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A justiça negocial no direito penal.

Juizados especiais criminais e colaboração premiada

A justiça negocial no direito penal. Juizados especiais criminais e colaboração premiada

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Transação Penal e Colaboração Premiada são exemplos de aplicação da Justiça negocial na esfera penal. Discute-se, todavia, se a utilização de institutos como estes são benéficos à persecução criminal e até que ponto.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho de conclusão de curso objetiva a exposição e análise do método negocial de aplicação da justiça criminal, iniciando por sua origem e suas ramificações no direito prático, transitando pelas instituições dos juizados especiais e métodos alternativos de cumprimento das sanções penais.

O direito criminal é um ramo jurídico que tem como prioridade o respeito aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo e, dessa forma, possui a necessidade constante de valorizá-los na aplicação prática das normas penais. Assim, diante desta prioridade, bem como do excesso de processos que permeiam o judiciário, é que se faz necessário utilizar de métodos que simplifiquem a aplicação do direito, tornando-o efetivo e eficaz. Um destes é o modo de negociação da justiça criminal, o qual permite acordos e disposições acerca da penalização do indivíduo.

O instituto da negociação é aplicado por diversos países há algum tempo, como na Alemanha e nos Estados Unidos, sem impedimentos às negociações sobre as penas a serem cumpridas. No Brasil, o caráter negocial da justiça criminal se iniciou com a criação dos juizados especiais, onde se fazem presentes métodos como a suspensão condicional e a transação penal, diferentemente da simples aplicação objetiva do direito positivado de outrora.

Portanto, passa-se a analisar e expor sobre a justiça criminal negocial e sua aplicação fática no ordenamento jurídico, através da exposição de benefícios e consequências, bem como da apresentação de suas ramificações, principalmente no que diz respeito à colaboração premiada e sua importância atual. O primeiro capítulo disporá acerca da gênese da justiça negocial no ordenamento jurídico brasileiro e de suas ramificações, iniciando pelos juizados especiais, sua criação e aplicação prática na atualidade.

No segundo capítulo, será apresentada a lei 9.099/95 como primeira forma de regulamentação efetiva da justiça negocial, visto que, anteriormente, havia somente a previsão pelo ordenamento jurídico, sem lei específica que possibilitasse o real exercício das práticas negociativas. O segundo capítulo dispõe ainda sobre essas diversas formas de aplicação da justiça negocial no processo criminal, quais sejam a transação penal, a suspensão condicional do processo e as penas alternativas, bem como a colaboração premiada.

Por fim, o terceiro capítulo tratará do instituto da colaboração premiada e sua importância na atualidade sócio-política do país, as modernizações trazidas em conjunto com sua aplicação e seus efeitos no âmbito da justiça criminal.


2. A JUSTIÇA NEGOCIAL NO BRASIL E OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

No decorrer do desenvolvimento histórico do direito e da evolução temporal da justiça, sempre houve distanciamento entre povo e poder judiciário, e este, por sua vez, apresentava certo abastamento com relação aos outros poderes constitucionais. No entanto, diante das exponenciais necessidades jurídicas da população, bem como da maior interação entre povo e direito por meio da globalização, fez-se necessário buscar maneiras de aproximar o cidadão do ordenamento jurídico, facilitar o acesso ao judiciário e cumprir efetivamente o que os princípios constitucionais, norteadores do direito contemporâneo, pregam para seu exercício justo na sociedade.

Diante disso, o direito brasileiro passou a adotar formas de desburocratização do acesso à justiça e do exercício do direito, adequando-se aos moldes de países que priorizam a solução consensual de conflitos e as diversas formas de negociação da sanção punitiva. Nações mais desenvolvidas, como os Estados Unidos, já utilizam da justiça negocial e tem efeitos positivos resultantes de sua aplicação. Portanto, o Brasil, seguindo o exemplo dos EUA e dos demais países, apresenta uma gradual implantação dessa forma de justiça, em atividades colaborativas entre os poderes Executivo, Legislativo e, principalmente, Judiciário.

Na aplicação do direito penal, principalmente, busca-se difundir a ideia de que a restrição de liberdade como sanção punitiva não é a única forma de garantir a convivência harmônica na sociedade, a ressocialização do indivíduo e a intenção educacional da pena. Dessa forma, os juristas contemporâneos apresentam o entendimento de que o direito e a lei em si, quando descumpridos, podem fornecer ao praticante do delito, quando merecidas, formas de diminuição ou conversão da pena mediante o cumprimento de determinados requisitos de colaboração com as investigações, potencial ofensivo baixo da infração, primariedade de condenação, entre outros, a serem elencados mais adiante.

Apesar de compreender que o Estado deve sanar toda e qualquer infração penal pelo uso da ação penal e seus desdobramentos, passou-se a entender que quando se trata de infrações de menor potencial ofensivo, a simples solução consensual se faz mais vantajosa. Deste modo, o Poder Judiciário pode atender com prioridade as infrações penais mais graves, as quais exigem maior esforço para se solucionar.

Posto isto, pode-se observar que a justiça brasileira buscava uma facilitação do processo, fazendo-o mais simples, rápido, eficiente, democrático e também mais próximo da sociedade, tornando o procedimento mais curto.

Sobre este tema, dispõe Ada pelegrini:

O poder político (Legislativo e Executivo), dando uma reviravolta na sua clássica política criminal fundada na "crença" dissuasória da pena severa (déterrance), corajosa e auspiciosamente, está disposto a testar uma nova via reativa ao delito de pequena e média gravidade, pondo em prática um dos mais avançados programas de "despenalização" do mundo (que não se confunde com "descriminalizaçâo") (GRINOVER, 2005, p. 48).

Dessa forma, os juizados especiais aparecem como a primeira medida tomada pelo ordenamento jurídico nacional, a fim de cumprir os objetivos de desburocratização do poder judiciário, os quais se encontram previstos desde 1988 na Carta Magna brasileira em seu artigo 98, I, porém, sem regulamentação própria.

Assim, os juizados surgem como um modo de encurtamento da distância entre a justiça e os indivíduos, os quais, por diversas vezes, não conseguiam ser atendidos. Da mesma maneira, são apresentados à sociedade como formas de democratização dos processos cíveis e criminais, através de métodos mais céleres e simplificados de acesso ao judiciário e à resolução de conflitos de forma amigável. Desde que apresentados os requisitos, os conflitos mais simples passam a ser de competência dos juizados especiais.

Os juizados especiais criminais englobam as causas em que a pena a ser cumprida seja inferior a 2 anos, bem como casos que se enquadrem como contravenções penais e crimes mais simples, na busca da aplicação de sanções punitivas que não sejam restritivas de liberdade e que consigam reparar o dano sofrido pela vítima, como multas e penas restritivas de direitos. Ressalta-se que, na hipótese de necessidade de restrição de liberdade, esta pode ser determinada pelo Juiz.

O juizado criminal, ou “JECRIM”, tem por finalidade a solução do processo criminal de forma célere, resultando na reparação do dano causado, quando possível, e na prevenção de excessos da justiça, bem como na apresentação de outras formas punitivas ao infrator da norma jurídica penal, de forma que objetiva a desburocratização do processo criminal, o desabarrotamento do poder judiciário e, por consequência, uma menor população carcerária, observados os problemas de superlotação prisional no país.

A demora no julgamento de ações criminais causada pelo excesso de demandas no judiciário, além de prejudicar a reparação de inúmeros danos causados, faz com que, às vezes, a vítima de um crime nem ao menos procure a justiça criminal, deixando grande parte dos autores de crimes de menor potencial ofensivo impunes por falta de estrutura do poder judiciário, que não consegue analisar e julgar todos os casos em tempo hábil. Como disposto por Beccaria:

Às vezes, a gente se abstém de punir um delito pouco importante, quando o ofendido perdoa. É um ato de benevolência, mas um ato contrário ao bem público. Um particular pode bem não exigir a reparação do mal que se lhe fêz; mas o perdão que êle concede não pode destruir a necessidade do exemplo. O Direito de punir não pertence a nenhum cidadão em particular; pertence às leis, que são o órgão da vontade de todos. Um cidadão ofendido pode renunciar à sua porção dêsse direito, mas não tem nenhum poder sobre a dos outros. (BECCARIA, 1959, p. 85).

Nestes termos, mesmo que haja abstenção do indivíduo prejudicado ante o descumprimento da norma jurídica, cível ou criminal, o Estado, detentor do poder de punir, não pode se abster diante destas situações. A inércia do Estado faz com que este deixe de exercer todo o caráter da norma jurídica como meio de manutenção da ordem e, portanto, o processo penal e seus procedimentos deixam de surtir efeito.

O processo penal tem por objetivo aplicar a norma penal, existente como forma punitiva, preventiva e ressocializadora. Neste sentido, a característica punitiva garante que a norma irá aplicar ao cidadão a consequência por sua atividade contrária ao ordenamento jurídico, funcionando de maneira preventiva para que os demais tenham o “exemplo” do que ocorre quando há este descumprimento do que é disposto. Enquanto a função ressocializadora do processo penal se dá por meio do cumprimento da pena disposta pela norma, no objetivo de reinserir o indivíduo de conduta indevida na sociedade a qual ele pertencia.

Deste modo, os juizados especiais criminais passam a garantir este exercício correto das características da norma jurídica e de suas funções, pois em momento algum o crime deixa de ser punido, apenas são apresentadas outras formas de punição, alternativas àquelas que nem sempre eram efetivas ou que chegavam ao seu objetivo. Portanto, o crime, ainda que de menor potencial ofensivo, tem sua devida punição, ficando reiterada a prevenção de novas infrações à lei e o indivíduo ainda consegue se reinserir mais facilmente na sociedade.

A fim de regulamentar os juizados especiais e iniciar uma nova fase no ordenamento jurídico brasileiro, surge a Lei 9.099/95, dispondo e detalhando procedimentos e providências acerca dos juizados, embasada expressamente nos princípios constitucionais.


3. LEI 9.099/95 E AS FORMAS DE JUSTIÇA NEGOCIAL

As inovações trazidas ao processo penal brasileiro pela lei 9.099/95 modificaram o modo pelo qual se via o sistema de aplicação da lei penal, dispondo sobre métodos de negociação e democratização da justiça criminal. A referida lei dispôs sobre os Juizados Especiais Criminais e apresentou ainda dispositivos como a suspensão condicional do processo, a transação penal e a composição dos danos na esfera cível.

Nas palavras de Luiz Flávio Gomes,

Muitas vítimas, que jamais conseguiram qualquer reparação no processo de conhecimento clássico, saem agora dos Juizados Criminais com indenização. Permitiu-se a aproximação entre o infrator e a vítima. O sistema de Administração de Justiça está gastando menos para a resolução desses conflitos menores. E atua com certa rapidez. Reduziu-se a frequente prescrição nas infrações menores. As primeiras vantagens do novo sistema são facilmente constatáveis. (GOMES, 1999, p. 175).

Neste sentido, a lei 9.099/95 insere no ordenamento jurídico brasileiro situações as quais deveriam ser dispostas pelo código processual penal, dispositivo promulgado em 1941. Levando em consideração que um código já surge obsoleto, observado todo o processo para sua criação, era de extrema necessidade a criação de métodos atualizados e modernos que acompanhassem o desenvolvimento da sociedade, e não permanecessem estagnados enquanto essa se modifica.

Não obstante, com a promulgação da Lei 9.099/95, os conflitos na seara Processual Penal e Cível passaram a ser visto por um novo ângulo, no intuito de trazer à Justiça criminal maior celeridade e informalidade à prestação jurisdicional, no que diz respeito às infrações menos gravosas. Este dispositivo legal busca ainda por fim à prescrição e a decorrente extinção da punibilidade em razão da morosidade dos processos, utilizando-se, para tal, do chamado rito sumaríssimo.

A Lei 9.099/95, nas palavras de LOPES JR (2016), além de dispor acerca dos Juizados Especiais Criminais, criou três novos institutos que vieram modernizar o sistema Processual Penal brasileiro, sendo eles a composição dos danos civis, a transação penal e a suspensão condicional do processo. Esta norma passou a abranger também a questão da vítima, ponto este deixado de lado pelos juristas e pelo ordenamento jurídico, visto que, até então era posta em segundo plano no sistema processual penal e, após a Lei 9.099/95 passou, com o rito sumaríssimo, a ser sujeito ativo na solução dos conflitos.

Ante o exposto, observa-se que, diante da criação da Lei 9.099/95, a criação dos Juizados Especiais se tornou competência da União e das Unidades Federativas, visto que o artigo 93 do dispositivo legal apresenta que “lei estadual disporá sobre o Sistema de Juizados Cíveis e Criminais, sua organização, composição e competência”. Consequentemente, as matérias relativas à competência, procedimento e organização judiciária dependem da edição de lei que as regulamentará.

A Lei dos Juizados Especiais (9.099/95) dispõe ainda, em seu art. 89, a respeito da suspensão condicional do processo, conhecida como sursis, que possui sua previsão primordial pelo Código Penal de 1940, em seu artigo 77.

Este método pode ser aplicado tanto aos casos de infrações de menor potencial ofensivo quanto às demais, desde que cumpridos os requisitos necessários. Portanto, o instituto do sursis abrange diversos tipos penais, resultando em um modo de justiça negocial caracterizado pelo desenvolvido originário a partir da lei dos juizados especiais e que surte efeitos extensivos, além do rol do que deve dispor.

A suspensão pode ser requerida a qualquer momento no trâmite do processo, havendo ainda a possibilidade de proposição em conjunto com a denúncia, a qual, se aceita pelo juiz, possibilitará ao julgador a decisão acerca da suspensão do processo e início das investigações, através da produção de provas e estabelecimentos de condições ao réu.

Tais condições configuram o sursis, por meio do qual o Réu terá seu direito de liberdade levemente cerceado, comparado à restrição que poderia resultar de uma pena de reclusão em regime fechado. O efeito danoso causado em decorrência da conduta do réu deverá ser reparado por este, a menos que seja indisponível. O indivíduo ficará também impedido de se ausentar da Comarca sem autorização judicial que lhe permita, bem como não poderá frequentar certos locais e deverá apresentar mensalmente ao judiciário satisfação sobre seus atos.

Ante a hipótese de descumprimento destes requisitos e condições, o processo retornará à ativa, no ponto em que parou quando foi suspenso, e será analisado sem nova concessão do benefício. Ressalta-se que o juiz pode dispor sobre novas condições e requisitos necessários para a suspensão condicional, desde que justificadas pelas necessidades do caso, observado que o responsável pelo andamento das suspensões é o próprio magistrado.

Nas situações em que o acusado não aceitar as propostas de suspensão condicional, o processo tramitará normalmente, e, assim que se encerrar o prazo definido para o sursis será extinta a punibilidade em relação ao réu.

A lei 9.099/95 também apresentou em seu conteúdo o instituto da transação penal, a qual é aplicada em delitos de ação penal privada, por meio da qual é realizado um acordo entre o autor do delito e o Ministério Público, na tentativa de aplicar medidas alternativas à restrição de liberdade. Nos casos de ação penal pública incondicionada, o Ministério Público pode realizar a propositura do acordo diretamente.

Na transação penal o réu tem a seu dispor o direito subjetivo de atender aos requisitos necessários para a transação penal, sendo decidido pelo Ministério Público sobre de que forma será o exercício desse direito. No lugar de ocorrer o cerceamento direto da liberdade do indivíduo, surge a possibilidade de que este cumpra sua pena através da restrição de direitos ou aplicação de multas, sem a necessidade de ajuizamento de mais um processo para as filas do poder judiciário.

A Lei 9.099/95, em seu caput, dispõe que são passíveis de transação penal apenas as infrações de ação penal pública condicionada à representação e as incondicionadas. Não há, no entanto, menção às de ação penal privada, e há uma relativização quanto ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, visto que, apresentados os requisitos, o Ministério Público deve propor a transação. LOPES JR (2016), entende que a proposta do acordo para transação penal se difere da aplicação deste, pois há a necessidade do aceite do réu.

Os requisitos necessários à propositura da transação penal estão dispostos pelo artigo 76 da Lei 9.099/95. Portanto, vê-se que, àqueles já condenados em sentença transitada em julgado em pena privativa de liberdade, não será cabível a proposta de transação, como dispõe o inciso I do § 2º. Não há, portanto, causa que impeça a propositura a quem foi condenado em pena restritiva de direito ou multa. Do mesmo modo, no inciso II, expõe que, caso o indivíduo tenha se valido de transação penal nos últimos 5 anos, esta não pode ser proposta novamente até o encerramento deste lapso.

O inciso III apresenta que, verificados os antecedentes, conduta social e modo de agir do agente, além das razões pelas quais agiu, caso estes indiquem não ser suficiente medida restritiva de direitos ou multa imposta pela transação, esta não será aplicada.

Neste sentido, a transação penal será ofertada por escrito, ou ainda oralmente, consistindo na aplicação da pena imediatamente, a qual deverá ser especificada na proposta. Presentes o acusado e seu defensor, caberá a ambos a aceitação da medida, devendo ser formulada a proposta de forma clara e objetiva que não deixe dúvidas acerca de sua legitimidade, apresentando ainda todos os detalhes e informações sobre a transação e a pena a ser estipulada.

Observa-se que a transação penal não surte efeitos que configuram reincidência, não demonstra reconhecimento de culpa do autor do fato, e faz com que este, após infringir uma norma, cumpridos os requisitos necessários, possa cumprir pena sem a inclusão de seu nome no rol dos culpados. A transação, portanto, além de desabarrotar o poder judiciário, facilita a vida durante e posteriormente à condenação do réu.

A lei 9.099/95 demonstra ainda a possibilidade de composição dos danos civis causados pela conduta ilícita. A composição funcionará por meio de indenização à vítima pelo autor do delito em razão de sua conduta, em substituição às penas comuns, pois será feito acordo entre as partes e este funcionará como título executivo judicial de cobrança de direitos, como dispões os Arts. 74 e 75 da Lei 9.099/95.

Diante das inovações da Lei 9.099/95, apesar do apoio majoritário da doutrina e, principalmente, do poder judiciário, o dispositivo e seus institutos ainda lidam com críticas ao seu funcionamento e à suas novidades. Doutrinadores como Aury Lopes Junior (2016), criticam os juizados criminais no que diz respeito à ausência de controle jurisdicional sobre a pena estipulada, bem como a tomada de competência do Ministério Público, órgão o qual se configura como detentor do poder acusatório no processo penal. Além de diversas críticas que dizem respeito a uma ânsia do poder judiciário em se ver livre dos processos, de modo que passam, com o advento da justiça negocial, a priorizar a quantidade e não a qualidade de decisões.

Há críticas ainda que colocam a justiça negocial como um método que pressiona a vítima a aceitar os acordos propostos e, de certo modo, abrir mão do direito que foi prejudicado e deveria ser buscado pela justiça criminal. Em suma, a doutrina contrária à justiça negocial prega que na busca pela celeridade processual o ordenamento jurídico acaba por prejudicar a eficácia do modelo processual penal instituído no país, qual seja o do método acusatório, onde figuram o Ministério Público como acusador e buscador da penalização do indivíduo e o defensor deste como uma prevenção de excessos da justiça. Entretanto, apesar da parcela contrária da doutrina, a legislação penal apresenta projetos de mudança que pretendem democratizar ainda mais o acesso e a inserção do indivíduo no poder judiciário, dando prosseguimento ao trabalho iniciado pela Lei 9.099/95 e concedendo mais autonomia aos seus institutos, principalmente, aos juizados.


4. O PAPEL DA COLABORAÇÃO PREMIADA NA JUSTIÇA NEGOCIAL BRASILEIRA

Diante das inovações jurídicas acerca da negocialidade punitiva, surge a Colaboração Premiada, aplicável a crimes praticados por meio de concurso de agentes, conhecida também como “delação premiada”. Este método é mais uma das formas de justiça negocial no direito penal brasileiro, pela qual um dos agentes em concurso na prática do crime auxilia na investigação do delito e dos demais agentes partícipes, em troca de redução e alteração em sua pena.

A delação premiada é um instituto de natureza penal que surgiu frente a difícil solução dos crimes praticados em concurso de agentes (art. 159, §4°, do Código Penal). Sua função existe desde os primórdios dos agrupamentos humanos, como se via na Idade Média frente à Inquisição, contudo, veio a se destacar com o aprimoramento da criminalidade e consequentemente do Direito Penal.

Este instituto surge diante da ineficaz atividade do Estado no que diz respeito aos crimes realizados por entidades e organizações criminosas. Sem meios para proceder à investigação, o poder público opta por abrir mão de parte de seu dever punitivo em face da resolução do caso como um todo e penalização de todos os envolvidos.

O réu colaborador ganha a chance de receber uma recompensa, qual seja, a redução de sua pena ou até o perdão pelo crime cometido. Entretanto, deve delatar seus comparsas de crimes para ajudar na solução daquela. Dado o perdão judicial, fica extinta a punibilidade do réu.

Ressalta-se, entretanto, que somente a delação não basta para o benefício do réu, devendo esta surtir efeitos que realmente façam a diferença e auxiliem na investigação do delito em si e dos demais sujeitos envolvidos. Este método funciona como uma forma de incentivar a confissão espontânea, e, assim, o depoimento de um dos agentes criminosos poderá motivar os demais a proceder da mesma maneira, fazendo com que o delito seja resolvido de forma mais célere e facilitada do que por meio de uma investigação judicial completa.

A colaboração possui finalidade de prova testemunhal, e não confessional, observado que a atenuação dada em face de confissão espontânea atinge somente o indivíduo que confessou. Há pautadas divergências entre o instituto da confissão e o da colaboração premiada, visto que a primeira é uma circunstância atenuante, enquanto a segunda é uma causa de diminuição de pena.

O dispositivo da colaboração tem sua possibilidade de aplicação em diversas formas de crimes com concurso de agentes, como nos da Lei de Drogas, Crime organizado, lavagem de dinheiro, entre outros, onde a testemunha de alguém que participou ativamente do fato tem o poder de mudar o curso das investigações e evitar tanto a impunidade quanto a excessividade punitiva. Esse procedimento de justiça negocial abrange, inclusive, métodos de proteção à testemunha colaboradora, e necessita de determinados requisitos para que seja validada, ou seja, não basta apenas o simples depoimento.

Assim sendo, o legislador apontou parâmetros para que a delação possa ser considerada na diminuição ou extinção da pena. Primeiramente, um dos requisitos é a própria autoincriminação do delator, bem como, a identificação das demais pessoas envolvidas, sendo elas coautoras ou partícipes.

Outro ponto importante se faz na localização da vítima com vida. Isto deverá ser observado em crimes que envolvem pessoas e patrimônio, como é o caso da extorsão mediante sequestro (art. 159 CP) e, além disso, deverá se recuperar totalmente ou parcialmente o produto do crime.

O julgador deverá levar em consideração no momento da aplicação da pena, as atenuantes de um terço a dois terços concernentes à delação, o nível da colaboração emprestada e o quão ela foi eficiente para interromper a situação delitiva.

A colaboração premiada, até então pouco estudada, ganhou seu destaque no cenário atual da justiça brasileira, no qual o país enfrenta uma crise política e econômica, fomentada pelos inúmeros casos de corrupção descobertos através das operações especiais da polícia federal. Os casos de corrupção ativa e passiva que surgem a cada dia nos noticiários brasileiros possuem uma gama gigantesca de indivíduos políticos entranhados nas investigações.

Este método de justiça negocial foi o meio encontrado pela justiça para agilizar esses processos e dar mais efetividade a eles, por meio do qual os entes responsáveis pelos atos de corrupção delatam seus comparsas, muitas vezes pessoas de cargos importantes no cenário político nacional, bem como prestam informações relevantes acerca da realização das atividades ilícitas, em busca de atenuação da pena a lhes ser atribuída. Além dos requisitos que possibilitam a diminuição da pena do delator, outro ponto de essencial importância é o perdão judicial.

No entanto, em casos como o que o país vive, atualmente é que se pode verificar um dos defeitos desse instituto negocial, pois diante de condições atrativas para redução da pena, as delações que surgem nem sempre são confiáveis, ou ajudam na resolução do processo, podendo ainda prejudicar cada vez mais seu trâmite. Diante disso, é necessário que haja imparcialidade total do julgador acerca destas ações, e cautela para com as provas testemunhais produzidas pelas inúmeras colaborações apresentadas.


5. CONCLUSÃO

Este trabalho objetivou dispor acerca do instituto da justiça negocial e suas ramificações no ordenamento jurídico brasileiro, com ênfase na colaboração premiada e em sua importância no cenário sócio-político atual do país.

As diferentes formas de negociação do cumprimento da pena na justiça criminal são difundidas como solução ao abarrotamento do poder judiciário, na tentativa de dar cumprimento ao princípio da celeridade processual. Entretanto, o grande óbice desta tarefa é manter o respeito e a integridade adquiridos até hoje pelo poder judiciário, em respeito aos demais princípios, como do acesso à justiça e, principalmente, da dignidade da pessoa humana.

Parte da doutrina entende que, em uma incansável busca por modernização e celeridade, algumas das vezes a justiça acaba por deixar de lado direitos e garantias fundamentais, como do contraditório e da ampla defesa, o que não pode ocorrer para que o sistema negocial seja realmente efetivo, devendo ser encontrado um equilíbrio em sua aplicação.

O início da justiça negocial no Brasil se dá pela criação dos Juizados Especiais, possibilitando a transação das penas e uma forma de julgamento mais célere que seja benéfica à vítima e ao autor, na busca de sempre observar as disposições da Constituição Federal e das garantias fundamentais do indivíduo.

Observa-se, neste sentido, que os métodos de justiça negocial buscam espaço na aplicação do direito em todo o mundo, conquistando seu lugar na doutrina e legislação brasileira. Entretanto, é necessário o estudo de todas as formas de aplicação e seus possíveis impactos em relação a direitos os quais já se encontram resguardados ao povo. Portanto, a aplicação da negocialidade através dos juizados especiais barganha a transação penal e, principalmente, a colaboração premiada, devendo ser realizada gradativamente e em observância direta aos ditames constitucionais, evitando os excessos e a impunidade.

A colaboração premiada, por sua vez, é, atualmente, o método mais eivado de publicidade e atenção midiática, diante do cenário atual do país e, portanto, abre portas para um estudo maior acerca das suas disposições doutrinárias, jurisprudenciais e práticas. Afinal, é através deste ramo da justiça negocial criminal que pessoas consideradas inatingíveis juridicamente, passam a cumprir suas devidas penas de formas alternativas, bem como colaboram para a resolução dos crimes cometidos em qualquer esfera social ou política, sem distinção de classe, em uma forma de aplicação jurídica jamais vista no país, pautada no real respeito ao princípio da igualdade.


RERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Atena, 1959.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n° 9.099 de 1995. Institui a Lei dos Juizados Especiais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 02 mai. 2018.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto- Lei no 2.848, 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 02 mai. 2018.

GRINOVER, Ada Pelegrini. GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminaiscomentários à lei 9.099/95. 5. ed. São Paulo.: Revista dos Tribunais. 2005. 475 p.

LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 13. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016. 



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