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O quimerismo processual do mandado de segurança individual e a intervenção do Ministério Público

O quimerismo processual do mandado de segurança individual e a intervenção do Ministério Público

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Enfrenta-se o tema da transcendência dos efeitos da sentença judicial que controla a legalidade dos atos administrativos em mandados de segurança individuais e a necessidade de intervenção do Ministério Público.

Palavras-Chave: Mandado de Segurança Individual. Direito Subjetivo Público. Controle do Ato Administrativo. Intervenção do Ministério Público.

Sumário: INTRODUÇÃO – DO MANDADO DE SEGURANÇA COMO DIREITO E GARANTIA – OS INTERESSES TUTELADOS NA AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA – DOS DIREITOS LÍQUIDOS E CERTOS SUBJETIVO PRIVADO OU PARTICULARIZADO E SUBJETIVO PÚBLICO – DA NECESSÁRIA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL – CONCLUSÃO – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Introdução

O presente artigo tem por objetivo enfrentar o tema da transcendência dos efeitos da sentença judicial que controla a legalidade dos atos administrativos em Mandados de Segurança individuais e a necessidade de intervenção do Ministério Público. Para tanto, porém, abordaremos o Mandado de Segurança como direito e garantia, investigando quais os interesses tutelados nessa ação, aprofundando quais os contornos dos direitos líquidos e certos subjetivos privado e público inerentes à ação mandamental, para enfrentar, finalmente, a necessidade ou não de intervenção do Ministério Público nesse tipo de ação.

A presente pesquisa, valeu-se da metodologia de estudo de diplomas legais, jurisprudência e doutrina e tem por objetivo refletir se o interesse na ação de Mandado de Segurança é exclusivamente individual e até que ponto a revisão dessa certeza terá reflexos no estudo dessa ação. Esse problema foi o nosso principal propulsor no estudo, na pesquisa e na forma de (re)ver o Mandado de Segurança e a ele tentaremos responder como proposta de um estudo acadêmico sincero e crítico.

Por fim, depois de examinar esses temas, enfrentamos a questão da intervenção facultativa ou obrigatório do Ministério Público nas ações de Mandado de Segurança individuais.


DO MANDADO DE SEGURANÇA COMO DIREITO E GARANTIA

Sempre que estudávamos a conceituação do Mandado de Segurança nos deparávamos com a definição de que ele era o meio constitucional posto à disposição de qualquer pessoa contra atos ilegais ou abusivos de autoridade violadores ou ameaçadores de direito líquido e certo de alguém. Nesta quadra, Hely Lopes Meirelles conceituava o Mandado de Segurança como:

(...) o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (CF, art. 5º, LXIX e LXX; Lei n.º 1.533/51, art. 1º).1

Entretanto, sem, necessariamente, negarmos o conceito acima exposto, precisamos refletir sobre a sua validade e a utilidade dessa definição atualmente. Para tanto, porém, propomos uma viagem doutrinariamente histórica sobre o Mandado de Segurança. Neste compasso, então, revelam-se-nos fundamentais as lições de Castro Nunes, in verbis:

O Mandado de Segurança assenta num princípio que o nosso direito anterior desconhecia: a possibilidade de ser a administração compelida a praticar certo ato ou abster-se de o praticar. Para forçá-la à abstenção recorria-se aos interditos que a jurisprudência em regra não admitia. O Mandado de Segurança realiza aquela dupla função: restitui o exercício do direito, removendo o obstáculo ou suprindo, pelo decreto judicial, a recusa do Poder Público. A sistemática do nosso direito girava em tôrno de dois princípios: o da separação dos poderes, que não tolera injunções do Judiciário à administração; e o princípio civil da reparação conseqüente à inexecução da obrigação.(sic)2

Observemos dois pontos interessantes e revolucionários revelados pelos ensinamentos acima expostos. O primeiro merecedor de destaque é a possibilidade de o Judiciário julgar os atos da Administração Pública, mas não com a finalidade de aplicar uma reparação civil indenizatória decorrente da inexecução da obrigação violada pelo Poder Público. O outro ponto é o de que o Mandado de Segurança se assentava na possibilidade de a administração ser compelida a fazer ou deixar de fazer algo, ou seja, ele representava uma relativização da separação dos poderes, pois conferia ao Judiciário o poder de impor à Administração Pública a prática de ato sem poder de recusa por parte desta.

Noutras palavras, o Mandado de Segurança àquela época já representava um avanço incontestável, pois assegurava ao titular do direito a prestação “in natura”, e não à representação indenizatória do direito violado. Como bem destaca Castro Nunes: “o direito é assegurado, no seu exercício, e não pela forma indireta da equivalência econômica, princípio pelo qual se define o ressarcimento da inexecução da obrigação, scilicet violação da lei.”3

Como toda e qualquer novidade – sobretudo pelo poder que representava o Mandado de Segurança, uma vez que possibilitava a relativização de um princípio tão relevante, especialmente naquele período de ascensão e consolidação da doutrina liberal –, esse instrumento de proteção causou muita hesitação por parte da jurisprudência, mas com o passar do tempo ele foi se consolidando e se afirmando cada vez mais como instrumento de defesa do particular contra a Administração Pública.

Nunca é demais, todavia, lembrarmos que, como bem destaca Castro Nunes, “As origens do Mandado de Segurança estão naquele memorável esforço de adaptação realizado pela jurisprudência, sob a égide do Supremo Tribunal, em torno do habeas corpus, para não deixar sem remédio certas situações jurídicas que não encontravam no quadro das nossas ações a proteção adequada.”4

Ele surge, então, como solução para os casos em que o habeas corpus não servia, tinha e ainda tem ele, por conseguinte, a nobre natureza de ser uma ação contra atos do poder público, distintos do cerceamento da liberdade.

Mais adiante Castro Nunes nos informa que a ideia de um remédio distinto e paralelo ao habeas corpus surgiu no Congresso brasileiro em 1922, então presidido pelo ministro Muniz Barreto, mas acabou interrompida em 1926, pela Reforma Constitucional5. Como sabemos, apesar de nessa época já vivermos o período da República, o processo civil brasileiro ainda era todo baseado nas ordenações filipinas. Por isso, o Congresso brasileiro discutia as reformas das ações judiciais, pois estas exprimiriam a mais alta manifestação de proteção ao direito, assegurado pelo Estado6.

Assim, debatia o Congresso Nacional a criação dessa ação judicial de mesma envergadura que o habeas corpus, pois destinado a proteger a sociedade dos atos do poder público. Vários nomes foram inicialmente propostos. Alberto Tôrres propôs que fosse nominada tal ação de mandado de garantia, mas o deputado Alcântara Machado, então presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, juntamente com João Mangabeira, Temístocles Cavalcanti, Carlos Maximiliano e Afrânio de Melo Franco debateram o tema, fazendo uso de evolução histórica, cujo ponto de partida foi a lei nº 221/1894 – instituidora de uma ação especial para a invalidação dos atos da administração lesivos a direitos individuais –, culminando no art. 113, nº 23, da CF/19347, que adotou o nome de Mandado de Segurança, e o alocou no Título III, Capítulo II, Dos direitos e Garantias individuais, da CF/1934i.

Fato que salta aos olhos é o de que, apesar de ser inaugurado o Mandado de Segurança como direito e garantia fundamental em 1934, no art. 113, nº 33, ele continuava umbilicalmente ligado ao habeas corpus, pois o texto constitucional indicava que seu processamento seria o do habeas corpus, sendo ouvida a pessoa de direito público interessada.

Em 16 de janeiro de 1936, foi promulgada a lei nº 191, que regulava muito mais do que o processo do Mandado de Segurança. Porém, apesar do avanço que já representava, os tribunais pátrios hesitaram em aplicar a novidade. Já a Constituição de 1937, em flagrante retrocesso na matéria de direito fundamental, silencia quanto à garantia constitucional do Mandado de Segurança.

Neste compasso, ele deixa de ser meio de defesa contra os atos do Presidente da República. Porém, o Código de Processo Civil de 1939 cuidou da ação de Mandado de Segurança a partir do art. 319ii, em que expressamente afastava do campo de atuação do writ os atos do Presidente da República, dos Ministros de Estado, Governadores e Interventores.

Graças à queda do Estado Novo e à nova Constituição de 1946, o Mandado de Segurança é novamente alçado à garantia constitucional, sendo vazada a sua aplicabilidade contra ato de qualquer autoridade no art. 141, § 24, da CF/1946iii.

Posteriormente, em 31 de dezembro de 1951, a lei nº 1.533 foi promulgada, revogando os artigos do Código de Processo Civil de 1939 sobre a matéria e inaugurando, assim, a grande discussão sobre a extensão ou não do CPC ao Mandado de Segurança.

Com o advento da lei nº 1.533/51, a doutrina começa a tratar o Mandado de Segurança como uma ação, apesar de natureza civil, de forma completamente estanque e distante do processo civil. Apesar de a lei nº 1.533/51 ter mantido vários artigos com conteúdos semelhantes ou até mesmo idênticos aos do Código de Processo Civil, o processamento do Mandado de Segurança mostrava-se difícil e extremamente lacunoso, pois várias normas atinentes ao seu processamento não se encontravam expressamente previstas na lei nº 1.533/51.

Isso ocorreu por que ao ser retirado do CPC o regramento do Mandado de Segurança, toda a estrutura normativa e procedimental da legislação processual civil deixou de ser aplicada ordinariamente ao processamento do Mandado de Segurança, sobretudo por causa dos art. 19 e 20iv.

Assim, devido à necessidade de um regramento próprio, quanto a seu procedimento, foram introduzidas no ordenamento pátrio as leis n.º 4.348/648 e nº 5.021/66, cujos objetivos eram de regular o procedimento do Mandado de Segurança.

Chegamos, após essa evolução histórica, finalmente à Constituição de 1988, que prevê no art. 5º, LXIX e LXX, a possibilidade de se conceder Mandado de Segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; e também o Mandado de Segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional; ou organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

E, mais recentemente, entrou em vigor a lei n.º 12.016/2009 revogando todas as disposições legais anteriores e regula completamente o Mandado de Segurança, mantendo alguns paradigmas passados, evoluindo em outros e acanhando-se noutros tantos. Tempos de mudanças exigem, sobremaneira, profundas reflexões.

Neste ponto, portanto, precisamos refletir sobre os seguintes fatos: vimos que o Mandado de Segurança surgiu no nosso sistema pátrio como garantia individual, depois foi rebaixado à ação de índole infraconstitucional e atualmente é mantido como direito e garantia fundamental. Assim, empós toda essa evolução histórica, podemos ver o Mandado de Segurança com os mesmos contornos que tínhamos antes de 1988?

A nossa resposta é incisivamente negativa. Não dá para creditar ao Mandado de Segurança, previsto na Constituição Federal de 1988, os mesmos contornos definidores alinhavados por Castro Nunes e Hely Lopes Meirelles. Noutras palavras, não nos é possível enxergá-lo apenas como meio constitucional para a proteção de direito líquido e certo de alguém violado ou ameaçado por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública.

Ele está inserido no título dos direitos e garantias fundamentais da ordem jurídica brasileira, de modo que é a um só tempo direito e garantia fundamental. Ele é direito, se visto sob o prisma da sua ontologia, porque representa o direito fundamental ao instrumento hábil de defesa contra atos estatais; e, garantia porque ele serve à defesa de outros direitos – positivos ou negativos - contra esse mesmo Estado.

Ele é, portanto, garantidor de direitos porque através dele direitos materiais são tutelados, mas ele em si também é um direito, e não qualquer direito, um direito tão fundamental que possui a máxima proteção conferida pela constituição, pois é alçado a cláusula pétrea, vedando ao poder reformador aboli-lo, mesmo por meio de Emenda à Constituição. E essa visão exige reflexão e revisão de vários temas afetos ao Mandado de Segurança, o que faremos adiante.


OS INTERESSES TUTELADOS NA AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA

O ponto de partida para a exata compreensão de tudo o que vamos abordar daqui em diante, envolve a exata noção dos interesses tutelados no Mandado de Segurança e, para tanto, enfrentaremos o questionamento traçado pelo professor Marcelo Abelha Rodrigues que, ao tratar do assunto, asseverou:

“Tentando ser mais claro, a pergunta que deve ser feita é a seguinte: o interesse dito como coletivo (não individual) decorre da indivisibilidade do seu objeto (que ao satisfazer um a todos satisfaz por causa da raiz única) ou decorre da soma de vontades dos sujeitos (aspecto subjetivo)?”9

Vemos, então, que ao examinarmos o interesse devemos levar em conta, no mínimo, dois aspectos importantes: um subjetivo e outro objetivo. No primeiro ponto estudamos o interesse a partir da vontade ou do querer do sujeito, isto é, a relação de desejo e satisfação referente a um bem da vida; enquanto que, no outro aspecto, observamos a divisibilidade do bem da vida pretendido.10

É célebre e amplamente difundida a conceituação de interesse, formulada por Carnelutti, a partir da ideia de conflito de interesse, para o qual interesse se dá pela relação entre um sujeito com desejo ou necessidade capaz de ser satisfeito por um bem da vida, de modo que o conflito surgiria na exata medida em que o desejo de um sujeito a ser satisfeito por um bem da vida fosse excluído pelo desejo de outro indivíduo. No campo das individualidades não há tratamento mais claro.

Todavia, quando esses interesses transcendem a individualidade e se tornam transindividuais o problema do interesse se revela maior. Desta forma, voltando ao questionamento do professor Marcelo Abelha Rodrigues, acima transcrito, convidamos o leitor a refletir: será que o interesse na ação de Mandado de Segurança é exclusivamente individual e até que ponto isso altera a forma de vê-lo e estudá-lo? Esse questionamento tem sido o nosso principal propulsor no estudo, na pesquisa e na forma de (re)ver o Mandado de Segurança e a ele tentaremos responder não só neste capítulo, mas também nos demais, como proposta de um estudo acadêmico sincero e crítico.

Valeremo-nos, inicialmente, do critério subjetivo de classificação dos interesses para sabermos de qual interesse tratamos no Mandado de Segurança. Conforme destacamos abaixo, quando utilizamos dessa via de ação contra o Estado fazemos uso de dois direitos: um subjetivo público, de controle dos atos administrativos ilegais e abusivos (muito pouco estudado nesta ação); e outro subjetivo privado ou particularizado, de ter acesso a um bem da vida perseguido a partir de uma relação individualizada com a Administração Pública, que poderá existir ou não.

Pois bem, desse aspecto temos que o Mandado de Segurança não se resume a cuidar de um tipo de interesse apenas, pois haverá, no mais das vezes, mais de um, já que pelo dispositivo da Constituição de 1988, conceder-se-á Mandado de Segurança para proteger direito líquido e certo contra ato de autoridade ilegal ou abusivo, não amparado por “Habeas Corpus” ou “Habeas Data”. Temos, assim, que o constituinte não limitou o direito líquido certo do impetrante e nem o definiu, mas veiculou com clareza ser ele protegido pelo Mandado de Segurança contra o ato administrativo ilegal ou abusivo. Destarte, haverá, pelo critério subjetivo, interesses particulares e coletivos lato sensu, tutelados na ação.

Doutra banda, porém, se nos valermos do critério objetivo, no qual examinamos a divisibilidade do bem da vida para aferirmos a sua individualidade ou coletividade, chegaremos à mesma conclusão lógica. Se no Mandado de Segurança temos duas espécies de direitos líquidos e certos, um particularizado (individualizado) e outro público (indivisível), teremos da mesma forma ambos os interesses tutelados na demanda, pois se na relação jurídica básica entre o impetrante e a Administração Pública (ré da ação) há um aspecto divisível dos interesses privados daquele com os interesses públicos secundários dessa, este mesmo aspecto desaparece quando o que se examina é o controle da ilegalidade ou da abusividade do ato administrativo, porque o interesse aí é público subjetivo e primário, de modo que ambos os envolvidos têm, em verdade, o mesmo interesse: o de ver respeitados normas, princípios e valores hierarquizantes do sistema jurídico, como leciona Alexandre Pasqualini:

Assim, do referido princípio do interesse público – vinculante de todos os ramos da ciência jurídica – decorrem alguns outros princípios mais afeiçoados à Administração pública de cuja especificidade se desenha o perfil do autônomo regime administrativo. Reflexo natural do conceito de sistemas acima analisado, ‘as relações jurídico-administrativas são concepcionadas, pois, como aquelas que se orientam pelo sistema de princípios, normas e valores regentes da Administração Pública’, de sorte que, a rigor, ‘quem administra... não é o agente na sua particularidade, nem mesmo a Administração Pública, considerada, por igual na sua particularidade’ mas os princípios, normas e valores conformadores do Direito Público e viabilizadores da ‘teleologia superior do interesse da sociedade’.11 (grifos nossos)

Assim, não temos dúvida em afirmar que tanto pelo critério subjetivo quanto pelo objetivo, na ação de Mandado de Segurança sempre existirão interesses coletivos lato sensu tutelados ou mesmo não ocorrendo em igual situação com os interesses individuais, que poderão existir ou não.

Todavia, precisamos ir além, já que mencionamos acima algumas outras espécies de interesses que nos são caros neste momento. Desta forma, podemos classificar os interesses ainda como sendo eles divididos em públicos e privados, individuais e coletivos, coletivos stricto sensu, individuais homogêneos e difusos. Para os interesses públicos ainda temos os chamados interesses públicos primários e secundários (interesses particulares da Administração Pública)12.

O interesse individual e particular é aquele amplamente conhecido, referindo-se sempre a situações individualizadas decorrentes de uma relação particular ou privada com outro indivíduo. O interesse coletivo, por sua vez, como bem destaca o professor Marcelo Abelha Rodrigues, tem o seu conceito muito mais intuído do que definido, de modo que podemos asseverar que seriam coletivos os interesses que dissessem respeito às massas ou as coletividades. Não podemos esquecer que interesse coletivo ainda pode ser público ou privado, motivo por que sob o prisma do impetrante é possível classificar a ação de Mandado de Segurança em individual e coletiva lato sensu, mas sob o enfoque do réu ela sempre será coletiva stricto sensu, adiante voltaremos ao tema, bastando-nos, por enquanto, semear essa ideia primária.

Desta forma, voltando ao interesse coletivo lato sensu, podemos subdividi-los em interesses coletivos stricto sensu, difusos e individuais homogêneos.

O coletivo stricto sensu seria, na esteira legislativa pacificada no Código de Defesa do Consumidor, aquele transindividual de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. O interesse difuso, valendo-nos ainda do Código de Defesa do Consumidor, seria o transindividual, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. E, finalmente, o individual homogêneo o que possui a mesma origem13.

Precisamos ter em mente que os conceitos acima, por mais importantes que sejam e o são, não negamos, servem-nos apenas de norte, pois focados e calcados, mesmo que na seara coletiva, a uma visão ainda sim privatista dos interesses em jogo. E esta afirmação é de fácil percepção quando temos em mira alguns pontos conceituais utilizados, por exemplo, quando o legislador tratou do interesse coletivo stricto sensu, ele prescreveu ser este o transindividual de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

Imaginemos, exemplificativamente, uma grande montadora de veículos ou de eletrodomésticos ou mesmo um grande Banco, estes entes, devido à diversidade de suas relações, produzirão infindáveis relações jurídicas com seus consumidores. Cada relação é individual com a entidade, se vista sob o prisma de cada um dos consumidores em suas individualidades, mas todas elas, porque firmadas com a mesma pessoa, possuem uma relação que se denomina básica, isto é, em cada uma das relações individuais há uma parte comum a todas as outras relações.

Desta forma, qualquer interferência jurídica nessa relação básica tem reflexos naturais em todas as demais relações individuais. Assim, o legislador, porque viu nessas espécies de pessoas sociais, um caráter transcendente da individualidade, asseverou que os interesses aí colocados serão coletivos stricto sensu, pois os interesses em jogo aí se referem a pessoas ligadas entre si por meio de uma relação jurídica básica. Então, deu a esse tipo de interesse um tratamento isonômico e unitário, fazendo com que as decisões que afetem essas relações alcancem dimensões coletivas. E como bem destaca o professor Marcelo Abelha Rodrigues, esse efeito decorre da liberdade pública, in verbis:

“A preocupação do legislador em estender a proteção ao grupo de pessoas que não possuam vínculo entre si, mas sim com a parte contrária, decorre do fato de que não sendo obrigatório o associativismo (liberdade pública) é possível que mesmo a pessoa não sendo associada a uma categoria, ainda assim seja titular de um direito coletivo, pelo simples fato de que possui, como o associado, uma relação jurídica base com a parte contrária.”14

Entendimento irrepreensível, com o qual concordamos na integralidade. Todavia, acreditamos que é possível ir além, mas não por que a relação entre a Administração Pública e o administrado seja consumerista, e sim por ser o Estado uma entidade igualmente social, cheia de relações jurídicas básicas com as pessoas presentes em seu território real e legal.

Temos que compreender, indiscutivelmente, que qualquer pessoa, física ou jurídica, presente no território brasileiro, firma, em consequência da Constituição Federal, das normas, princípios e valores do ordenamento jurídico, relações jurídicas básicas com o Estado. Por esse motivo, enxergamos que o interesse coletivo stricto sensu também pode ser público e, pelo mesmo motivo de liberdade pública, extensível àquele que possua com o Estado uma relação jurídica básica. E nesse aspecto arremata o professor acima citado:

“Portanto, não é o vínculo associativista (necessidades comuns traduzidas num ente representativo) que faz com que o direito seja coletivo, mas sim o seu objeto, como foi dito alhures. Esta parece ser a crítica de Vigoritti à definição proposta por Gianninni quando fala que os interesses coletivos possuem um portador adequado ao qual denominou de ente esponenziale. Segundo Vigoritti, também os interesses coletivos que não possuíssem ente portador adequado mereceriam dita tutela.”15

Logo, não há como se negar a coletividade dos interesses em jogo no Mandado de Segurança, pois ao estarem todos os presentes no território nacional inseridos em relações jurídicas básicas com o Estado e o ordenamento jurídico ter conferido, via esta ação, a proteção a direitos líquidos e certos contra atos de autoridade ilegais ou abusivos, teremos os impetrantes, nessas condições, buscando a tutela de interesses coletivos.

Assim, ao inserir, no campo de proteção do Mandado de Segurança, os interesses públicos primários e privados, individuais e coletivos públicos stricto sensu, o constituinte deu ao povo uma ferramenta fantástica de controle, rápida e eficiente, dos atos administrativos.

A doutrina clássica, porém, sempre enxergou facilmente os limites subjetivos do Mandado de Segurança, porque sempre pôs em foco os interesses particulares dos impetrantes, o que se costumou a chamar de direito líquido e certo do impetrante, mas aqui visualizamos outra circunstância, qual seja, o interesse público primário tutelado no Mandado de Segurança, já que ele serve de controle pelo Judiciário da ilegalidade ou abusividade do ato administrativo. Nesse prisma, porém, mesmo sendo uma ação demandada por um único autor, esta ação terá, caso o Judiciário controle o ato administrativo, um efeito indiscutivelmente ultra partes, porque a pessoa contra a qual se decide é uma pessoa coletiva e possui com determinados membros da sociedade relações jurídicas básicas.

Observemos que ter o ato administrativo controlado pelo Judiciário quanto à ilegalidade ou à abusividade decorre de uma confluência de interesses públicos primários, pois interessa à Administração Pública e ao impetrante que esse controle ocorra16 e nesse aspecto não temos a menor dúvida de asseverar que estamos diante de interesses coletivos stricto sensu públicos.

Vezes há, porém, conflitos de interesses entre o impetrante e o réu do Mandado de Segurança, mas este conflito se dá entre os interesses particulares de ambos, isto é, entre os interesses privados, individuais ou coletivos, do impetrante, pessoa física, jurídica ou entidade associativa, e o interesse público secundário do réu do Mandado de Segurança.

Entre os conflitos de interesses particulares há limite subjetivo, porque é nesse particular que se individualiza a relação jurídica básica. Já quanto à supremacia do interesse público e o controle da ilegalidade ou abusividade do ato administrativo, haverá objetividade, sempre, pois concernente à relação jurídica básica em si. Então, podemos afirmar que a doutrina clássica define a coletividade ou a individualidade do Mandado de Segurança, como limite subjetivo da demanda, examinando os interesses particulares postos a apreciação do Judiciário, esquecendo o interesse coletivo stricto sensu público existente que dará ao Mandado de Segurança sempre o efeito ultra partes, consequente da supremacia do interesse público no controle exclusivo do ato administrativo.

A partir, então, dessas constatações não temos mais como ver e estudar o Mandado de Segurança sob o mesmo prisma e forma que se estudou até hoje, precisamos estudar e melhor difundir essa capacidade coletivizada de sua finalidade, dissolvendo a ideia mal concebida e dissolvida no consciente social do tempo em que a Administração Pública tinha um ato seu anulado pelo Judiciário e ficava com essa decisão adstrita exclusivamente àquele processo. E, da mesma forma como se aventura no mar do desconhecido o desbravador, convidamos o leitor a refletir juntos sobre os temas adiante descritos.


DOS DIREITOS LÍQUIDOS E CERTOS SUBJETIVO PRIVADO OU PARTICULARIZADO E SUBJETIVO PÚBLICO

O direito, em sede de Mandado de Segurança, precisa ser líquido e certo, necessário se faz que ele seja de pronto exigível, já esteja liquidado – e não em estágio de latência – sendo certo também o limite relacional dos sujeitos inseridos na relação jurídica material, de modo que saibamos a quem pertençam os direitos, deveres, pretensões, ações e exceções.

Nesse contexto devemos inserir também os estados desse direito, isto é, se tem, teve, terá ou cessou o direito do impetrante, pois esses estados interferem não na certeza, mas na liquidez do direito buscado. A doutrina, todavia, critica a utilização, pelo legislador, da expressão líquido e certo, sob o argumento de que todo direito, quando existente, é sempre líquido e certo.

Nada obstante, mesmo ciente de que talvez fosse necessária uma modificação para estremar certeza, liquidez e exigibilidade – que não foi feita com a nova lei do Mandado de Segurança –, devemos compreender que dentro do conceito de liquidez devemos inserir o de exigibilidade. A liquidez aqui, por conseguinte, serve ao interesse processual. Por exemplo, se o crédito a que tem direito o administrado contra a Administração só será exigível no próximo exercício financeiro não pode ele ingressar com um Mandado de Segurança hoje porque a compensação lhe foi negada agora, falta ao seu direito certo a liquidez (exigibilidade) fundamental17. Logo, nem sempre o direito que existe é líquido e exigível.

É importante que observemos que não é o direito a condição da ação de Mandado de Segurança, mas a certeza e a liquidez. Cassio Scarpinella Bueno, porém, entende de forma diversa, in verbis:

Direito líquido e certo, pois, é condição da ação e não corresponde à existência da ilegalidade ou do abuso de poder mas, apenas e tão-somente, a uma especial forma de demonstração desses vícios que rendem ensejo ao ajuizamento do Mandado de Segurança. Corresponde, pois, à adequação que faz parte do interesse de agir na escolha deste writ como ação própria para os fins descritos na petição inicial. Trata-se, friso, de condição da ação, facultada a repropositura da mesma ação (do mesmo Mandado de Segurança), desde que superados os óbices que levaram à sua extinção ou que a mesma pretensão (o mesmo conflito de interesses) seja levada ao Estado-juiz por outro veículo processual, quando a hipótese reclamar dilação probatória, o que, saliento, é expressamente reconhecido pelo art. 16 da Lei n. 1.533/51.18

Não é o direito a condição da ação, pois se assim o fosse nós cairíamos na problemática vivida pela teoria concretista da ação, isto é, só haveria ação se houvesse o direito. Em verdade, o que constitui a condição dessa ação é a qualidade do direito alegado. Portanto, ousamos discordar das lições do professor supracitado, pois se o Estado-juiz declarar que não há direito, essa decisão fará coisa julgada a ponto de impedir a repropositura da mesma ação. Todavia, se a declaração for no sentido de que, independentemente de existir ou não o direito, o Judiciário declarar que ao direito alegado falta certeza e liquidez, aí sim teremos problema quanto às condições da ação. Nesta última hipótese sim é caso de indeferimento da inicial ou extinção do processo sem resolução de mérito por falta de condição da ação, o que não acontece na primeira situação.

O direito, portanto, deverá ser fruto de normas jurídicas, pois antes de ser subjetivo ele é objetivo, especialmente porque visto como realidade objetiva numa relação intersubjetiva. As normas jurídicas incidem sobre seus suportes fáticos dando ensejo ao surgimento de fatos jurídicos que formarão relações jurídicas posteriormente. Nas relações jurídicas, portanto, figuram os sujeitos ligados por uma relação jurídica básica capaz de correlacionar ao plus que é o direito o minus do dever.19

Portanto, toda a subjetividade de um direito é sempre extraída da objetiva realidade normativa e o direito líquido e certo, como consequencial dessa estrutura normatizada, também deve ser subsumido do ordenamento jurídico. Ou o direito provém de uma norma jurídica ou não atende à liquidez e à certeza exigidas pelo Mandado de Segurança. Neste compasso, leciona Hely Lopes Meirelles que:

Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por Mandado de Segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.20

Toda a visão trazida acima foi calcada em realidade já exaustivamente estudada pela doutrina quando se tratava de direito líquido e certo do impetrante. Contudo, agora precisamos dar um salto, revisitarmos essas ideias e refletirmos sobre os limites deste requisito do Mandado de Segurança.

O direito líquido e certo possui, então, que natureza jurídica? Esta pergunta nos obriga a refletir sobre esse instituto de forma mais profunda.

Castro Nunes já enxergava a distinção entre dois direitos subjetivos em jogo no Mandado de Segurança, como podemos compreender das lições abaixo:

O Mandado de Segurança supõe um direito violado por ato de autoridade pública. É, portanto, meio de defesa do direito contra o Estado como poder público. (...) o que se resolve pelo Mandado de Segurança é a relação de direito público, definida pelo dever legal da autoridade e pelo direito correlato de se lhe exigir o cumprimento dêsse (sic) dever. Pouco importa que esteja em causa um direito privado, se foi êsse (sic) o direito atingido pela ilegalidade. A qualquer direito, seja de que natureza fôr, pode ferir um excesso de poder da autoridade, por omissão ou comissão, seja êle (sic) real, pessoal ou personalíssimo. A defesa do direito se define, nas relações de direito público, pela defesa contra a ilegalidade funcional do Poder Público. É preciso não perder de vista esse traço fundamental. É pelo direito ao ato praticado na conformidade da lei, o direito à legitimidade do ato como diz MORTARA, que se define o direito subjetivo público.21

Observamos, portanto, que o direito líquido e certo originário da ação de Mandado de Segurança era definido exclusivamente pela sua natureza subjetiva pública, deixando de lado a sua outra face, a de natureza subjetiva privada ou particulariza, gerando grande receio de aplicação pelos Tribunais. Reparamos que o professor supracitado realçava o direito subjetivo público pelo direito ao ato ser praticado na conformidade da lei, mas ele acabava por deixar de lado o direito de natureza privada ou particularizada, o que representava um ponto a ser evoluído e revisto, pois na esteira de Celso Antônio Bandeira de Mello, não podemos imaginar o interesse público como algo não coincidente com a soma dos interesses individuais porque o interesse público é o reflexo somatório dos interesses particulares22.

Já destacamos, no item anterior, que o Mandado de Segurança é direito e garantia, e, por causa disso, somos obrigados a repensar a natureza jurídica do direito líquido e certo do impetrante.

Entendemos, conforme melhor demonstraremos adiante, que existem duas naturezas jurídicas quando falamos em direito líquido e certo, uma subjetiva privada ou particularizada e outra subjetiva pública.

Esta nossa afirmação decorre, além das lições de Castro Nunes acima expostas e de três fundamentais princípios: o da responsabilidade, o da responsividade e o da sindicabilidade, muito bem explicados nas lições de Diogo Figueiredo Moreira Neto, in verbis:

“o princípio da responsabilidade, de natureza substantiva, gera um dever derivado para todos que tenham cometimentos de natureza pública, que é o dever de prestar contas, o que pressupõe o dever de tomar contas. A responsividade, para o professor supracitado, decorre da constatação de que se responder pela ilegalidade é um dever tão antigo quanto o próprio Direito, responder pela ilegitimidade é tão recente quanto a consolidação histórica da democracia na cultura ocidental e, por isso, a responsividade vem complementar o princípios da responsabilidade e ampliar-lhe os efeitos para além da legalidade estrita, inspirando e fundando ações sancionatórias do Direito Administrativo, voltadas à preservação do princípio democrático e da legitimidade, que dele decorre. Por fim, a sindicabilidade é uma necessária conseqüência dos princípios substantivos da legalidade e da legitimidade e dos correspondentes princípios adjetivos da responsabilidade e da responsividade, aos quais se acresce o, também substantivo, da moralidade administrativa, de modo que se não fosse possível o controle de tais atos públicos pelo administrado todo o sistema quedaria inane e frustrado diante das iminentes violação praticadas pelas autoridades públicas.”23

Portanto, pedir ao Judiciário que controle ou sindique o ato administrativo é um direito líquido e certo subjetivo público que todos temos como consequência do próprio sistema jurídico, como efeito de ter direito a que o ato da autoridade seja praticado em conformidade da Constituição e da lei, e quanto a isso não existe a menor dúvida ou discordância doutrinária24.

Todavia, esse direito líquido e certo de natureza subjetiva pública não se confunde com o direto líquido e certo que possui individualmente cada parte impetrante, pois este é de natureza eminentemente subjetiva privada ou particularizada e fruto duma relação jurídica individual entre o réu e o autor do Mandado de Segurança. Esta relação jurídica é, portanto, da natureza singularizada e deve ser examinada como consequencial subjetivo, isto é, em razão das pessoas envolvidas.

Decidir se ao final o impetrante tem direito líquido e certo ao bem buscado gerará limitação subjetiva da demanda. Já, ao contrário, quando se anula o ato ilegal, ainda que o impetrante não possua direito líquido e certo subjetivo privado, significa reconhecer o direito líquido e certo subjetivo público ao controle dos atos públicos em consequência do princípio da sindicabilidade que informa as teorias do controle da legalidade, da licitude e da legitimidade dos atos públicos.

No que se refere ao direito líquido e certo sob o prisma da subjetividade privada do impetrante, podemos afirmar que é dele e por ele que examinamos os limites do direito do impetrante à tutela buscada em juízo. A partir disso, fincamos o limite subjetivo não do Mandado de Segurança em sua objetividade, mas da segurança do direito do impetrante em sua subjetividade privada.

A internidade subjetiva dos limites objetivos do Mandado de Segurança pelo provimento jurisdicional é limitada apenas nesse aspecto ao sujeito ativo do direito.

Noutras palavras, há o direito subjetivo privado do impetrante, como efeito da sua relação individual com a Administração Pública, e há o controle do ato impugnado, como consequência do direito subjetivo público de toda a sociedade. Assim, conceder a segurança pela existência do direito do impetrante e controlar a ilegalidade ou abusividade do ato impugnado geram implicações distintas nos limites da decisão judicial. O que ficará limitado entre as partes é o direito do impetrante, e não o controle do ato impugnado.

Imaginemos a seguinte situação comum e eminentemente administrativo que pode nos auxiliar na compreensão da tese acima exposta é o seguinte. Imaginemos que numa dada Rodovia “x” foi instalado um sistema de radar eletrônico automatizado, mas que essa instalação não seguiu as prescrições normativas previstas no Código de Trânsito Brasileiro e nem pelas Resoluções do CONTRAN. Imaginemos, ainda, que num dado período de tempo, aproximadamente 1.000 (mil) condutores foram multados através daquele sistema, e que apenas um deles tenha impetrado Mandado de Segurança contra a multa que lhe foi imposta, e nessa ação o Judiciário tenha declarado o direito líquido e certo do impetrante em não pagar a multa, devido à ilegalidade na sua imposição, já que o radar foi instalado de forma ilegal. Pergunta-se, esta decisão ficará limitada apenas àquele processo?

A resposta, a nosso sentir, é negativa. O direito líquido e certo de não pagar a multa impugnada no processo ficará restrito exclusivamente ao impetrante, já que a relação jurídica ali discutida, tendo ele como sujeito ativo do dever de pagar a multa, é individualizada ou particularizada. Todavia, quando o Judiciário definiu que o ato administrativo de impor multas de trânsito com fundamento nas provas obtidas por aquele radar era ilegal, ele produziu uma decisão cujos contornos vão além das partes envolvidas na relação particularizada ou individualizada, de modo que é dever da Administração Pública não praticar nem manter os efeitos dos atos ilegais reconhecidos seja judicial ou administrativamente.

Logo, os outros 999 (novecentos e noventa e nove) condutores deverão ter as multas anuladas, porque o ato de controle aí decorre do direito subjetivo público que toda a sociedade goza de ver uma atuação administrativa, legal, impessoal, eficiente e legítima. Pensar em manter os efeitos das outras 999 (novecentos e noventa e nove) multas é ilógico, ilegal e imoral.

O controle do ato impugnado, porque do ato em sua especificidade, não pode ser limitado à subjetividade da demanda, pois é ilógico que um ato seja e não seja, a um só tempo, válido e inválido. A variante é binária, ou o ato é legal ou não é. Exatamente por isso, o controle do ato não se limita à subjetividade do direito líquido e certo subjetivo privado ou particularizado, vai sempre além.

Portanto, é fundamental estremar direito líquido e certo subjetivo privado (particularizado) e público, são duas faces de um mesmo espelho côncavo, pois de um lado se reflete uma imagem e, do outro, outra ampliada.


DA NECESSÁRIA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

Antes, porém, de indicar o nosso posicionamento acerca da intervenção do Ministério Público no Mandado de Segurança individual, importa que tracemos, ainda que em linhas superficiais, o papel do Ministério Público no cenário jurídico brasileiro.

Definir qual é o papel do Ministério Público ou mesmo quais são as hipóteses de sua intervenção nas relações processuais é deveras complicado, pois, como bem leciona Calamandrei25, o promotor de justiça vive como um advogado sem paixão e um juiz sem imparcialidade, arriscando-se diuturnamente a perder a generosa combatividade do advogado e a objetividade do julgador, resumindo esse conflito da atuação ministerial as sábias palavras de Uadi Lâmego Bulos, que define o Ministério Público “como sustentáculo da acusação, o Ministério Público deveria ser tão parcial como um advogado; como guarda inflexível da lei, deveria ser tão imparcial como um juiz.”26. E nessa agonia de ser a fusão de duas partes antagônicas, de viver sob a navalha de ser apaixonado como uma parte e imparcial como um julgador, o promotor de justiça é chamado a defender o interesse público sob o fio dessas duas espadas: paixão e imparcialidade.

Desta forma, a par dos controvertidos modos de enxergar o Ministério Público, o constituinte especificou, no art. 127 da CF/88, que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, pois o alocou como instituição permanente e essencial à justiça, conferindo-lhe o poder-dever de defender os interesses mais supremos da república brasileira.

Assim, vemos que o Parquet recebeu do povo o dever de proteger esses patrimônios públicos, de modo que sempre que haja ameaça ou violação a eles, deve o Ministério Público agir para que essas ameaças ou violações sejam dissipadas.

Não foi outro o motivo que levou o constituinte a estabelecer no art. 129, II, da CF/88 que o Ministério Público deve promover as medidas necessárias para proteger os direitos assegurados na Constituição e defender os interesses indisponíveis, sobre que esclarece o constitucionalista baiano: “cumpre-lhe defender os interesses sociais e individuais indisponíveis, além de outros em que a lei considerar imprescindível a sua participação. A indisponibilidade do interesse, seja relativa, seja absoluta, é o prius da atuação do Parquet. Até os interesses individuais, singulares, disponíveis, clássicos etc. sujeitam-se à sua competência, desde que a tutela a pleitear convenha à coletividade. Eis o grande detalhe.(...)”27.

Disso, por óbvio, fica evidente o dever de agir do Ministério Público sempre que os interesses em disputa sejam qualificados de públicos primários, que equivalem ao bem geral e não necessariamente aos interesses da Administração Pública, ou que mesmo particulares os interesses, estes envolvam uma certa coletividade.

Em consonância com essas nobres funções constitucionais, a Lei Orgânica do Ministério Público, em seu art. 25, V, estabeleceu que compete ao Ministério Público manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei e, ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os processos.

Observamos que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se formou no sentido de que a intervenção do Ministério Público nas ações de Mandado de Segurança, em que pese prevista na legislação específica, pode ser considerada desnecessária sempre que inexistir interesse público que justifique a sua participação, como se lê exemplificativamente no aresto abaixo:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE CARACTERIZADA. ART. 10 DA LEI 1.533/1951.

1. Nos termos do art. 10 da Lei 1.533/1951, em Mandado de Segurança, sob pena de nulidade insanável do processo, é obrigatória a intimação do Ministério Público, cabendo-lhe, no caso concreto, verificar a existência de interesse público que justifique a sua intervenção como fiscal da lei.

2. Recurso Especial provido.

(REsp 602.849/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/11/2007, DJe 11/11/2009)

Entretanto, não concordamos com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Como demonstramos anteriormente, na ação de Mandado de Segurança há sempre o direito líquido e certo subjetivo público de o impetrante controlar os atos administrativos sempre que eles possam ser ilegais ou abusivos. Noutras palavras, admitir que o Mandado de Segurança se destina a controlar os atos administrativos praticados por autoridades públicas em violação à normatividade ou à juridicidade, significa ao fim e ao cabo admitir que poderemos estar diante atos de improbidades administrativas, de sorte que o interesse público aí transborda à ideia minimalista do interesse da Fazenda Pública e ganha os contornos necessários ao interesse que justifica sempre a intervenção do Ministério Público nas Ações de Mandados de Segurança individuais, pois a indisponibilidade do interesse aqui é o prius da atuação do Parquet.


CONCLUSÃO

Depois dessa breve explanação, podemos concluir que o Mandado de Segurança está inserido no Título dos direitos e garantias fundamentais da ordem jurídica brasileira, de modo que ele é a um só tempo direito e garantia fundamental.

E essa visão exige reflexão e revisão de vários temas afetos ao Mandado de Segurança, especialmente no que concerne aos interesses tutelados na ação, apurando-se, inclusive, na gênese do Mandado de Segurança individual a existência de interesses coletivos e públicos que lhes dá a pseudo-impressão de ser ele individual, quando, na verdade, por força de um “quimerismo” processual, ele é coletivo.

Como a doutrina clássica define a coletividade ou a individualidade do Mandado de Segurança, como limite subjetivo da demanda, examinando os interesses particulares postos a apreciação do Judiciário, vê-se que o interesse coletivo stricto sensu público existente que dará ao Mandado de Segurança sempre o efeito ultra partes, consequente da supremacia do interesse público no controle exclusivo do ato administrativo, acabou sendo esquecido, permanecendo nele de forma latente.

A partir, então, dessas constatações não temos mais como ver e estudar o Mandado de Segurança sob o mesmo prisma e forma com que se estudou até hoje, precisamos estudar e melhor difundir essa capacidade coletivizada de sua finalidade, dissolvendo a ideia mal concebida e dissolvida no consciente social do tempo em que a Administração Pública tinha um ato seu anulado pelo Judiciário e ficava com essa decisão adstrita exclusivamente àquele processo.

Noutras palavras, há o direito subjetivo privado do impetrante, como efeito da sua relação individual com a Administração Pública, e há o controle do ato impugnado, como consequência do direito subjetivo público de toda a sociedade. Assim, conceder a segurança pela existência do direito do impetrante e controlar a ilegalidade ou abusividade do ato impugnado geram implicações distintas nos limites da decisão judicial. O que ficará limitado entre as partes é o direito do impetrante, e não o controle do ato impugnado.

O controle do ato impugnado, porque do ato em sua especificidade, não pode ser limitado à subjetividade da demanda, pois é ilógico que um ato seja e não seja, a um só tempo, válido e inválido. A variante é binária, ou o ato é legal ou não é. Exatamente por isso, o controle do ato não se limita à subjetividade do direito líquido e certo subjetivo privado ou particularizado, vai sempre além, o que desvela a sua capacidade de tutelar direitos subjetivos públicos indisponíveis.

Foi deveras importante estremar direito líquido e certo subjetivo privado (particularizado) e público, como duas faces de um mesmo espelho côncavo, pois de um lado se reflete uma imagem menor, referente ao interesse particular do impetrante e, do outro, outra bem distinta e maior, representativa do interesse público indisponível tutelado no Mandado de Segurança. A partir disso, fincamos o limite subjetivo não do Mandado de Segurança em sua objetividade, mas da segurança do direito do impetrante em sua subjetividade privada.

Assim, podemos finalizar no sentido de que o interesse público aí transborda à ideia minimalista do interesse da Fazenda Pública e do impetrante e ganha os contornos necessários ao interesse público que justifica sempre a intervenção obrigatória do Ministério Público nas Ações de Mandados de Segurança individuais, pois a indisponibilidade do interesse aqui é a pedra fundamental da atuação do Parquet.


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Brasil. Lei nº 4.348/1964. Estabelece normas processuais relativas a Mandado de Segurança.

Brasil. Lei nº 12.016/2009. Dispõe sobre o Mandado de Segurança e dá outras providências.


Notas

1MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, 28. ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2005, p. 21.

2NUNES, Castro. Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa contra atos do poder público, 5 ed. Revista Forense: Rio de Janeiro, 1956, p. 64.

3NUNES, Castro. Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa contra atos do poder público, 5 ed. Revista Forense: Rio de Janeiro, 1956, p. 65.

4 NUNES, Castro. Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa contra atos do poder público, 5 ed. Revista Forense: Rio de Janeiro, 1956, p. 19.

5 NUNES, Castro. Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa contra atos do poder público, 5 ed. Revista Forense: Rio de Janeiro, 1956, p. 20.

6NUNES, Castro. Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa contra atos do poder público, 5 ed. Revista Forense: Rio de Janeiro, 1956, p. 19.

7 NUNES, Castro. Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa contra atos do poder público, 5 ed. Revista Forense: Rio de Janeiro, 1956, p. 23/29.

8 A lei n.º 4.348/64 foi alterada pela lei n.º 10.910/2004, e, em 2009, foi revogada pela lei n.º 12.016/2009.

9RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Ambiental. 2 ed. Editora: RT, São Paulo: 2005, p.27.

10RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Ambiental. 2 ed. Editora: RT, São Paulo: 2005, p.26.

11PASQUALINI, Alexandre. Hermenêutica e Sistema Jurídico – uma introdução à interpretação sistemática do Direito, Livraria e Editora do Advogado: Porto Alegre, 1999, p. 144.

12Maiores explicações sobre o tema vide BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo, 26 ed., Malheiros Editores, São Paulo, 2009, p. 65.

13Art. 81, I, II e III do Código de Defesa do Consumidor.

14RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Ambiental. 2 ed. Editora: RT, São Paulo: 2005, p. 39.

15RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Ambiental. 2 ed. Editora: RT, São Paulo: 2005, p. 39.

16Como claramente ensina o professor Celso Antonio Bandeira de Mello, “Assim, independentemente do fato de ser, por definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhe são particulares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se encarnam no Estado enquanto pessoa. Estes últimos não são interesses públicos, mas interesses individuais do Estado, similares, pois (sob prisma extrajurídico), aos interesses de qualquer outro sujeito. Similares, mas não iguais. Isto porque a generalidade de tais sujeitos pode defender estes interesses individuais, ao passo que o Estado, concebido que é para a realização de interesses públicos (situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam com a realização deles.” (ob. Cit. p. 65/66)

17Súmula 213 do STJ: O Mandado de Segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.

18BUENO, Cássio Scarpinela. Mandado de Segurança, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 16.

19PONTES DE MIRANDA. Tratado das Ações. Tomo I, Bookseller: Campinas, 1999, p. 47.

20MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, 28. ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2005, p. 36/37.

21NUNES, Castro. Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa contra atos do poder público, 5 ed. Revista Forense: Rio de Janeiro, 1956, p. 76/77.

22BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. Malheiros: São Paulo, 2009, p. 58/62.

23MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. Forense: Rio de Janeiro, 2005, p. 84/85.

24Mais uma vez, bebendo na fonte dos ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Mello, temos que ao dar ao interesse público um conceito resultante do conjunto de interesses que os indivíduos têm pessoalmente quando considerados como membros da sociedade e pelo simples fato de serem eles a sociedade, o professor paulista desmascarou o mito de que os interesses qualificados como públicos eram insuscetíveis de serem defendido por particulares, pois aniquilou o pretenso calço teórico que o arrimaria: a indevida suposição de que os particulares são estranhos a tais interesses públicos.(ob. cit. p. 61)

25“Advogado sem paixão, juiz sem imparcialidade, tal é o absurdo psicológico no qual o Ministério Público, se não adquirir o sentido de equilíbrio, se arrisca, momento a momento, a perder, por amor à sinceridade, a generosa combatividade do defensor ou, por amor à polêmica, a objectividade sem paixão do magistrado.” (CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado, Martins Fontes: São Paulo, 1998, p. 58.)

26BULOS, Uadi Lâmego. Curso de Direito Constitucional, Saraiva: São Paulo, 2008, p. 1.142.

27BULOS, Uadi Lâmego. Curso de Direito Constitucional, Saraiva: São Paulo, 2008, p. 1.146.

i O texto final da Constituição de 1934 ganhou a seguinte redação:

Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

........................................................................................................................

33) Dar-se-á Mandado de Segurança para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes.

ii Art. 319. Dar-se-á Mandado de Segurança para defesa e direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional, ou ilegal de qualquer autoridade, salvo do Presidente da República, dos Ministros de Estado, Governadores e Interventores.

§ 1º Quando o direito ameaçado ou violado couber a uma categoria de pessoas indeterminadas, qualquer delas poderá requerer Mandado de Segurança.

§ 2º Também se consideram atos de autoridade os de estabelecimentos públicos e das pessoas naturais ou jurídicas, no desempenho de serviços públicos, em virtude de delegação ou contrato exclusivo, ainda quando transgridam o contrato ou exorbitem da delegação.

§ 3º Caberá o Mandado de Segurança contra quem executar, mandar ou tentar executar o ato lesivo.

Art. 320. Não se dará Mandado de Segurança, quando se tratar :

I – de liberdade de locomoção, exclusivamente;

II – de ato de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução;

III – de ato disciplinar;

IV – de impostos ou taxas, salvo se a lei, para assegurar a cobrança, estabelecer providências restritivas da atividade profissional do contribuinte.

Art. 321. A petição inicial, em três (3) vias, preencherá os requisitos dos arts. 158 e 159, e conterá a indicação precisa, inclusive pelo nome, sempre que possível, da autoridade a quem se atribua o ato impugnado.

§ 1º A 2ª e a 3ª vias da petição inicial serão instruídas com cópias de todos os documentos, autenticadas pelo requerente e conferidas pelo escrivão ou pelo secretário do Tribunal. A 2ª via destinar-se-á à formação de autos suplementares (art. 14).

§ 2º Se o requerente afirmar que documento necessário à prova de suas alegações se acha em repartição ou estabelecimento público, ou em poder de autoridade que lhe recuse certidão, o juiz requisitará, preliminarmente, por oficio, a exibição do documento, em original, ou em cópia autenticada, no prazo que fixar, de três (3) a oito (8) dias úteis; si a autoridade indicada pelo requerente fôr a coatora, a requisição se fará no próprio instrumento da notificação (art. 322, nº I). O escrivão extrairá cópias do documento para juntar, no primeiro caso, à 2ª e à 3ª vias da inicial; no segundo caso, apenas à via.

Art. 322. Despachando a petição inicial, o juiz mandará:

I – notificar o coator, mediante oficio entregue por oficial de justiça e acompanhado da 3ª via da petição inicial, instruída com as cópias dos documentos, a fim de prestar informações no prazo de dez (10) dias;

II – citar o representante judicial, ou, à falta, o representante legal da pessoa jurídica de direito público interessada na ação.

§ 1º Quando a pessoa do coator se confundir com a do representante judicial, ou legal da pessoa jurídica de direito público interessada na causa, a notificação, feita na forma do n. I deste artigo, produzirá também os efeitos da citação.

§ 2º O prazo para a contestação será de dez (10) dias.

Art. 323. Nos casos do n. I e do § 1º do artigo anterior, feita a notificação, o escrivão ou o secretário do Tribunal juntará aos autos cópia autenticada do ofício e prova da entrega ao destinatário, ou da recusa deste em recebê-lo, ou dar recibo.

Art. 324. Findo o prazo para as informações e para a contestação, os autos serão conclusos ao juiz, que decidirá em cinco (5) dias.

§ 1º Si o juiz verificar que o ato foi ou vai ser praticado por ordem de autoridade não subordinada à sua jurisdição, mandará remeter o processo ao juiz ou Tribunal competente.

§ 2º – Quando se evidenciar a relevância do fundamento do pedido e puder do ato impugnado resultar lesão grave ou irreparável ao direito do requerente, o juiz mandará desde logo suspender o ato.

Art. 325. Julgando procedente o pedido, o juiz:

I – transmitirá, em ofício, por mão do oficial do juízo ou pelo correio, mediante registro, com recibo de volta, o inteiro teor da sentença ao representante legal da pessoa jurídica de direito público interessada e, no caso do art. 319, § 2º, também ao representante legal da pessoa que tiver praticado o ato impugnado;

II – mandará expedir, imediatamente, como título executório, o Mandado de Segurança, e determinará as providências, especificadas na sentença, contra a ameaça ou a violação.

Art. 326. Em caso de urgência, o pedido de Mandado de Segurança, as comunicações e quaisquer ordens do juiz ou Tribunal poderão transmitir-se por telegrama ou radiograma. Os originais, com as firmas reconhecidas serão apresentados à agência expedidora, devendo constar do despacho o cumprimento daquela exigência.

§ 1º – Requerido o Mandado de Segurança por telegrama ou radiograma, o escrivão, ou o secretário do Tribunal, extrairá cópias para os efeitos do art. 321, § 2º e do art. 322, nº I.

§ 2º Quando a decisão fôr comunicada por telegrama ou radiograma aos interessados, o juiz mandará confirmá-la na fórma do artigo 325, nº I.

Art. 327. Recebendo a cópia da sentença, o representante da pessoa jurídica de direito público, sob pena de responsabilidade, ou, no caso do art. 319, § 2º, o representante legal da pessoa que houver praticado o ato impugnado, providenciará imediatamente, sob pena de desobediência, para o cumprimento da decisão judicial.

Art. 328. A requerimento do representante da pessoa jurídica de direito público interessada e para evitar lesão grave à ordem, à saúde ou à segurança pública. poderá o presidente do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal de Apelação, conforme a competência, autorizar a execução do ato impugnado.

Art. 329. A decisão do Mandado de Segurança não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie o seu direito e os respectivos efeitos patrimoniais.

Art. 330. Poderá renovar-se o pedido do mandado, quando a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito.

Art. 331. O direito de requerer Mandado de Segurança extinguir-se-á depois de cento e vinte (120) dias contados da ciência do ato impugnado.

iiiArt. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

...............................................................................................

§ 24 - Para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus , conceder-se-á Mandado de Segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder.

iv Art. 19. - Aplicam-se ao processo do Mandado de Segurança os arts. 88 a 94 do Código do Processo Civil. (artigo com redação anterior à alteração realizada pela lei 6.071/74)

Art. 20 - Revogam-se os dispositivos do Código do Processo Civil sobre o assunto e mais disposições em contrario.


Autor

  • Alessandro Samartin de Gouveia

    Promotor de Justiça do Estado do Amazonas. Possui graduação em Direito pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (2004). Pós-graduado em nível de Especialização em Direito Processual pela ESAMC/ESMAL(2006). Formação complementar em política e gestão da saúde público para o MP - 2016 - pela ENSP/FIOCRUZ. Pós-graduando em prevenção e repressão à corrupção: aspectos teóricos e práticos, em nível de especialização (2017/2018), pela ESTÁCIO/CERS. Mestre em direito constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes temas: súmula vinculante, separação dos poderes, mandado de segurança, controle de constitucionalidade e auto de infração de trânsito. http://orcid.org/0000-0003-2127-4935

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Alessandro Samartin de. O quimerismo processual do mandado de segurança individual e a intervenção do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5439, 23 maio 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65781. Acesso em: 23 abr. 2024.