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O Decreto n. 9.412/18 e as hipóteses de licitação dispensável em razão do valor

O Decreto n. 9.412/18 e as hipóteses de licitação dispensável em razão do valor

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Analisa-se a consequência da mudança nos limites da licitação dispensável em razão do valor, previstos no artigo 24 da Lei n.° 8.666/93.

INTRODUÇÃO

A Lei de Licitações e Contratos Administrativos sofre críticas das mais variadas esferas. Uma delas atingia especificamente os valores atinentes à licitação dispensável, haja vista a desatualização dos limites previstos, que por mais de duas décadas não receberam atenção da Administração Pública Federal.

Com a publicação do Decreto n.° 9.412/18, fundamentado no artigo 120 da Lei n.° 8.666/93, foram atualizados os montantes que balizam a utilização das modalidades licitatórias e, consequentemente, vários dispositivos que lhes são diretamente relacionados.

A presente pesquisa foi desenvolvida ao cabo de três capítulos. O primeiro aborda a possibilidade jurídica de atualização dos valores do artigo 23 da Lei n.° 8.666/93 por meio de Decreto, medida que foi adota de modo inédito em relação à lei em referência.

O segundo capítulo indica as consequências das mudanças promovidas nos incisos I e II do artigo 23 da Lei n.° 8.666/93, mediante análise dos dispositivos que lhe são consectários.

No terceiro capítulo a abordagem recai sobre os casos de licitação dispensável em razão do valor. Como a mudança ocorreu no curso do exercício financeiro de 2018, há que se indagar sobre o modo de aplicação dos novos limites. Precisamente, o problema de pesquisa indaga acerca da aplicação integral ou proporcional dos novos montantes.

O objetivo da pesquisa é apontar caminhos à aplicação dos novos montantes impostos para a licitação dispensável em razão do valor, notadamente os previstos nos incisos I e II do artigo 24 da Lei n.° 8.666/93, abordagem que se justifica para evitar o uso inadequado das hipóteses de aquisição direta.

O método de abordagem utilizado na pesquisa foi o dialético jurídico, notadamente para o confronto entre as possíveis aplicações dos novos limites de licitação dispensável para o exercício financeiro de 2018, paralelamente aos métodos de pesquisa bibliográfico e documental.


1. DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DE ATUALIZAÇÃO DOS VALORES DO ARTIGO 23 (E CONSECTÁRIOS) DA LEI N.° 8.666/93 POR MEIO DE DECRETO

A Administração Pública brasileira é carregada de práticas ortodoxas que se repetem sem que se avalie periodicamente a manutenção do respectivo fundamento de validade – se remanesce perante o ordenamento jurídico, verbi gratia. Por outro lado, o desuso de possibilidades legais conduz, em não raras oportunidades, à conclusão acerca da sua impossibilidade, como se o tempo pudesse suprimir a vigência de normas cunhadas de permanência.

No caso da Lei n.° 8.666, de 21 de junho de 1993, um dos seus artigos permaneceu figurativo até junho de 2018. Precisamente, o artigo 120, que viabilizava instrumento vital ao referido conjunto normativo, somente foi utilizado após décadas. No período – de desuso –, não é ousadia supor incontáveis prejuízos à Administração, como a execução de procedimentos licitatórios morosos e dispendiosos ao invés da aquisição direta, em razão da desatualização monetária do texto estável – constante dos incisos I e II do artigo 23 da referida lei.

A desatualização dos valores utilizados como parâmetro à adoção das modalidades licitatórias (e consectários) previstos na Lei n.° 8.666/93 sofria crítica constante. O enfrentamento cotidiano da perda de eficiência em decorrência da estagnação do texto legal foi diretamente suportado pelos departamentos de licitação das esferas públicas nacionais, e atingiu, em última análise, o grupo social destinatário dos serviços públicos. 

A redação que previa os valores que deveriam ser utilizados como balizas à utilização das modalidades licitatórias – e, consequemente, às hipóteses de licitação dispensável – foram alterados, por meio de lei, em 1998, oportunidade na qual foram convertidos para reais os montantes ainda previstos em cruzeiros.

Diante disso, pode causar estranheza a modificação atual, promovida por meio de Decreto, haja vista o objeto deste, que não pode inovar em relação ao texto legal. Regulamento, nesse contexto, é o

ato geral e (de regra) abstrato de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública[1]. (grifo do autor)

Ao analisar a finalidade dos regulamentos, Marcelo de Carvalho bem afirma que “só há que se falar em regulamento quando existir espaço para a atuação da Administração”[2]. Para ele, quando não há espaço de atuação, consequentemente também não há que cogitar da necessidade do regulamento[3].

No caso da Lei n.° 8.666/93, o espaço de atuação para Administração foi explicitamente inserido no artigo 120, que prevê:

Art. 120.  Os valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período.

Trata-se de faculdade, conforme menciona Marçal Justen Filho[4], que finalmente foi exercida pelo Presidente da República. Não obstante a possibilidade legal e a hialina necessidade, nenhum Presidente havia utilizado esse caminho para operar a atualização de valores, realidade modificada por meio do Decreto n.º 9.412, de 18 de junho de 2018.

A necessidade, aliás, foi evidenciada por meio da Nota Técnica n.° 1.081/2017, editada no âmbito do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, que constatou, entre junho de 1998 – data da promoção da última modificação nos valores do artigo 23 da Lei n.° 8.666/93 – e maio de 2017 – data de elaboração da Nota Técnica –, uma variação superior a 230% (duzentos e trinta por cento)[5].

A Nota Técnica n.° 1.081/2017 demonstra a relevância de elevação das balizas licitatórias para viabilizar a economia de recursos públicos, haja vista a necessidade execução de procedimentos para aquisição de obras, produtos e serviços ao invés da contratação de modo célere e módico, isto é, mediante dispensa de licitação[6].

O Decreto em comento possui somente 2 dispositivos. O primeiro atualiza os valores previstos nos incisos I e II do artigo 23 da Lei n.º 8.666/93 e o segundo é a cláusula de vigência, marcada para 30 (trinta) dias após a publicação. Ou seja, precisamente, em 19 de julho de 2018[7].

Com as atualizações o quadro comparativo entre os valores novos e antigos (previstos para os incisos I e II do artigo 23 da Lei n.º 8.666/93) fica estabelecido nos seguintes termos:

Obras e serviços de engenharia

Outras compras e serviços

Lei n.º 8.666/93

Dec. n.º 9.412/18

Lei n.º 8.666/93

Dec. n.º 9.412/18

Convite

Até R$ 150.000,00

Até R$ 330.000,00

Até R$ 80.000,00

Até R$ 176.000,00

Tomada de Preços

Até R$ 1.500.000,00

Até R$ 3.300.000,00

Até R$ 650.000,00

Até R$ 1.430.000,00

Concorrência

Acima de R$ 1.500.000,00

Acima de R$ 3.300.000,00

Acima de R$ 650.000,00

Acima de R$ 1.430.000,00

A atualização dos valores previstos no artigo 23 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos implica na alteração de vários dispositivos consectários, conforme análise indicada a seguir.


2. DISPOSITIVOS CONSECTÁRIOS DOS INCISOS I E II DO ARTIGO 23 DA LEI N.° 8.666/93 

As mudanças operacionalizadas em decorrência do conteúdo normativo do Decreto n.° 9.412/18 extrapolam os limites do artigo 23 da Lei n.° 8.666/93, haja vista que há uma série de dispositivos que são dependentes dos valores nele previstos.

O primeiro dispositivo que sofre modificação em virtude da alteração promovida pelo Decreto Presidencial é o inciso V, do artigo 6°, da Lei n.° 8.666/93.

Art. 6° Para os fins desta Lei, considera-se:

[...]

V - Obras, serviços e compras de grande vulto - aquelas cujo valor estimado seja superior a 25 (vinte e cinco) vezes o limite estabelecido na alínea "c" do inciso I do art. 23 desta Lei.

Com a mudança, o que se considera obra, serviço e compra de grande vulto passa a ser aquele que supera o patamar de R$ 82.500.000,00 (oitenta e dois milhões e quinhentos mil reais)[8].

O limite para a adoção do leilão para venda de bens móveis passa a ser de R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais)[9], haja vista a previsão do § 6° do artigo 17 da Lei de Licitações:

Art. 17.  A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

[...]

§ 6° Para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior ao limite previsto no art. 23, inciso II, alínea "b" desta Lei, a Administração poderá permitir o leilão.

Nos casos de licitação dispensável, previstos no artigo 24 da Lei n.° 8.666/93, três incisos são atingidos pela mudança no dispositivo antecedente (precisamente, os incisos I, II e XXI).

A principal mudança, fruto, inclusive, da provocação do Ministério da Transparência e da Controladoria Geral da União, é a decorrente da licitação dispensável em razão do valor, nos termos dos incisos I e II do artigo 24 da Lei de Licitações, que prevê:

Art. 24.  É dispensável a licitação:

I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez.

A partir de agora, os novos valores para as referidas hipóteses de licitação dispensável são os seguintes:

a) R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais), para obras e serviços de engenharia[10];

b) R$ 17.600,00 (dezessete mil e seiscentos reais), para outras compras e serviços[11].

No caso de dispensa de licitação de produtos para pesquisa e desenvolvimento, o novo limite é de R$ 660.000,00 (seiscentos e sessenta mil reais)[12], em consequência do que prevê o inciso XXI, do artigo 24, da Lei n.° 8.666/93:

Art. 24.  É dispensável a licitação:

[...]

XXI - para a aquisição ou contratação de produto para pesquisa e desenvolvimento, limitada, no caso de obras e serviços de engenharia, a 20% (vinte por cento) do valor de que trata a alínea “b” do inciso I do caput do art. 23.

Outro dispositivo que utiliza a base modificada pelo Decreto 9.412/18 é o artigo 39 da Lei de Licitações, que prevê:

Art. 39.  Sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea "c" desta Lei, o processo licitatório será iniciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela autoridade responsável com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização, pelos mesmos meios previstos para a publicidade da licitação, à qual terão acesso e direito a todas as informações pertinentes e a se manifestar todos os interessados.

Portanto, consideram-se licitações de grande vulto as que superem R$ 330.000.000,00 (trezentos e trinta milhões de reais)[13], para as quais continua necessária a realização de audiência pública.

No caso das contratações verbais, o limite sobe a R$ 8.800,00 (oito mil e oitocentos reais)[14], nos termos do parágrafo único, do artigo 60 da Lei n.° 8.666/93:

Art. 60.  [...]

Parágrafo único.  É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.

O limite para dispensa do recebimento provisório de obras e serviços também foi alterado. Ele passa a ser de R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais)[15], por consequência do que prevê o inciso III, do artigo 74, da Lei de Licitações:

Art. 74.  Poderá ser dispensado o recebimento provisório nos seguintes casos:

[...]

III - obras e serviços de valor até o previsto no art. 23, inciso II, alínea "a", desta Lei, desde que não se componham de aparelhos, equipamentos e instalações sujeitos à verificação de funcionamento e produtividade.

Não obstante todas as alterações decorrentes da atualização dos valores previstos no artigo 23 da Lei n.° 8.666/93, as que demandam maior atenção decorrem do artigo 24, que disciplinam casos de licitação dispensável em razão do valor, assunto que será abordado na sequência. 


3. NOVOS VALORES PARA A LICITAÇÃO DISPENSADA: APLICAÇÃO PROPORCIONAL OU INTEGRAL (DOS NOVOS VALORES) PARA O EXERCÍCIO DE 2018? 

Não há dúvida quanto à possibilidade jurídica de atualização dos valores constantes do artigo 23 da Lei n.° 8.666/93, nem da automática atualização dos limites à licitação dispensada. No último caso, Diogenes Gasparini há muito já informava:

O valor de R$ 150.000,00, instituído, na hipótese, como teto, nos termos do art. 120 do Estatuto, pode ser revisto pelo Executivo federal, observada como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período, acarretando, se isso acontecer, a alteração do limite de dispensabilidade. Esses e os valores decorrentes da revisão são obrigatórios para Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, que, no entanto, podem fixar limites menores.[16]

Também não há dúvida quanto aos certames iniciados após a vigência do Decreto, que devem ser executados em observância aos novos valores. Mas questão interessante atine às hipóteses de dispensa de licitação pelo valor, que decorrem dos incisos I e II do artigo 24 da Lei n.º 8.666/93, a partir da qual duas possíveis interpretações podem ser extraídas em decorrência da mudança operacionalizada pelo Decreto n.º 9.412/18.

A primeira, de que suas normas se aplicam integralmente a partir da vigência. Em outras palavras, significa que a Administração Pública terá os novos limites integralmente aplicáveis já para o exercício em curso. Desse modo, o ente público que, até 18 de julho de 2018, já havia gasto valores correspondentes à totalidade da licitação dispensada ganhará um saldo de mais R$ 18.000,00 (dezoito ml reais) – no caso de obras e serviços de engenharia[17] – ou de mais R$ 9.600,00 (nove mil e seiscentos reais) – no caso de outras compras ou serviços[18].

A segunda, de modo diverso, pondera para a necessidade de aplicação proporcional de valores, considerada a data de início de vigência do instrumento normativo que atualizou os valores em análise. Desse modo, deveria haver aplicação proporcional dos valores em relação ao número de meses remanescentes em 2018, caso em que a incidência integral ocorreria apenas para o exercício de 2019.

Pesa a favor da primeira interpretação a desatualização demonstrada pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União e a imperiosa e imediata necessidade de correção do impasse. Por essa ótica não haveria razão para postergar (apenas) para 2019 a incidência completa dos novos valores.

Por outro lado, estender de modo singelo o limite estabelecido pode livrar do ilícito o agente público que já tenha extrapolado esse patamar quando do início da vigência do Decreto em análise, ou acudir o planejamento inadequado, inclusive o que já estava na iminência de romper as zonas limítrofes da licitação dispensável.

Para estabelecer o valor proporcional aplicável ao exercício de 2018, caso se conclua pela adequação da segunda linha de interpretação do Decreto n.° 9.412/18, é necessário realizar algumas operações matemáticas simples.

Se o montante de R$ 33.000,00 (ou R$ 17.600,00) é o limite para licitações dispensáveis durante um exercício financeiro, primeiro deve-se dividir este valor por 365 dias. O total da operação é R$ 90,41 para obras e serviços de engenharia, e de R$ 48,21 para outras compras e serviços[19].

Contados a partir de 19 de julho – data de início da vigência do Decreto n.º 9.412/18 –, restam 166 (cento e sessenta e seis dias) dias para o término do exercício financeiro de 2018[20]. Essa quantidade multiplicada pelo valor diário obtido nas operações anteriores, gera o resultado de R$ 15.008,06 (quinze mil, oito reais e seis centavos) em relação às obras e serviços de engenharia, e de R$ 8.002,86 (oito mil, dois reais e oitenta e seis centavos) em relação às outras compras e serviços.

Em análise superficial pode parecer que basta a somatória desses valores ao montante previsto pela legislação anterior, o que geraria os valores de R$ 30.008,06 (trinta mil, oito reais e seis centavos) para obras e serviços de engenharia e R$ 16.002,86 (dezesseis mil, dois reais e oitenta e seis centavos) para outras compras e serviços. Mas essa premissa é equivocada, porque o montante anterior também deve ser calculado proporcionalmente em relação ao período remanescente do exercício de 2018, haja vista o decurso parcial do exercício[21].

Nesse contexto, devem ser realizadas as operações feitas anteriormente em relação aos novos valores, ou seja, deve-se calcular o valor diário em relação aos valores da legislação anterior e, na sequência, subtraí-los dos valores proporcionais fixados pela nova legislação. É somente dessa forma que a diferença real poderá ser obtida.

Ao dividir R$ 15.000,00 (quinze mil reais) por 365 dias, obtém-se o total de R$ 41,09 (quarenta e um reais e nove centavos). Já a divisão de R$ 8.000,00 (oito mil reais) por 365 dias gera o resultado de R$ 21,91 (vinte e um reais e noventa e um centavos). Esses valores diários, multiplicados pelos dias remanescentes do exercício de 2018 – 166 dias, como mencionado – resultam, para obras e serviços de engenharia, no montante de R$ 6.820,94 (seis mil, oitocentos e vinte reais e noventa e quatro centavos), e para outras compras e serviços, no importe de R$ 3.637,06 (três mil, seiscentos e trinta e sete reais e seis centavos).

Os montantes proporcionais fixados pela legislação anterior, subtraídos dos montantes proporcionais estabelecidos pelo Decreto n.º 9.412/18 geram os seguintes resultados: R$ 8.187,12 (oito mil, cento e oitenta e sete reais e doze centavos) para obras e serviços de engenharia, e R$ 4.365,80 (quatro mil, trezentos e sessenta e cinco reais e oitenta centavos) para outras compras e serviços.

Esses valores devem ser somados aos limites (totais) estabelecidos pela legislação anterior, de modo objetivo, haja vista a necessidade de salvaguarda do princípio da isonomia, bem como a impossibilidade de previsão da mudança no período anterior à publicação do Decreto n.° 9.412/18. Com efeito, não se pode calcular de modo diverso os montantes proporcionais em decorrência de ter o ente público já consumido, ou não, o total permitido para licitações dispensáveis.

Por isso, em termos proporcionais, os valores para o exercício de 2018 são de:

a) R$ 23.195,18 (vinte e três mil, cento e noventa e cinco reais e dezoito centavos), para obras e serviços de engenharia;

b) R$ 12.368,66 (doze mil, trezentos e sessenta e oito reais e sessenta e seis centavos), para outras compras e serviços.

A Administração Pública deve estar atenta à possibilidade aventada, notadamente em vista das implicações decorrentes da aplicação inadequada da licitação dispensada. Por isso muitos devem optar pela precaução e ainda resistirem ao uso da integralidade dos novos valores admitidos para as aquisições diretas em 2018.

O Decreto n.º 9.412/18 poderia ter explicitado a aplicação, retroagindo efeitos da norma para janeiro de 2018 (caso em que se evidenciaria a incidência integral para este exercício), ou postergando-os para janeiro do exercício subsequente, ainda que especificamente em relação às hipóteses de licitação dispensável. Como não o fez, cabe aos intérpretes do Direito fixar o modo mais adequado à utilização das novas balizas.

É possível cogitar se a vacatio de 30 (trinta) dias não é um sinal acerca da aplicação proporcional para o exercício de 2018. Mas a resposta negativa é a mais provável, pois a vacatio destina-se mais à programação das licitações, que agora observam novas balizas valorativas, e menos aos consectários das mudanças promovidas nos incisos I e II do artigo 23 da Lei n.º 8.666/93.


CONCLUSÕES

Ao final da presente pesquisa, conclui-se pela clara possibilidade de utilização do Decreto como instrumento de atualização dos valores previstos na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, seja em decorrência da natureza do instituto, bem como em virtude de expressa autorização constante do texto legal.

Os novos valores dos incisos I e II do artigo 23 da Lei n.° 8.666/93, fixados após mais de duas décadas de estagnação, superam o dobro dos montantes anteriores, o que se mostra razoável e tem o condão de evitar a realização de procedimentos licitatórios que muitas vezes superam o custo da economia obtida, como bem indicou o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, por meio da Nota Técnica n.° 1.081/2017.

Em razão das mudanças promovidas pelo Decreto n.° 9.412/18, vários dispositivos consectários tiveram suas balizas modificadas, como:

 o artigo 6°, V; artigo 17, § 6°; artigo 24, I, II e XXI; artigo 39; artigo 60; e artigo 74. Destes, o que chama maior atenção é o artigo 24, em relação às hipóteses de licitação dispensável em razão do valor.

Com o início da vigência do Decreto n.° 9.412/18, duas interpretações podem ser extraídas em relação aos novos patamares aplicáveis às hipóteses de licitação dispensável. O primeiro indica a incidência integral no novo montante para o exercício financeiro em curso (R$ 33.000,00 para obras e serviços de engenharia, e R$ 17.600,00 para outras compras e serviços). Já o segundo pondera a necessidade de uma aplicação proporcional para o exercício de 2018 (R$ 23.195,18 para obras e serviços de engenharia, e R$ 12.368,66 para outras compras e serviços), e integral a partir de 2019.

A prudência recomenda a aplicação proporcional, não obstante o texto vigente do Decreto n.° 9.412/18 não tenha estipulado aludida necessidade. A hipótese aventada considera a programação orçamentária continuada, que receberia um alento proporcional em 2018 para, em 2019, ser integralmente balizada pelos novos parâmetros.

Não obstante, a presente pesquisa não tem o condão de lançar uma inclinação definitiva ao problema, mas sim de provocar possíveis leituras que permearão a análise da gestão pública em sede de controle interno e externo, bem como de buscar a melhor maneira de tutelar o erário. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Decreto n.° 9.412, de 18 de junho de 2018. Atualiza os valores das modalidades de licitação de que trata o art. 23 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9412.htm>. Acesso em: 10 jul. 2018.

______. Lei n.° 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cciViL_03/LEIS/L8666cons.htm>. Acesso em: 10 jul. 2018.

______. Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União. Nota Técnica n.°1.081/2017/CGPLAG/DG/SFC. Processo n.° 00190.106218/2017-33. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/noticias/2017/07/cgu-divulga-estudo-sobre-eficiencia-dos-pregoes-realizados-pelo-governo-federal/nota-tecnica-no-1-081-2017-cgplag-dg-sfc.pdf/view>. Acesso em: 12 jul. 2018.

Carvalho, Marcelo de. O decreto regulamentar como atividade legislativa do poder executivo. Revista Jurídica "9 de Julho", n.1, São Paulo, 2002, pp. 117-128. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/alesp/biblioteca-digital/obra/?id=358>. Acesso em 12 jul. 2018.

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.


Notas

[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 339.

[2] Carvalho, Marcelo de. O decreto regulamentar como atividade legislativa do poder executivo. Revista Jurídica "9 de Julho", n.1, São Paulo, 2002, pp. 117-128. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/alesp/biblioteca-digital/obra/?id=358>. Acesso em 12 jul. 2018, p. 120.

[3] Idem, ibidem.

[4] JUSTEN FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 13. ed. São Paulo: Dialética, 2009, P. 914.

[5] BRASIL. Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União. Nota Técnica n.°1.081/2017/CGPLAG/DG/SFC. Processo n.° 00190.106218/2017-33. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/noticias/2017/07/cgu-divulga-estudo-sobre-eficiencia-dos-pregoes-realizados-pelo-governo-federal/nota-tecnica-no-1-081-2017-cgplag-dg-sfc.pdf/view>. Acesso em: 12/07/2018.

[6] Idem, ibidem.

[7]Nos termos do § 1º do art. 8º da Lei Complementar n.º 95/98, a “contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral”. Com efeito, constata-se que a publicação do Decreto n.° 9.412/18 foi realizada em 19 de junho de 2018, no Diário Oficial da União.

[8] Em substituição ao valor anterior, que era de R$ 37.500.000,00 (trinta e sete milhões e quinhentos mil reais).

[9] E não mais de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais).

[10]Em substituição ao montante anterior, de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

[11] Em substituição ao montante anterior, de R$ 8.000,00 (oito mil reais).

[12] Em substituição ao montante anterior, de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).

[13] Em substituição ao montante anterior, de R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais).

[14] Em substituição ao montante anterior, de R$ 4.000,00 (quatro mil reais).

[15] Em substituição ao montante anterior, de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

[16] GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 527.

[17] Valor obtido mediante a subtração de R$ 15.000,00 do novo limite de dispensa (R$ 33.000,00).

[18] Valor obtido mediante a subtração de R$ 8.000,00 do novo limite de dispensa (R$ 17.600,00).

[19] As operações consideram até a segunda casa após a vírgula, exclusivamente, para evitar qualquer cálculo que possa ensejar, ainda que minimamente, a extrapolação dos valores estabelecidos pela legislação.

[20] Valor obtido mediante a somatória de 13 dias do mês de julho, mais 31 dias do mês de agosto; 30 dias do mês de setembro; 31 dias do mês de outubro; 30 dias do mês de novembro; e 31 dias do mês de dezembro.

[21] O cálculo não considera o período já decorrido, pois qualquer aplicação dessa natureza geraria um elemento de surpresa (e possível prejuízo imprevisível) ao gestor, o que não se pode admitir.


Autor

  • Guilherme Aparecido da Rocha

    Professor universitário das Faculdades Gran Tietê (Barra Bonita/SP) e Galileu (Botucatu/SP). Procurador-Geral da Câmara Municipal de Jaú. Mestre em Direito pela Universidade de Marília. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Civil, Processual Civil e do Trabalho pela Instituição Toledo de Ensino. Autor de vários livros e artigos jurídicos.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Guilherme Aparecido da. O Decreto n. 9.412/18 e as hipóteses de licitação dispensável em razão do valor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5667, 6 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67713. Acesso em: 19 abr. 2024.