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Benefícios coletivos, custeio da atividade sindical e entendimentos recentes das supremas cortes de Brasil e Estados Unidos a respeito

Benefícios coletivos, custeio da atividade sindical e entendimentos recentes das supremas cortes de Brasil e Estados Unidos a respeito

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O artigo comenta recentes decisões do Supremo Tribunal Federal do Brasil e da Suprema Corte dos Estados Unidos a respeito da contribuição sindical e busca apontar problemas na discrepância entre contribuição sindical facultativa e a abrangência das decisões judiciais.

Quando trabalhadores se unem para discutir suas queixas –mais ainda, quando formam associações de extensão nacional, arrecadam uma receita independente, elegem comitês representativos permanentes, e prosseguem para atuar e barganhar como corpos corporativos – eles estão formando, dentro do Estado, uma democracia espontânea deles mesmos.[1]

A relevante atuação dos sindicatos, acima apontada, sofreu forte golpe. As Cortes Supremas, tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos, adotaram entendimento a respeito da impossibilidade de financiamento compulsórios dos sindicatos; entendeu-se pela liberdade de escolha – ou de expressão de ideias – do indivíduo, ao qual caberia a decisão de custear ou não a atividade sindical respectiva da sua categoria, ainda que esse atue em negociação coletiva em favor de toda a categoria.

Agora, além da decisão de ingressar em um sindicato, aos trabalhadores (no caso americano, aos servidores públicos) cabe a decisão de financiar a atuação do sindicato (o qual, por decisão individual, já não integra).

Interessante discussão sempre existiu a respeito do ingresso do trabalhador em um sindicato de categoria. Ao tratar dos sindicatos em sua obra clássica, A Lógica da Ação Coletiva, Mancur Olson[2] afirma que ‘a maioria das conquistas de um sindicato, mesmo que fosse mais impressionantes do que reivindica o mais entusiasta dos sindicalistas, não poderia representar para o trabalhador racional nenhum incentivo para que ele se sindicalizasse’.

Então, já se parte da premissa do desinteresse individual em ingressar no ente sindical de sua categoria; tudo dentro de um cálculo, racional, de custo-benefício.

Nos EUA, a Suprema Corte, por maioria apertada (5 x 4), alargou tal discussão, ao fundamentar sua decisão na liberdade de pensamento, de forma que um servidor público sindicalizado[3] não pode ser obrigado a custear atuação sindical em negociações coletivas, que pode manifestar ideia com a qual não concorde, mesmo que se trate de uma discussão de direitos (onde haveria alguma forma de manifestação da posição do ente sindical). Entendeu que a Primeira Emenda seria violada se se exigisse contribuição financeira de funcionários públicos sem seu consentimento.

Nos Estados Unidos, desde precedentes anteriores da Suprema Corte, é feita distinção, quanto à atividade dos órgãos sindicais, entre ações políticas e negociações coletivas (‘politic activities’ e ‘collective bargaining’); a mudança jurisprudencial se deu no caso das segundas – em que o sindicato é o representante exclusivo dos trabalhadores – onde se posicionou a Corte de que ainda aí haveria alguma manifestação de opinião do sindicato, com a qual não pode ser obrigado o funcionário público a custeá-la, tendo tolhida, ainda que indiretamente, sua liberdade de expressão.

Já no Brasil a abordagem foi semelhante, ainda que houvesse discussão formal entre necessidade de lei complementar ou lei ordinária, e que o trabalhador teria total liberdade de escolha, não podendo ser obrigado a custear atividade sindical. O entendimento vencedor, do Ministro Luiz Fux, foi o de que ‘não se pode admitir que a contribuição sindical seja imposta a trabalhadores e empregadores quando a Constituição determina que ninguém é obrigado a se filiar ou a se manter filiado a uma entidade sindical’[4].

Algo se falou sobre modelo sindical – aqui e lá – mas pouco se discutiu tanto sobre o impacto da decisão sobre os orçamentos dos sindicatos e, principalmente, a situação paradoxal que se estabelece entre custos e benefícios, criando a situação dos ‘free riders’, ou caroneiros, que irão se beneficiar de uma negociação coletiva mesmo sem pagamento da contribuição financeira (taxa de agenciamento, como se diz nos EUA). Em resumo: todos são livres a se sindicalizar e a contribuir para negociações sindicais, ao mesmo tempo em que poderão se beneficiar dos benefícios coletivos obtidos por tais entes.

Aos sindicatos cabe a defesa da categoria – que se beneficia, na totalidade, da atuação do órgão sindical. Há o que Mancur Olson chama de ‘benefício coletivo’[5], indivisível e indistinto entre todos; se o sindicato negocia e obtém aumento salarial, por exemplo, todos o receberão, sindicalizados ou não; e agora, custeando ou não tal atuação.

Todavia, os mesmos trabalhadores no Brasil e servidores públicos nos Estados Unidos não mais serão obrigados a custear os sindicatos de suas respectivas classes profissionais. Sob a ótica individual, vale lembrar advertência de que ‘o membro do sindicato [...] não tem nenhum incentivo para se sacrificar mais do que é forçado a sacrificar’[6]

Aqui há um claro descolamento entre benefício e custo para sua obtenção. E relembre-se a ponderação de Mancur Olson[7]:

Embora todos os membros do grupo tenham consequentemente um interesse comum em alcançar esse benefício coletivo, eles não têm nenhum interesse comum no que toca a pagar o custo do provimento desse benefício coletivo.

Interesse esse agora salvaguardado pelo Poder Judiciário; alguém (possibilidade concreta) se beneficiará às custas dos outros, agora com salvaguarda do Poder Judiciário (americano) e dos Poderes Legislativo[8] e Judiciário (brasileiro). Sob pretexto da liberdade – de expressão, de associação e de decisão a respeito de contribuir financeiramente ou não – os bônus serão gozados, enquanto os ônus não serão repartidos. A lógica econômica – individual – prevalece no caso.

Os votos divergentes bem destacaram tal aspecto: o Ministro Edson Fachin, relator vencido na votação do Supremo (6x3 pela constitucionalidade da lei extintiva da contribuição), trouxe análise histórica e enfatizou o modelo sindical tripartido trazido pelo constituinte de 1988: unicidade sindical, representatividade obrigatória e custeio obrigatório das entidades sindicais.

Haveria, aí, relação próxima e direta, dependente mesmo, entre a representatividade e o custeio, ambos obrigatórios; a lógica constitucional é aquela acima apontada, de custos e benefícios: se todos os membros da categoria se beneficiam pela atuação sindical, todos devem custeá-la. Se o benefício não distingue sindicalizados ou não, e se direciona à categoria, seria essa quem deve financiá-lo.

Maurício Godinho Delgado[9] assim descreve essa dinâmica:

É que, pelo sistema constitucional trabalhista do Brasil, a negociação coletiva sindical favorece todos os trabalhadores integrantes da correspondente base sindical, independentemente de serem (ou não) filiados ao respectivo sindicato profissional.

Essa repartição de gastos entre os beneficiários que foi impedida. Prevaleceu interpretação isolada da liberdade sindical (artigo 8º, caput, da Constituição), em detrimento de interpretação do conjunto da questão sindical (parágrafos de tal artigo), concentrada na tomada de decisão pelo legislador (esse poderia fazê-lo?). A questão deveria ter se concentrado no conjunto dos incisos III e IV do artigo 8º, especialmente esse último, ao mencionar o custeio das atividades sindicais por contribuição fixada por assembleia, ‘independentemente da contribuição prevista em lei’.

Resta pendente, assim, para ambas as Supremas Cortes, responder diversas questões, acima adiantadas, mas que podem ser resumidas à participação dos beneficiários na divisão dos custos das negociações coletivas, judiciais ou extrajudiciais. Haverá apenas beneficiários? Qual o incentivo para ingresso nos entes sindicais, que realizam representação conjunta – e por isso mais forte – dos trabalhadores?

Uma saída, apontada na doutrina jurídica brasileira[10], seria a chamada ‘cota de solidariedade’:

A par disso – ainda dentro do tema do custeio sindical -, a nova lei não autoriza a cobrança, em face dos trabalhadores representados, da cota de solidariedade (também chamada de contribuição negocial ou contribuição assistencial), que é fixada em convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho como fórmula de reforço do sindicalismo, após alcançada a vitória na negociação coletiva trabalhista.

Essa seria uma interessante saída – forma de repartição dos custos entre os beneficiários de negociação coletiva – mas que não contou com amparo legal, havendo já entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (com a mesma abordagem da liberdade de associação sindical) contrário.[11]

E a Suprema Corte dos Estados Unidos foi clara, ao afirmar que o ‘o dever de representação justa é necessariamente concomitante com a autoridade que um sindicato procura quando escolhe ser o representante exclusivo’.[12] E por isso seria risco assumido, no caso quase um efeito colateral de um ‘dever de representação’.

De forma que, tanto sob uma abordagem da ação coletiva quanto sob a teoria de interpretação constitucional dos poderes implícitos, houve sério prejuízo à representação sindical, a própria defesa coletiva de interesses de categorias. Restarão aos sindicatos suas amplas competências e afastada importante fonte de custeio; aos integrantes das categorias foram mantidos os benefícios e afastados os ônus correspondentes.

Não se pode olhar para a questão apenas sob a ótica do indivíduo –  que, racionalmente atuando, não atuará em prol dos interesses comuns se não coagido a tanto – mas sob a ótica coletiva, instituição sindical como intermediária entre patrões e empregados, entre o microcosmo do trabalhador e os entes coletivos: empresa e Estado. Ao se esvaziar fonte de custeio, prejudica-se a concretização da democracia (industrial) que os entes sindicais exercem historicamente, e que se faz a cada dia mais importante.

Vale, ao final, a advertência[13]:

Os trabalhadores simplesmente não teriam poder de negociação para melhorar as suas condições e trabalho ou seus salários porque cada trabalhador individual que começasse a fazer essas reivindicações correria o risco de ser substituído por outro trabalhador ou por maquinaria.

[...]

Quanto mais a fração relativa de interesse decresce – interesses representados por sindicatos em seu papel de atores nas negociações coletivas – tanto mais limitada se torna também aquela parte dos interesses que pode ser defendida por greves e outras formas de ação e mobilização coletiva.


Notas

[1] WEBB, Sidney. WEBB, Beatrice. Industrial Democracy.  Disponível em www.archive.org/details/industrialdemocr00webbuoft, acesso em 05/07/2018, página 808.

[2] OLSON, Mancur. A Lógica da Ação Coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais. 1 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015. páginas 89,90.

[3] Vale destacar que a discussão posta perante a Suprema Corte americana se limitava aos sindicatos de funcionários públicos.

[4]Retirado de http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=382819&caixaBusca=N, acesso em 05 de julho de 2018.

[5] Interessante sua abordagem, de que ‘aqueles que não pagam por nenhum dos benefícios públicos ou coletivos de que desfrutam não podem ser excluídos ou impedidos de participar do consumo desses benefícios’ (OLSON, Mancur. Op., cit., pp. 26,27).

[6] OLSON, Mancur. Op., cit., p. 105.

[7] OLSON, Mancur. Op., cit., p. 33.

[8] A contribuição sindical obrigatória foi extinta pela Lei 13.467, de 2017 (Reforma Trabalhista).

[9] DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. p. 243.

[10] DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p 45, que aponta ainda a extinção da contribuição sindical como uma das maneiras pelas quais o legislador da reforma trabalhista contribuiu ao ‘enfraquecimento do sindicalismo no país’.

[11] Orientação Jurisprudencial da Seção de Direitos Coletivos nº 17: ‘CONTRIBUIÇÕES PARA ENTIDADES SINDICAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA EXTENSÃO A NÃO ASSOCIADOS. (mantida) -  DEJT  divulgado em 25.08.2014. As cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados.’

[12] Em tradução pessoal do ‘Syllabus’ do julgamento.  Disponível em https://www.supremecourt.gov/opinions/17pdf/16-1466_2b3j.pdf, acesso em 04-07-2018.

[13] OFFE, Clauss. WIESENTHAL, Helmut. Duas lógicas da ação coletiva: notas teóricas sobre a classe social e a forma de organização.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Marcelo Moura da. Benefícios coletivos, custeio da atividade sindical e entendimentos recentes das supremas cortes de Brasil e Estados Unidos a respeito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5810, 29 maio 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67701. Acesso em: 25 abr. 2024.