6º, inciso VIII, elevou a inversão do ônus da prova a direito básico do consumidor, positivando o princípio em regra geral e estruturante, a que se subordina qualquer operação hermenêutica.

De um modo geral, o juiz poderá determiná-lo, mesmo quando não seja exigível, sempre que se convencer da verossimilhança das alegações do consumidor. Porém, deixa de depender do convencimento do juiz, tornando-se obrigatório, quando resultar de responsabilidade por culpa presumida ou de responsabilidade objetiva.

No caso do fornecedor de serviços, em geral, cabe-lhe o ônus da contraprova, em hipóteses que a lei delimita em numerus clausus: a) não houve defeito no serviço, e, portanto, dano ao consumidor; b) a culpa pelo defeito foi exclusivamente do consumidor; c) o dano foi pré-excluído, uma vez que o suposto defeito decorreu da adoção de novas técnicas.

As hipóteses a e c são de natureza objetiva, não envolvendo culpa em sentido estrito. Poderiam ser enquadradas no âmbito da responsabilidade sem culpa. Na hipótese a, cuida-se de comprovar a inexistência do defeito alegado pelo consumidor; não se questiona se houve culpa ou não do fornecedor pelo possível defeito ou evento danoso. Na hipótese c, o defeito é desconsiderado (pré-excluído pela lei) porque se comprova que corresponde, em exata dimensão, à utilização de novas técnicas, segundo o estágio dos avanços tecnológicos na áreas específica de serviços, que não podem ser obstados por argumentos desse jaez; a culpa não desempenha qualquer papel.

A culpa aparece apenas na hipótese b, mas não em relação ao fornecedor. O defeito e o dano existem, não são objeto de controvérsia, mas o fornecedor inverte a imputação ao consumidor, comprovando que foi ele que os provocou, ou terceiro, por negligência, imprudência ou imperícia.

A culpa exclusiva do consumidor, no caso dos serviços, é sempre mais difícil que no caso de produtos, maxime em se tratando de advocacia. Todavia, há situações em que esta se verifica, como nos seguintes exemplos: 1. o depoimento pessoal do cliente, que contradiz os fatos apresentados por este ao seu patrono e, por conseguinte, a linha de defesa do advogado; 2. a falta de entrega de documento, imprescindível para o caso; 3. a falta de adiantamento para pagamento do preparo do recurso; 4. o prejuízo decorrente de negociação diretamente feita pelo cliente com a parte adversária, sem conhecimento do advogado.

A correta inteligência do § 4º, do artigo 14, do Código do Consumidor, como parte de todo um regime legal e jurídico específico, não pode conduzir a outro resultado, porque senão teria dito que o profissional liberal dele estaria inteiramente excluído, permanecendo sob a égide da responsabilidade subjetiva ou culposa.

Diz o § 4º que o profissional liberal se sujeita ao regime do Código do Consumidor e ao princípio constitucional de proteção, mas que sua responsabilidade pessoal será apurada mediante verificação de culpa. Em outras palavras, acrescenta-se, para ele, mais uma hipótese de exclusão de responsabilidade: quando ele provar que não lhe cabe culpa pelo defeito ou dano oriundo da prestação do serviço.

Demonstra-se acima que a situação específica do profissional liberal correspondia à responsabilidade por culpa presumida. A culpa presumida tem por efeito prático justamente a inversão do ônus da prova. Presume-se que o profissional liberal é culpado pelo defeito do serviço, salvo prova em contrário, por ser a presunção juris tantum. Não se pode cogitar, em culpa presumida, de se atribuir o ônus da prova ao consumidor, porque tornaria ineficaz a presunção.

Não somente por essas razões do regime jurídico, mas de inteligência dos termos empregados pelo § 4º, do artigo 14, do Código do Consumidor, chega-se a essa conclusão. Quando se diz "verificação de culpa" não se diz que deve ser provada por quem alega o defeito do serviço. Diz-se que não poderá ser responsabilizado se a culpa não for "verificada" em juízo, porque o profissional conseguiu contra prová-la. Repita-se: é inquestionável a compatibilidade desse preceito com o artigo 6º, inciso VIII, do citado diploma legal, que impõe o direito básico do consumidor à inversão do ônus da prova.

 Cabe ao consumidor de serviço do profissional liberal provar a existência do serviço, ou seja, a relação de consumo entre ambos, e a existência do defeito de execução que lhe causou danos, sendo suficiente a verossimilhança da imputabilidade.

Por sua vez, cabe ao profissional liberal provar, além das hipóteses comuns de exclusão de responsabilidade dos demais fornecedores de serviços, que não agiu com culpa.


CONCLUSÃO

A responsabilidade civil dos advogados é tema que deveria ser mais amplamente discutido na doutrina. Escassos são os textos que versam sobre este tópico se comparados às demais hipóteses de responsabilidade civil dos profissionais liberais, como, por exemplo, é o caso dos serviços médicos.

Anualmente são jogados no mercado de trabalho centenas, senão milhares de novos bacharéis em Direito, muitos dos quais não têm sequer a qualificação mínima necessária para o regular exercício da profissão, motivo pelo qual a Ordem dos Advogados do Brasil vem constatando um número cada vez mais elevado de candidatos inaptos no Exame de Ordem, prova cuja finalidade precípua é determinar e conferir aos aprovados a qualificação de advogados, tornando-os aptos a ingressar no mercado de trabalho como advogados.

Ademais, a não obrigatoriedade do ensino da deontologia jurídica nas grades universitárias de muitas faculdades de Direito gera para o mercado muitos profissionais sem a noção de ética necessária para o exercício da advocacia.

É preciso que os cursos superiores revejam seu método de ensino para formar não somente profissionais capazes do ponto de vista acadêmico, mas também do ponto de vista ético e moral. Resgatar valores e rever conceitos pode fazer renascer o respeito da sociedade moderna para com os advogados e melhorar consideravelmente a qualidade dos serviços prestados por esses profissionais. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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5. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. v.5, 29 ed, São Paulo: Saraiva, 1997, p.244;

6. NOGUEIRA, Lavyne Lima. Responsabilidade civil do profissional liberal perante o Código de Defesa do Consumidor. in Revista de Direito do Consumidor, n. 40, São Paulo: RT, 2001, p. 199-224;

7. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 97-98; 328-340;

8. PELEGRINI, Ada et al.. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado. 8 ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 196-197;

9. STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 3 ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.66;

10. VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade civil. v.4, 3 ed, Rio de Janeiro: Editora Atlas, 2004, p 175-179.


Notas

[1] Não é somente o advogado legalmente habilitado quem detém capacidade postulatória, mas também os defensores públicos e o Ministério Público no âmbito de suas atribuições, na forma da Lei (artigos 129 e 134 da Constituição Federal de 1988), assim como o cidadão para impetração de habeas corpus (artigo 654 do Código de Processo Penal),  propositura de ação cível com valor inferior à 20 salários mínimos nos Juizados Especiais Cíveis (art. 9º da Lei 9.099/1995), ou ainda a solicitação de medidas protetivas contra o ofensor com base na Lei Maria da Penha (art. 27 da Lei 11.340/2006).


Autor

  • Marcele Loyola

    Advogada formada pela Faculdade Nacional de Direito (UFRJ), com mais de 15 anos de experiência na prestação de serviços advocatícios e de consultoria jurídica, tanto no âmbito judicial quanto no extrajudicial, zelando sempre pela qualidade, eficiência e transparência para com seus clientes e parceiros.

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Informações sobre o texto

Artigo jurídico apresentado como trabalho final para conclusão de Pós Graduação Lato Sensu junto à UNESA em 2005, reeditado e atualizado em 2018.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOYOLA, Marcele. Responsabilidade civil do advogado. A função social do advogado nas relações jurídicas e sua responsabilidade à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5630, 30 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65617. Acesso em: 23 abr. 2024.