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Violência no Brasil e a inefetividade das políticas públicas

Violência no Brasil e a inefetividade das políticas públicas

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Estudam-se as principais causas para o aumento dos índices de crimes por arma de fogo no Brasil. A violência decorre, principalmente, da inefetividade das políticas públicas adotadas, pois as regiões com índices maiores são, também, as mais carentes.

Resumo: Estudam-se as principais causas para o aumento dos índices de crimes por arma de fogo no Brasil. A violência  decorre, principalmente, da inefetividade das políticas públicas adotadas, pois as regiões com índices maiores são, também, as mais carentes do ponto de vista de desenvolvimento humano e de acesso a serviços básicos e da importância de atribuir aos Estados federados maior autonomia em matéria penal e processual penal, considerando as dimensões do país e diferenças entre regiões. Para tanto, será utilizado o método dedutivo de pesquisa, levantamento de dados oficiais e de doutrinas. Os resultados demonstram que os legisladores têm feito muito pouco, que as políticas públicas são ineficientes, sendo poucas as implantadas. No campo da educação, por exemplo, estão voltadas apenas ao ensino superior, e não ao ensino básico; e que os Estados Federados necessitam de autonomia legislativa para construir leis que tratem de questões específicas e setorizadas.

Palavras-chave: Crime Por Arma de Fogo; Inefetividade de Políticas Públicas; Autonomia dos Estados Federados. Políticas sociais


1. INTRODUÇÃO   

Se há algo que, aparentemente, é indiscutível no ordenamento jurídico brasileiro – embora isso possa parecer contraditório, dada a multiplicidade de interpretações possíveis dos institutos jurídicos – é o fato de que no direito penal vige o princípio da intervenção mínima (ultima ratio), isto é, o direito penal deverá intervir no organismo social somente na hipótese de todas as demais possibilidades terem-se demonstrado ineficientes.

Outro aspecto de importante relevância é o postulado de que a Constituição Federal de 1988 trouxe uma visão humanística ao direito do país – não é demais lembrar que a dignidade da pessoa humana é um dos seus fundamentos (CF/88, art. 1º, III) e, a partir dos valores estabelecidos no seu texto, foram ratificados alguns tratados internacionais sobre direitos humanos, como o Pacto de São José da Costa Rica (BRASIL, 1992).

A hipótese que norteia este trabalho é a de que há pouca efetividade e equidade na distribuição de políticas sociais em todo o território nacional, dada a sua desigualdade, o que traz como consequências a marginalidade e a violência.

Assim, é possível fazer as seguintes indagações: a) Em que medida, no Brasil, os legisladores buscam efetivar os marcos legais das políticas sociais com o objetivo de minimizar as desigualdades sociais? b) Qual a importância das políticas públicas para a redução da violência atual em um médio prazo? c) Os Estados federados deveriam ter mais autonomia legislativa em matéria penal?

As políticas sociais, homologadas pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 6o. referendam dois dos princípios dessa carta que é a dignidade da pessoa humana e a cidadania.

Isto posto, este trabalho tem como objetivos: i) refletir acerca das políticas sociais para o bem estar no Brasil; ii) estudar o conceito de dignidade humana e sua positivação no sistema dos três poderes da nação; e iii) refletir sobre as políticas de segurança pública no sistema federalista.

Para a consecução desses objetivos fez-se uma revisão de conceitos de políticas sociais, dignidade humana, e buscou-se por meio de dados em diferentes bases apontar os índices de violência e refletir sobre a justiça social.


2. O ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL E A DIGNIDADE HUMANA

O Estado de Bem-estar Social caracteriza-se por uma busca constante pelos direitos sociais do cidadão desde seu nascimento junto à rede de prestações de serviços oferecidos e garantidos pelo Estado, tais como educação, saúde, entre outros direitos sociais, cujo objetivo é contribuir para que as desigualdades sociais não comprometam o exercício dos direitos civis e públicos.

Segundo Kerstenetzky (2010), o estado do bem-estar social não condiz apenas com uma busca somente das bases operárias ou populares ou com a implementação das teorias neoclássica e neoliberal, como uma das consequências do aprimoramento das sociedades atuais. Ele, de outro lado, é o resultado das revoluções que definiram seu sistema econômico com os olhos voltados para os Estados Liberais, mas com o surgimento dos movimentos democráticos, mormente no século XX, a intervenção do Estado nos movimentos do capital foi se acentuando e com o apoio de manifestações populares, ele emerge.

Para Okun (apud Kerstenetzky, 2011), o bem-estar social não passa de um “balde furado”, sendo, que o governo remaneja os recursos destinados às classes sociais e não alcança seu objetivo de redistribuição dos recursos.

                Kerstenetzky (2010) afirma que Brasil teve como marco inicial do seu estado de proteção social no ano da homologação da Constituição Federal (1988), sendo uma política destinada ao desenvolvimento e construção dos direitos sociais

Para Habermas (2010) a dignidade humana positivada é necessária para a democracia, de onde se aponta para uma reflexão : i) a palavra democracia não tem um significado claro, pois está sujeita a processos de significação e mutação constante e ii) dignidade humana, por seu turno, tem um caráter amorfo o que indica que ainda estamos nos estágios iniciais do processo de elaboração do seu significado (Waldron; 2013).

Habermas (2010) observa a dificuldade de se positivar o princípio da dignidade humana, ao longo de seu processo de positivação nas normas jurídicas, pela limitação linguística inerente a todas as línguas humanas. As diferentes dimensões da dignidade humana vão sendo pulverizadas em artigos, incisos e parágrafos no sistema normativo do Estado, provocando um esvaziamento do que se entende por padrões mínimos de violações.

Esta diluição das dimensões humanas produz um apagamento daquilo que é prioritário, perde sua força discursiva, enfraquecendo o pragmatismo. Assim como processo de racionalização departamentalizou excessivamente a ciência, assim também o princípio da dignidade humana é uma noção complexa e departamentalizada que vem sendo estudada desde áreas como o direito, sociologia e antropologia até a bioética (PELE, 2012). 

Waldron (2013) lembra que não há um conceito pragmático de dignidade humana porque nós ainda discordamos de quais direitos são direitos humanos pela própria desigualdade do mundo moderno, que apresenta ritmos desiguais em seus diferentes processos de desenvolvimento sócio-político, cultural e econômico nos diferentes continentes, mesmo tendo concordado que os humanos tiveram a mesma origem biológica, que não há raças diferentes e que é necessário lugar pela igualdade, conceitos universalizantes que ainda desafiam a contemporaneidade.

Assim, mesmo com o legado deixado pelas revoluções do século XIX, a dignidade humana sofreu uma erosão antes mesmo de ser compreendida. A globalização do capital e a reestruturação dos mercados caminharam juntamente na tentativa de efetivação dos direitos humanos e trouxe consigo novos tipos de regulações sociais, econômicas e políticas que acabaram por influenciar os requisitos mínimos para se atingir a dignidade.

Para Kant (apud SARLET, 2015) a dignidade humana é um valor moral, logo a difícil tarefa de encontrar uma forma de avaliá-la, compreender como ela se manifesta na vida do cidadão, ou ainda, como o sujeito a percebe no seu dia a dia.

Isto posto, há que se considerar o caráter ubíquo do conceito de dignidade humana, destaca-se por um lado que ele se perde nas retóricas falaciosas dos diferentes discursos políticos, por outro, a busca pelo seu real significado vai motivando sua positivação em declarações, convenções e outros documentos legais e diferentes áreas do conhecimento humano que vêm conduzindo a reflexões que possibilitem avaliar os padrões humanos mínimos de violações da vida, da liberdade, da integridade e da igualdade (RILEY, 2010), que fundamenta a autonomia do seres humanos, e que possam ser mensuráveis.

Assim, entende-se aqui, neste percurso que dignidade humana em a ver com segurança pública e esta com mais justiça social a fim de que se possa reduzir os índices de violência por meio de políticas públicas mais eficientes, e talvez até diferenciadas para diferentes regiões do país.


3. SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO: DIREITOS, SOCIEDADE E JUSTIÇA

O Brasil, diferentemente de países de cultura anglo-saxônica, baseou-se o direito romano e adotou o sistema da civil law, isto é, a adoção de leis escritas para regular a vida em sociedade – embora, cabe destacar, nos últimos anos tenha havido uma grande evolução jurisprudencial, principalmente com a EC 45/2004 que acrescentou o art. 103-A ao texto constitucional, prevendo a prerrogativa de o Supremo Tribunal Federal editar súmulas de efeito vinculante, sendo que dois anos depois, em 2006, a Lei 11.417 regulamentou o tema. Recentemente, o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) solidificou a tendência dos precedentes - porém, reafirma-se, vigora no país o direito positivo.

A participação cada vez mais ativa do direito penal na sociedade brasileira leva à suposição de que os demais institutos jurídicos, bem como as políticas públicas, não têm demonstrado a eficiência desejada para que os cidadãos possam exercer aquele que seja, talvez, ao lado do direito à vida, um dos direitos mais elementares de qualquer Estado Democrático de Direito, a liberdade.

Isso porque, conforme estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2017) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2017) concluiu-se que houvera um crescimento vertiginoso nos índices de violência em todo o país sendo a região nordeste aquele que apresenta maiores taxas de mortalidade para cada 100 mil habitantes, ao passo que a região sudeste apresenta as menores taxas. Uma coisa é certa, a sensação de medo é geral.

No Brasil, (Reale, 2001), desenvolveu, em meados dos anos de 1940, a sua “Teoria Tridimensional do Direito”. Para ele, o conceito de Direito tem uma estrutura que abrange três dimensões. Nas suas palavras:

O simples fato de existirem várias acepções da palavra Direito já devia ter suscitado uma pergunta, que, todavia, só recentemente veio a ser formulada, isto é: esses significados fundamentais que, através do tempo, têm sido atribuídos a uma mesma palavra, já não revelam que há aspectos ou elementos complementares na experiência jurídica? Uma análise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito veio demonstrar que eles correspondem a três aspectos básicos, discerníveis em todo e qualquer momento da vida jurídica: um aspecto normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência); um aspecto fático (o Direito como fato, ou em sua efetividade social e histórica) e um aspecto axiológico (o Direito como valor de Justiça). (REALE, 2001, p. 60).

O direito, deste modo, está inserido em um meio mais abrangente, cuja análise não pode ignorar aspectos sociais, históricos, econômicos, de valor entre outros. Assim, para o nascimento da norma jurídica é quase sempre imprescindível a ocorrência de um fato natural causador de impacto social. Tal impacto social somente ocorre porque a sociedade possui alguns valores oriundos de sua história, de sua economia, de sua cultura de modo geral. Somente após a ocorrência do fato e da reação social diante dele é que o legislador percebe a necessidade da elaboração de uma norma jurídica que atenda aos anseios do povo.

Em síntese, para Reale, o direito é fato, valor e norma. Onde o fato social, cada vez mais complexo, exige posturas mais criteriosas na sua valoração e na criação de normas. É, portanto, um mecanismo que tem por objetivo a pacificação social, tendo o Estado - através dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário - a responsabilidade de concretizar este objetivo. 

Contudo, nem sempre foi assim, isso porque a concepção tripartite de Estado, embora já defendida por Aristóteles, foi solidificada somente no século XVIII por Montesquieu, culminando com as Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789).

Hobbes (apud NUNES, 2010), no entanto, afasta a ideia aristotélica de que o homem é um animal político, assim como de sua concepção acerca de uma tendência humana e natural para a sociabilidade, culminando na criação da polis.

Para Hobbes (apud NUNES, 2010, p. 13):

(...) durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens (...). Desta guerra de todos os homens contra todos os homens também isto é consequência: que nada pode ser injusto. As noções de bem e de mal, de justiça e injustiça, não podem aí ter lugar. Onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei não há injustiça. (...). Outra consequência da mesma condição é que não há propriedade, nem domínio, nem distinção entre o meu e o teu; só pertence a cada homem aquilo que ele é capaz de conseguir, e apenas enquanto for capaz de conservá-lo. É pois esta a miserável condição em que o homem realmente se encontra, por obra da simples natureza. Embora com uma possibilidade de escapar a ela, que em parte reside nas paixões, e em parte em sua razão.

Eis o chamado estado de natureza, onde a liberdade era plena, o direito era exercido pela força e sem qualquer autoridade que impusesse limites – o caos e a desordem eram totais, inviabilizando quaisquer possibilidades de exercício de propriedade privada. É a partir deste contexto que surgira a frase no sentido que o homem é o lobo do homem, momento histórico onde a regra era a guerra mútua, de todos contra todos, de modo que o objetivo era conquistar aquilo que se desejava ou conservar aquilo que se possuía.

Hobbes, portanto, considera que o estado civil é fruto do caos trazido pelo estado natural. O homem, conquanto ainda primitivo, era também possuidor de razão, sendo ela a mola propulsora para a criação de um sistema coletivo instituidor de regras de conduta mesmo que isso acarretasse na renúncia à liberdade irrestrita, a única conhecida no momento.

O autor procurou, ainda, identificar a origem do interesse humano pelo fim do estado natural e início do estado civil. Chegou à conclusão de que o medo da morte era o elemento central, o instinto de autopreservação falara mais alto.  

O contexto histórico, à vista disso, estava apto à criação de uma instituição invisível, o Estado, o grande Leviatã, capaz de conter os impulsos naturais que aterrorizavam a todos. Eis que surge o estado civil, momento em que atribuiu-se a uma:

(...) só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. (HOBBES apud NUNES, 2010, p. 17). (destaques na obra)

Coincidentemente, em pleno século XXI, a sociedade brasileira encontra-se temerosa do mesmo instinto que levou a sociedade do estado natural a criar o estado civil, uma vez que o medo da morte violenta assola o país diariamente.


4. VIOLÊNCIA E JUSTIÇA SOCIAL

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) publicaram um estudo sobre o tema: Atlas da Violência (2017). Portanto, todos os dados trazidos neste tópico poderão ser consultados com maiores detalhes na obra.

Homicídios.: em 2015 houve 59.080 homicídios (considerando agressões e intervenções legais) no Brasil. Isso equivale a 28,9 para cada 100 mil habitantes; 47,8% das vítimas são do sexo masculino com idade entre 15 e 29 anos;

  • Entre 2005 e 2015, todos os estados da federação com crescimento superior a 100% nos índices de homicídio pertenciam as regiões Norte e Nordeste;
  • todos os estados da região Sudeste apresentaram queda na taxa de homicídio;
  • municípios x IDHM: menos violento (Jaraguá do Sul/SC) e mais violento (Altamira/PA), concluiu-se que o IDH do primeiro encontrava-se num patamar alto (IDH = 0,803), ao passo que no segundo o patamar era médio (IDH = 0,665). Enquanto em Jaraguá do Sul, 68,7% dos indivíduos com 18 anos ou mais possuíam ensino fundamental completo, em Altamira esse indicador era de 46,1%.
  • mortes por intervenção policial.: o estudo concluiu que o modelo de segurança pública é ineficaz, uma vez que, em 2015, registrou-se 3.320 mortes decorrentes de intervenções policiais, número 3,5 vezes maior do que os registros na saúde;
  • criminalidade e etnia.: a pesquisa identificou, ainda, que de cada 100 pessoas que são vítimas de homicídio no Brasil, 71 são negras, sendo que o negro possui 23,5% maiores chances de ser assassinado se comparado aos cidadãos de outras etnias;
  • violência contra a mulher.: o estudo destacou que, em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil, número que corresponde a uma taxa de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres, representando um crescimento de 7,3% entre os anos de 2005 e 2015, embora o indicador aponte para uma redução de 1,5% entre 2010 e 2015 e queda de 5,1% apenas no último ano de série.       
    1. violência contra a mulher nas unidades federativas.: ainda em relação à violência contra as mulheres, agora nas unidades federativas, a pesquisa concluiu que o estado de São Paulo obteve uma redução de 35,4% nos últimos 11 anos, ao passo que o Maranhão houve um aumento de 130,0%;
    2. violência contra mulheres negras e não negras.: o estudo concluiu que, enquanto a mortalidade de mulheres não negras reduziu em 7,4% entre 2005 e 2015, no mesmo período o número de homicídios com mulheres negras vitimadas aumentou em 22%, chegando à taxa de 5,2 mortes para cada 100 mil mulheres negras.
    3. aumento proporcional de mulheres negras vítimas de violência.:  do total de mulheres assassinadas, o número de vítimas negras aumentou de 54,8% em 2005 para 65,3% em 2015.
    4. taxas de mortalidades de mulheres negras nos estados da federação.: o estudo concluiu que, entre 2005 e 2015, apenas em São Paulo (-41,3%), Rio de Janeiro (-32,7%), Pernambuco (-25,8%), Paraná (-23,9), Amapá (-20%), Roraima (-16,6%) e Mato Grosso do Sul (-4,6%) houve redução das taxas de assassinato de mulheres no Brasil;
    5. mulheres brasileiras vítimas da violência.: o estudo trouxe, ainda, o resultado de uma pesquisa encomendada pelo Datafolha, onde concluiu que 29% das mulheres brasileiras relataram ter sofrido algum tipo de violência, sendo que apenas 11% procuraram a delegacia da mulher. e 43% dos casos a agressão ocorreram no domicílio.
    6. Uso de arma de fogo nos homicídios.: segundo o estudo, somente em 2015, 41.817 pessoas foram vítimas de homicídio por arma de fogo, número de corresponde a 71,9% do total de casos. Comparativamente, na Europa esse índice encontra-se em 21%.

Este estudo concluiu que o crescimento econômico proporciona aquecimento no mercado de trabalho, contribuindo para a queda da taxa de criminalidade. O efeito colateral deste desenvolvimento econômico, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, foi a viabilização dos mercados de drogas ilícitas. Outro ponto importante da pesquisa foi o de que o desempenho econômico também levou, mesmo que indiretamente, à desorganização social por conta de alterações em espaços urbanos com a consequente dificuldade em identificação de criminosos.

O Brasil vem sofrendo, nos últimos anos, com o aumento progressivo nos índices de violência por arma de fogo. Pessoas cada vez mais jovens estão entrando para esse mundo tão cruel. Estas pessoas fazem vítimas ao mesmo tempo em que também são vítimas - isso mesmo, os delinquentes também são vítimas! Mas vítimas de que, ou de quem, afinal?

A Constituição de 1988 estabeleceu, em seu art. 6°, que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade (...), são direitos e garantias fundamentais, logo, são cláusulas pétreas, isto é, não podem ser modificados a menos que seja para ampliá-los.

É bem verdade que o art. 6º da CF seja uma norma programática, uma meta a ser alcançada pelo Estado brasileiro por meio de políticas públicas a serem emanadas em conjuntos com o povo – o que se vê, no entanto, são pessoas perdendo suas vidas diariamente, vitimadas pela violência das mais variadas formas.

Rawls (1997), quando submeteu-se à reflexão sobre o papel da justiça, reconheceu que:

Se a inclinação dos homens ao interesse próprio torna necessária a vigilância de uns sobre os outros, seu sentido público de justiça torna possível a sua associação segura. Entre indivíduos com objetivos e propósitos díspares uma concepção partilhada de justiça limita a persecução de outros fins. Pode-se imaginar uma concepção da justiça como constituindo a carta fundamental de uma associação humana bem-ordenada. (RAWLS, 1997, p. 5).

Rawls, portanto, reconheceu a natureza desejante defendida por Hobbes. Por isso propôs um novo pacto social, considerando que a única possibilidade de escolhas equânimes de acessos às oportunidades das mais diversas dependeriam do fato de todos aqueles que escolheriam qual sociedade gostariam de viver estivessem na mesma situação, chamada pelo autor de “posição original”, e ainda sob um “véu de ignorância”. Para o autor, é preciso:

(...) anular os efeitos das contingências específicas que colocam os homens em disputa, tentando-os a explorar as circunstâncias naturais e sociais em seu próprio benefício. Com esse propósito, assumo que as partes se situam atrás de um véu de ignorância. Elas não sabem como as várias alternativas irão afetar o seu caso particular, e são obrigadas a avaliar os princípios unicamente com base em considerações gerais. (RAWLS, 1997, p. 147).

O autor continua sua proposta:

Supõe-se, então, que as partes não conhecem certos tipos de fatos particulares. Em primeiro lugar, ninguém sabe qual é o seu lugar na sociedade, a sua posição de classe ou seu status social; além disso, ninguém conhece a sua sorte na distribuição de dotes naturais e habilidades, sua inteligência e força, e assim por diante. Também ninguém conhece a sua concepção do bem, as particularidades de seu plano de vida racional, e nem mesmo os traços característicos de sua psicologia, como por exemplo a aversão ao risco ou sua tendência ao otimismo ou ao pessimismo. Mais ainda, admito que as partes não conhecem as circunstâncias particulares de sua própria sociedade. Ou seja, elas não conhecem a posição econômica e política dessa sociedade, ou o nível de civilização e cultura que ela foi capaz de atingir. As pessoas na posição original não têm informação sobre a qual geração pertencem. Essas restrições mais amplas impostas ao conhecimento são apropriadas, em parte porque as questões de justiça social surgem entre gerações e também dentro delas (...). elas devem escolher princípios cujas consequências estão preparadas para aceitar, não importando a geração que pertençam. (RAWLS, 1997, p. 147).

É possível supor, neste momento, que a sociedade brasileira reconhece, independentemente da posição social a que cada um ocupa, de que uma vida satisfatória necessita do acesso a bens (sobretudo materiais).

Todavia, além do fato de não haver espaço ‘ao sol do consumo’ para todos, ao mesmo tempo em que há uma espécie de ‘bombardeio’ de propagandas propondo o consumo, criando pseudonecessidades sem as quais a insatisfação é garantida, e isso é possível observar através ‘ostentação’ das redes sociais, falseando a percepção da realidade, há, concomitantemente, uma postura de conservação partindo daqueles que pertencem aos grupos inseridos no sistema econômico-capitalista. Isto é, aqueles que tem acesso aos bens de consumo não desejam que os que não tem venham a alcançar, uma vez que o traço desigualador que eleva uns e rebaixa outros é o elemento central da satisfação ou insatisfação pessoal.

Em meados dos anos de 1960, nos Estados Unidos da América, surgiu a Teoria do Labelling Approach, segundo a qual a criminalidade está associada, num momento primário, à necessidade – geralmente econômica – que leva alguém à prática de crime; num momento secundário, a prática de crime decorre da exclusão do delinquente do meio social a que pertencia. Isso porque, na ocasião do primeiro delito, aquele que, até o momento era considerado um ‘cidadão de bem’, perdeu esse status social sem quaisquer possibilidades de recupera-lo mesmo após o cumprimento da pena imposta pelo cometimento do primeiro crime. Assim, segundo essa teoria, a reincidência criminosa é fruto do estigma, do rótulo, da marca deixada pelo cometimento do primeiro delito, excluindo do meio social permanentemente o infrator.

Zaffaroni trouxe luz ao tema quando assegurou que:

A tese central dessa corrente pode ser definida, em termos muito gerais, pela afirmação de que cada um de nós se torna aquilo que os outros veem em nós e, de acordo com essa mecânica, a prisão cumpre uma função reprodutora: a pessoa rotulada como delinquente assume, finalmente, o papel que lhe é consignado, comportando-se de acordo com o mesmo. Todo o aparato do sistema penal está prepadado para essa rotulação e para o reforço desses papéis. (ZAFFARONI, 1996, p. 60)

Faz-se importante solidificar o contexto social onde os momentos em que os delitos são cometidos. Nesse passo, para Penteado Filho:

Sustenta-se que a criminalidade primária produz a etiqueta ou rótulo, que por sua vez produz a criminalização secundária (reincidência). A etiqueta ou rótulo (materializados em atestado de antecedentes, folha corrida criminal, divulgação de jornais sensacionalistas etc.) acaba por impregnar o indivíduo, causando a expectativa social de que a conduta venha a ser praticada, perpetuando o comportamento delinqüente e aproximando os indivíduos rotulados uns dos outros. Uma vez condenado o indivíduo ingressa numa “instituição” (presídio), que gerará um processo institucionalizador, com seu afastamento da sociedade, rotinas de cárcere etc. (PENTEADO FILHO, 2014, p. 74)

É por esse motivo que a efetividade das políticas públicas são a condição essencial para a redução dos índices de criminalidade no país, sobretudo para impedir o potencial infrator de cometer o primeiro delito e ficar, ao longo de sua existência, estigmatizado pela sociedade, cuja consequência natural será a reincidência delituosa e toda uma vida voltada à criminalidade. É preciso, antes de mais nada, proporcionar a essa parte da sociedade, oportunidades de desenvolvimento das potencialidades para o crescimento nacional.


5. AUTONOMIA LEGISLATIVA EM MATÉRIA PENAL E PROCESSUAL PENAL DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO

No Brasil, é competência privativa da União legislar sobre direito penal e processual penal (CF/88, art. 22, I). Fala-se em competência privativa, que não é exclusiva, porque o parágrafo único do mesmo dispositivo estabelece que “lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.

É possível depreender, a partir do texto constitucional, que a atribuição de maior autonomia legislativa aos Estados da Federação – sobretudo por sua competência ser residual (CF/88, art. 25, §1º) – depende da edição de lei complementar, todavia, ainda não houve manifestação legislativa neste sentido, cujas razões são desconhecidas.

As razões pelas quais entende-se necessária essa amplitude de competência legislativa se justifica, a princípio, pelos próprios índices de crimes por armas de fogo no Brasil já abordados nesta pesquisa.

Como se não bastasse, pode-se mencionar dois exemplos, sem, contudo, aprofundar o tema. Vamos a eles:

  • os Estados da Federação que fazem fronteira com países latino-americanos deveriam possuir legislação específica sobre a proteção dessas fronteiras que, historicamente, são locais de passagens de drogas, animais, madeira etc. Recentemente, tem-se o caso específico de Roraima e do ingresso de venezuelanos em território nacional por causa da grande crise que acomete o país.
  • os Estados com grandes aeroportos e portos como São Paulo e Rio de Janeiro deveriam possuir uma legislação específica de controle de crimes que são cometidos nestes locais.

Ademais, é sempre bom destacar que a construção do direito jamais pode perder de vista a sua finalidade de pacificação social e que só pode ser feita em ação conjunta entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário juntamente com a sociedade civil, de modo que, considerando as diversidades culturais, socioeconômicas brasileiras, é imprescindível uma construção principiológica nacional sólida, mas com respeito às diferenças regionais.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho tinha como objetivo esclarecer que um Estado de bem estar social deve conduzir à melhor distribuição de bens sociais, buscando a justiça e a equidade de modo a restaurar a dignidade humana e minimizar os conflitos, principalmente a violência que exaspera as populações mais centradas nos meios metropolitanos.

Este percurso teve também, o objetivo de trazer luz à constatação de que a natureza humana tende a desejar levar vantagens das mais variadas, mesmo que em detrimento de seus irmãos em espécie, o que conduz à violência.

Partindo desta premissa, pode-se inferir que a sociedade brasileira encontra-se atualmente, em linhas gerais, em três grandes grupos: i) o primeiro deles composto por uma minoria do ponto de vista numérico, mas que concentra a maior parte do capital, e isso lhes proporciona grande influência social e política (partidária inclusive); ii) o segundo grupo, composto por um grupo maior que o primeiro, daqueles que ainda não pertencem à elite, mas entendem possível esse pertencimento. Estes dois grupos determinam os rumos sociais e políticos e desejam a manutenção do status quo, uns porque já alcançaram o que desejam e outros porque julgam-se capazes de alcançar também e finalmente iii) o terceiro grupo, composto pela maioria numérica das pessoas, estas estão à margem deste mecanismo, são apenas instrumentos para os objetivos almejados pelos dois grupos anteriormente mencionados. Sem acesso aos direitos mais básicos que tornariam suas vidas minimamente dignas e sem a possibilidade de desenvolvimento humano, o que o tornou, ao longo dos anos, um ‘terreno fértil’ para o nascimento da criminalidade, da intolerância e de todas as formas de violência.

Em resposta às indagações do início desta pesquisa, em primeiro lugar entendeu-se que os legisladores fazem muito pouco para a efetivação dos marcos legais das políticas públicas com o objetivo de minimizar as desigualdades sociais.

É bem verdade que houve, nos últimos anos, significativa inclusão social, entretanto, tal inclusão teve como foco, no âmbito da educação, o ensino superior com as ações afirmativas e suas cotas raciais e sociais. É preciso chamar atenção para o ‘ponto de partida’ que é o ensino básico, ainda sucateado pelo Estado brasileiro – é muito pouco abrir espaço no ensino superior, ainda mais quando aquele que ingressa não teve uma formação básica suficientemente sólida para acompanhar o ritmo acadêmico. O exemplo da educação pode ser ampliado para segurança, saneamento básico, saúde, moradia e todos os direitos fundamentais que ainda são apenas um horizonte inatingível para a maioria dos brasileiros.

Compreendeu-se, também que as políticas públicas são vitais para o desenvolvimento humano coletivo, dentro de um estado que se quer caminhar para o bem estar social.

E, finalmente, é preciso compreender que os Estados da Federação deveriam possuir maior autonomia para combater a violência levando-se em   consideração os aspectos específicos de determinadas localidades do Brasil para o enfrentamento do problema da violência.  

Por fim, cumpre lembrar que, no ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação da Constituição de 1988, estabeleceu-se que todo o poder pertence ao povo, cujo exercício pode ser direto ou indireto. Assim, é importante prestar muita atenção aos representantes eleitos (exercício indireto), que no mister de sua atribuição constitucional, têm demonstrado total descaso com a sociedade.

O preço da democracia é a vigilância permanente.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Atlas da Violência: Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/170602_atlas_da_violencia_2017.pdf. Acesso em 15.11.2017.

BRASIL. Mapa da Violência 2016, Homicídio por armas de fogo no Brasil: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2016/Mapa2016_armas_web.pdf Acesso em 12.08.2017.

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