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Ordem pública e periculum libertatis na prisão preventiva

Ordem pública e periculum libertatis na prisão preventiva

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Afinal, o que é exatamente ordem pública? Deve-se permitir que toques de subjetividade do julgador moldem os critérios objetivos postos pela lei? Por quê?

Resumo: Este estudo traz, sob o panorama do Direito Processual Penal, um enfoque sobre a prisão preventiva a fim de subsidiar a discussão em torno de como o intituto é aplicado sob a égide da ordem pública em detrimento do periculum libertatis. A metodologia aborda a pesquisa bibliográfica e a pesquisa em produção científica nacional em conjunto com análises de jurisprudências de tribunais nordestinos.

Palavras-Chave: Prisão Preventiva. Processo Penal. Ordem Pública.Periculum Libertatis. Prazo.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1 ORDEM PÚBLICA. 2 PRISÃO PREVENTIVA. 2.1 Conceito. 2.2 Prazo. 3 PERICULUM LIBERTATIS. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como tema a ordem pública, notadamente o seu conceito e o prazo para aplicação da prisão preventiva sob a égide do periculum libertatis. O problema de pesquisa é identificar no instrumento processual da prisão preventiva os seus elementos caracterizadores, relacionando-os ao periculum libertatis e ao que seja o instituto da ordem pública.

Para tanto, utiliza-se como marco teórico principal a obra Curso de Direito Processual Penal, de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2017). O método de pesquisa é o hipotético-dedutivo por meio de referenciais teóricos, em especial, pesquisa bibliográfica e jurisprudencial dos tribunais brasileiros da Região Nordeste.

Para atender ao objetivo proposto, o presente trabalho foi divido em três capítulos. No primeiro capítulo, denota-se o conceito de ordem pública. O segundo capítulo descreve-se as hipóteses de aplicação da prisão preventiva, bem como seu conceito e a controvérsia acerca do prazo de sua duração. Já o terceiro capítulo trata do periculum libertatis.

Donde se conclui que a subjetividade do julgador e o clamor social podem interferir na medida judicial, haja vista que conceitos abertos podem ser utilizados de forma livre pelo julgador. para bem definir sua pretensa escolha frente ao caso concreto.


1 ORDEM PÚBLICA

Não há consenso acerca da expressão “ordem pública”. Com conceito vago, há a interpretação aberta do instituto, o que propicia margem à subjtividade daquele que irá aplicar o normativo penal.

Não se tem um conceito exato do significado da expressão ordem pública, o que tem levado a oscilações doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao seu real significado. Em nosso entendimento, a decretação da preventiva com base neste fundamento, objetiva evitar que o agente continue delinquindo no transcorrer da persecução criminal. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1254)

Para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2017), a ordem pública é “expressão de tranquilidade e paz no seio social”. Se for demonstrado o risco de o infrator, se continuar solto, continuar a cometer crimes, é indicativo de que a prisão cautelar é necessária, havendo risco social de se esperar um possível trânsito em julgado de sentença condenatória.

Nos termos do artigo 312, do Código de Processo Penal, o primeiro fundamento para a decretação da prisão preventiva é a garantia da ordem pública. E aqui está assentado o pilar deste trabalho: identificar o que esse conceito jurídico representa no processo penal brasileiro.

Na visão de Basileu Garcia2, na década de 1940, a garantia da ordem pública era assim disciplinada:

Para a garantia da ordem pública, visará o magistrado, ao decretar a prisão preventiva, evitar que o delinqüente volte a cometer delitos, ou porque é acentuadamente propenso a práticas delituosas, ou porque, em liberdade, encontraria os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida. Trata-se, por vezes, de criminosos habituais, indivíduos cuja vida social é uma sucessão interminável de ofensas à lei penal: contumazes assaltantes da propriedade, por exemplo. Quando outros motivos não ocorressem, o intuito de impedir novas violações determinaria a providência. (GARCIA, 1945, p. 169)

No entendimento de Eugênio Pacelli de Oliveira (2014), a prisão para a garantia da ordem pública

não se destina a proteger o processo penal, enquanto instrumento de aplicação da lei penal. Dirige-se, ao contrário, à proteção da própria comunidade, coletivamente considerada, no pressuposto de que ela seria duramente atingida pelo não aprisionamento de autores de crimes que causassem intranqüilidade social. (PACELLI, 2014, p. 556)

Assim, confrontanto os posicionamentos de épocas diferentes, pode-se inferir que se prima, tanto antigamente quanto agora, por afastar da sociedade a pessoa delinquente a fim de se proteger a coletividade e se evitar a intranquilidade social.

A lei 12.043/2011 promoveu alterações na norma processual penal, consoante o artigo 310 do Código de Processo Penal. Assim, quando o magistrado receber o auto de prisão em flagrante, deverá fundamentadamente: a) relaxar a prisão ilegal; ou b) converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou c) conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

Aqui, nos interessa a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva. E a norma alterada aponta essa possibilidade quando estiverem presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão. Assim, veja:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).

Nesse aspecto, o primeiro ponto a ser considerado pelo juiz para converter a prisão em flagrante em preventiva será a garantia da ordem pública. A expressão “ordem pública” aparece no Código de Processo Penal por 5 vezes: no inquérito policial (art. 7º); no interrogatório do acusado (art. 185, § 2º, IV); na prisão preventiva (art. 312); no desaforamento – referente ao procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Juri (art. 427) e nas questões referentes às relações jurisdicionais com autoridade estrangeira (art. 781). Em momento algum, há definição do que seja a “ordem pública” no Código de Processo Penal. A seu turno, no Código Penal, não se menciona tal expressão. Assim, percebe-se que o seu contorno será dado pela doutrina e pela jurisprudência.

“Quando se decreta a prisão preventiva como ‘garantia da ordem pública’, o encarceramento provisório não tem o menor caráter cautelar. É um rematado abuso de autoridade e uma indisfarçável ofensa à nossa Lei Magna, mesmo porque a expressão ‘ordem pública’ diz tudo e não diz nada”3. Para o ilustre autor a preventiva fundamentada pela conveniência da ordem pública é incompatível com a CF, ferindo a presunção de inocência, sendo verdadeira cláusula aberta, em lídima antecipação de pena. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1255)

No presente trabalho, a jurisprudência coletada refere-se à Região Nordeste, composta por nove estados, quais sejam: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernanmbuco, Piauí, Rio Grande de Norte e Sergipe.

Para o Tribunal de Justiça de Pernambuco, a garantia da ordem pública está ligada à periculosidade do agente:

Ementa: HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. ORDEM DENEGADA. - Tendo em vista o modus operandi do delito, sobretudo considerando a quantidade de entorpecentes apreendida, incluindo droga de alto poder lesivo (crack), faz-se necessária a manutenção da prisão preventiva para garantir a ordem pública, tendo em vista a periculosidade do agente.

(TJ-PE - HC: 4027025 PE, Relator: Eudes dos Prazeres França, Data de Julgamento: 14/10/2015, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 26/10/2015)

Ementa: HABEAS CORPUS. REQUISITOS PARA A PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTOS IDÔNEOS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. - Vislumbram-se presentes os indícios de autoria, haja vista ter sido o Paciente preso em flagrante, na posse de grande quantidade de droga. - Necessária a manutenção da prisão preventiva para garantir a ordem pública, tendo em vista a periculosidade do agente. - Condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, ocupação lícita e residência fixa não têm o condão de, por si só, garantirem ao paciente a revogação da prisão preventiva, se há nos autos elementos hábeis a recomendar a manutenção de sua custódia cautelar.

(TJ-PE - HC: 3753280 PE, Relator: Eudes dos Prazeres França, Data de Julgamento: 12/08/2015, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 20/08/2015)

Entendimento similar é decantado no Tribunal de Justiça do Maranhão. Para aquela corte, “o sentimento de insegurança, o qual só pode ser evitado com a manutenção da prisão preventiva”, é definidor para a necessidade de garantia da ordem pública. Veja o que lá se decide acerca do critério da ordem pública:

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. IMPOSSIBILIDADE. PERICULOSIDADE CONCRETA. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.SUBSTITUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR. NÃO CABIMENTO. ORDEM DENEGADA. 1.A prática do crime de tentativa de homicídio qualificado, mediante surpresa, revela a periculosidade do agente, de forma que a sua liberdade gera um sentimento de insegurança, o qual só pode ser evitado com a manutenção da prisão preventiva, como necessidade de garantia da ordem pública. 2.Inexiste ilegalidade na prisão cautelar quando a autoridade coatora explicita suficiente e fundamentadamente as razões fáticas e jurídicas pelas quais decretou a prisão preventiva. Precedentes do TJAM. 3. É impossível conceder a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, vez que a hipótese dos autos - superlotação de delegacias -, não está elencada no rol estabelecido no art. 318, do Código de Processo Penal. 4.Ordem conhecida e denegada.

(TJ-MA - HC: 0470172015 MA 0008448-84.2015.8.10.0000, Relator: JOÃO SANTANA SOUSA, Data de Julgamento: 20/10/2015, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 28/10/2015)

Ementa: HABEAS CORPUS. PECULATO. PRISÃO PREVENTIVA. MANUTENÇÃO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. DENEGAÇÃO. UNANIMIDADE. - Contém suficiente fundamentação o decreto de prisão que demonstra a existência do crime, os indícios de autoria e a necessidade da medida para a garantia da ordem pública, não havendo como sobrepor a eles as circunstâncias subjetivas que militam em favor da liberdade dos pacientes.

(TJ-MA - HC: 0442902014 MA 0008751-35.2014.8.10.0000, Relator: BENEDITO DE JESUS GUIMARÃES BELO, Data de Julgamento: 13/10/2014, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 22/10/2014)

Ou seja, na esteira desses julgados, percebe-se que, demonstrando-se indícios de autoria e da prática do crime pelo agente, enseja a aplicação da prisão preventiva pela garantia da ordem pública. No explicitado por PACELLI (2014), esses elementos seriam os formadores do fumus delicti, ou seja, da aparência do delito, equivalente ao fumus boni iuris presente em todo processo cautelar:

Observa-se, primeiro, que os requisitos relativos à prova da existência do crime e indício suficiente de autoria constituem o que se poderia chamar de fumus delicti, ou a aparência do delito, equivalente ao fumus boni iuris de todo processo cautelar. A aparência do delito deve estar presente em toda e qualquer prisão provisória (ou cautelar), como verdadeiro pressuposto da decretação da medida acautelatória. (PACELLI, 2014, p. 553)

Ora, como afirma Eugênio Pacelli de Oliveira (2014), o normativo processual penal precisa perpassar o seguinte crivo:

O que ressalta dos aludidos textos é que toda e qualquer restrição a direitos individuais, além da exigência de ordem escrita e fundamentada do juiz, levará em conta a necessidade e a adequação da medida, a serem aferidas a partir da:

a) garantia da aplicação da lei penal;

b) conveniência da investigação ou da instrução criminal. (PACELLI, 2014, p. 503)

E não apenas isso. Segundo PACELLI (2014), há que se demonstrar a necessidade da restrição ao direito e adequação da medida imposta. Proceder à decretação de prisão preventiva baseada apenas em “garantia de ordem pública” sem, no entanto, explicitar o que seja de fato o que faz crer que a tal ordem pública será atacada é o grande desafio.

É necessário que se comprove este risco. As expressões usuais, porém evasivas, sem nenhuma demonstração probatória, de que o indivíduo é um criminoso contumaz, possuidor de uma personalidade voltada para o crime etc., não se prestam, sem verificação, a autorizar o encarceramento. A mera existência de antecedentes criminais também não seria, por si só, um fator de segurança, afinal, de acordo com a jurisprudência da Suprema Corte, o simples fato de já ter sido indiciado ou processado, implica no reconhecimento de maus antecedentes. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1254)

Não se deve, portanto, perpetuar rasos embasamentos, sob pena de se ferir garantia constitucional da liberdade e da presunção da inocência. E mais, é preciso supejar a adequação da medida imposta, levando-se em conta o possível resultado final do processo ao acusado.


2 PRISÃO PREVENTIVA

A prisão preventiva se reveste de medida de cautela. Seu objetivo é, esgotadas as demais possibilidades de medidas cautelares diversas da prisão, impedir que eventuais condutas do autor do suposto delito coloquem em risco os rumos da investigação ou do processo.

Se a prisão em flagrante busca sua justificativa e fundamentação, primeiro, na proteção do ofendido, e, depois, na garantia da qualidade probatória, a prisão preventiva revela a sua cautelaridade na tutela da persecução penal, objetivando impedir que eventuais condutas praticadas pelo alegado autor e/ou por terceiros possam colocar em risco a efetividade da fase de investigação e do processo.(PACELLI, 2014, p. 549)

É de se observar, porém, que tal modalidade de prisão resvala em direitos fundamentais do acusado, qual seja, a presunção de inocência e a liberdade, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Assim, bem destaca PACELLI (2014):

Referida modalidade de prisão, por trazer como consequência a privação da liberdade antes do trânsito em julgado, somente se justifica enquanto e na medida em que puder realizar a proteção da persecução penal, em todo o seu iter procedimental, e, mais, quando se mostrar a única maneira de satisfazer tal necessidade. (PACELLI, 2014, p. 549)

Observe-se que há três situações claras em que poderá ser imposta a prisão preventiva: a) a qualquer momento da fase de investigação ou do processo, de modo autônomo e independente (arts. 311, 312 e 313, CPP); b) como conversão da prisão em flagrante, quando insuficientes ou inadequadas outras medidas cautelares (art. 310, II, CPP); e c) em substituição à medida cautelar eventualmente descumprida (an. 282, § 4', CPP).

Regra geral, não cabe prisão preventiva nos crimes culposos. Também não se aplica aos casos de crimes dolosos cujo limite máximo da pena privativa de liberdade cominada seja igual ou inferior a quatro anos, consoante artigo 313, do Código de Processo Penal, nos termos da nova redação dada pela Lei nº 12.403/2011, que diz:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

IV - (revogado).

Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

Frisa-se, porém, que existe possibilidade de decretação de prisão preventiva nos crimes culposos. Trata-se da hipótese prevista no artigo 366, do CPP, em que se permite a decretação da prisão preventiva do réu citado por edital, quando este não comparece ao processo, que fica suspenso:

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

2.1 Conceito

A prisão preventiva encontra fundamentação nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal. É uma espécie de prisão cautelar de natureza processual, consistente na medida restritiva de liberdade, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, a ser decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Prisão preventiva: Detenção do indiciado ou a sua manutenção carcerária, para que o mesmo esteja presente em juízo e não fuja à conclusão da sentença. O CPP, arts. 311 a 316, preceitua o seguinte: “é qualquer detenção ou custódia sofrida pelo imputado, antes ou depois da pronúncia e em qualquer estado da causa, antes de julgada definitivamente (CPP, arts. 311 a 316). (SANTOS, 2001, p. 194)

Ademais, a prisão preventiva só poderá ser decretada quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, o chamado fumus delicti, ou a aparência do delito, equivalente ao fumus boni iuris de todo processo cautelar, no entendimento de PACELLI (2014).

Já para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2017), a prisão preventiva é a prisão de natureza cautelar mais ampla, podendo ser aplicada tanto no inquérito policial quanto no processo penal. Ainda, admite-se sua aplicação sem a instauração do inquérito, “desde que o atendimento aos requisitos legais seja demonstrado por outros elementos indiciários, como os extraídos de procedimento investigatório extrapolicial”.

É a prisão de natureza cautelar mais ampla, sendo uma eficiente ferramenta de encarceramento durante toda a persecução penal, leia-se, durante o inquérito policial e na fase processual. Até antes do trânsito em julgado da sentença admite-se a decretação prisional, por ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial competente (art. 5º, inciso LXI da CF), desde que presentes os elementos que simbolizem a necessidade do cárcere, pois a preventiva, por ser medida de natureza cautelar, só se sustenta se presentes o lastro probatório mínimo a indicar a ocorrência da infração, os eventuais envolvidos, além de algum motivo legal que fundamente a necessidade do encarceramento. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1252)

Um aspecto de bastante relevância é que a prisão preventiva é medida de exceção. Deve, sempre, ser interpretada de modo restritivo a fim de que seja compatibilizada com o princípio constitucional da presunção da inocência (art. 5º, LVII, da CRFB/88), haja vista que as consequências da prisão para o indivíduo podem ser desastrosas, em caso de equívocos.

É importante destacar que a Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, alterou dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares.

Assim, a prisão preventiva, nos termos do artigo 313, do Código de Processo Penal, somente poderá ser decretada: a) nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; b) se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; c) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; d) quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

Já o artigo 314, do CPP, aponta que a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Código Penal, quais sejam: a) em estado de necessidade; b) em legítima defesa e c) em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Há ainda que ser sempre motivada a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva, consoante o artigo 315, do CPP. Ademais, por força do artigo 316, do CPP, o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

2.2 Prazo

No que se refere aos prazos para a prisão preventiva, é preciso frisar que o Código de Processo Penal não o fixa expressamente. No entanto, cabe salientar que deve atender aos princípios da proporcionalidade e da necessidade.

A prisão preventiva tem a finalidade de assegurar o bom andamento da instrução criminal, não podendo se prolongar indefinidamente, posto que, se isto ocorre, configura constrangimento ilegal. Esse é o entendimento no julgado do Tribunal de Justiça de Sergipe:

Ementa: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇAO DE EXCESSO DE PRAZO. PRISÃO PREVENTIVA OCORRIDA EM 25.07.2011. INSTRUÇAO NAO INICIADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE QUE MILITA EM FAVOR DO PACIENTE. CONCESSAO DO WRIT. I - Não havendo justificativas para a demora no início da instrução processual, tem cabimento a alegação de excesso de prazo que vem a configurar constrangimento ilegal. II - No caso, o paciente encontra-se custodiado preventivamente desde o dia 25/07/2011, sendo que o recebimento da denúncia pelo magistrado de plano só ocorreu em 26/01/2012. III - O princípio da razoabilidade, que nesta Corte tem sido utilizado para afastar a existência de constrangimento ilegal em feitos complexos, no presente caso milita a favor do réu. Constrangimento caracterizado. Ordem de habeas corpus deferida. Decisão unânime.(TJ-SE - HC: 2011323331 SE, Relator: GENI SILVEIRA SCHUSTER, Data de Julgamento: 08/05/2012, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 19/05/2012)

Em que pese inexistir em lei um prazo determinado para a duração da prisão preventiva, a regra é que perdure até quando seja necessário, ou seja, é preciso respeitar a razoabilidade de sua duração, observando-se a proporcionalidade e a necessidade. Todavia, o critério do “razoável” é permeado pela subjetividade. A relatora, in casu, afirma que “o princípio da razoabilidade, que nesta Corte tem sido utilizado para afastar a existência de constrangimento ilegal em feitos complexos”, foi aplicado a favor do réu, diante do constrangimento ilegal caracterizado pelo excesso de prazo de fato demonstrado, eis que o recebimento da denúncia pelo magistrado de piso ocorreu seis meses após a prisão do paciente.

A respeito do excesso de prazo, veja o que apontam Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2017):

A seu turno, se a prisão preventiva é temporalmente excessiva, ofendendo a razoável duração da prisão cautelar, ela se transforma em medida tipicamente ilegal, impondo-se o relaxamento. O expediente judicial de relaxar a prisão (temporalmente excessiva) e renovar o decreto alterando os fundamentos do cárcere preventivo não deve ser tolerado.(TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1266)

Algumas situações são direcionadoras dessa adequada medida de tempo, tais como a) se ser utilizada como forma de antecipação de pena; b) a decretação da prisão preventiva não pode ser enbasada exclusivamente na gravidade do fato ou do clamor público; e c) deve ser imposta apenas se outras medidas cautelares pessoais revelarem-se inadequadas ou insuficientes, ainda que aplicadas cumulativamente.

Destaca-se que o juiz, ao decretar ou prorrogar prisão preventiva, já deverá, logo de início, indicar o prazo de duração da medida. Todavia, como o atual CPP não estipula prazos para a prisão preventiva; a jurisprudência, no entanto, fixava em 81 dias o prazo desse instituto até o final da instrução criminal e, conseqüentemente, para o fim da prisão cautelar, haja vista a necessidade de que ao final deste prazo houvesse a prolação de sentença penal.

Ainda, com o mesmo objetivo de sanar a omissão legislativa, consolidou-se o entendimento sobre o tema através de algumas súmulas (Súmulas nº 21, 52 e 64 do STJ), todas no intuito de afastar argumentos sobre o excesso de prazo no processo penal:

Súmula 21/STJ: Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução.

Súmula 52/STJ: Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo.

Súmula 64/STJ: Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.

O Tribunal de Justiça da Paraíba utiliza-se de entendimento do Superior Tribunal de Justiça para elucidar a questão do excesso de prazo na formação da culpa do agente, afirmando que o princípio da razoabilidade precisa atender às circunstâncias peculiares do caso concreto e não somente se esgotar em simples verificações aritméticas para a sua apuração. Todavia, aponta que o trâmite processual em processos complexos justifica o não conhecimento do excesso de prazo:

Ementa: HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. DEMORA NA FORMAÇÃO DA CULPA. PECULIARIDADES DO FEITO. RAZOABILIDADE NO TRÂMITE PROCESSUAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

"A questão do excesso de prazo na formação da culpa não se esgota na simples verificação aritmética dos prazos previstos na lei processual, devendo ser analisada à luz do princípio da razoabilidade, segundo as circunstâncias detalhadas de cada caso concreto." (STJ - RHC 52.541/SP) Tendo em conta as peculiaridades do feito, mormente quando considerada a duplicidade de réus e a expedição de precatórias para citação dos acusados e oitiva de testemunhas, há razoabilidade no trâmite processual, de forma que não se reconhece o excesso de prazo para a formação da culpa.

(TJ-PB - ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00029376720158150000, Câmara Especializada Criminal, Relator DES JOAO BENEDITO DA SILVA. Julgamento: 22/09/2015. Publicação: 02/10/2015)

Veja, portanto, a decisão do Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, no qual elenca justificativas ao demorado trâmite processual:

Ementa: PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. PLURALIDADE DE RÉUS. NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTAS PRECATÓRIAS. COMPLEXIDADE DA CAUSA. DESMEMBRAMENTO DO FEITO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A questão do excesso de prazo na formação da culpa não se esgota na simples verificação aritmética dos prazos previstos na lei processual, devendo ser analisada à luz do princípio da razoabilidade, segundo as circunstâncias detalhadas de cada caso concreto. 2. Na hipótese, examinando a ordem cronológica, a complexidade do feito é evidente, diante da quantidade de acusados envolvidos originalmente – 4 (quatro) réus, sendo o processo desmembrado em relação ao recorrente, além da necessidade de expedição de cartas precatórias para oitiva de testemunhas, circunstâncias que justificam o atual trâmite processual. 3. No que diz respeito ao pedido de desmembramento do feito, verifica-se a manifesta ausência de interesse recursal, haja vista o processo já ter sido desmembrado em relação ao acusado em 25.01.2014. 4. Recurso a que se nega provimento.

(STJ. Recurso em Habeas Corpus. Nº 52.541-SP (2014/0262011-6). SEXTA TURMA DO STJ. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Julgamento: 16/12/2014. Publicação: 03/02/2015)

Apesar das discussões que o entendimento jurisprudencial e as súmulas causam sobre a questão, sobre a possibilidade de avaliar-se o excesso de prazo nas prisões cautelares e, conseqüentemente, sobre um possível constrangimento ilegal do acusado, o prazo "razoável" da prisão cautelar parece estar longe de ser pacificado, havendo muitas decisões divergentes quando se analisa os casos concretos.


3 PERICULUM LIBERTATIS

Como apontado, para a decretação da prisão preventiva, é requisito essencial a demostração de prova da existência do crime e a materialidade, conhecidos como justa causa: deve haver indícios suficientes de autoria e de participação no delito, consoante artigo 312, CPP. Desse modo, a ocorrência do delito deve ser incontestável, não se aplicando a cautelar se houver dúvidas acerca da existência do crime. Além disso, quanto à autoria, é preciso haver algo que vincule o indivíduo à prática da infração penal.

Os pressupostos da preventiva materializam o fumus commissi delicti para decretação da medida, dando um mínimo de segurança na decretação da cautelar, com a constatação probatória da infração e do infrator (justa causa). Assim, insistimos: a) prova da existência do crime: a materialidade delitiva deve estar devidamente comprovada para que o cerceamento cautelar seja autorizado; b) indícios suficientes da autoria: basta que existam indícios fazendo crer que o agente é o autor da infração penal. Não é necessário haver prova robusta, somente indícios.(TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1253)

No entanto, somente isso não basta. E os julgados que, muitas vezes, encontramos na jurisprudência, infelizmente, abordam apenas esses dois aspectos para prender o indivíduo preventivamente. Há que se demonstrar efetivo risco caso o indivíduo permaneça livre.

O periculum libertatis, portanto, é o perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito ativo do crime, conforme o artigo 312 do CPP, que pode causar risco à ordem pública e econômica, caso seja mantido em liberdade. Coloca-se em questão a conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal. Faz-se, então, um juízo acerca do quanto a liberdade do acusado pode colocar em risco as investigações ou o curso da ação penal.

Obriga-se assim ao magistrado contextualizar a prisão e seu fundamento. Se os maus antecedentes, ou outros elementos probatórios, como testemunhas e documentos, revelam que o indivíduo pauta o seu comportamento na vertente criminosa, permitindo-se concluir que o crime apurado é mais um, dentro da carreira delitiva, é sinal de que o requisito encontra-se atendido. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1254)

Assim, o termo jurídico periculum libertatis indica em que medida a liberdade do acusado oferece perigo às investigações ou à instrução processual penal. Desse modo, o que é determinante para a decretação de uma medida cautelar é a situação de perigo criada pela conduta do imputado, que põe em risco a regular marcha processual. Desse modo, nas palavras de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar

Não basta, para a decretação da preventiva, a comprovação da materialidade e os indícios de autoria. Além da justa causa, simbolizada pela presença obrigatória destes dois elementos, é necessário que se apresente o fator de risco a justificar a efetividade da medida. As hipóteses de decretação da preventiva dão as razões para a deflagração da constrição à liberdade. Se a prisão, quanto ao seu fundamento, deve estar pautada na extrema necessidade, a legislação preocupou-se em preestabelecer quais os fatores que representam o perigo da liberdade do agente (periculum libertatis), justificando a possibilidade do encarceramento. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1253)

Há que se destacar, ainda, que a gravidade do crime, por si só, não é suficiente para fundamentar a prisão preventiva. É preciso, sim, apontar, objetivamente, a necessidade da medida cautelar, de forma clara e precisa, afastando as subjetividades:

Não mais existe hipótese de segregação preventiva obrigatória, onde o criminoso, por imposição legal, desmerecendo-se a aferição da necessidade, responderia a persecução penal preso, em razão da gravidade do delito, quando a pena de reclusão cominada fosse igual ou superior a dez anos (era a antiga previsão do art. 312, CPP). Daí que se, de um lado, a gravidade do crime é vetor interpretativo para se verificar a proporcionalidade da medida cautelar imposta e para se constatar sua adequação, em compasso com o art. 282, II, do CPP (com redação dada pela Lei nº 12.403/2011), não é, de outro, por si só suficiente para fundamentar a prisão preventiva. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1254)

Quanto à técnica do magistrado para imposição objetiva da medida cautelar, sob o crivo da adequada necessidade, bem apontam Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar o necessário equilíbrio das emoções, evidando-se antecipação de pena ao indivíduo:

Cabe ao técnico a frieza necessária no enfrentamento dos fatos, e se a infração impressiona por sua gravidade, é fundamental recorrer-se ao equilíbrio, para que a condução do processo possa desaguar na punição adequada, o que só então permitirá a segregação. Caso contrário, estaríamos antecipando a pena, em verdadeira execução provisória, ferindo de morte a presunção de inocência.(TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1255)

Veja, abaixo, o julgado proferido pela 1ª Câmara Regional de Caruaru, Relator Waldemir Tavares de Albuquerque, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, acerca da efetiva demonstração de perigo, no qual refuta a fundamentação genérica realizada pelo magistrado que decretou a prisão, haja vista que demonstrou apenas o preenchimento das elementares do tipo penal e não trouxe fato concreto algum que justifique a necessidade da prisão do paciente:

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. ELEMENTARES DO TIPO PENAL. PERICULUM LIBERTATIS. NÃO COMPROVADO. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. ORDEM CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME.

1. Não obstante, a prisão cautelar é medida de exceção e como tal deve ser decretada somente por razões de necessidade e com observância dos requisitos legais, mediante decisão judicial fundamentada (art. 93, inciso IX, da Constituição Federal) e com observância das exigências do art. 312 do Código de Processo Penal.

2. O decreto prisional baseou-se, como visto, em fundamentação genérica, demonstrando apenas o preenchimento das elementares do tipo penal, não trazendo nenhum fato concreto que justifique a necessidade da prisão do paciente.

3. A apreensão da referida droga, por si só, não comprova o periculum libertatis do paciente, que é réu primário, possui endereço fixo, trabalho lícito e tem contribuído para a instrução do presente feito, não havendo indícios concretos de periculosidade a ponto de justificar a imposição de uma medida como a prisão preventiva.

4. Não se justifica impor a prisão cautelar, quando, ao final da instrução, em caso de condenação nos termos da denúncia, há grandes possibilidades de que a requerida venha a cumprir pena em regime semi-aberto, em virtude da presença de circunstâncias atenuantes, como ser réu primário, portador de bons antecedentes e não haver indícios de que se dedique a atividades criminosas.

5. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva do paciente pelas medidas cautelares alternativas à prisão previstas no art. 319, I (comparecimento periódico em Juízo, no prazo e condições fixados pelo Juiz), II (proibição de acesso e frequência a bares e estabelecimentos congêneres), IV (proibição de sair da comarca, enquanto durar a instrução processual penal) e V (recolhimento domiciliar no período noturno e dias de folga) do Código de Processo Penal. Decisão Unânime.

(TJ-PE - HC: 4065836 PE , Relator: Waldemir Tavares de Albuquerque, Data de Julgamento: 20/01/2016, 1ª Câmara Regional de Caruaru - 1ª Turma, Data de Publicação: 22/02/2016)

Nesse julgado, o Relator aponta que “a prisão cautelar é medida de exceção e como tal deve ser decretada somente por razões de necessidade e com observância dos requisitos legais”. E vai além, convencendo-se de que a apreensão de droga com o paciente, por si só, não comprova o periculum libertatis – ou seja, para o Desembargador, é preciso demonstrar, efetivamente, os fatos que ensejam a aplicação de medida cautelar extremada como a prisão preventiva. Para o Relator, como o réu é primário, possui endereço fixo, trabalho lícito e tem contribuído para a instrução do presente feito, não há “indícios concretos de periculosidade a ponto de justificar a imposição de uma medida como a prisão preventiva”.

Nessa decisão unânime, fica claro o entendimento daquela Câmara Criminal: “não se justifica impor prisão cautelar, quando, ao final da instrução, em caso de condenação nos termos da denúncia, há grande possibilidade de que o réu cumpra pena em regime semi-aberto”, já que presentes circunstâncias atenuantes, como a primariedade, bons antecedentes e ausência de indícios sobre a dedicação do paciente a atividades criminosas. Assim, o periculum libertatis efetivamente não comprovado em fatos concretos acarreta a concessão do habeas corpus ao paciente.

Portanto, há que se observar os fundamentos legais para a decretação de prisão preventiva, consoante o artigo 312, CPP, para consubstanciar o efetivo perigo que o indivíduo trará, quer seja às investigações, quer seja à fase processual, a fim de que não se volte ao status quo ante à lei 12.403/2011. O novel legislativo busca eliminar as hipóteses de segregação preventiva obrigatória, onde o agente do delito, por imposição legal anterior, apartado da adequada necessidade, era preso em razão, apenas, da gravidade do delito, quando a possível pena a lhe ser aplicada fosse igual ou superior a dez anos. Hoje, por si só, a gravidade do delito não mais significa imposição cautelar obrigatória.


4 CONCLUSÃO

Pode-se concluir que a forma de aplicação das normas penais admite toques de subjetividade daquele que promove o julgamento.

Havendo indícios de autoria e da prática delitiva pelo agente, enseja a aplicação da prisão preventiva pela garantia da ordem pública, que é um conceito bastante vago e passível de interpretações diversas. Porém, na atualidade, a gravidade do delito não mais significa imposição cautelar obrigatória.

Assim, deve-se ter em mente que, apesar da subjetividade em torno da decisão mais adequada ao caso concreto, a legislação também dispoe de mecanismos para coibir abusos, haja vista que as garantias constitucionais podem e devem ser invocadas em socorro àqueles que estejam cerceados de liberdade antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Cabe a cada um dos atores sociais promover o fortalecimento da justiça para o bem de todos, primando pela efetiva aplicação das normas penais, a fim de fortalecer e consolidar seus avanços.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 30 mai 2017.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em 30 mai 2017.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em 30 mai 2017.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Garantia da ordem pública como fundamento para a prisão preventiva. Artigo Juridico: Jusbrasil. 2012. Disponível em <https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121937452/garantia-da-ordem-publica-como-fundamento-para-a-prisao-preventiva> Acesso em 30 mai 2017.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 18ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2014, p. 556.

SANTOS, Whashington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro. Belo Horizonte: Dey Rey, 2001.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 12ª. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017.


Notas

2 GARCIA, Basileu. Comentários ao Código de Processo Penal.Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 1945. p. 169 apud CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Garantia da ordem pública como fundamento para a prisão preventiva. Artigo Juridico: Jusbrasil. 2012.

3 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. v.III. p. 510., apud TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 12ª. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017.


Autor

  • Jessiane Carla Siqueira Moreira

    Servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região - Sede Administrativa. Assistente na Assessoria de Ordenação de Despesas da Diretoria-Geral. Ordenadora de Despesas Substituta. Graduação em Direito. Graduação em Design Gráfico. Especialista em Direito do Trabalho. Pós-Graduação em Gestão Pública. MBA em Finanças Públicas.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Jessiane Carla Siqueira. Ordem pública e periculum libertatis na prisão preventiva . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5552, 13 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68524. Acesso em: 20 abr. 2024.