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Ilegalidade e abuso de poder na investigação policial e administrativa, na denúncia e no ajuizamento de ação de improbidade administrativa.

Ausência de justa causa

Ilegalidade e abuso de poder na investigação policial e administrativa, na denúncia e no ajuizamento de ação de improbidade administrativa. Ausência de justa causa

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O trabalho discorre sobre alguns abusos de poder do Ministério Público quando instado a defender a sociedade, mesmo sem indícios de ilícitos, instaurando procedimentos penais e administrativos contra quem não deveria ser investigado.

I – INTRODUÇÃO

O Poder Público não é concebido para aniquilar o indivíduo. Pelo contrário, é justamente nele que toda sociedade deposita suas esperanças de ter uma vida mais digna e harmonizada, com a diminuição das desigualdade regionais e, finalmente, com a proteção do Estado.

Visando democratizar o Poder, o Preâmbulo da Carta Magna institui um: "...Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social..."

É justamente nesse dogma que as sociedades modernas se embasam para distribuir justiça e paz social para toda a comunidade.

Não foi em vão que Shakespeare afirmou que o mandato arbitrário, divorciado do Estado Democrático de Direito, nega a certeza e a segurança que guarnecem as normas jurídicas. Em sua comédia, "O Mercador de Veneza", Shakespeare, citado por Recasens Siches, [1] nos apresenta o seguinte assunto:

"Antonio, comerciante de Venecia, ha recibido en préstamo del usurero Shylock una suma de dinero que deberá devolver en determinado plazo. En este contrato se acordó como cláusula penal que, en caso de que Antonio, el deudor, incurriese en mora, su acreedor Shylock podría cortar del cuerpo de Antonio en la parte del pecho una libra de su carne. Antonio incurrió in mora, y Shylock reclamó ante el juez su derecho a cortar la libra de carne en el pecho de Antonio. Ante lo monstruoso del caso, Bassiano, que quiere salvar a Antonio, pide al juez que quebrante una vez el Derecho para que triunfe la justicia, y obligue al acreedor a aceptar una suma doble y a renunciar a su pretensión de cortar la libra de carne del cuerpo de su deudor. Mas Porcia responde: ‘No puede ser, no debe ser. No hay poder en Venecia que pueda quebrantar una norma jurídica establecida. Esto podría constituir un precedente y de ello seguirse funestos errores en la vida del Estado.’ Si se rompiese la ley y se dictase una disposición contraria a ella, los ciudadanos sentirían que habían perdido toda tranquilidad, pues estarían librados al antojo de las autoridades y no al Derecho establecido. A hora bien, para que el lector no puede con demasiado mal sabor de boca, y al propio tiempo como ejemplo de que la interpretación de la norma requiere operaciones de estimativa orientada hacia la justicia, recordaré la solución que halló el juez. Sentado el principio de la inviolabilidad del Derecho vigente, por razón de la certeza y seguridad, el juez halla, gracias a una discreta interpretación, medio de respetar ese carácter intangible de la norma y la vez que no resulte agraviada la exigencia de justicia; y, así, el fallo que pronuncia está de perfecto acuerdo con el Derecho establecido y al mismo tiempo con lo que la justicia requiere. Cúmplase el Derecho vigente, cúmplase la ley que admite como válida aquella cláusula penal monstruosa y lo determinado en ésta: Shylock tiene derecho a cortar una libra de carne del pecho de su deudor; pero bien entendido, una libra exactamente, nada más, nada menos, porque si incurriese en exceso o en defecto, ya no se cumpliría con los términos del contrato y sería reo de un delito de lesiones.

La diferencia entre la arbitrariedad y el Derecho consiste, en suma, en la diferencia entre dos tipos de mando esencialmente diversos: a) El mando que se funda exclusivamente en la voluntad del superior y concibe la relación entre éste y su súbito librada exclusivamente al antojo del primero, como basada tan sólo en la supremacía de un hombre sobre otro hombre; y b) El mando fundado sobre una norma y regulado impersonalmente por ésta, con validez objetiva.

En la historia de los regímenes estatales, el progreso se señala por una serie de procedimientos y de instituciones con las que se trata de evitar la arbitrariedad y de asegurar la legalidad de los mandatos de los titulares del poder público. Las declaraciones de derechos y las garantías constitucionales de éstos, la norma de que el gobierno es responsable de sus actos, la institución de un poder judicial independiente, las reglas de procedimientos (a que deben acomodar sus actuaciones los cuerpos legislativos, los funcionarios administrativos y los tribunales), constituyen medios ideados para extirpar la arbitrariedad en el Estado."

Esse exemplo trazido com muita lucidez pelo filósofo Recasens Siches, demonstra que, desde os tempos mais longínquos, o homem vem se atormentando com a força descomunal de quem ostenta o poder, e de outro lado a preocupação com o súdito, que só possui deveres, sendo que os seus direitos são exercidos quando o soberano permite.

Apesar da constante evolução tecnológica e social dos povos, quando o tema é direito público, as dores de um passado recente, responsáveis por chagas de injustiças, se inquietam na alma dos que sofreram este grave dissabor.

Portanto, nos preocupamos, no presente trabalho, em discorrer sobre alguns abusos de poder do Ministério Público quando instado a defender a sociedade, mesmo sem indícios de ilícitos, instaurando procedimentos penais e administrativos contra quem não deveria ser investigado. Para o homem de bem, a simples inclusão de seu nome em procedimentos investigatórios, sem um justo motivo, é suficiente para desestabilizar a vida da sua família e a sua própria, pois não existe vergonha maior para quem não cometeu um ato ilícito do que conviver com a dor de ser confundido com um infrator.

São freqüentes estes casos, pois em algumas situações, mesmo inexistindo ilícito penal ou administrativo, alguns Promotores entendem que estão obrigados a promover uma devassa na vida do cidadão, com inversão do princípio da presunção de inocência, para apurarem se há ou não ilícito contra o investigado. E, para piorar a situação, mesmo não existindo o menor traço de ilicitude ou de falta funcional do agente público, ele responde a natimortos procedimentos, com o custo grave da sua saúde física e mental, para no curso dos anos ser absolvido, exatamente por falta de prova ou pela negativa de autoria, dentre outros fundamentos.

Essa dor, causada pelo denuncismo ilegal e abusivo, vem se tornando freqüente em nosso meio jurídico, com a mutilação de várias pessoas, que não suportam a carga negativa dessa terrível injustiça e, a posteriori, mesmo sendo inocentadas, carregam seqüelas psicológicas por uma eternidade.

O escopo do processo penal, como deixou explicitado Manzini [2], é o de verificar o fundamento da pretensão punitiva e não o de torna-la realizável a todo custo. Nessa vertente, o magistral mestre italiano adverte que não existem normas que asseguram os meios de verificação da culpabilidade, outros dispõem de medidas tendentes a evitar ou abolir o erro e o abuso do direito de acusar. [3]

No campo disciplinar, os abusos de direito do Estado são ainda mais acentuados, eis que inúmeros processos são instaurados genericamente, para se verificar a posteriori se o servidor público indiciado é culpado ou não.

Manifestamos o nosso profundo inconformismo com tal fato em outra oportunidade, [4] deixando registrado:

"Sucede que a atuação conforme a lei e o direito, retira do Estado a ampla, geral e irrestrita discricionariedade, devendo a Administração Pública obedecer ao princípio da segurança jurídica, só instaurando o processo disciplinar quando estiver presente com toda certeza e materialidade, uma justa causa para sua instauração, sob pena de indevida invasão da privacidade do agente público."

A utilização irresponsável do processo administrativo disciplinar, tal qual no processo penal, traz a figura do abuso do direito de investigar, não mais tolerado em nosso ordenamento jurídico pátrio, que estabelece como invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, X, da CF).

Essa garantia constitucional de proteção à intimidade e à vida privada de todos impede intromissões ilícitas externas, do poder público, inclusive quanto ao bom nome do agente público em sua repartição, e no meio social que ele vive:

"... o conceito de intimidade relaciona-se as relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa humana, suas relações familiares e de amizade, enquanto o conceito de vida privada envolve todos os relacionamentos da pessoa, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc." [5]

Encontra-se em clara e ostensiva contradição com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), com o direito à honra, à intimidade e à vida privada (art. 5º, X, da CF), converter em instrumento de intromissão o direito de investigação ampla e genérica sem a existência de um fato concreto, desatrelado de um justo motivo ou de uma razão sólida.

Atento a estes valores fundamentais, Karl Larenz [6] expressa a necessidade de tutela eficaz, elevando os valores humanos em direito vigente com respaldo constitucional:

"Mas é verdade que se subejaz à Lei Fundamental o reconhecimento de determinados valores humanos gerais como, sobretudo, a dignidade humana e o valor da personalidade humana, e que para a tutela destes valores foram atribuídos ao indivíduo direitos fundamentais e princípios não estão uns a par dos outros, sem conexão, mas que se relacionam uns com os outros de acordo com o sentido e, por isso, podem tanto complementar-se como delimitar-se entre si (...) a lei geral que restringe o direito fundamental tem que ser, por seu lado, interpretada também à luz deste direito fundamental e do alto valor hierárquico que lhe cabe, de modo a que assim o direito fundamental continue a manter uma certa primazia."

Não foi em vão que Spinoza afirmou em seu Tratado Teológico-Político que a verdadeira aspiração do Estado não é outra senão propiciar a paz e a segurança da vida, com a instituição de leis justas e respeitadas por todos.

Sem segurança não há direito, que deve ser justo para servir a sociedade.

E Stammler [7] apelava para um "direito justo", compatível com o "ideal social", instituído para proporcionar a necessária segurança jurídica.

Sendo que o direito justo é instituído para proporcionar a manutenção [8] dos direitos fundamentais da sociedade, que "consiste em proteger em espaço de liberdade individual contra a ingerência do poder do Estado e contra a sua expansão totalitária." [9]

A Lei não tolera a arbitrariedade, como fundamento do poder estatal, tendo "as raízes da moderna concepção dos direitos de liberdade individuais dirigidos contra o Estado" e "residem em direitos individuais específicos face ao poder real." [10]

Vincula-se o direito, nessa vertente, à realidade.

Na atual fase do direito público, onde as constituições fixam limites e prerrogativas, não é mais lícito que o poder de investigar possa chegar a excessiva perseguição, na tentativa de punir por punir determinada pessoa, agente público ou autoridade.

Equilíbrio como idéia de direito deve ser perquirido em respeito às liberdades individuais tão fundamentais para a estabilização de uma sociedade livre e justa.

Mesmo ostentando a prerrogativa de investigar, o Ministério Público não possui um "cheque em branco", capaz de preenche-lo como bem lhe aprouver, escolhendo este ou aquele para ser fiscalizado.

O abuso de direito ofende ao próprio direito, sendo defeso ao Ministério Público uma atuação contrária à sua própria instituição que é a de fiscalizar a lei.

Kant já preconizava, em sua filosofia moral, que a restrição de uma liberdade somente era possível segundo uma lei universal, consoante informa Zippelius: [10]

"A exigência de a acção do Estado se realizar de acordo com leis universais, surge como um preceito da razão, da igualdade de tratamento, da democracia e da segurança jurídica: de acordo com a filosofia moral de Kant, a universalidade de uma norma de conduta era o critério da sua justiça. Também uma coexistência de liberdades individuais só seria racionalmente possível de acordo com leis universais."

Portanto, a instauração de procedimento penal ou administrativo sem que haja um mínimo de plausibilidade de sua existência, distorce o direito e ofende ao interesse público.

Estas razões iniciais justificam a preocupação de todos os operadores do direito, onde o "desvio de poder" ou desvio de finalidade, vicia o ato público, contaminando a sua raiz.

A doutrina contemporânea nacional não tem demonstrado muita atenção para o abuso de poder de denunciar na esfera administrativa, desenvolvendo-se seu foco para o aspecto do desdobramento penal. Entendemos que tanto no direito penal, como no direito administrativo, é dever da autoridade instauradora do procedimento um juízo preliminar, mesmo em sumaria cognito, onde fique caracterizado um justo motivo lastreado por indícios ou por uma fundamentação compatível com a imputação, sem que ela seja construída pela intelectualidade do subscritor da peça.

Por isso, que a denúncia ou a Portaria que instaura um processo administrativo disciplinar ou até mesmo a ação de improbidade administrativa, não podem trazer em seus fundamentos a incerteza, a obscuridade, e ser inconcluente quanto aos elementos causais, gerando acusações vagas e elásticas.


II – PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA INVERTE O ÔNUS DA PROVA – IMPOSSIBILIDDE DE PROCEDIMENTO GENÉRICO

O princípio da presunção de inocência foi um dos atributos construídos pela Revolução Francesa de 1789, [11] onde não se admitia mais que se presuma culpa ao acusado. Funciona esse salutar princípio como um limite a acusação penal ou administrativa, que deve ser provada através de elementos lícitos pelo órgão público, não competindo ao acusado demonstrar a sua inocência. Cabe ao MP comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do investigado, pois a suspeita não dá azo a inversão do ônus da prova.

O processo passou de inquisitivo para acusatório, elevando-se a presunção de inocência em princípio fundamental da ciência do direito, como pressuposto de todas as garantias dos procedimentos acusatórios, sendo proibida a condenação por meras suspeitas ou presunções.

Os princípios informadores da presunção de inocência também estavam presentes, há vários séculos, na Constituição não escrita dos britânicos, e se traduzia na condição de elevar a necessidade da certeza como condição para um veredicto condenatório: beyond any personable dout.

Na emenda V, da Constituição dos Estados Unidos da América, se reconhece o direito a todo cidadão ao due process of law que, segundo interpretação do Tribunal Supremo Constitucional daquele país, pressupõe a presunção de inocência.

Na verdade, a Revolução Francesa presenteou o mundo com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, incorporando as idéias dos pensadores (filósofos) da época e a ilustração, muito especial, do Marquês de Beccaria, que havia publicado em 1764 sua obra (Dei delitti e delle pene", que teve enorme repercussão em toda Europa, onde se criticava abertamente a falta de garantias do procedimento inquisitório, onde o acusado era tratado em um primeiro momento como culpado, de tal forma que para afastar esse dogma ele tinha que provar a sua inocência, tornando a apuração viciada e inconclusiva.

A solidificação desse salutar princípio se tornou uma realidade mundial, onde os povos sentiam-se obrigados a não mais condenar ninguém por mera presunção.

Nesse sentido, o artigo 11.1.da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, dispõe que: "toda persona acusada de un delito tiene derecho a que se presuma su inocencia mientras que no se pruebe su culpabilidad, conforme a la ley y em juicio púbico en el que se hayan asegurado todas las garantias necessarias para su defensa."

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, aprovado também pela ONU, em 16.12.66, estabeleceu em seu artigo 14.2, que: "toda persona acusada de un delito tiene derecho a que se presuma su inocencia mientras no se pruebe su culpabilidad conforme a la ley."

No mesmo sentido, a Convenção Européia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4.11.1950, dispõe em seu artigo 6.2, que "qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada."

Comentando a citada Convenção, Ireneu Cabral Barreto, [12] define a presunção de inocência como:

"A presunção de inocência é um dos elementos do processo equitativo, que abarca o conjunto do processo independentemente do seu destino e que se dirige antes de tudo aos juízes, ao seu estado de espírito e a sua atitude mental. No momento da decisão, o juiz sem parti pris ou prejuízo, deve basear-se apenas em provas diretas ou indiretas, mas suficientemente fortes aos olhos da lei para estabelecer a culpabilibilidade, ele não deve partir da convicção ou da suposição de que o acusado é culpado."

O princípio da presunção de inocência em nosso direito positivo vem contido no art. 5º, LVII, da CF. Funciona esse princípio como uma garantia que ninguém será considerado culpado, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

No processo administrativo disciplinar incide o mesmo princípio, [13] que possui uma presunção juris tantum, podendo ser elidida ou afastada mediante "a existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal e com a garantia da ampla defesa." [14]

Em boa hora a era da verdade sabida foi descartada do cenário do processo administrativo, para dar lugar a verdade real, onde os fatos e as provas devem desconstituir a presunção de inocência do servidor público.

Não se julga mais administrativamente pelo fator político, onde a vontade da Administração Pública era a prevalente, independentemente da materialidade ou das provas do procedimento serem contrárias ao entendimento do poder público.

Isto porque, a "presunção de inocência condiciona toda condenação a uma atividade probatória produzida pela acusação e veda taxativamente a condenação, inexistindo as necessárias provas." [15]

Por esse princípio, necessariamente, deverá o acusador provar que o servidor praticou um ato delituoso, pois é vedada a condenação se inexiste as necessárias provas que justifiquem o apenamento.

O Estado Democrático de Direito, do qual o Brasil é signatário, tem na presunção de inocência um de seus princípios, onde qualquer cidadão, inclusive o agente público, não poderá entrar no rol dos culpados pelo cometimento de ato ilícito se não for provado, pelo órgão ou ente apurante, que ele cometeu qualquer ilícito ou falta disciplinar. As chamadas provas diabólicas, que são plantadas de maneira irregular, obtidas por meios ilícitos ou não, não são admitidas, pois o acusado no processo disciplinar não tem que provar que é inocente de qualquer acusação a ele imputada. Quem tem o dever e a obrigação de provar a culpa disciplinar do agente público é a Administração Pública. Exemplo: no caso de haver uma acusação de estelionato, onde é dirigido ao agente público a acusação contida no art. 171, do Código Penal, quem deverá provar que houve ou não o crime?

Ora, a resposta é bem clara, tendo em vista que o agente público, por militar em seu favor a presunção de inocência, não terá que provar nada, se a Comissão Disciplinar não obtiver provas contundentes que houve ou não um lesado e que foi na condição de servidor público que foi cometido o ato ilícito.

O princípio da prova é inverso, tendo em vista que compete à acusação provar que o servidor público é culpado, militando em favor do acusado o princípio da presunção de inocência.

Essa presunção de inocência só poderá ser elidida com a devida prova (constatação) de que houve falta disciplinar, pois in dubio pro reo.

Aliás, sobre a presunção de inocência e o princípio do in dubio pro reo, o STF [16] assim sentenciou:

"Nenhuma acusação pessoal presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao MP comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico, do processo político brasileiro (Estado Novo), criou para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência. (Decreto-Lei nº. 88, de 20/12/37, art. 20, nº. 5)"

Assim, deverá a Administração Pública, irrecusavelmente, verificar a ocorrência dos seguintes elementos de prova a ser produzida contra o acusado:

- que ela seja licitamente obtida;

- que se pratique e desenvolva com observância do devido processo legal;

- e que ela seja suficiente para elucidar os fatos apurados.

A suficiência da prova é a questão mais intrigante na apuração disciplinar, porque mesmo ela sendo analisada em caráter subjetivo pela Comissão Disciplinar, ela deverá ser robusta, sob pena de se invalidar apenamentos construídos sobre seu manto. Tendo em vista que "a previsão do in dubio pro reo é um dos instrumentos processuais previstos para garantia de um princípio maior, que é o princípio da inocência" [17], que só poderá ser elidido com robusta e suficiente prova em contrário.

Sendo certo que a prova é a soma de evidência que conduzem à certeza.

A jurisprudência da Corte Constitucional da Espanha, [18] sobre a presunção de inocência, se encaixa perfeitamente nos princípios declinados, pois também se coaduna com os elementos embasadores do Estado Democrático de Direito:

"La presución de inocencia rige sin excepciones en el ordenamiento administrativo sancionador garantizado el derecho a no sufrir sanción que no tenga fundamento en una previa actividad probatoria sobre la cual órgano competente pueda fundamentar un juicio razonable de culpabilidad. La apreciación que el órgano administrativo realice solo es suscetibile de revisão ante la jurisdicción ordinaria, sin que la valoración que ésta haga de la prueba pueda ser sustituida por la que mantenga la parte que discrepe de ella, no por la de este tribunal cuya función de defensa de la presunción de inocencia en la via de amparo se limita a comprobar si esta prueba existe, debiendo en tal caso considerar satisfechas las exigencias de la presunción, la cual sólo se vulnera no ha habido prueba o cuando la apreciación judicial de la misma es arbitraria o carente de conexión lógica con el contendio de las pruebas sobre las que se realza."

Pois bem, deixando de lado os princípios citados, deverá a Administração provar que os acusados cometeram as transgressões que a eles são imputadas.

Essa prova terá que ser inequívoca, suficiente para o apenamento proposto. Não basta a Comissão Processante refutar as alegações do servidor, com a inversão de posições, tendo em vista que compete ao poder público provar a ocorrência de fatos que desencadeiam em inobservância das normas disciplinares.

O ônus da prova, como dito alhures, é da Administração, por intermédio da Comissão Processante, como se extrai também das sempre lúcidas lições do mestre Rigolin: [19]

"No processo administrativo disciplinar originário, o ônus de provar que o indiciado é culpado de alguma irregularidade que a Administração lhe imputa pertence evidentemente a esta. Sendo a Administração a autora do processo a ela cabe o ônus da prova, na medida em que ao autor de qualquer ação ou procedimento punitivo sempre cabe provar o alegado."

Da mesma forma, Hely Lopes Meirelles, [20] ao pronunciar-se sobre a instrução, concluiu que nos "processos punitivos as providências instrutórias competem à autoridade ou comissão processante e nos demais cabem aos próprios interessados na decisão de seu objeto, mediante apresentação direta das provas ou solicitação de sua produção na forma regulamentar."

Portanto, não basta a Comissão Processante presumir a culpabilidade do servidor, deixando a ele a tarefa de provar sua inocência. No processo administrativo disciplinar, o ônus da prova incumbe à Administração, autora do procedimento. Inverter-se essa posição se afigura como ilegal e inadmissível em um Estado de Direito como o nosso, onde o acusado não precisa demonstrar sua inocência, pois compete ao acusador demonstrar, cabalmente, a culpa do servidor.

Essa é a jurisprudência administrativa, inclusive:

"(...) II – No Processo Administrativo Disciplinar o ônus da prova incumbe à Administração.

III – Para a configuração da inassiduidade habitual imputada ao servidor era imprescindível a prova da ausência de justa causa para as faltas ao serviço. A Comissão Processante não produziu a prova, limitando-se a refutar as alegações do servidor. Inverteram-se as posições, tendo a Comissão presumido a ausência de justa causa, deixando ao servidor a incumbência de provar sua ocorrência.

IV – Não provada a ausência de justa causa, não seria de aplicar-se a penalidade extrema ao servidor.

V – O pedido de revisão deve ser provido para invalidar a demissão do servidor, com a sua conseqüente reiteração, na forma do art. 28, da Lei nº. 8.112, de 1990." [21]

"A penalidade do servidor deve adstringir-se às faltas sobre as quais existam, nos autos, elementos de convicção capazes de imprimir a certeza quanto à materialidade da infração. No processo disciplinar, o ônus da prova incumbe à Administração." [22]

A inexistência de provas, retira a possibilidade de qualquer punição ao servidor público, visto ser necessário, para a apenação, a liquidez e certeza. Não se admite a condenação ou a imposição de penalidades no caso de se "ouvir dizer" que determinado servidor público transgrediu as normas disciplinares. Sem prova concreta e robusta, que não dê margem de dúvidas, não há como se punir o acusado em processo disciplinar.

Essa é a conclusão do Parecer CJ nº. 1/98 da AGU:

"(...) Inexistência de provas concretas, precisas e definidas, comprovando irregularidades atribuídas aos indiciados. Ausente a materialidade do fato. Meros indícios sobrestecidos pela conduta tendenciosa da Comissão Processante não servem para qualificá-los de veementes. Inexistência de vícios processuais que maculem o apuratório. Absolvição de todos os servidores é a medida mais adequada, consubstanciada na máxima in dubio pro reo."

Sem materialidade [23] e autoria, devidamente comprovada, [24] através de robustas provas, fica comprometida qualquer apenação ao servidor público, que tem em seu favor, a presunção de inocência.

Portanto, sem que sejam demonstradas, a materialidade e autoria do acusado, a Comissão Processante fica desautorizada a imputar fatos delituosos ao servidor público.

No direito disciplinar, só a certeza possui o condão de levar o servidor público a condenação. Sem esse requisito, in dubio pro reo.

Por essa razão é que o art. 168, da Lei nº. 8.112/90, condiciona o julgamento às provas dos autos:

"Art. 168 – O julgamento acatará o relatório da Comissão, salvo quando contrário às provas dos autos."

Dessa forma, a Comissão Processante não poderá ser julgador autoritário, "espécie de dono do processo" ou da "verdade", pois ela deverá ser fiel a materialidade e autoria, presentes nas provas do autor.

Em outra situação jurídica, o ato administrativo discricionário, com motivação subjetiva, não possui a força de afastar a presunção de inocência de candidato a admissão em concurso público, quando investiga socialmente a vida pregressa de futuro Juiz de Direito: [25]

Constitucional - Administrativo - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança - Concurso Público - Magistratura Estadual - Entrevista - Investigação social e da vida pregressa - Ato Administrativo Discricionário - Motivação - Caráter Subjetivo - Impossibilidade - Presunção de Inocência (Art. 5º, Inciso LVII, CF) - Inexistência de punição referente a Processo Disciplinar, por retenção de autos, junto a OAB-BA - Candidato Aprovado - Situação Fática Consolidada - Nomeação. 1 - O ato administrativo, para que seja válido, deve observar, entre outros, o princípio da impessoalidade, licitude e publicidade. Estes três pilares do Direito Administrativo fundem-se na chamada motivação dos atos administrativos, que é o conjunto das razões fáticas ou jurídicas determinantes da expedição do ato. Tratando-se, na espécie, de ato do tipo discricionário e não vinculado – posto que visa a examinar a vida pregressa e investigar socialmente o candidato à admissão em concurso público -, uma vez delimitada a existência e feita a valoração, não há como o administrador furtar-se a tais fatos. Não se discute, no caso sub judice, se o ato que prevê a análise da conduta pessoal e social do indivíduo, através da apuração de toda sua vida anterior, é legal ou não, porquanto, notoriamente sabemos que o é. Há previsão tanto na lei (LOMAN, art. 78, parág. 2º), como nas normas editalícias (item 3.4.1). Entretanto, o que não se pode aceitar é que este ato, após delimitado e motivado, revista-se do caráter da subjetividade, gerando uma verdadeira arbitrariedade. 2 - Tendo o Tribunal a quo embasado a motivação do ato, real e exclusivamente, na existência de procedimento disciplinar contra o candidato, por retenção de autos, junto a OAB-Bahia, e sendo juntado a este writ certidão do referido Órgão de Classe (fls. 31) asseverando, textualmente, que "o requerente não sofreu, por parte deste Conselho, até a presente data, qualquer penalidade disciplinar relacionada com o exercício da advocacia", inexiste fato concreto que obste seu ingresso na carreira pretendida, sendo nulo o ato impugnado, por falta de motivação. Presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Magna Carta) violada. 3 - Consolidada a situação fática por força de liminar, anteriormente, deferida, resultando na aprovação final do impetrante em 40º lugar, conforme Edital nº 10/97 (fls. 105/109), configurado está o direito líquido e certo a ser agasalhado por esta via mandamental. 4 - Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão recorrido, conceder a ordem, assegurando ao impetrante-recorrente, em virtude de sua aprovação no Concurso para o Cargo de Juiz Substituto do Estado de Pernambuco, sua nomeação neste, obedecida sua classificação no certame. 5 - Custas ex leges. Honorários advocatícios indevidos a teor das Súmulas 105/STJ e 512/STF."

Têm-se, que a presunção de inocência afasta a arbitrariedade do poder, por falta de pertinência, devendo o ato discricionário da Administração Pública evitar os excessos e o abuso, como dito por Karl Engish: [26]

"Finalmente, também a proibição da ‘arbitrariedade’ e da ‘falta de pertinência’ (Unsachlichkeit) (...) No seguimento destas normas consideradas havemos de pressupor que, na utilização do poder discricionário são evitados excessos e os abusos desse poder. Neste momento estamos a supor que a decisão ‘pessoal’ é uma decisão ajustada (sachgerech), proferida com base numa convicção íntima e sincera."

Somente a certeza é que tem o poder de afastar a presunção do in dubio pro reo, ainda mais quando se correlaciona ao direito sancionatório.

E para o atingimento desse estado de espírito (certeza), deverão estar presentes os seguintes elementos básicos na formação do convencimento, segundo as autorizadas palavras de Moacyr Amaral Santos: [27]

"1) A certeza é uma e não pode deixar de ser uma só. Em matéria de certeza, não existe meio-termo; tem-se a certeza ou não se tem. Por isso mesmo a convicção não tem graduações. Não é lícito ao Juiz dizer que está mais convicto a acreditar do que não.

2) A convicção deve resultar de provas para os quais haja limitação preestabelecida de valor quanto ao objeto provado. É o princípio da liberdade objetiva das provas, que admite exceções para os atos que desempenham de forma especial."

Para ser válido o ato jurídico, mesmo aquele que determina a mera investigação penal ou administrativa contra o investigado, é necessário um mínimo de plausibilidade jurídica, respaldada por indícios ou provas, pois a individualidade e a vida privada do servidor público não podem ser violadas sem um justo motivo.

Assim, as irregularidades funcionais não podem ser fabricadas ou presumidas, elas devem ser alcançadas, mesmo que acanhadamente, no ato da instauração do procedimento, pois a presunção de inocência é uma verdade inteira, desvendada ou alterada através de provas em contrário. [28]

Dessa forma, o acusador é que possui o interesse de estabelecer um fato, que deve ser certo e determinado, com fundamento lógico e pressuposto jurídico existente, demonstrado através do fumus boni iuris, tendo em vista que a presunção de inocência só será refutada pelas provas.

Somente a demonstração de um fato concreto, mesmo que em tese, respaldados por elementos confiáveis, é que dão azo a invasão da privacidade alheia, incluindo-se nesse contexto matérias inerentes ao vínculo público e ao bom nome que o agente público possui em seu meio.


III – NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA PARA INVESTIGAÇÕES PENAIS, DISCIPLINARES, BEM COMO PARA A AVERIGUAÇÃO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

Após a verificação do item anterior se constata que, para romper o princípio da inocência, sem que haja violações a direitos (intimidade, honra, segurança jurídica e dignidade) de quem é investigado, é necessário uma "justa causa".

Este justo motivo é necessário para possibilitar o equilíbrio entre o dever de punir do Estado e a preservação do direito de intimidade e de liberdade do suposto infrator da norma positiva penal ou administrativa.

Justamente para manter esse equilíbrio, tanto o processo penal como o processo administrativo disciplinar devem buscar sempre o justo, que deriva do latim justus, e representa a justiça e o direito.

Pelo direito justo retira-se o abuso de poder do Estado, visto que a dignidade da pessoa é preservada pela norma jurídica. [29]

Nesse contexto, o justo deve identificar-se com o direito, visto que ele está unido ao honesto (correto).

Direito justo, para Karl Larenz, "es um peculiar modo de ser del Derecho positivo." [30]

Assim, para evitar a temeridade do poder, o direito elegeu uma justa causa para contrapor a causa genérica ou inconsistente, como elemento essencial da instauração de procedimentos penais ou administrativos.

Essa é a medida básica de segurança jurídica, para que não haja um retrocesso do Poder Público com denuncismos irresponsáveis, lembrando-se a época da ditadura militar, onde a existência de um fato punível era o mero juízo de valor negativo, desatrelado de prova ou de evidências. Bastava haver uma delatação, pouco importando a sua consistência, que da noite para o dia o cidadão cumpridor do seu dever jurídico passaria a ser um subversivo.

Estes tempos de ditadura contrária ao direito estão enterrados em nossa memória para não serem jamais revividos no cotidiano.

Dessa forma, como medida de segurança, para que alguém possa ser submetido a julgamento, deve existir a justa causa para a acusação, como dito por Maria Thereza Rocha de Assis Moura: [31]

"Tomando-o como sustentáculo, segue-se que, para que alguém possa ser submetido a julgamento, deve existir justa causa para a acusação, sob pena de esta se transformar em instrumento de coação ilegal, contra a liberdade jurídica do acusado, passível de ser mediada por meio de habeas corpus."

Nesse diapasão, justa causa é aquela "que é conforme o direito, (...) se o juiz recebe uma denúncia por fato atípico, cabível o remédio heróico, por falta de justa causa; se recebe uma denúncia sem lastro probatório, falta o interesse processual e, de conseguinte, justa causa. Aliás, a expressão ‘falta de justa causa’ é tão ampla que chega a abranger todas as outras hipóteses elencadas nos demais incisos do art. 648." [32]

Ensina Mirabete [33] que: "somente se justifica a concessão de habeas corpus por falta de justa causa para a ação penal quando é ela evidente, ou seja, quando a ilegalidade é evidenciada pela simples exposição dos fatos com o reconhecimento de que há imputação de fato atípico ou da ausência de qualquer elemento indiciário que fundamente a acusação. É possível, entretanto, verificar perfunctoriamente os elementos em que se sustenta a denúncia ou a queixa, para reconhecimento da ‘fumaça do bom direito’, mínimo demonstrador da existência do crime e da autoria, sem o qual há falta de justa causa para a ação penal. Há constrangimento ilegal quando o fato imputado não constitui, em tese, ilícito penal, ou quando há elementos inequívocos, sem discrepâncias, de que o agente atuou sob uma causa excludente de ilicitude. Não se pode, todavia, pela via estreita do mandamus, trancar ação penal quando seu reconhecimento exigir um exame aprofundado e valorativa de prova dos autos."

Mais uma vez, registramos o elucidativo posicionamento de Maria Thereza Rocha de Assis Moura: [34]

"A justa causa para a ação penal de natureza condenatória, no direito penal brasileiro, não sobressai apenas dos elementos formais da acusação, mas, também e de modo principal, de sua fidelidade para com a prova que demonstre a legitimidade da acusação. 4.1. Desta conclusão emana que não basta que a peça acusatória impute ao acusado conduta típica, ilícita e culpável. A denúncia ou queixa deve guardar ressonância e estrita fidelidade aos elementos que lhe dão arrimo, sem o que não passará de ato arbitrário, autoritário, que a ordem jurídica não pode tolerar. 4.2. Segue, ainda, que a necessidade da existência de justa causa para a acusação serve como mecanismo para impedir, em hipótese, a ocorrência de imputação formal infundada, temerária, caluniosa e profundamente imoral."

Pois bem, a justa causa é a condição mínima erigida pela norma legal, pela jurisprudência e pela doutrina para que não ocorra uma acusação leviana e temerária, movida por interesses que não são jurídicos, totalmente desatrelado de provas e de fundamentos sérios.

Funciona a justa causa como condição da instauração de processo penal, processo administrativo disciplinar e, por fim, para a ação de improbidade administrativa, pois em todas estas situações jurídicas é atingido o status dignitatis do investigado.

Por esta razão, é necessário, pelo menos, um indício como condição da instauração desses procedimentos, para que eles correspondam a legalidade da acusação ou da própria investigação.

Indício, segundo o art. 239, do CPP, é considerado "a circunstância conhecida e provada, que tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou de outras circunstâncias."

Só existe a obrigatoriedade da instauração de um dos procedimentos legais já declinados quando presente a justa causa, resultante do fundamento da acusação, com a plena descrição dos fatos, acompanhados das provas, que mesmo superficiais, reforça a tese de que houve uma infração. A "probable cause" liga-se à existência de um juízo de probabilidade de condenação para justificar o nascimento do processo ou da investigação. Sendo que esse juízo inicial de probabilidade indica, mesmo que superficialmente, que houve um ato ilícito ou ilegal cometido pelo imputado, merecedor de uma persecução investigatória, para se buscar a verdade real dos fatos.

Sem esta base de sustentação, a acusação é insustentável, pois a subjetividade da opinio delicti não é um "cheque em branco", ela deve ser justa e equilibrada.

Não se pode violar o direito de qualquer pessoa por uma simples suspeita, sob pena de um constrangimento ilegal e distanciado do direito. Por isso é que a justa causa se pretende na qualidade da acusação, cotejada aos seus elementos de base de sustentação, devendo o acusador ter conduta ética, tendo em vista que a denúncia ou a acusação não podem servir como uma espécie de tortura para quem ostenta a condição de acusado.

O fundamento da acusação é um mínimo de plausibilidade, com uma increpação em termos de justa causa.

A ausência de justa causa impede a válida e legítima instauração de procedimentos penais [35] e administrativos, pois nada pode embasar o abuso de poder, decorrente de uma acusação arbitrária ou injusta, capaz de trazer dor para quem é injustamente colocado na condição de acusado.

Na atual fase do direito público não se admite mais atos desatrelados da legalidade, pois o poder deve ser exercido de forma equilibrada, trazendo a toda sociedade a devida paz e segurança jurídica, não sendo, via de conseqüência, um instrumento da opressão.

Ou, como diz o jus-filósofo da era moderna Alf Ross: [36] "O poder não é conferido às autoridades públicas para ser exercido como elas queiram, mas para ser exercido de acordo com as regras estabelecidas ou princípios gerais pressupostos."

Portanto: "A denúncia deve estar justificada nos elementos disponíveis existentes nas peças informativas que a acompanham. Se essas peças - inquérito policial e auditoria do Ministério do Trabalho – concluem induvidosamente pela inexistência de crime (peculato, no caso), não é dado à peça exordial, sem valer-se de elementos informativos adicionais, ou de uma interpretação jurídica válida do material recebido, optar pela propositura da ação penal. Constitui o habeas corpus via processual idônea para obter o trancamento de ação penal, quando a falta de justa causa - "conjunto de elementos probatórios razoáveis sobre a existência do crime e da autoria"(Vicente Greco Filho) - se mostra visível, independentemente do exame aprofundado e valorativo da prova. 3. Ordem de habeas corpus que se concede, para trancamento da ação penal, com extensão a co-acusado." [37]

Ou, "se a denúncia se acha desprovida de qualquer base probatória, não se justifica, objetiva e concretamente, uma acusação séria. É muito pouco para submeter alguém às agruras de um processo penal a simples presunção da existência de um laudo técnico meramente referido em relatório de Comissão de Sindicância Administrativa, que seria comprobatório de fraude na obtenção de financiamento imobiliário, mediante avaliação superestimada do próprio agente financeiro, ainda mais quando não se sabe se, de fato, o documento existe." [38]

Deve, portanto, nesses casos, a denúncia ser trancada por falta de justa causa como bem disse o Min. Sepúlveda Pertence no HC nº 80.161-7: [39]

"Habeas-corpus: falta de justa causa para a ação penal: hipótese que, por imperativo da Constituição, há de abranger tanto a ilegalidade stricto sensu, quanto o abuso de poder, a fim de remediar a indevida instauração de processos penais não apenas por força de denúncias formalmente ineptas, mas também de denúncias arbitrárias e abusivas, porque manifestamente despidas do mínimo necessário de suporte informativo, ou, como sucede no caso, confessadamente baseadas em mera suposição do Ministério Público: denúncia que - a partir da suspeita de ter sido determinado imóvel de entidade estatal alienado por preço inferior ao seu valor real - afirma apoditicamente, sem sequer invocar qualquer base concreta, que "em casos como tais é certo o pagamento de propinas" e, sem mais, imputa aos acusados a prática de corrupção ativa e corrupção passiva."

Não apoiada em elementos que evidenciem a viabilidade da acusação, deve a denúncia ser rejeitada, [40] em homenagem ao respeito à dignidade humana e a intimidade, elementos indissolúveis dos direitos fundamentais do homem.

Na prática, existe uma preocupação de, na dúvida, promover ampla investigação, mesmo que desatrelada da plausibilidade jurídica.

Por isso, nos preocupamos em deixar expresso que suspeitas ou desconfianças, desatreladas de elementos de convicção, mesmo que superficiais, não podem e não devem prosperar em nosso sistema jurídico.

A ordem moral proíbe a acusação irresponsável, motivada por sentimentos impuros ou pessoais, cabendo lembrar a passagem do Sermão da Montanha de Jesus, invocado por Hans Kelsen: [41]

"Como exemplo de um tal ordenamento social refere-se geralmente a Moral, que precisamente por isso, se costuma distinguir do Direito, como ordem estatuidora de sanções. É uma ordem moral desprovida de sanções aquela que visa Jesus no Sermão da Montanha; em que rejeita decididamente o princípio de talião do Velho Testamento – responder ao bem com o bem e ao mal com o mal. ‘Vós tendes ouvido dizer olho por olho e dente por dente. Eu, porém, digo-vos que não deveis resistir ao mal’ (isto é, que o mal não deve ser retribuído com o mal). ‘Vós tendes ouvido dizer que devemos amar o nosso próximo (isto é, aquele que nos quer bem) e odiar o nosso inimigo (isto é, aquele que nos odeia). Eu, porém, digo-vos: amai os vossos inimigos...’ (isto é, não retribuais o mal com mal, fazer bem àqueles que vos fazem mal). ‘Pois se amais aqueles que vos amam (isto é, se apenas ao bem respondeis com bem), que recompensa tereis? Não faz também o mesmo o publicano?’ É evidente a recompensa celeste que Jesus se refere aqui. Também neste sistema moral do mais alto idealismo não está totalmente excluído portanto, o princípio da retribuição. Não é, na verdade, uma recompensa terrestre mas uma recompensa celestial que é prometida àquele que renuncia à sua aplicação no aquém, àquele que não retribui o mal com o mal nem faz apenas a quem lhe faz bem. E também a pena no além faz parte deste sistema, que rejeita a pena do aquém."

Há, por via de conseqüência, que se ter em mente as expressivas palavras do Min. Victor Nunes Leal quando do HC nº 42.697/STF, onde defendeu que a falta de justa causa gera abuso de poder do membro do parquet: "Tanto o substantivo abuso como o adjetivo justo são noções que não têm delimitação precisa, exata, milimétrica, incumbindo à jurisprudência, no exame de cada caso, verificar se ocorre o pressuposto da causa justa para fundamentar a restrição imposta ao paciente, ou se, ao contrário, está configurado o abuso de poder, que a qualifica como coação ilegal." [42]

A jurisdição deve ser responsável, sendo certo, que a regra da justa causa deve ser aplicada em todas as hipóteses legais que traga ao suposto infrator reflexos de ordem moral e social.

O inquérito policial ou a ação penal também figuram no contexto geral, onde a ausência de justa causa poderá vir caracterizada pelo divórcio entre a imputação dos fatos contidos na investigação e os elementos de convicção em que as autoridades competentes se apóiam.

A acusação resultante de imaginosa criação dos seus subscritores afasta a justa causa para persecução penal por falta de tipicidade.

Esta violência, mesmo perpetrada em sede de inquérito policial causa constrangimento ilegal de investigado, sendo lícita a impetração de habeas corpus para que seja trancada a ilegítima investigação: [43]

"(...) – o poder do MP para requisitar abertura de Inquérito Policial não é absoluto, exigindo um mínimo de provas e fundamentação jurídica." [44]

Inexistindo elementos mínimos para apuração de um ato ilícito, tanto faz ser no inquérito policial como na ação penal, pois a falta de justa causa acarreta o arquivamento de qualquer um dos tipos de investigação declinado.

Não entendemos como possa prosperar a instauração da ação penal sem um mínimo de elemento probatório acerca da autoria, bem como a respeito da materialidade do crime em tese a ser apurável.

Por igual, o inquérito policial também deverá vir precedido de um justo motivo para a instauração e o desenvolvimento da investigação:

"Ora, formular uma acusação, de que resulte um processo penal, sem que haja os pressupostos de direitos, como também os pressupostos de fato, para a ação penal, é caso, sem dúvida, de uso irregular do poder de denúncia, embora nem sempre fácil de demonstrar, porque o poder de denúncia não existe para atormentar os passos, para criar dificuldade aos seus negócios, para cercear sua liberdade de locomoção; a denúncia é um instrumento confiado ao Ministério Público para fazer atuar a lei penal, para defender a sociedade contra os criminosos, para reprimir os crimes que tenham sido cometidos. Se o resultado da denúncia é a sujeição de pessoa inocente à ação penal, em princípio, está caracterizado o abuso. Toda a dificuldade do problema consiste, para fins práticos, em verificar até que ponto pode ir o Poder Judiciário, na verificação das provas, para discernir se o Ministério Público agiu no uso regular ou irregular seu poder de denunciar." [45]

O processo penal afeta a dignitatis do cidadão, não podendo "o MP inventar que alguém praticou um crime e iniciar ação penal, ainda que a denúncia esteja revestida de todas as formalidades a que alude o art. 41, do Código de Processo Penal. O MP é, às vezes, fiel servidor dos interesses do Poder Executivo, e o governo estaria armado de um poder tirânico e intolerável se o MP pudesse, principalmente em processos políticos, iniciar ação penal com um ato de puro arbítrio e opressão. O MP não é uma espécie de inquisitor-mor que possa, a seu bel-prazer, denunciar quem bem entenda ou quem apraz ao Executivo (em cujo nome atua) perseguir." [46]

No processo administrativo disciplinar, a situação jurídica é a mesma, tendo em vista que a justa causa deverá estar presente também para a instauração de PAD contra o servidor acusado, sob pena de abuso de poder de investigar da Administração Pública.

O processo administrativo disciplinar deverá ser instaurado sempre que a autoridade pública tiver ciência de qualquer irregularidade funcional perpetrada por agente público. Mas essa ciência deverá vir composta por elementos que comprovam falta aos deveres da função, e não uma acusação genérica. [47]

Nessas condições, somente o exercício irregular das atividades funcionais do servidor público, que desencadeie em descumprimento a deveres ou inobservância a proibições, devidamente comprovados ou que existam forte indícios dessas infrações, é que deverão ser apurados: "O uso do poder disciplinar não é arbitrário: não o faz a autoridade quando lhe aprouver, nem como preferir." [48]

Ou, como averba José Armando da Costa, [49] sem o fumus boni iuris não há como se instaurar procedimentos disciplinares:

"A garantia do devido processo legal não só assegura ao funcionário a feitura do procedimento disciplinar previsto na lei (sindicância e processo ordinário sumário), como exige, por via de conseqüência, a existência de elementos prévios que legitimem tal iniciativa.

Não fosse a exigência desse pré-requisito, os procedimentos disciplinares - estribando-se em meros caprichos do administrador e podendo ser instaurados sem mais nem menos, isto é, sem a existência de indícios ou outros adminículos legais idôneos – a vida funcional do servidor público seria um constante transtorno recheado por uma insegurança jurídica. Daí porque o aspecto mais democrático e importante do devido processo legal é a exigência desse imprescindível requisito de iniciação processual (fumus boni iuris), sem o qual ficaria o servidor público à mercê das trepidações emocionais dos seus superiores hierárquicos, os quais poderiam, assim, infelicitar, importunar e desassossegar os seus subalternos como bem lhe aprouvesse, já que não estariam vinculados a esse pressuposto legal."

No curso dos anos tivemos ciência de alguns inquéritos administrativos genéricos, instaurados sem elementos de apoio, para, a posteriori, ser feita uma devassa na vida do servidor público, com o objetivo de apená-lo, mesmo que inexistentes indícios de irregularidades.

Além de discriminatório, esse tipo de conduta merece o devido repúdio por parte do direito administrativo, que não admite desvios ou excesso de poder por parte da Administração Pública.

Com veemência, Adilson Abreu Dallari, [50] indignado, faz forte coro contra essa conduta:

"Não é possível instaurar-se um processo administrativo disciplinar genérico para que, no seu curso se apure se, eventualmente, alguém cometeu falta funcional. Não é dado à Administração Pública nem ao Ministério Público, simplesmente molestar gratuitamente e imotivadamente qualquer cidadão por alguma suposta eventual infração da qual ele, talvez, tenha participado.

Vale também aqui o princípio da proporcionalidade inerente ao poder de polícia, segundo o qual só é legítimo o constrangimento absolutamente necessário, e na medida do necessário."

A seguir, o já nominado mestre arremata: [51]

"Repugna a consciência jurídica aceitar que alguém possa ser constrangido a figurar como réu numa ação civil pública perfeitamente evitável. Configura abuso de poder a propositura de ação civil temerária, desproporcional, não precedida de cuidados mínimos quanto à sua viabilidade."

Assim, deverá haver um mínimo de prova do cometimento de transgressão disciplinar por parte do servidor público.

Não basta apenas existir um fato ou uma suspeita, pois se torna necessário o fumus boni iuris para o início do procedimento disciplinar contra quem quer que seja.

Esse juízo de valor, mesmo que em sumaria cógnito, o Administrador Público é obrigado a fazer, sob pena de cometer excesso de poder.

Por isso é que, na dúvida, a prudência manda se apurar o fato tido como suspeito através da sindicância, onde não existe a figura do acusado, e o poder público pode, através de um procedimento sumário, onde é conferido o direito de defesa para o sindicado, promover a devida verificação da existência de indícios para a propositura do processo disciplinar.

A sociedade clama por uma justiça administrativa séria e que, antes de mais nada, respeite os direitos e prerrogativas dos acusados.

Não é lícito e nem factível que ainda ocorram acusações genéricas contra a honra de quem quer que seja. O direito não permite procedimentos de caráter aberto, sem que haja justa causa, contra agentes públicos que renderão ou não espaço na mídia contra seus nomes. [52]

Essa garantia de inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem das pessoas retira do administrador a discricionariedade de instaurar procedimento disciplinar contra servidor público sem um mínimo de indício ou plausibilidade de acusação. Não se admite a acusação genérica, sem justa causa:

"Com efeito, a necessidade de justa causa para a procedibilidade da denúncia tem o propósito de não submeter o indivíduo a uma situação que expõe sua reputação e imagem se não houver elementos suficientes consistentes que indiquem sua necessidade." [53]

A falta de justa causa afasta a figura do possível delito, tendo em vista a ausência do ato ilícito. O STF vem retirando do Ministério Público o poder de instaurar inquérito policial sem um mínimo de plausibilidade ou de justo motivo, trancando-o:

"Habeas Corpus. Inquérito policial instaurado pelo fato de vereadores terem recebido importâncias em virtude de lei municipal que veio a ser considerada inconstitucional pelo Tribunal de Contas do Estado, conhecimento parcial, com base na letra d do inciso i do artigo 102 da Constituição, já que, no caso, não há sequer conexão determinadora do deslocamento da competência. Sendo o fato que deu margem à instauração do inquérito policial manifestadamente atípico, é de trancar-se esse inquérito por falta de justa causa.

Habeas Corpus conhecido quanto ao paciente que atualmente é deputado federal, e deferido com relação a ele." [54]

"(...) Ausência de tipicidade penal – Falta de justa causa – Trancamento de IPM – Pedido deferido. O trancamento do inquérito policial pode ser excepcionalmente determinado em sede de habeas corpus, quando flagrante – em razão da atipicidade da conduta atribuída ao paciente – a ausência de justa causa para a instauração da persecutio criminis. Nos delitos de calúnias, difamação e injúria, não se pode prescindir, para efeito de seu formal reconhecimento, da vontade deliberada e positiva do agente de vulnerar a honra alheia. Doutrina e jurisprudência. Não há crime contra a honra, se o discurso contumelioso do agente, motivado por um estado de justa indignação, traduz-se em expressões, ainda que veementes, pronunciadas em momento de exaltação emocional ou proferidas no calor de uma discussão. Precedentes." [55]

Diante de todos esses elementos legais e jurisprudenciais, a Administração Pública deverá instaurar procedimento disciplinar contra agentes públicos para verificar a possível prática de infringência disciplinar, desde que exista um mínimo de provas ou materialidade do cometimento de ato ilícito.

Corroborando o que foi dito, a Lei nº. 9.874/99, que regula o processo administrativo federal, veda as medidas restritivas além daquelas que sejam estritamente necessárias, bem como a segurança jurídica:

"Art. 2º - A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo Único – Nos processos Administrativos serão observados, entre outros os critérios de:

I – Atuação conforme a Lei e o Direito;

..............................................................................

IV – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público."

Assim sendo, em respeito ao mandamento da inviolabilidade da honra e da imagem do agente público, só deverá ser instaurado o procedimento administrativo disciplinar quando haja um fundamento razoável, pois sem justa causa o inquérito é natimorto.

A "concepção de Estado se assenta basicamente na idéia de segurança. Tanto na proteção prática e na fiscalização da liberdade, o Estado usa de sua autoridade. Isso explica porque, entre justiça e segurança, o Estado optará pela última, base de sua existência." [56]

Necessariamente deverá estar presente o justo motivo não só para a propositura de ação penal, como também para instauração do processo disciplinar correspondente, pois nessa última situação também não se admite a turbação da honra, da intimidade e da imagem do servidor público, que possui na CF o antídoto necessário para curar chagas de injustiça perpetradas pelo Poder Público.

Sem justa causa para a instauração de processo administrativo disciplinar, não estará legitimado o poder público em promover procedimento genérico ou com falsa motivação, para apurar inexistente falta funcional.

A evolução do direito administrativo traz a segurança jurídica como um dos traços marcantes dos dias atuais. Não se admitindo mais que a força do arbítrio prevaleça a qualquer modo.

A presunção de inocência [57] milita em favor de todos, não podendo ser descartada no procedimento disciplinar, pois compete à Administração provar a irregularidade ou a culpa do servidor. [58]

Sendo assim, necessário se faz que haja justa causa na instauração do processo disciplinar, pois senão o mesmo será inapropriado, pronto para ser fulminado pelo Poder Judiciário.

Por fim, na ação de improbidade administrativa, de que trata a Lei nº 8.429/92, também ela deverá ser instaurada após a perquirição de um justo e plausível motivo jurídico, sendo desaconselhável a sua utilização de uma forma descontrolada.

A imprensa tem noticiado uma proliferação de ações de improbidade administrativa contra agentes públicos, que rendem espaço na mídia para o subscritor da lide.

In casu, o abuso de direito se verifica quando o poder público exerce a sua faculdade de acionar agente público, com base na Lei de Improbidade Administrativa, sem que haja um mínimo de indício da prática de um ato devasso.

Para situarem-se no campo da normalidade e da licitude, não basta a parte estar legitimada pela legislação para utilizar-se da via judicial, pois é necessário um mínimo de materialidade de determinado fato ilícito/devasso, sob pena de estar caracterizada a intenção de causar mal a outrem.

Ainda mais quando se verifica que a Lei de Improbidade Administrativa causa danos irresgatáveis para os agentes públicos injustamente processados.

Mesmo que o Agente Público seja inocentado a posteriori, ao término da morosa lide, o dano à sua imagem e a moral ficam entranhados no meio social que ele convive, pois a cada dia que passa existe a dor de quem se vê alçado à injusta condição de réu.

Por essa razão, a ação de improbidade administrativa deve ser proposta após a inequívoca evidência de que a irregularidade funcional vislumbrada, em tese, constitui ato de devassidão, enquadrável na Lei nº 8.429/92.

Em boa hora, o § 6º, do art. 17, da Lei nº 8.429/92, exige que a ação de improbidade administrativa seja instaurada com documentos ou justificações que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas na impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas.

Ação temerária, sem provas ou elemento de convicção do julgador, deve ser rejeitada. [59]

A ação de improbidade administrativa traz para o réu graves conseqüências de ordem moral e jurídica.

O seu pleno exercício deve ser manejado de forma responsável, pois a ninguém é dado o direito de invadir a honra e a privacidade de quem quer que seja.

A ação de improbidade administrativa deve ter, no mínimo, indícios de que o ato administrativo hostilizado infringiu condutas descritas como ímprobas.

Não se concede um exercício abusivo do direito de acionar.

Por esta razão, o legislador impôs que a ação de improbidade administrativa será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes capazes de fazer acionar a máquina judiciária.

Indício provem do latim indicium, significando rastro, sinal, vestígio.

Os indícios representam as circunstâncias que se mostram para a comprovação do fato tido como verdadeiro por determinada pessoa.

De Plácido e Silva, [60] no seu consagrado Vocabulário Jurídico, nos dá a seguinte definição:

"Nesta razão, os indícios são circunstâncias que se mostram e se acumulam para a comprovação do fato, assim tido como verdadeiro. Entre as circunstâncias indiciárias e o fato a ser provado deve haver certa harmonia, a fim de que se possa compor como perfeita a prevenção delas gerada. Assim devem os indícios ser graves, precisos e concordantes. A gravidade se refere à verossimilhança deles, em virtude do que se possa induzir a existência do outro fato. Precisos, porque o que é vago, indeterminado, indefinido, sentido que se empresta ao impreciso, não podem ter força de indício."

O mínimo que se exige para o ingresso da ação de improbidade administrativa é uma justa causa, mesmo que ela se apresente com elementos no fumus boni iuris, pois sem elementos materiais ou justificativa plausível não pode o MP devassar a vida do agente público sob o sólido argumento de tentar encontrar indícios de uma pseudo-infração à ordem jurídica.

O uso do poder de acionar não é arbitrário e não se abriga nos humores ou na preferência da autoridade responsável pelo ajuizamento da lide. Exige-se um mínimo de plausibilidade jurídica no ingresso da ação de improbidade administrativa.

Assim, a ação deverá ser rejeitada quando inexistente o ato de improbidade administrativa, de improcedência da ação ou da inadequação da via eleita (art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/92)

Na falta de plausibilidade jurídica, com a rejeição da ação, o Magistrado afasta pedidos absurdos ou impróprios que não guardem correlação com o rito escolhido.


IV - O USO DA JURISDIÇÃO PELO PODER PÚBLICO DEVE SER RESPONSÁVEL

O Poder Público, em todos os níveis, possui como missão principal possibilitar à sociedade o seu desenvolvimento justo e honesto, em homenagem à segurança jurídica que deve inspirar a atuação dos países que marcham sob os desígnios da bandeira do Estado Democrático de Direito.

Exatamente por esse princípio legal o poder não é ilimitado, não podendo a lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da CF).

Desse modo, o Estado, no desempenho de sua finalidade de assegurar a ordem jurídica, não pode ser irresponsável na sua atuação, tendo em vista que, como parte, representado por um dos seus entes públicos, deve trazer para a sociedade a segurança de que não perseguirá pessoas ou grupos com a propositura de ações temerárias, que trazem no seu âmago o espírito da perseguição ou da vingança política.

A jurisdição é o poder que nasce direcionado para o Estado, para que ele possa fazer valer a segurança jurídica, uma vez que, através do Poder Judiciário, é o responsável pela estabilização das relações sociais, do cumprimento obrigatório das leis.

Assim, quando o Poder Público, responsável pela jurisdição, alça-se a condição de autor de investigação ou de ação judicial, ele terá que ter como finalidade a manutenção do postulado ético-jurídico da lealdade processual, onde o procedimento legal não poderá ser manipulado para viabilizar o abuso de direito.

Sobre a jurisdição, Liebman, [61] declinando o posicionamento da clássica escola de processualistas italianos, define:

"Muitas são as definições que se costumam dar sobre a jurisdição; recordamos duas, as mais importantes, que constituíram o tecido dialético do debate científico na Itália por muitos decênios. A primeira define a jurisdição como a atuação da lei por parte dos órgãos públicos a tanto destinados (Chiovenda). A segunda prefere por sua vez defini-la como a justa composição da lide (Carnelutti), entendo por lide qualquer conflito de interesses regulado pelo direito e por justa composição feita de acordo com o direito.

As duas definições, embora tenham sido no passado objeto de vivas discussões, podem hoje ser consideradas complementares: a primeira representa uma visão puramente jurídica do conteúdo da jurisdição, pois estabelece a relação entre lei e jurisdição, ao passo que a segunda considera a atuação do direito como o meio para atingir uma finalidade ulterior (a composição do conflito de interesses), procurando assim captar o conteúdo efetivo da matéria à qual a lei vem aplicada e o resultado prático, sob o aspecto sociológico, a que a operação conduz. Observe-se que a definição de Carnelutti, aceitável para a jurisdição civil e administrativa, já não o é tanto no que concerne à jurisdição penal."

Destarte, as jurisdições penal, civil e administrativa, não podem ser irresponsáveis, pois são instituídas para realizarem o pasmado do direito e da justiça, buscando preservar o bom servidor público, somente instaurados quando presentes indícios de ilícitos ou infrações disciplinares.

O direito sancionador, mais do que qualquer outro, não pode servir como um pretexto de injustiças pessoais, conforme o magistério de Eduardo Couture: [62]

"El derecho disciplinario presupone jerarquía y subordinación. Quien tiene la potestad jerárquica, puede imponer formas de conducta previstas en la ley, para asegurar el cumplimiento de la misma. El que está sometido a una subordinación debe obedecer y ajustar su conducta a lo preceptuado por el jerarca.

Pero en todo caso, la disciplina está a su vez jerárquicamente subordinada a la ley. No es posible, a pretexto de la disciplina, cometer una injusticia. La juridicición no se justifica por el orden, sino por la justicia (...) Pero en todos esos casos, el derecho disciplinario es derecho administrativo o derecho penal."

Muito embora o direito de o MP acionar seja considerado direito público subjetivo autônomo e abstrato, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, dentre outras, a lei pode estabelecer condições necessárias ao seu exercício, como forma de evitar abusos de direito, com a propositura de lides ou a instauração de procedimentos disciplinares inúteis, em que o pedido já nasce contaminado pela sua insubsistência. [63]

Nesse formato, dispõem o Código de Processo Civil (art. 267, VI) [64] e o Código de Processo Penal (art. 43) [65], em homenagem ao interesse público que quando não concorrer qualquer das condições da ação seu exercício é vedado.

Assim, a Lei Processual adotou a teoria da substanciação, na qual é consagrado que não basta o autor afirmar a existência da relação jurídica, sendo também necessária a demonstração do fato concreto que deu azo à sua pretensão:

"A atividade jurisdicional, destinando-se a compor as lides, será exercida quanto a uma concreta relação jurídica, identificável por seus sujeitos e pelas coordenadas de tempo e lugar. O Juiz não emite comandos genéricos e indeterminados, tarefa esta própria do legislador. Extingue-se, sem julgamento do mérito, o processo cuja inicial limita-se a pleitear o reconhecimento de uma tese jurídica". [66]

Mantendo eficaz a teoria da substanciação, dispõe o art. 295, parágrafo único, II, do CPC, que a petição inicial será indeferida "quando da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;".

O TJ/SC, na Ap. Cível nº 2001.008770-7, Rel. Des. Newton Trisotto, prestigiou a teoria da substanciação em ação popular, extinguindo a lide por falta de plausibilidade jurídica:

"Ação popular. Convênio entre Estado de Santa Catarina e instituição de ensino. Dispensa de licitação. Petição inicial. Teoria da substanciação. Imprescindibilidade da descrição dos atos lesivos ao erário ou atentatórios à moralidade pública. Extinção do processo. Em princípio, não pode ser extinto o processo, in limine, por fundamento relacionado com o mérito da causa. No entanto, em direito não há lugar para absolutos (Teori Albino Zavascki). Presta-se a ação popular para o cidadão pleitear a anulação de atos lesivos ao patrimônio público, no seu conceito mais amplo (Lei nº 4.717/65, art. 1º). Nela, o autor não visa à satisfação de um interesse individual; litiga como substituto processual da coletividade, na defesa de seus interesses. Se os fatos descritos na petição inicial revelam que o ato impugnado não é contrário à lei ou à moralidade administrativa, faltando, por isso, plausibilidade jurídica ao pleito, a sociedade destinatária da proteção legal não pode ser punida tendo que suportar os custos do processo que, nessa hipótese, pode ser julgado extinto liminarmente."

Ou pelas palavras de Luiz Wanderley Gazoto: [67]

"Mas o que nos interessa no momento é que a revelação da causa de pedir permite ao Juiz realizar o cotejo entre os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido e concluir se, realmente, o direito alberga a pretensão do autor, constatando a razoabilidade do exercício do direito de ação, tudo isso deixa patenteado que o exercício do direito de ação não é arbitrário, desvinculado da realidade concreta ou de fato que justifique o seu emprego, mas deve estar subordinado à existência do interesse legítimo e finalístico, manifestado na necessidade e na utilidade do provimento judicial."

É dever do Estado [68] zelar pela lealdade processual, não sendo permitido o ingresso de lide ou instauração de processo administrativo disciplinar temerário.

Posta a situação em foco, extrai-se que o poder de acionar ou de investigar possui limites, ele não é absoluto mesmo que ancorado na defesa do patrimônio público, do patrimônio social, do meio ambiente, do consumidor e dos bens e demais direitos que lhe são afetos, "precisa ser entendida e compreendida nos seus justos limites" [69], sem abusos ou distorções:


V – ABUSO DE PODER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DIREITO DE ACIONAR

O controle que o Ministério Público exerce sobre toda a coletividade é necessário para garantir a manutenção da democracia e do Estado de Direito que reina em nosso país.

Triste seria uma sociedade que não tivesse no MP a devida "blindagem" contra abusos e violências perpetradas pelo Poder Público.

Não se questiona o brilho dos notáveis componentes do parquet, pois é justamente neles que toda a população deposita confiança no combate à corrupção e na imoralidade que mancha a nação.

O Brasil é um país rico e agraciado no campo dos valores humanos. Sucede que, como todo país em via de desenvolvimento, a corrupção assola nosso sistema público, onde figuras nefastas enlameiam suas funções com negociatas e derramamento de dinheiro público, pago pelos sofridos contribuintes, combalidos pelo crescente aumento da carga tributária.

De nada adiantam os aumentos de impostos ou as reformas estruturais se não houver um arrocho na corrupção e no desperdício do dinheiro público.

Estes fatos são notórios e não necessitam de muitas linhas para convencer o leitor de que um dos grandes males do Brasil é a corrupção pública.

Ocorre que não podem ser generalizados todos os atos públicos, como se eles gozassem de uma presunção de ilegalidade. Nem que todos os agentes públicos são imorais e devassos.

A prudência é necessária para conferir uma dose de equilíbrio no direito de acionar, pois a ninguém é dado o direito de utilizar a via da ilegítima investigação penal/administrativa para atingir o homem público, sem que estejam presentes indícios ou justificações concretas e sérias, obtidas por meio lícitos, não decorrendo da criação da vontade de quem quer que seja.

A partir do momento que o acesso ao judiciário é uma garantia fundamental, que nem a lei pode excluir o direito à tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF), o Estado-Juiz, sempre que procurado não poderá se furtar de sua indelegável missão de fazer justiça. Sendo chamado a exercer sua jurisdição, aplicando o direito ao caso concreto, o Poder Judiciário verifica as condições da ação e emite um juízo de valor sobre o caso colocado em seu raio de responsabilidade.

Na prática, com uma atuação viril, o Ministério Púbico vem multiplicando o ingresso de ações civis públicas, aí abrangidas as ações de improbidade administrativa, muitas delas sem substância de sustentação, levando Rogério Lauria Tucci, com apoio em Kazuo Watanabe, a identificar que elas representam "autêntica panacéia geral para toda e qualquer situação":

"Realmente, as diversificadas atuações dos membros do parquet, tanto no plano federal, como no estadual, chegando a formular pedidos juridicamente impossíveis, a substituir, sem legitimidade, entidades de classe, e a agir sem o imprescindível interesse processual, têm, segundo entendemos, extravasado, consideravelmente, os lindes estabelecidos na legislação em vigor, de sorte a tornar a ação em estudo inadequada ao escopo perseguido pelo demandante". [70]

Assim, nasce o abuso de direito do Ministério Público, quando propõe ações natimortas, em que inexiste o ato de improbidade administrativa, sendo improcedente por falta de tipicidade da conduta do agente público ou até mesmo pela inadequação da via eleita (§ 8º, do art. 17, da Lei nº 8.429/92).

Essa proliferação de ações ilegítimas não se encerra rapidamente, pois nosso sistema processual é extremamente perverso, com uma tramitação lenta, parece concebido para que o processo não termine, sangrando o réu da ação quase até a morte, pois a simples propositura de tão grave ação de improbidade administrativa é um ultraje para quem não deu azo ao seu enquadramento.

Do mesmo modo, acontece o mesmo fenômeno na esfera penal e na instância administrativa, onde elas são acionadas, em algumas situações, de maneira açodada e desqualificadamente, desatrelada da materialidade de uma conduta, além do divórcio das prova ou dos indícios.

O princípio da economia processual evita a exposição desnecessária das partes, satisfazendo o ideal de justiça quando se determina arquivamento dos procedimentos que não possuam substrato de viabilidade jurídica, caracterizados pelos abuso do direito de acionar.

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira lembrou que "o processo não é um jogo de esperteza, mas instrumento ético da jurisdição para efetivação dos direitos de cidadania". [71]

O STF, pelo voto do Ministro Celso de Mello, acentuou: "O ordenamento jurídico brasileiro repele práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico de lealdade processual. O processo não pode ser manipulado para viabilizar abuso de direito, pois essa é uma idéia que se revela frontalmente contrária ao dever de probidade que se impõe à observância das partes. O litigante de má-fé – trata-se de parte pública ou de parte privada – deve ter a sua conduta sumariamente repelida pela atuação jurisdicional dos juízos e dos tribunais, que não podem tolerar o abuso processual como prática descaracterizadora da essência ética do processo." [72]

Não obstante a morosidade do Judiciário, o abuso do direito de acionar do MP é verificado quando ele extrapola os limites de um direito em prejuízo de quem é colocado no pólo passivo da ação, injustamente, sem elementos de base de sustentação.

Nas precisas palavras do Des. Rui Stoco, em sede doutrinária, "o direito cessa onde o abuso começa". [73]

Assim, o exercício da prerrogativa de acionar encontra limites na esfera jurídica alheia que veda a utilização anormal de direitos.

Caio Mário da Silva Pereira, [74] sintetiza o sentido da expressão "abuso de direito":

"Abusa, pois, de seu direito o titular que dele se utiliza levando um malefício a outrem, inspirado na intenção de fazer mal e com proveito próprio. O fundamento ético da teoria pode, pois, assentar em que a lei não deve permitir que alguém se sirva de seu direito exclusivamente para causar dano a outrem."

Rui Stoco [75] também tece importantes considerações sobre o tema:

"Também se comporta o abuso na intenção ou no animus nocendi, quando o agente se inspira na intenção de causar mal a outrem (...). Do que se conclui que o indivíduo para exercitar o direito que lhe foi outorgado ou posto à disposição deve conter-se dentro de uma limitação ética, além da qual desborda do lícito para o ilícito e do exercício regular para o exercício abusivo.

Como se impõe a noção de que nosso direito termina onde se inicia o direito do próximo, confirma-se a necessidade de prevalência da teoria da relatividade dos direitos subjetivos, impondo-se fazer uso dessa prerrogativa apenas para satisfação de interesse próprio ou defesa de prerrogativa que lhe foi assegurada e não com o objetivo único de obter vantagem indevida ou de prejudicar outrem, através da simulação, da fraude ou da má-fé.

Para situar-se no campo da normalidade e da licitude não basta estar legitimado pela legislação existente e asseguradora de direito.

Impõe-se fazer uso adequado do arsenal legislativo existente e não dele prevalecer e utilizá-lo para fim ilícito ou pretensão subalterna.

Pode-se usar a lei permissiva em vigor, de forma aparentemente adequada para obter fim ilegítimo ou não permitido pelo consenso nacional, hipótese em que se irá detectar o abuso no exercício do direito".

Irineu Strenger conceitua abuso de direito: [76]

"Abuso de direito é o ato realizado, com apoio em preceito legal, que causa dano a interesse não especificamente protegido pelo ordenamento positivo, manifestado pela lesão a princípios éticos e sociais, objetiva ou subjetivamente, mediante adequação entre o intencional e o sentido da lei."

O abuso do poder, no campo do direito administrativo, é espécie do gênero do abuso do direito.

In casu, abusa do direito quem ajuíza a ação com o rótulo de proteger a probidade administrativa e esquarteja o direito do agente público em ser acionado se não cometer ato ilegal ou combatido pelo ordenamento jurídico.

Como fiscal da lei, o MP possui a missão indelegável de proteger o interesse legítimo, mesmo que ele represente uma oposição aos entes de direito público.

A sua responsabilidade perante a sociedade não se dissolve quando o MP não é autor de denúncia [77] ou de ação de improbidade administrativa. Pelo contrário, aumenta o peso da responsabilidade, tendo em vista que o MP possui na denúncia os elementos que foram colhidos no inquérito policial sem o crivo do contraditório, aumentando o rigor técnico que deve ser o preponderante para a verificação de um ato ilícito, mesmo que em tese.

Na via da ação de improbidade administrativa, existe a figura do inquérito civil público, bem como a sindicância que antecede o processo disciplinar. Todos estes instrumentos legais servem como ferramentas para o MP aquinhoar dados e fatos e arquivar os casos em que não existem provas ou indícios contra os acusados, acionando aqueles que realmente restarem provados.

Por isso é que combatemos veementemente os procedimentos genéricos [78], instaurados sem elementos de indícios, mas com a direção certeira de tentar encontrar alguma ou suposta falta funcional.

Acusação genérica [79] possui o esteio de configurar o abuso do direito de acionar, pois é defeso tal procedimento, que exige um mínimo de indício da existência de um fato reprimido pelo ordenamento jurídico.

Pensa igual Adilson Abreu Dallari, [80] que discorre sobre a ilegalidade cometida pela Administração Pública e pelo Ministério Público quando eles estabeleceram procedimentos genéricos, visando encontrar algo contra o agente público:

"Fazendo uma comparação, no campo do direito administrativo, pode-se dizer que o inquérito civil está para a ação civil pública, assim como a sindicância está para o processo administrativo. Não é possível instaurar-se um processo administrativo disciplinar genérico para que no seu curso se apure se eventualmente alguém cometeu alguma falta funcional.

Não é dado à Administração Pública, nem ao Ministério Público, simplesmente molestar gratuidade e imotivadamente qualquer cidadão por alguma suposta eventual infração da qual ele talvez tenha participado.

Vale também aqui o princípio da proporcionalidade inerente ao poder de polícia, segundo o qual só é legítimo o constrangimento absolutamente necessário e na medida do necessário."

A seguir, o citado mestre arremata: [81]

"Repugna a consciência jurídica aceitar que alguém possa ser constrangido a figurar como réu numa ação civil pública perfeitamente evitável. Configura abuso de poder a propositura de ação civil temerária, despropositada, não precedida de cuidados mínimos quanto à sua viabilidade.

A realização ou não do inquérito civil, como providência preliminar à promoção da ação civil pública, pode ser um importantíssimo indicador do nível de correção da conduta do agente do Ministério Público, da sua maior ou menor diligência no exercício de suas funções.

A experiência prática tem revelado a ocorrência desagradavelmente freqüente de ações civis públicas totalmente despropositadas, que poderiam ter sido perfeitamente evitadas se o promotor público tivesse tido a mais mínima e elementar das cautelas, que é simplesmente ouvir o suposto infrator."

Essa atuação abusiva frente ao direito que o MP possui de fiscalizar não é absoluta, ela necessita de um respaldo fático/legal, pois do contrário, o Poder Judiciário estará apto a reparar o direito do agente público lesado.

O direito repudia o seu exercício abusivo, não bastando o MP ingressar com investigações criminais, mandar instaurar o procedimento disciplinar ou com a ação de improbidade administrativa e defender com isto o seu interesse ativo de ver os fatos apurados. E nem tampouco impressiona o argumento de que o indeferimento da inicial cerceia-lhe a sua ampla atuação, pois o abuso de direito é verificado quando inexiste o mínimo requisito de viabilidade do ato ministerial.

Nestas situações, o órgão do MP estará desautorizado a invadir a intimidade e a honra de quem quer que seja.

Não existe um superpoder que possa atuar acima do bem e do mal, como dito pelo Min. Celso de Mello, nas entrelinhas do voto no MS nº 23.452/RJ:

"Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revestem de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção por parte dos órgãos estatais de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.

O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantia de terceiros." [82]

Seguindo as disposições do CPC e do CPP, a Lei de Improbidade Administrativa permitiu que pelo § 11, do art. 17, em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade administrativa, o Juiz extinguirá a ação.

Essas normas processuais, instituídas para afastar ou estancar o uso arbitrário do poder são a mínima garantia de que o mau uso das prerrogativas públicas, não terão um prazo de longa validade perante o direito.

Heleno Fragoso [83] assinala, com propriedade o abuso de poder do MP:

"Não se cogita aqui de ilegalidade: a denúncia pode ser formalmente incensurável. Cogita-se, isso sim, de abuso de poder, ou seja, de desvio de deveres do próprio ofício, na prática arbitrária de um ato legal. Há abuso de poder quando o funcionário se serve ilegitimamente de faculdades ou de meios de que legalmente pode dispor. O abuso de poder é, em suma, o mau uso de poder na denunciação, quando o MP, inteiramente fora da realidade e sem qualquer elemento de convicção, inicia o procedimento criminal."

Não se pode perder de vista que as leis penais são protetoras da liberdade e da igualdade individual, representando o tipo penal uma garantia de permissão das condutas contrárias ou diferentes de sua hipótese expressa, [84] o que nos leva a ressaltar a grande importância dos limites materiais do ius puniendi do Estado, visto que o direito penal somente deverá intervir para proteger bens jurídicos tutelados, sendo limitado o poder punitivo através da imputação objetiva.

O desvio do direito penal para satisfazer sentimentos políticos, viola a moral, segundo pensamento de Hanz Welzel: [85]

"Tão pronto quanto o Estado se vale dessas intervenções (ou de outras de igual gravidade), para atingir objetivos que estão fora do direito penal, eventualmente para alcançar fins econômicos ou de organização e até para lutar contra sentimentos políticos, rompe a força geradora da moral contida nas normas penais, e desvia ao direito penal pelo caminho de uma simples medida de intimidação."

Assim, o poder punitivo do Estado somente é acionado para proteger a sociedade, punindo o ato arbitrário, cometido com expressa violação às normas legais:

"El poder punitivo del Estado dirigido a la protección de la convivencia de las personas en la comunidad no puede ser ejercido de cualquier modo o sin consideración a su alcance." [86]

Assim sendo, quando não estiverem presentes os elementos legais que autorizam a investigação policial ou administrativa, faltará legítimo interesse do Poder Público para formular uma acusação.

O uso irregular de poder atormenta as pessoas e traz insegurança para toda a sociedade.

Ou, como dizia Hobbes Leviatã (I, 10 e 14), o poder atraente induz o indivíduo ao exercício ilimitado da força do poder.

Portanto, sem justa causa, as pessoas não podem ser atormentadas por um suposto ilícito, pois a liquidez e certeza de que existe um mínimo de indício de prova sobre um determinado fato ou ato é o elo necessário para dar início a uma investigação penal, administrativa ou através da própria ação de improbidade administrativa. Sem a existência de condicionamentos, que são os elementos de base de apoio da denúncia ou da investigação (justa causa ou uma plausível justificativa jurídica), o poder de invadir a intimidade das pessoas é abusivo e necessita de um freio aos possíveis exageros e a exacerbações. E é através do direito, da norma jurídica existente, que o agente e o sujeito do poder, devem manter continuidade e estabilidade da ordem social.


VI – NATUREZA JURÍDICA DO PRESENTE ABUSO DE DIREITO – CRÍTICA DO PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTOS INVESTIGATÓRIOS E DA AÇÃO PENAL E DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O equilíbrio da sociedade consiste em ter a garantia de que o poder será manifestado dentro dos limites do ordenamento jurídico, do direito, da ética e da moral.

Deflui-se, que o abuso de poder é um vício no ato praticado por uma autoridade no exercício de um poder, deixando de atingir os seus objetivos, o bem público ou a finalidade de sua ação. Não se trata de uma atuação fora da lei, pois senão teríamos a ilegalidade, nem a usurpação de uma função, caracterizadora de um crime, porém, a atividade de um poder, não exercido com as cautelas devidas, que ultrapassa os limites da sua ação, nem sempre endereçado dentro das suas atribuições, [87] revela um excesso desproporcional do poder, invalidado pelo direito.

O inquérito policial poderá ser instaurado também pela polícia judiciária, desde que tenha infrações penais a serem apuradas (art. 4º, CPP), ou seja, não poderá ser um ato de prepotência ou de força da autoridade, visto necessitar também de uma justa causa.

Sendo que a denúncia ou a queixa deverá conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a classificação do crime (art. 41, CPP) e as provas que respaldam a aludida assertiva acusatória.

Não havendo plausibilidade legal, o MP não deve inibir-se, pois o seu dever com a sociedade é indelegável, tendo como funções institucionais, dentre outras, a de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial quando existam fundamentos jurídicos para tal (art. 129, VIII, CF). Assim, servirá melhor ao próprio Estado, quando o membro do parquet não solicitar a instauração de investigações natimortas, bem como deixar de sobrecarregar ainda mais o Poder Judiciário com lides temerárias, que somente consomem a paciência dos magistrados e trazem a dor para o agente público ou terceiro investigado ou acionado indevidamente.

Estes atos mancham o relevante papel social ostentado pelo MP, em um Estado Democrático de Direito, em afronta aberta ao art. 127, da CF, assim redigido:

"Art. 127 – O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis."

Ora, compete ao Ministério Público zelar pela segurança da coletividade, fiscalizando a execução da lei (art. 257, CPP). Esta necessária fiscalização da lei traz a importante missão do MP de ser um órgão neutro e imparcial, voltado para a manutenção do permanente cumprimento da legalidade, onde todos os cidadãos que cumpram as suas obrigações terão a garantia de ter a proteção do membro do parquet.

Esta é a natureza jurídica do abuso do poder do direito de invadir a intimidade das pessoas indevidamente, com investigações ou denúncias imotivadas, sem uma justa e devida causa.

Este extrapolamento das prerrogativas acusatórias, sem as cautelas legais, instituídas pelo ordenamento jurídico justamente para trazer a segurança jurídica para todos, caracteriza o excéss de pouvoir ou abuso do direito de invadir a vida das pessoas, com falsos denuncismos.

O Estado não pode permitir que se pratique atos visando a destruição dos direitos e liberdades consagradas ou a ampliar as restrições desses mesmos direitos e liberdades além dos limites previstos pelo ordenamento jurídico.

O ponto de partida em uma investigação consiste na verificação da existência dos motivos, resultantes de indícios de um ilícito criminal ou de uma infração disciplinar. Segue-se, imediatamente, a necessidade da apreciação do valor desses motivos, a fim de que possa a autoridade se orientar no tocante à necessidade de investigar ou até mesmo denunciar.

A regra de competência, [88] não autoriza o MP a promover a açodada investigação, com invasão indevida da vida privada das pessoas.

O já citado mestre Caio Tácito, [89] que tanto dignifica o direito público, em especial ao direito administrativo, define o desvio de poder como:

"O desvio de poder é a inconformidade entre o ato administrativo e a finalidade prevista na lei. A denominação dessa forma de nulidade tem um magnífico teor descritivo. E quando o agente se desvia do alvo obrigatório, em virtude do qual a lei o habilitou a operar, que a ação se torna ilícita e nenhuma."

Em outro magnífico trabalho, o já nominado expoente do direito administrativo, Caio Tácito [90] ensina:

"O desvio de poder é, por definição um limite à ação discricionária, um freio ao transbordamento da competência legal além de suas fronteiras, de modo a impedir que a prática do ato administrativo, calcada no poder de agir do agente, possa dirigir-se à consecução de um fim de interesse privado, ou mesmo de outro fim público estranho à previsão legal."

O abuso de poder aqui explicitado é aquele em que o membro do parquet mesmo possuindo a faculdade de solicitar a abertura de inquéritos administrativos disciplinares, usa o seu poder discricionário para um fim distinto do direito, que não permite a invasão de privacidade alheia sem um justo motivo.

E este justo e necessário motivo, como visto, interliga-se às condições eleitas pela lei para que o MP possa exercitar a obrigatoriedade da ação penal, da ação de improbidade administrativa e das respectivas investigações.

Sendo que esta prerrogativa não é absoluta, ela não está interligada aos poderes que a lei atribui ao MP e sim ao princípio da legalidade, suficiente para subtrair a atuação do fiscal da lei quando inexistentes as condições mínimas para o oferecimento da denúncia.

No Brasil é necessário que se afaste este dogma de que todos são suspeitos mesmo sem indícios de uma irregularidade, o MP estaria autorizado a aterrorizar quem quer que seja.

Tanto o Código de Processo Penal, como o CPC e os Estatutos dos Funcionários Públicos, bem como a lei de improbidade administrativa, estabelecem princípios para a instauração dos diversos procedimentos legais, justamente para inibir uma jurisdição irresponsável, sem substrato legal.

A doutrina francesa, que tanto influenciou o aprimoramento do combate ao desvio de poder público, pelo autorizado posicionamento de Laferriére, [91] estabelece:

"La desviación de poder constituye pues un abuso del mandato que el administrador ha recebido. El que comete adopta, bajo una falsa aparencia de legalidad, decisiones que lo le atañen y que están, así, incursos en una especie de incompetencia, sino por las prescripciones que imponem, sí, al menos, por el fin que persiguen."

O controle da forma dos atos do MP não lhe cerceia o seu importante papel social, apenas permite que não se perpetue o desvio de poder de denunciar, através do cotejo das condições da ação ou dos elementos de sustentação da própria base do ato ministerial.

Não representa, com isto, uma indevida intromissão do Poder Judiciário às prerrogativas do MP, visto que o desvio de poder retira a validade legal da atuação do membro do parquet.

Maurice Hauriou [92] define o desvio sub oculis como:

"El hecho de una autoridad administrativa que, cumpliend un acto de su competencia, observado las formas prescritas y sin cometer ninguna violación de ley, usa de su poder con un fin y motivos distintos aquellos por los cuales se la ha conferido el poder, es decidir, distintos al ben del servicio."

Laudadére [93] define de modo semelhante o desvio de poder:

"Existe desviación de poder cuando una autoridad administrativa cumple regularmente un acto de su competencia pero en vista de un fin distinto aquél por el cual podía ser cumplido el acto."

Também se agrega a esta corrente francesa de notáveis Beurdeley: [94]

"Un acto administrativo que haya sido adoptado por una autoridad competente, regular en la forma, que no comportaría ninguna violación de ley, estando dotado, así, de apariencia de legalidad, puede ser declarado, no obstante, ilegal, anulando o privado de sanción penal, si su autor ha usado de sus poderes con fin distinto a aquellos por los cuales le fueran conferidos tales poderes."

O vício de legalidade em causa encontra paradigma no Direito de outros países, não sendo mais tolerado na modernidade tais desvios por parte das autoridades públicas, aí incluídos os membros do MP, que possuem no princípio da legalidade e da impessoalidade, a que alude o art. 37, da CF, as devidas barreiras para uma atuação contrária a estes salutares princípios.

Espera-se não só a devida independência do MP, como o seu equilíbrio jurídico, necessário para construir uma sociedade livre e justa.

Assim, o princípio da obrigatoriedade da ação penal, bem como a investigação, cedem a realidade dos fatos, onde a falta de materialidade de um ato ilícito não pode elastecer o poder do MP, ao ponto de sufragar direitos e garantias do indivíduo.

O princípio da legalidade, como regra fundamental e indissolúvel, obriga o MP, não havendo um justo motivo, a pedir arquivamento de inquérito policial (art. 28, CPP):

"Para pedir o arquivamento, o órgão do Ministério Público apresentará a devida fundamentação, dando as razões do pedido (CPP, art. 28), as quais podem consistir ou em razões concernentes à inadmissibilidade da persecutio crimis (razões de legalidade para o arquivamento) ou em razões relativas a não oportunidade ou não conveniência do exercício da ação penal." [95]

Nós vamos mais além, pois entendemos que a falta de motivos retira a obrigatoriedade da investigação penal ou administrativa. A atuação do MP não é irresponsável ou aleatória, exigindo um mínimo de plausibilidade para o exercício das suas prerrogativas em investigar ou propor ações contra os agentes públicos, devendo ser submetido seus atos ao crivo do princípio constitucional da eficiência das instituições públicas, a que alude o art. 37, da CF, e dos instrumentos de que as instituições dispõem para atingir seus maiores interesses.

Por essa razão, não existindo indícios, ou provas e motivos determinantes, deve ser evitada a promoção da ação penal ou de qualquer investigação penal/administrativa:

"... sempre que algum fato fizer revelar que a promoção da ação penal não é conveniente para o bem público, o Ministério Público não deve encetar." [96]

A seguir, Luís Wanderley Gazoto, [97] com extrema felicidade, aduna:

"1) A ação penal pública é instrumento destinado à obtenção de um interesse público específico: a persecução penal de condutas criminais seriamente indesejáveis.

2) O interesse da persecução penal não é o fim maior do Estado e, por isso, sempre que colidir com outros interesses de maior relevância, deve ser a ele submetido.

3) Sendo mero instrumento e não finalidade em si, a ação penal pública somente pode ser movida se, razoavelmente, houver probabilidade de produzir os efeitos necessários.

4) A atividade ministerial de persecução penal deve ser considerada, em sentido amplo, como objetivo global e não particularizado em caso isolado.

5) Por isso, o Ministério Público como instituição política promotora da persecução penal, deve organizar-se para bem gerir as suas forças e, assim, atingir o interesse público de sua alçada.

6) Em sendo a atividade de persecução penal eminentemente administrativa, fatos concretos, como o excesso de demanda da atividade judiciária, devem ser considerados na avaliação do interesse e da utilidade da promoção da ação penal pública."

Verificado o exercício irregular do MP, nasce o abuso de poder, tão combatido pelo saudoso Heleno Fragoso: [98]

"9. O abuso de poder ou a falta de legítimo interesse no exercício do direito de ação encontra nos processos políticos o campo mais propício para surgir. Assim tem sido ao longo da história."

Sobre a dignidade da obrigatoriedade do exercício da ação penal pública, diz Afrânio Silva Jardim: [99]

"De forma indistinta, a abundante doutrina que trata do princípio em questão usa duas expressões, como sinônimas, para designar o dever do Ministério Público propor a ação penal condenatória. Fala-se em princípio da legalidade ou em princípio da obrigatoriedade.

Preferimos usar a expressão princípio da obrigatoriedade, a fim de tornar mais claro que o dever legal de o Ministério Público exercitar a ação penal, é, na verdade, uma decorrência do próprio princípio da legalidade, que, numa perspectiva mais ampla, informa a atuação dos órgãos públicos chamado Estado de Direito." (grifos originais).

Pelo princípio da legalidade, os membros do MP não podem exorbitar de suas atribuições, tendo em vista que como agentes públicos, só podem fazer o que a lei prevê, sendo certo, que o excesso ou desvio do poder de investigar ultrapassa o seu fim legal.

Hely Lopes Meirelles, [100] define bem o tema de uma forma geral:

"(...) enquanto na Administração Particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza."

Perfilha-se a essa corrente José Cretella Junior, [101] para quem:

"Legalidade é a obediência ao texto legal, implícita ou explicitamente, à letra ou ao espírito. Na realidade, o desvio de poder permite sancionar violações do espírito da lei que respeitam no entanto, a letra da lei (...) O espírito deve ser preferido à letra, na interpretação dum dispositivo de lei. A violação do espírito de lei constitui também violação da lei, motivo porque o desvio de poder é igualmente uma forma de ilegalidade."

E, segundo Norberto Bobbio: [102]

"... costuma-se falar em legalidade quando se trata de sua qualidade legal: poder legítimo é um poder cuja titulação se encontra alicerçada juridicamente, o poder legal é um poder de está sendo exercido de acordo com as leis. O contrário de um poder legítimo é um poder de fato; o contrário de um poder legal é um poder arbitrário. Quem detém o poder não o exerce sempre de forma arbitrária, assim como nem sempre quem exerce o poder arbitrariamente é detentor unicamente de um poder de fato. Com base nesta acepção do termo de legalidade, entende-se por princípio da legalidade, aquele pelo qual todos os organismos do Estado, isto é, todos os organismos que exercem poder público, devem atuar no âmbito das leis, a não ser em casos excepcionais expressamente estabelecidos, e pelo fato de já estarem estabelecidos, também são perfeitamente toleráveis o exercício discricionário do poder, mas exclui o exercício arbitrário todo ato emitido com base numa análise e num juízo estritamente pessoal da situação."

Não resta dúvida, que o art. 129, II, da CF, estabelece, como função institucional do Ministério Público, dentre outras, promover medidas necessárias a garantia dos direitos assegurados pela Constituição (inc. II); promovendo a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (inc. III); requisitando diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial desde que indicando os fundamentos jurídicos legais de suas manifestações processuais (inc. VIII).

Estes deveres legais, estabelecidos pela CF, desautorizam a prática de atos contrários a eles, dissonante, portanto, da moralidade, eis que o MP não pode, como fiscal da lei, fazer "tábula raza" do princípio da legalidade e cometer atos excessivos, que transcendem aos seus deveres e deságuam no excesso de poder quando passa a desempenhar uma certa atividade processante, desvinculada de elementos de base de sustentação jurídica. Não resta dúvida que, para tais casos, haverá constrangimento ilegal sanável pela impetração do habeas corpus (art. 648, I, CPP), ou pela via do writ of mandamus.

Em abono ao que foi dito, Luis Wanderley Gazoto, [103] criticando o formalismo do Ministério Público, opinando pelo não oferecimento de denúncias que já nascem com o insucesso determinado:

"Dessa forma, não encontrando viabilidade prática para a obtenção de sucesso com determinada ação penal, o membro do Ministério Público, para atender ao interesse público, não deve oferece-la."

Funcionam essas considerações também para o cotejo da ação de improbidade administrativa, onde a falta de um ato ímprobo retira a faculdade do MP propor a respectiva ação.

Após a verificação de inúmeros abusos do direito de acionar do MP, registramos em nosso "O Limite da Improbidade Administrativa – O Direito dos Administrados dentro da Lei nº 8.429/92", 2ª ed., Ed. América Jurídica, Rio de Janeiro, todo inconformismo, visto que atos ilegais, que não causam lesão ao erário, constituídos de boa-fé, são tidos como devassos e ilegais.

Portanto, todos os operadores do direito, sem exceção, composta pelos Magistrados, Promotores, Advogados, Defensores Públicos, etc., devem se unir para evitar que os abusos de poder por parte de membros do parquet não enlameiam o bom nome desta vital e importante função pública.


VII – CONCLUSÃO

Após toda a presente explanação, concluímos que o poder discricionário do MP em oferecer denúncias, solicitar investigações e ajuizar ações de improbidade administrativa não é absoluto, eis que vincula-se à lei e ao direito.

Como princípio vertebral do direito público, o princípio da legalidade, configurado com bloc de la légalité a que Maurice Hauriou [104] deixou registrado, serve para vincular todo o poder as normas jurídicas validamente instituídas.

O bem-estar de toda a sociedade está vinculado às normas constitucionais e legais, instituídas para trazer harmonia para toda a sociedade.

Ou, pelas lições de Rosseau, o poder não é maior do que a força da lei, devendo todos preconizarem o princípio da legalidade.

Não foi instituído o direito para ser um repositório de prerrogativa das autoridades públicas, pois a sua finalidade é aumentar as garantias da coletividade.

Assim, o excesso de poder do Ministério Público de invadir indevidamente a intimidade das pessoas e promover denúncias ou investigações indevidas, sem justa causa, agride a todos e deve ser rechaçado por toda a sociedade.

Dessa forma, não se admite denúncia ou investigações elásticas, onde o grau genérico é o preponderante, para que no curso dos trabalhos se apure se há ou não indícios de provas contra o acusado/investigado. Esses procedimentos causam um desserviço para o direito, devendo o MP não abusar do seu poder, evitando a onda do denuncismo inconsistente e indevido.


NOTAS

1 SICHES, Luis Recasens, Filosofia del Derecho, Ed. Porrúa, México, 2003, ps. 217/218

2 MANZINI, Vincenzo, Tratado de Derecho Procesal Penal, tomo I, El Foro, Buenos Aires, 1996, p. 248.

3 "Encontramos em nosso processo penal alguns princípios fundamentais que, disciplinando a realização da pretensão punitiva do Estado, constituem elementos essenciais de garantia para o acusado, relacionando-se com o direito de liberdade do cidadão, que a Constituição assegura." (FRAGOSO, Heleno Claudio, "Ilegalidade e Abuso de Poder na Denúncia e na Prisão Preventiva", in Separata da Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, nº 13, Abril-junho/96, Universidade do Estado da Guanabara – UEG, p. 63.

4 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de, "Necessidade de Justa Causa para a Instauração de Processo Administrativo Disciplinar. Impossibilidade do Procedimento genérico para que no curso se apure se houve ou não Falta Funcional", in Revista Ibero-Americana de Direito Público, volume IX, 1º trimestre de 2003, ed. América Jurídica, 2003, p. 176.

5 MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil Interpretada, Atlas, 4ª Ed., São Paulo, 2004, p. 224.

6 LORENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, 3ª ed., traduzido por José Lamego, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997, os. 483/484.

7 STAMMLER, Rodolf. Tratado de Filosofia del Derecho, trad. da 2ª ed., Ed. Réus, Madrid, 1930, p. 209 e segs.

8 "El Derecho justo es un peculiar modo de ser del Derecho positivo. De esta suerte, la concepción de Stammler supone que hay un Derecho positivo justo, otro injusto y otro parcialmente justo y parcialmente injusto. Si ello es así, frente a cada particular norma de un Derecho Positivo tine que ser posible cuestionarse si es o no ‘Derecho Justo’." (LARENZ, Karl. Derecho Justo – Fundamentos de Ética Jurídica, traduzido por Luiz Díez-Picaso, Civitas, Madrid, 1993, p. 21.

9 ZIPPELIUS, Reinhold, Teoria Geral do Estado, traduzido por Karin Praefke-Aires Coutinho, Fundação Calaouste Gulbenkian, 3ª ed., 1997, Lisboa, p. 419.

10 ZIPPELIUS, Reinhold, cit. ant., p. 420.

11 ZIPPELIUS, Reinhold, cit. ant., p. 387.

12 O artigo 9º da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 26.08.1789: "todo acusado se presume inocente até ser declarado culpado."

13 BARRETO, Ireneu Cabral. A Convenção Européia dos Direitos do Homem, Aequitas Editorial Notícias, Lisboa, 1995, p. 112.

14 "La presunción de inocencia es un elemento conforme al cual deben ser interpretadas todas las normas que componen nuestro ordenamiento." (PARDO, Miguel Angel Montañes, La Presunción de Inocencia, Aranzadi Editorial, 1999, Madrid, p. 35).

15 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada, Atlas, 2002, p. 385.

16 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada, Atlas, 2002, p. 385.

17 STF, Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 73.338/RJ, 1ª T., in RTJ 161/264.

18 MORAES, Alexandre de. cit. ant., p. 388.

19 LOBO, José Maria Queiroz. Princípios de Derecho Sancionador, Editorial Comares, Granada, 1996, ps. 92/93.

20 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis, Saraiva, 1992, p. 283.

21 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo, Malheiros, 1995, 20ª ed., p. 591.

22 AGU, Processo nº. 10168.001291/95-93, Parecer AGU/MF – 04/98, Parecer GQ 147 de 23 de abril de 1998, aprovado pelo Presidente da República em 27/04/98.

23 AGU, Processo nº. 03000-005894/95-10, Parecer GQ nº. 136, de 19 de janeiro de 1998, aprovado pelo Presidente da República em 26/01/98.

24 "A apenação é imprescindível que demonstradas, de maneira convincente, a materialidade e a autoria da infração, hipótese em que a edição do ato disciplinar torna-se compulsória. A caracterização da inobservância da proibição de receber a própria, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, compreendida no art. 117, XII, da Lei nº. 8.112, de 1990, pressupõe o exercício regular das atribuições cometidas ao servidor." (Parecer GQ 139 – AGU, de 30/01/98, aprovado em 19/02/98."

25 "Na hipótese em que a veracidade das transgressões disciplinares evidencia a conformidade da conclusão da Comissão de Inquérito com as provas dos autos, torna-se compulsório acolher a proposta de aplicação." (Parecer AGU nº. GQ 135, 8/12/97, aprovado em 18/12/97.

26 STJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, ROMS 11336-PE, 5ª T., DJ de 19.02.2001, p. 188.

27 ENGISH, Karl, Introdução do Pensamento Jurídico, traduzido por J. Batista Machado, 8ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 242.

28 SANTOS, Moacyr Amaral, A Prova Jurídica no Cível e Comercial, 1º V., 4ª ed., Max Limonad, 1970, São Paulo, ps. 19/20.

29 SOTELO, José Luis Vázquez. Presunción de inocencia del Imputado e Intima Convicción del Tribunal, Bosch, Barcelona, 1984, p. 241.

30 O artigo 1º da Convenção Européia dos Direitos do Homem estipula: "Obrigação de respeitar os direitos do homem."

31 LARENZ, Karl, Derecho Justo-Fundamentos de Ética Jurídica, cit. ant., p. 21.

32 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis, Justa Causa para a Ação Penal, Ed. RT, São Paulo, 2001, p. 18.

33 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Código de Processo Penal Comentado, vol. 2, Ed. Saraiva, São Paulo, 1997, p. 123.

34 MIRABETE, Júlio Fabrini, Código de Processo Penal Interpretado, 8ª Ed., Atlas, São Paulo, 2001, p. 1426.

35 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis, Justa Causa para a Ação Penal, Ed. RT, São Paulo, 2001, p. 291.

36 STF, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª T., HC 79.844-6, julgado em 15.02.2000, JSTF – LEX 260/361.

37 ROSS, Alf. Direito e Justiça, Edipro, São Paulo, 2003, p. 199.

38 TRF – 1ª Região, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, 3ª T., HC nº 2003.01.00.002342-4, julgado em 11.03.2003, Bol. IBCRIM 126/702, maio 2003.

39 TRF – 4ª Região, Rel. Des. Fed. Amir Sarti, HC nº 2002.04.01.004100-7, julgado em 25.03.2002, JSTJ 154/553.

40 STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T., HC 80.161-7, julgado em 27.06.2000, JSTF – LEX 267/349.

41 Cf. STJ, HC, Rel. Min. Costa Leite, RSTJ 29/113.

42 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 6ª ed., Armênio Amado – Editora, Coimbra, 1984, p. 52.

43 STF, Rel. Min. Victor Nunes, HC nº 42697/GB, 1ª T., DJ de 2.02.66, Ementário 642-01, p. 359.

44 Cf, TRF – 2ª Região: HC 95.02.29694-0, Rel. Des. Fed. Celso Passos, 3ª T., DJ de 26.10.96; HC 93.02.210010-3, Rel. Des. Fed. Celso Passos, 3ª T., DJ de 16.02.93; HC 93.02.20728-5, Rel. Des. Fed. Paulo Barata, 3ª T., DJ de 30.06.94; HC 93.02.00129-6, Rel. Des. Fed. Valmir Peçanha, 3ª T., DJ de 9.09.93.

45 TRF – 2ª Reg., Rel. Des. Fed. Celso Passos, HC 95.02.29694-0, 3ª T., DJ de 24.10.96.

46 STF, Rel. Min. Victor Nunes Leal, HC 42.697/GB, 1ª T., DJ de 2.02.66, p. 66.

47 FRAGOSO, Heleno Cláudio. "Ilegalidade e Abuso de Poder na Denúncia e na Prisão Preventiva", Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, cit. ant., ps. 72/73.

48 "Necessária é, para a aplicação do poder disciplinar, a ocorrência de ‘irregularidade no serviço’, quer dizer, explicitamente ‘falta aos deveres da função’ e não, portanto, mera insuficiência profissional genérica." (J. Guimarães Menegale, O Estatuto dos Funcionários, vol. II, Forense, 1962, p. 637.

49 MENEGALE, J. Guimarães. O Estatuto dos Funcionários, volume II, Forense, 1962, p. 638.

50 COSTA, José Armando da. Controle Judicial do Ato Disciplinar, Brasília Jurídica, ps. 202/203.

51 DALLARI, Adilson Abreu. Limitações à Atuação do Ministério Público, Malheiros, 2001, p. 38.

52 DALLARI, Adilson Abreu. cit. ant., p. 38.

53 "O jornalista transforma, de bom grado, o inquérito judiciário num duelo simbólico entre o juiz de instrução e o acusado, no qual o arbitro não é mais o juiz, mas sim o jornalista." (Antoine Garapon, O Juiz e a Democracia, Editora Revan, 1996, p. 80).

54 BARROSO, Luis Roberto. Temas de Direito Constitucional, tomo II, Renovar, 2002, p. 553.

55 STF, HC nº. 67.039/RS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 24/11/89.

56 STF, HC nº. 71.466/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19/12/94.

57 GUASQUE, Luiz Fabião e GUASQUE, Denise Freitas Fabião, O Ministério Público e a Sociedade, Freitas Bastos, p. 19.

58 "Uma das garantias mais expressivas do processo penal vigente nos países democráticos é a de que não pode haver processo sem um princípio de prova, sem um fumus boni iuris." (Weber Martins Batista, Liberdade Provisória, Forense, 2ª ed., 1985, p. 27).

59 "(...) II – No Processo Administrativo Disciplinar o ônus da prova incumbe à Administração." (AGU – Parecer nº. AGU/MF – 04/98 (Processo 10168.001291/95-93, de 23 de abril de 1998.)

60 Cf. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de, O Limite da Improbidade Administrativa – O Direito dos Administrados dentro da Lei nº 8.429/92, Ed. América Jurídica, Rio de Janeiro, 2004, p. 519.

61 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, atualizado por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho, 22ª ed., Forense, p. 731.

62 LIEBMAN, Enrico Tullio, Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, Intelectus Editora, 2003, Tocantins, ps. 25/26.

63 COUTURE, Eduardo J., Fundamentos del Derecho Procesal Civil, Editorial B de f. Montevidéo - Buenos Aires, 2004, Montevideo, p. 45.

64 "Alegação manifestadamente infundada, porque desarrazoada e contrária ao sistema jurídico e à jurisprudência firme, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, denota litigante de má-fé, a justificar, mesmo de ofício, a multa autorizada em lei" (STJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Resp nº 270.232, 4º T., julgado em 5.10.2000.)

65 "Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito: (...) VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual (...)"

66 "Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (...) III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal".

67 TFR, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, AC nº 157.480-CE, 6ª T., DJU de 19.04.89, p. 5.776.

68 GAZOTO, Luiz Wanderley. O princípio da não-obrigatoriedade da Ação Penal Pública, Ed. Manole, 2003, p. 132/133.

69 "É dever do Estado zelar pela lealdade processual, cabendo ao juiz, de ofício, aplicar a sanção cabível. Recurso não conhecido." (STJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Resp nº 51.208, 4ª T., DJ de 12.6.95., p. 17.628.)

70 TJ/SP, 4ª CC, RTJESP 117/42, apud TUCCI, Rogério Lauria. Ação civil pública: abusiva utilização pelo Ministério Público e distorção pelo Poder Judiciário, cit. ant., p. 356.

71 TUCCI, Rogério Lauria. "Ação civil pública: abusiva utilização pelo Ministério Público e distorção pelo Poder Judiciário", in Aspectos polêmicos da ação civil pública, Saraiva, 2003, p. 456.

72 STJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Resp. nº 65.906, 4ª T;, DJ de 02.03.98, p. 93.

73 STF, Rel. Min. Celso de Mello, Ed. 246.564-0, 2ª T., julgado em 19.10.99, RTJ 270/72.

74 STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual, RT, 2002, p. 57.

75 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. 1, 18ª ed., Forense, 1995, p. 430.

76 STOCO, Rui. cit. ant., p. 58.

77 STRENGER,Irineu. Reparação do dano internacional privado, RT, 1973, p. 24.

78 A denúncia deve necessariamente apresentar-se lastreada em elementos que evidenciam a viabilidade da acusação, sem que se configure abuso do poder de denunciar, coarctável por meio de habeas corpus." (STJ, RSTJ 37/104.)

79 Aprofundado em "Necessidade de justa causa para a instauração de processo administrativo disciplinar. Impossibilidade do procedimento genérico para que no seu curso se apure se houve ou não falta funcional", Mauro Roberto Gomes de Mattos, in Revista Ibero-Americana de Direito Público, vol. IX, Ed. América Jurídica, 2003, p. 175.

80 "(...) Ação penal. Trancamento. Denúncia inepta. A denúncia deve conter a narração do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias (CPP, art. 41), com precisa indicação da conduta impetrada ao réu, de modo a propiciar-lhe o pleno exercício do direito de defesa. É inepta a denúncia que formula acusação genérica ou que não aponta de modo circunstanciado qual o fato punível cuja autoria é imputada ao réu (...) (STJ, RSTJ 134/519.)

"É inepta a queixa-crime que, por meio de acusação genérica, imputa aos diretores de uma empresa um fato penalmente atípico." (STJ, RSTJ, 116/392.)

81 DALLARI, Adilson de Abreu. "Limitação do Ministério Público na ação civil pública", in Improbidade administrativa – questões polêmicas e atuais, Malheiros, 2001, p. 38.

82 DALLARI, Adilson de Abreu. cit. ant., p. 38.

83 STF, Rel. Min. Celso de Mello, MS nº 23.452/RJ, pleno, DJ de 12.5.2000.

84 FRAGOSO, Heleno Cláudio, Ilegalidade e Abuso de Poder na Denúncia e na Prisão Preventiva, cit. ant., p. 73.

85 Cf. LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da Legalidade, RT, São Paulo, 1994, p. 58.

86 WELZEL, Hans. Direito Penal, tradução de Afonso Celso Resene, Ed. Romana, 2ª Tiragem, 2004, Campinas, p. 35.

87 JESCHECK, Hans-Heinrich e WEIGEND, Tomas. Tratado de Derecho Penal – Parte General, Traduzido por Miguel Olmedo Cardenete, Ed. Comares, 5ª ed., 2002, Granada, p. 3.

88 Cf. ROSAS, Roberto. Do Abuso de Poder, tese de doutorado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 1968, Rio de Janeiro, p. 20.

89 "A regra de competência não é um "cheque em branco" concedido ao administrador. A Administração serve, especificamente, a interesses públicos caracterizados. Não é lícito ao agente servir-se de suas atribuições para satisfazer a interesses pessoais, sectários ou político-partidárias, ou mesmo a outro interesse público que não filie ao seu âmbito de competência." (TÁCITO, Caio. Direito Administrativo, Saraiva, 1975, São Paulo, p. 5)

90 TÁCITO, Caio. Ob. cit. ant., p. 7.

91 TÁCITO, Caio. "Desvio de Poder do Controle dos Atos Administrativos, Legislativos e Jurisdicionais", Revista Trimestral de Direito Público, nº 4/93, Malheiros, 1993, São Paulo, p. 32.

92 LAFERRIÉRE, Traité de la juriduction administrative et des recours contentieut, 2ª ed., 1988, p. 584, apud ISAC, Jaime Sanches. La Desviación de poder en los derechos francés, italiano y español, Instituto de Estudios de Administración Local, 1973, Madrid, ps. 64/65.

93 HAURIOU, Maurice, Précis de Droit Administratif et de Droit Public, 9ª ed., 1919, Paris, p. 508.

94 LAUBADÉRE, André de. Traité élementaire de Droit Administratif, 1957, Paris, p. 681.

95 BEURDELEY, Le détournement de pouvoir dans l’intérêt financier ou patrimonial de l’Administration, 1928, Paris, p. 11

96 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Processual Penal, V. II, Saraiva, 1980, São Paulo, p. 90.

97 GAZOTO, Luís Wanderley. O Princípio da não-obrigatoriedade da Ação Penal, Manole, 2003, São Paulo, p. 93

98 GAZOTO, Luís Wanderley. Cit. ant., p. 94.

99 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Cit. ant., p. 75.

100 JARDIM, Afrânio Silva. Ação Penal Pública: Princípio da Obrigatoriedade, 3ª ed., forense, 1998, Rio de Janeiro, p. 48.

101 MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, RT, 1991, São Paulo, p. 78.

102 CRETELLA JUNIOR, Helly. O Desvio de Poder na Administração Pública, Forense, 1997, rio de Janeiro, ps. 63/94.

103 BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política, FGV, 1983, Rio de Janeiro, p. 674.

104 GAZOTO, Luís Wanderley. Ob. cit. ant., p. 119.

105 HAURIOU, Maurice. Précis Elementaire de Droit Administratif, 5ª ed., 1943, Paris, p. 230.


Autor

  • Mauro Roberto Gomes de Mattos

    Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

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Título original: "Ilegalidade e abuso de poder na investigação policial e administrativa, na denúncia e no ajuizamento de ação de improbidade administrativa, quando ausente de uma justa causa".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Ilegalidade e abuso de poder na investigação policial e administrativa, na denúncia e no ajuizamento de ação de improbidade administrativa. Ausência de justa causa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 657, 25 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6624. Acesso em: 23 abr. 2024.