Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/68594
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Lei nº 13.019/14: fortalecendo as ações de solidariedade do povo brasileiro

Lei nº 13.019/14: fortalecendo as ações de solidariedade do povo brasileiro

Publicado em . Elaborado em .

A Lei nº 13.019/14 trouxe nova realidade normativa às OSC e condecorou o importante papel por elas desempenhado. Diante disso, a comunidade jurídica é convidada ao seu aprofundamento hermenêutico.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O PAPEL DAS OSCs NA REALIZAÇÃO DE POLÍTICAS E PROJETOS DE INTERESSE PÚBLICO. 3. OS NOVOS INSTRUMENTOS PARA FORMALIZAÇÃO DE PARCERIAS. 3.1. TERMO DE COLABORAÇÃO. 3.2. TERMO DE FOMENTO. 3.3. ACORDO DE COOPERAÇÃO. 4. FASE DE SELEÇÃO: A CONSOLIDAÇÃO DA REGRA DO CHAMAMENTO PÚBLICO. 5. SOBRE A NECESSIDADE DE CONSTANTE APERFEIÇOAMENTO DO MARCO REGULATÓRIO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL - MROSC. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.


1 INTRODUÇÃO

Argumentos muito fortes recomendaram a criação de um Regime Jurídico Próprio para as parcerias entre Estado e Organizações da Sociedade Civil – OSCs. O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), materializado no corpo da Lei nº 13.019/14 (alterada pela Lei nº 13.204/15), condecora o trabalho realizado pelas OSCs, ao mesmo tempo em que permite que a aplicação dos recursos públicos seja revestida apenas pelo manto da transparência.

Cumpre lembrar que a última década marcou o encontro de dois processos históricos no Brasil: de um lado, a retomada da função planejadora do Estado objetivando o desenvolvimento e, de outro lado, a consolidação de um sistema, iniciado na década anterior, de incorporação de mecanismos e procedimentos de participação social na produção de políticas públicas[1].

Foi nesse contexto que surgiu a necessidade de criação de um ambiente normativo seguro, onde a sociedade civil organizada e o Estado aperfeiçoassem suas dimensões de relacionamento.

A Lei nº 13.019/14 inaugurou mudanças medulares, como a criação de instrumentos próprios e adequados para substituir os convênios (o termo de colaboração, o termo de fomento e o acordo de cooperação), bem como a imposição de medidas para garantir a transparência das parcerias.

Outro aspecto que deve ser destacado é que, no âmbito do MROSC, a configuração da OSC prescinde da existência de títulos ou certificações, realidade diversa da Organização Social (OS), Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) ou Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas).

O novo modelo afasta a incidência de subjetivismo na escolha da OSC que firmará a parceria. A seleção das organizações se dará através de chamamento público, prestigiando os princípios da moralidade e da impessoalidade, obedecendo a critérios objetivos e evitando o filtro único das “certificações”.

Nota-se, claramente, ao enveredar-se pelo diploma normativo, que ele se utilizou de muitos conceitos (ou referências semânticas) da Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 8.666/93), impelindo que o Administrador oferte um novo olhar para as parceiras firmadas. Apesar da evidente incompatibilidade de natureza desses diplomas, o legislador teve a sensibilidade de ultrapassar o corpo físico da norma, colhendo apenas as nuances de seu espírito.


2 O PAPEL DAS OSCs NA REALIZAÇÃO DE POLÍTICAS E PROJETOS DE INTERESSE PÚBLICO

Dúvidas não existem de que as parcerias entre Estado e sociedade são essenciais para o fortalecimento da democracia, impactando diretamente no modelo de gestão pública. A complexidade dos desafios sociais existentes exige da estrutura estatal intervenções que podem confrontar suas capacidades.

O preenchimento do vácuo gerado por essas deficiências demanda uma intervenção dotada de expertise, que poderá ser facilmente implementada por aqueles que convivem diretamente com as necessidades que reclamam atendimento, tendo em vista que detêm valioso conhecimento de causa.

É nesse fio de raciocínio que o professor Ronny Charles[2] ressalta que os aspectos frágeis da tradicional compreensão democrática tornaram-se ambiente fértil para o surgimento de elementos transformadores, como a consolidação de mecanismos de intervenção decisória direta, bem como a elaboração de um novo modelo de participação popular, onde a ação dos cidadãos se dá de diversas formas, revertendo-se em parcerias que tonificam o caráter legítimo da democracia do Estado.

Tendo por base essas considerações, recolhido o fato de ser o Brasil um país extremamente rico no setor das organizações da sociedade civil, contando com quase 400 mil OSCs[3], atuantes em diferentes áreas e na defesa dos direitos de grupos que carregam consigo a marca histórica da exclusão, fica evidente a importância do papel que desempenham.

Apesar do expressivo valor social agregado pelas OSCs, fruto de suas contribuições e generosidade, casos isolados de corrupção e erros de cunho formal tenderam a macular a beleza do trabalho realizado por organizações sérias e comprometidas unicamente com as causas sociais. Tais aspectos foram reforçados pela ausência de um ambiente normativo seguro, capaz de incentivar a legitimidade dessas relações.

Bem adequado se afigurou, por isso mesmo, a criação de um Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). A Lei nº 13.019/14 representou uma verdadeira evolução normativa ao implementar o controle das parcerias e sua adequação a um procedimento próprio.

De acordo com o art. 2º, inciso I, alíneas “a”, “b” e “c” da Lei nº 13.019/14, considera-se Organização da Sociedade Civil:

a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva

b) as sociedades cooperativas previstas na Lei no 9.867, de 10 de novembro de 1999; as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social.

c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos.

Notadamente, a alínea “a” exclui do conceito de organização da sociedade civil, por óbvio, as atividades empresariais (art. 966 do Código Civil). Já na alínea “b” o rol indicado é meramente exemplificativo, assim sendo, organizações sem fins lucrativos que desenvolvam finalidades de interesse público, mesmo que não citadas expressamente no preceito, contanto que sejam reciprocamente previstas entre as finalidades de órgãos e entidades da Administração Pública, poderão se beneficiar das parcerias descritas no MROSC. Por fim, a alínea “c” declara que as atividades e projetos desenvolvidos por organizações religiosas também poderão se favorecer das parcerias, tendo em vista que sua finalidade social pode ir além do ofício religioso[4].

Assim como todo o trabalho desenvolvido pelas OSCs mereceu atenção, o Marco Regulatório que o consolidou também merece. Parece conveniente adentrar, a esta altura de nossas reflexões, no estudo da sistemática proposta pela Lei nº 13.019/14, captando assim os desafios que precisarão ser enfrentadas pelos atores das parcerias.


3 OS NOVOS INSTRUMENTOS PARA FORMALIZAÇÃO DE PARCERIAS

Conforme exposto em linhas anteriores, a aprovação da Lei nº 13.019/14 instituiu as possíveis dimensões de relacionamento entre as OSCs e a Administração Pública[5], através da criação de dois instrumentos próprios para formulação das parcerias, o Termo de Colaboração e o Termo de Fomento, em substituição à antiga realidade dos convênios.

Ora, sabemos que para as OSCs em geral, independentes de títulos ou certificações, não existiam instrumentos jurídicos próprios para a formalização de parcerias com o poder público, sendo prática comum a utilização da figura do convênio para estabelecimento dessas relações.

Não excede recordar que o convênio foi um instrumento pensado, inicialmente, para atender a relações de outra natureza, parcerias entre a União e os entes federados, que descansam sob o manto do direito público. Gritante tal incompatibilidade, tendo em vista que esse instrumento não levava em consideração o contexto e as características das relações que envolvem as organizações da sociedade civil, entidades essas de natureza privada.

A ponderação sobre esses aspectos nos permite asseverar que tenha sido esse o principal avanço proporcionado pelo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, qual seja, a vedação de utilização dos convênios para a consolidação de parcerias entre as OSCs e a Administração Pública, reservando para aquele instituto a obrigação de servir quase que unicamente aos seus desígnios próprios.

Como visto, a criação legislativa dos Termos de Colaboração e de Fomento colocou em xeque a figura do convênio, que deixou de ser aplicado nos ajustes entre Administração Pública e pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, sendo mantido apenas nas relações entre entes públicos ou na hipótese de parceria desses com entidades filantrópicas e sem fins lucrativos para ações do SUS.

Visando a ampliar a perspectiva das parcerias entre OSCs e Estado, além de corrigir um equívoco verificado no texto normativo original, foi incorporado à Lei nº 13.019/14, através da Lei nº 13.204/15, outro instrumento de parceria: o Acordo de Cooperação.

Atingindo esse ponto, resta saber as hipóteses de cabimento de cada instrumento. Curiosamente, a parte que propõe a parceria é o critério que diferencia o Termo de Colaboração e o Termo de Fomento. Se a parceria for proposta pela Administração Pública, o instrumento adequado para a sua formulação é o Termo de Colaboração. Na dinâmica inversa, caso a parceria seja proposta pela Organização da Sociedade Civil, deverá ser consolidada por meio do Termo de Fomento.

Por outro giro, o que vai diferenciar os Termos de Colaboração e de Fomento do Acordo de Cooperação é a existência ou não de transferência de recursos financeiros. Os Termos de Colaboração e de Fomento envolvem a transferência desses recursos, enquanto no Acordo de Cooperação inexiste tal transferência.

Registre-se, a propósito, que no âmbito de celebração do Termo de Colaboração ou do Termo de Fomento, as minutas dos instrumentos já serão previamente disponibilizadas[6], antecipando assim as regras e procedimentos das referidas parcerias. Noutra banda, na hipótese de celebração dos Acordos de Cooperação, essas exigências poderão ser discutidas e remodeladas pelas partes da parceria, tendo que vista que tal ajuste não envolverá a transferência de recursos financeiros.

3.1 TERMO DE COLABORAÇÃO

Tem-se por colaboração a relação de parceria entre as Organizações da Sociedade Civil e o Estado para a consecução de políticas da administração pública nas mais diversas áreas. Nessa dimensão de relação, o plano de trabalho [7] é suscitado pelo poder público a partir de objetos, indicadores e metas mínimas, estabelecido desde o edital o padrão de qualidade dos serviços públicos ofertados pela rede privada complementar ou como devem ser feitos os projetos em parceria para atendimento do interesse público em maior grau de efetividade[8].

Esses aspectos do Termo de Colaboração estão materializados no art. 16 da Lei nº 13.019/14. De acordo com esse dispositivo, esse instrumento deve ser adotado pela administração pública para consecução de planos de trabalho de sua iniciativa, para celebração de parcerias com organizações da sociedade civil que envolvam a transferência de recursos financeiros.

A título exemplificativo, segue preâmbulo de minuta de edital de chamamento público realizado para celebração de Termo de Colaboração. Note-se que o objeto da parceria já está bem delimitado pelo ente municipal:

CHAMAMENTO PÚBLICO DA LEI 13019/2014 NÚMERO 007/2018 - OSC TERMO DE COLABORAÇÃO

EDITAL DE CHAMAMENTO PÚBLICO nº 007/2018 TERMO DE COLABORAÇÃO

A PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE VIÇOSA, por intermédio da Secretaria Municipal de Cultura, Patrimônio Histórico e Esportes torna público, para conhecimento de quantos possam se interessar, o presente Edital de Chamamento Público visando à seleção de Organizações da Sociedade Civil – OSC’s, qualificadas em conformidade com o disposto na Lei Federal nº 13.019, de 31 de julho de 2014 e alterações posteriores, combinada com o Decreto Municipal nº 5.075/2017, para celebrar TERMO DE COLABORAÇÃO que tenha por objeto a execução para promover o atendimento da atividade esportiva de KARATÊ-DÓ a crianças e adolescentes em situação preferencialmente de vulnerabilidade social e inclusão de famílias, no município de Viçosa” [9] (grifo nosso).

3.2 TERMO DE FOMENTO

O fomento compreende a relação de estímulo, incentivo ou financiamento pelo Estado, de políticas ou ações específicas ou inovadoras, de interesse público, desenvolvidas pelas OSCs. Nesse contexto, o plano de trabalho goza de maior liberdade de construção pela OSC, haja vista que atende a uma demanda própria da organização. Buscando apoiar e reconhecer as iniciativas próprias das organizações, a utilização desse instrumento busca atrair para as políticas públicas as “tecnologias sociais” modernas, fomentando projetos nas mais diferentes áreas[10].

Segundo o art. 17 da Lei nº 13.019/14, esse instrumento deve ser adotado pela administração pública para consecução de planos de trabalho propostos por organizações da sociedade civil que envolvam a transferência de recursos financeiros. 

Também a título exemplificativo, segue preâmbulo de minuta de edital de chamamento público realizado para celebração de Termo de Fomento. Nesse caso, nota-se que o núcleo específico do objeto ainda não está completamente delimitado pelo ente municipal:

EDITAL DE CHAMAMENTO PÚBLICO PARA TERMO DE FOMENTO

CHAMAMENTO PÚBLICO Nº. 02/2017

PROCESSO Nº 57/2017

OBJETO: Chamamento Público para seleção da proposta mais viável para celebração de parceria com a Prefeitura de Araçariguama e Organização da Sociedade Civil (OSC), mediante formalização de termo de fomento, para a consecução de finalidade de interesse público e recíproco, envolvendo a transferência de recursos financeiros, conforme condições estabelecidas no edital.

O Município de Araçariguama torna público o presente Edital de Chamamento Público, visando à seleção de 01 (um) projeto, a ser apresentados por organizações da sociedade civil, interessadas em celebrar termo de fomento, tendo por objeto o desenvolvimento de atividades ou ações de Proteção Social Básica de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, nos termos da Lei federal n o 8.742, de 7 de dezembro de 1993 – Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e Resolução CNAS nº 109, de 11 de novembro de 2009”[11] (grifo nosso).

3.3 ACORDO DE COOPERAÇÃO

O Acordo de Cooperação é o instrumento jurídico através do qual é formalizada a celebração de parceria em regime de mútua colaboração, onde inexiste transferência de recursos entre a OSC e o Estado, tendo como finalidade a execução de projetos ou atividades de interesse público.

É necessário advertir que o fato de não existir transferência de recursos financeiros não significa dizer que não haverá dispêndio de recursos para a execução do objeto avençado. Quer dizer, tão somente, que não haverá entrega de valores de um partícipe a outro, pois se assim ocorresse estar-se-ia diante de hipótese de transferência discricionária[12] ou transferência obrigatória[13], dependendo do caso[14].

Como já mencionado em passagem anterior, o Acordo de Cooperação só foi inserido no corpo da Lei nº 13.019/14 com a edição da Lei nº 13.204/15, sendo assim expresso textualmente:

Art. 2o Para os fins desta Lei, considera-se:

[...]

VIII-A - acordo de cooperação: instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco que não envolvam a transferência de recursos financeiros;

Já o efetivo disciplinamento dos requisitos que deverão ser observados quando da celebração dos acordos de cooperação encontra-se descrito no Decreto nº 8.726/16[15].

A Lei nº 13.019/14 e o Decreto nº 8.726/16 desmembraram o acordo de cooperação em duas categorias[16]:

a) os acordos que envolvem comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento de recurso patrimonial;

b) os acordos que não implicam tradição de bens da Administração Pública para as organizações da sociedade civil, seja a título de empréstimo ou de transferência patrimonial definitiva.

MENDES[17] destaca que nenhum dos diplomas normativos supracitados prescreveu expressamente que o comodato, a doação ou outra forma de compartilhamento de bens se consolidaria através de acordo de cooperação, ou seja, que este seria o instrumento jurídico competente para a formalização desses negócios jurídicos. Asseverou:

O que foi disciplinado é a viabilidade jurídica de que existam objetos que envolvam comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento patrimonial, sendo necessário, pois, que, nessas situações, além da celebração do acordo de cooperação contendo entre as obrigações do órgão ou entidade da Administração Pública a de emprestar, doar ou compartilhar determinado bem com a organização da sociedade civil parceira, seja igualmente firmado instrumento específico para regular essa movimentação ou alienação de patrimônio público.      

Nota-se que esse instrumento de parceria invoca uma maior reflexão, tendo em vista que o esclarecimento de diversas de suas nuances dependerá de um trabalho intelectual de interpretação. 

Apenas a título de visualização, segue preâmbulo de minuta de acordo de cooperação:

ACORDO DE COOPERAÇÃO QUE ENTRE SI CELEBRAM O ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, POR INTERMÉDIO DA SECRETARIA DE ESTADO DE DIREITOS HUMANOS, E A(O) (DENOMINAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL).

CLÁUSULA PRIMEIRA – DO OBJETOO Estado do Espírito Santo, por intermédio do(a) ____________________________________, inscrito(a) no CNPJ sob o n°_________________, com sede ___________________________________________________________________(endereço),doravante denominada ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL, neste ato representado(a) pelo(a) (cargo da autoridade competente, seguido da respectiva qualificação), e a(o) (denominação da ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL), inscrita(o) no CNPJ sob o n° _________      , com sede ____________________________(endereço), doravante denominada ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL, neste ato representado(a) pelo(a) (cargo do representante legal da organização da sociedade civil, seguido da respectiva qualificação), resolvem celebrar o presente Acordo de Cooperação, regendo-se pelo disposto na Lei Federal nº 13.019, de 31 de julho de 2.014, consoante o processo administrativo nº ___________ e mediante as cláusulas e condições seguintes:

O presente Acordo de Cooperação tem por objeto a mútua colaboração entre os partícipes na identificação e a implementação de ações e de projetos que contribuam no âmbito do Projeto Estruturante Ocupação Social, conforme detalhado no Plano de Trabalho, parte integrante e indissociável deste instrumento”[18] (grifo nosso).


4 FASE DE SELEÇÃO: A CONSOLIDAÇÃO DA REGRA DO CHAMAMENTO PÚBLICO

Como sabido, a lamentável perda da confiança pública nas instituições e a criminalização das OSCs decorreram, em grande parte, de denúncias e escândalos de casos isolados de corrupção que “parceirizavam” com “conveniência e oportunidade” e que terminavam por prejudicar a imagem de diversas organizações. A legislação, até então, nunca havia proibido a “pactuação direta”, uma vez que não impunha um procedimento de escolha obrigatório[19].

A solução ofertada pela nova legislação foi a consolidação da regra do chamamento público, assegurando assim transparência e isonomia no processo de seleção.

O Chamamento Público encontra-se definido no art. 2º, inciso XII da Lei nº 13.019/14:

Art. 2o Para os fins desta Lei, considera-se:

[...]

XII - chamamento público: procedimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para firmar parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento, no qual se garanta a observância dos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos; 

Pela necessidade fática, também foram previstas regras de dispensa e inexigibilidade do procedimento de chamamento público (escolha direta), como é o caso, por exemplo, das parcerias que envolvem programas de proteção à testemunha ou vítimas ameaçadas, em razão do sigilo que lhes é intrínseco. Contudo, excetuados os casos apropriados, o amplo processo deve ser privilegiado, alinhando as propostas aos objetivos que foram devidamente traçados.

Importante destacar que a celebração de acordos de cooperação dispensa a realização de chamamento público, mas não de forma absoluta. Quando o objeto do acordo envolver comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento de recurso patrimonial, o procedimento de chamamento deverá ser observado.

Nota-se que foram estabelecidas na Lei nº 13.019/14 diretrizes obrigatórias a serem observadas pelo edital do chamamento público, verdadeiros requisitos de validade material, também foi explicitada evidente preocupação com a eficiência da parceria, sendo essa “entendida num sentido lato de relação entre custos despendidos versus vantagens obtidas, emprego racional dos recursos disponíveis e efetiva obtenção dos resultados de interesse público desejados”[20].

Em linhas gerais, esse procedimento permite a ampliação do acesso a parcerias pelas organizações, “evitando que entidades constituídas apenas ‘no papel’, e que não demonstrem ter executado atividades anteriores no âmbito que se deseja realizar a parceria, possam se apresentar como melhores executoras”. Ao mesmo tempo em que possibilita que instituições novas, com valor técnico, contudo sem experiência, possam se associar a outras maiores com a previsão das redes, nos chamamentos que assim as convocarem[21].


5 SOBRE A NECESSIDADE DE CONSTANTE APERFEIÇOAMENTO DO MARCO REGULATÓRIO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL - MROSC

Deve-se recordar que, dentre os muitos traços que lhes são peculiares, o direito apresenta um gene de mutabilidade que assegura o seu constante aperfeiçoamento. A aprovação da Lei nº 13.019/14, reconhecido o seu incontestável avanço, foi apenas o primeiro passo para a superação do ambiente de escancarada insegurança jurídica em que se encontravam as relações entre OSCs e Estado. Cabe aos atores envolvidos nessas parcerias o aprimoramento dos instrumentos e mecanismos ofertados pela lei.

Para que o novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil se estabeleça como um passo decisivo rumo a uma política pública de colaboração, fomento e cooperação com organizações da sociedade civil, será preciso construir a regulamentação da nova lei de forma colaborativa e aumentar as oportunidades de melhoria do ambiente das OSCs através do diálogo constante[22].

Analisando alguns dos desafios da agenda do MROSC, apresentados pela Secretaria-Geral da Presidência da República[23], excetuando aqueles que por sua natureza objetiva já foram vencidos, entendemos ser estes os mais relevantes:

a) Regulamentar a Lei de Colaboração, Fomento e Cooperação com OSCs (Lei nº 13.019/14), esclarecendo e adaptando o normativo às diversas realidades federativas;

b) Impulsionar ações e programas de formação de gestores públicos, conselheiros de políticas públicas e organizações da sociedade civil sobre a nova legislação, em parceria com escolas de governo, universidades, OSCs, centros de formação e órgãos públicos, incluindo programas de qualificação profissional;

c) Fomentar debates públicos e manter diálogo permanente com atores da sociedade civil, lideranças de movimentos sociais representantes de OSCs, coletivos e redes;

d) Estimular agenda de estudos e pesquisas na área, construindo uma taxonomia mais própria para o campo das organizações da sociedade civil no Brasil, que possa influenciar políticas de fortalecimento específicas e ajudar a diferenciar os tipos e portes de organizações.

A implementação de tais ações garantirá que o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil avance caminhos cada vez mais distantes, prestigiando assim os esforços legislativos e contribuindo para o aperfeiçoamento de relações de importância incomensurável.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muito além dos objetivos didáticos, tendo em vista que eles reclamariam produção indiscutivelmente mais completa, as considerações tecidas no corpo deste trabalho buscaram modestamente exaltar três aspectos: 1) o papel essencial das OSCs na realização de políticas e projetos de interesse público; 2) a importante conquista, jurídica e social, da criação de um Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil; e 3) a indiscutível necessidade de aprimoramento dessa agenda.

A Lei 13.019/14, na compleição textual em que se encontra, oferece um contexto de segurança jurídica, onde as ações de solidariedade da sociedade civil poderão legitimamente unir-se as ações de colaboração, fomento e cooperação do Estado. Tudo isso, para construir um sistema harmônico, compatível com uma democracia como a nossa, que enaltece o poder do povo e assegura direitos fundamentais a todos os indivíduos.

Diante dessa nova realidade normativa, compreendida por um sistema racional, seguro e transparente, que incentiva as relações entre OSCs e Estado, a comunidade jurídica é convidada ao seu aprofundamento hermenêutico. Tais esforços contribuirão para o aprimoramento desse regime jurídico, fortalecendo assim parte essencial de nossa democracia, a solidariedade, que nas palavras do escritor Franz Kafka[24], “é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”.


NOTAS

[1] PIRES, R.R.C; AMARAL, L.A.; SANTOS, J.C. Planejamento governamental e participação social: encontros e desencontros na experiência brasileira recente. ENAP (Escola Nacional de Administração Pública), 2014.

[2] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Terceiro Setor: Entre a liberdade e o controle. Salvador: Ed. JusPodivm, 2013. p. 43.

[3] IPEA. Extrator de Dados. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/extrator/. Acesso em: 14 de agosto de 2018.

[4] MATOS, Rodrigo Rommel de Melo. Fundamentos, diretrizes e âmbito de aplicação da norma. In: MENDES, Michelle Diniz (Coord.). Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2017.

[5] Art. 2º, inciso II, da Lei nº 13.019/14 define como administração pública: “União, Estados, Distrito Federal, Municípios e respectivas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, e suas subsidiárias, alcançadas pelo disposto no § 9o do art. 37 da Constituição Federal”.

[6] Art. 24, §1º, inciso II da Lei nº 13.019/14.

[7] “Instrumento que servirá de base para a gestão da parceria, pois nele serão definidas e delimitadas as ações, os objetivos, as metas e os indicadores, estabelecidos os prazos (cronograma), bens e valores, além de outros elementos que funcionem como substrato fático que permitirá a execução e concretização das atividades de interesse público que justificam a celebração dos termos de fomento e de colaboração (MURADO, 2017)”.

[8] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Secretaria-Geral da. Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil: A construção da agenda no governo federal – 2011 a 2014. Brasília: 2015.

[9] MUNICÍPIO DE VIÇOSA. Edital de Chamamento Público nº 0077/2018 – OSC – Termo de Colaboração. Disponível em: http://www.vicosa.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/Edital_de_Chamamento_Publico_n_07_2018__Termo_de_Colaboracao__KarateDO?cdLocal=2&arquivo=%7B2B0E4E8E-2D76-CDED-BD3A D3DB03A0BACA%7D.pdf. Acesso em: 19 de agosto de 2018.

[10] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Secretaria-Geral da. Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil: A construção da agenda no governo federal – 2011 a 2014. Brasília: 2015.

[11] MUNICÍPIO DE ARAÇARIGUAMA. Edital de Chamamento Público para Termo de Fomento. Disponível em: http://www.aracariguama.sp.gov.br/docs/editais/595e86c4e65c4838e24b8e41f191450b.pdf. Acesso em: 19 de agosto de 2018.

[12] De acordo com MENDES (2017), “são classificadas como espécies de transferências discricionárias as transferências voluntárias (convênios e contratos de repasse), as transferências realizadas a entidades privadas sem fins lucrativos (termo de parceria, termo de fomento e termo de colaboração) e as transferências especificas (termo de compromisso)”.

[13] Na linha de MENDES (2017), “as transferências obrigatórias compreendem as constitucionais, a exemplo daquelas destinadas ao fundo de participação dos Estados e Distrito Federal e ao fundo de participação dos municípios (art. 159, I, a, b, c, d e e, da CF), e as legais, como as do Programa Nacional de Alimentação Escolar e do Programa Dinheiro Direito na Escola, ambas previstas na Lei nº 11.947/2009”.

[14] MENDES, Michelle Diniz (Coord.). Acordo de Cooperação. In: Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2017.

[15] Regulamenta a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, para dispor sobre regras e procedimentos do regime jurídico das parcerias celebradas entre a administração pública federal e as organizações da sociedade civil.

[16] MENDES, Michelle Diniz (Coord.). Acordo de Cooperação. In: Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2017.

[17] Idem.

[18] ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Minuta de Acordo de Cooperação. Disponível em: https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:pEdBAurpLMwJ:https://pge.es.gov.br/Media/pge/Minutas%2520conv%25C3%25AAnios/Conv%25C3%25AAnios%2520(atualiza%25C3%25A7%25C3%25A3o%252029%252010%25202015)/MINUTA%2520ACORDO%2520DE%2520COOPERA%25C3%2587%25C3%2583O%2520-%2520PGE.doc+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 19 de agosto de 2018.

[19] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Secretaria-Geral da. Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil: A construção da agenda no governo federal – 2011 a 2014. Brasília: 2015

[20] MANGUEIRA, Carlos Octaviano de Medeiros. Chamamento Público. In: MENDES, Michelle Diniz (Coord.). Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2017.

[21] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Secretaria-Geral da. Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil: A construção da agenda no governo federal – 2011 a 2014. Brasília: 2015. p. 102.

[22] Idem.

[23] Idem.

[24] Franz Kafka (1883-1924), escritor tcheco de língua alemã. 



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Adriana. Lei nº 13.019/14: fortalecendo as ações de solidariedade do povo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5556, 17 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68594. Acesso em: 19 abr. 2024.