Violência no Brasil e a inefetividade das políticas públicas

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4. VIOLÊNCIA E JUSTIÇA SOCIAL

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) publicaram um estudo sobre o tema: Atlas da Violência (2017). Portanto, todos os dados trazidos neste tópico poderão ser consultados com maiores detalhes na obra.

Homicídios.: em 2015 houve 59.080 homicídios (considerando agressões e intervenções legais) no Brasil. Isso equivale a 28,9 para cada 100 mil habitantes; 47,8% das vítimas são do sexo masculino com idade entre 15 e 29 anos;

  • Entre 2005 e 2015, todos os estados da federação com crescimento superior a 100% nos índices de homicídio pertenciam as regiões Norte e Nordeste;
  • todos os estados da região Sudeste apresentaram queda na taxa de homicídio;
  • municípios x IDHM: menos violento (Jaraguá do Sul/SC) e mais violento (Altamira/PA), concluiu-se que o IDH do primeiro encontrava-se num patamar alto (IDH = 0,803), ao passo que no segundo o patamar era médio (IDH = 0,665). Enquanto em Jaraguá do Sul, 68,7% dos indivíduos com 18 anos ou mais possuíam ensino fundamental completo, em Altamira esse indicador era de 46,1%.
  • mortes por intervenção policial.: o estudo concluiu que o modelo de segurança pública é ineficaz, uma vez que, em 2015, registrou-se 3.320 mortes decorrentes de intervenções policiais, número 3,5 vezes maior do que os registros na saúde;
  • criminalidade e etnia.: a pesquisa identificou, ainda, que de cada 100 pessoas que são vítimas de homicídio no Brasil, 71 são negras, sendo que o negro possui 23,5% maiores chances de ser assassinado se comparado aos cidadãos de outras etnias;
  • violência contra a mulher.: o estudo destacou que, em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil, número que corresponde a uma taxa de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres, representando um crescimento de 7,3% entre os anos de 2005 e 2015, embora o indicador aponte para uma redução de 1,5% entre 2010 e 2015 e queda de 5,1% apenas no último ano de série.       
    1. violência contra a mulher nas unidades federativas.: ainda em relação à violência contra as mulheres, agora nas unidades federativas, a pesquisa concluiu que o estado de São Paulo obteve uma redução de 35,4% nos últimos 11 anos, ao passo que o Maranhão houve um aumento de 130,0%;
    2. violência contra mulheres negras e não negras.: o estudo concluiu que, enquanto a mortalidade de mulheres não negras reduziu em 7,4% entre 2005 e 2015, no mesmo período o número de homicídios com mulheres negras vitimadas aumentou em 22%, chegando à taxa de 5,2 mortes para cada 100 mil mulheres negras.
    3. aumento proporcional de mulheres negras vítimas de violência.:  do total de mulheres assassinadas, o número de vítimas negras aumentou de 54,8% em 2005 para 65,3% em 2015.
    4. taxas de mortalidades de mulheres negras nos estados da federação.: o estudo concluiu que, entre 2005 e 2015, apenas em São Paulo (-41,3%), Rio de Janeiro (-32,7%), Pernambuco (-25,8%), Paraná (-23,9), Amapá (-20%), Roraima (-16,6%) e Mato Grosso do Sul (-4,6%) houve redução das taxas de assassinato de mulheres no Brasil;
    5. mulheres brasileiras vítimas da violência.: o estudo trouxe, ainda, o resultado de uma pesquisa encomendada pelo Datafolha, onde concluiu que 29% das mulheres brasileiras relataram ter sofrido algum tipo de violência, sendo que apenas 11% procuraram a delegacia da mulher. e 43% dos casos a agressão ocorreram no domicílio.
    6. Uso de arma de fogo nos homicídios.: segundo o estudo, somente em 2015, 41.817 pessoas foram vítimas de homicídio por arma de fogo, número de corresponde a 71,9% do total de casos. Comparativamente, na Europa esse índice encontra-se em 21%.

Este estudo concluiu que o crescimento econômico proporciona aquecimento no mercado de trabalho, contribuindo para a queda da taxa de criminalidade. O efeito colateral deste desenvolvimento econômico, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, foi a viabilização dos mercados de drogas ilícitas. Outro ponto importante da pesquisa foi o de que o desempenho econômico também levou, mesmo que indiretamente, à desorganização social por conta de alterações em espaços urbanos com a consequente dificuldade em identificação de criminosos.

O Brasil vem sofrendo, nos últimos anos, com o aumento progressivo nos índices de violência por arma de fogo. Pessoas cada vez mais jovens estão entrando para esse mundo tão cruel. Estas pessoas fazem vítimas ao mesmo tempo em que também são vítimas - isso mesmo, os delinquentes também são vítimas! Mas vítimas de que, ou de quem, afinal?

A Constituição de 1988 estabeleceu, em seu art. 6°, que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade (...), são direitos e garantias fundamentais, logo, são cláusulas pétreas, isto é, não podem ser modificados a menos que seja para ampliá-los.

É bem verdade que o art. 6º da CF seja uma norma programática, uma meta a ser alcançada pelo Estado brasileiro por meio de políticas públicas a serem emanadas em conjuntos com o povo – o que se vê, no entanto, são pessoas perdendo suas vidas diariamente, vitimadas pela violência das mais variadas formas.

Rawls (1997), quando submeteu-se à reflexão sobre o papel da justiça, reconheceu que:

Se a inclinação dos homens ao interesse próprio torna necessária a vigilância de uns sobre os outros, seu sentido público de justiça torna possível a sua associação segura. Entre indivíduos com objetivos e propósitos díspares uma concepção partilhada de justiça limita a persecução de outros fins. Pode-se imaginar uma concepção da justiça como constituindo a carta fundamental de uma associação humana bem-ordenada. (RAWLS, 1997, p. 5).

Rawls, portanto, reconheceu a natureza desejante defendida por Hobbes. Por isso propôs um novo pacto social, considerando que a única possibilidade de escolhas equânimes de acessos às oportunidades das mais diversas dependeriam do fato de todos aqueles que escolheriam qual sociedade gostariam de viver estivessem na mesma situação, chamada pelo autor de “posição original”, e ainda sob um “véu de ignorância”. Para o autor, é preciso:

(...) anular os efeitos das contingências específicas que colocam os homens em disputa, tentando-os a explorar as circunstâncias naturais e sociais em seu próprio benefício. Com esse propósito, assumo que as partes se situam atrás de um véu de ignorância. Elas não sabem como as várias alternativas irão afetar o seu caso particular, e são obrigadas a avaliar os princípios unicamente com base em considerações gerais. (RAWLS, 1997, p. 147).

O autor continua sua proposta:

Supõe-se, então, que as partes não conhecem certos tipos de fatos particulares. Em primeiro lugar, ninguém sabe qual é o seu lugar na sociedade, a sua posição de classe ou seu status social; além disso, ninguém conhece a sua sorte na distribuição de dotes naturais e habilidades, sua inteligência e força, e assim por diante. Também ninguém conhece a sua concepção do bem, as particularidades de seu plano de vida racional, e nem mesmo os traços característicos de sua psicologia, como por exemplo a aversão ao risco ou sua tendência ao otimismo ou ao pessimismo. Mais ainda, admito que as partes não conhecem as circunstâncias particulares de sua própria sociedade. Ou seja, elas não conhecem a posição econômica e política dessa sociedade, ou o nível de civilização e cultura que ela foi capaz de atingir. As pessoas na posição original não têm informação sobre a qual geração pertencem. Essas restrições mais amplas impostas ao conhecimento são apropriadas, em parte porque as questões de justiça social surgem entre gerações e também dentro delas (...). elas devem escolher princípios cujas consequências estão preparadas para aceitar, não importando a geração que pertençam. (RAWLS, 1997, p. 147).

É possível supor, neste momento, que a sociedade brasileira reconhece, independentemente da posição social a que cada um ocupa, de que uma vida satisfatória necessita do acesso a bens (sobretudo materiais).

Todavia, além do fato de não haver espaço ‘ao sol do consumo’ para todos, ao mesmo tempo em que há uma espécie de ‘bombardeio’ de propagandas propondo o consumo, criando pseudonecessidades sem as quais a insatisfação é garantida, e isso é possível observar através ‘ostentação’ das redes sociais, falseando a percepção da realidade, há, concomitantemente, uma postura de conservação partindo daqueles que pertencem aos grupos inseridos no sistema econômico-capitalista. Isto é, aqueles que tem acesso aos bens de consumo não desejam que os que não tem venham a alcançar, uma vez que o traço desigualador que eleva uns e rebaixa outros é o elemento central da satisfação ou insatisfação pessoal.

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Em meados dos anos de 1960, nos Estados Unidos da América, surgiu a Teoria do Labelling Approach, segundo a qual a criminalidade está associada, num momento primário, à necessidade – geralmente econômica – que leva alguém à prática de crime; num momento secundário, a prática de crime decorre da exclusão do delinquente do meio social a que pertencia. Isso porque, na ocasião do primeiro delito, aquele que, até o momento era considerado um ‘cidadão de bem’, perdeu esse status social sem quaisquer possibilidades de recupera-lo mesmo após o cumprimento da pena imposta pelo cometimento do primeiro crime. Assim, segundo essa teoria, a reincidência criminosa é fruto do estigma, do rótulo, da marca deixada pelo cometimento do primeiro delito, excluindo do meio social permanentemente o infrator.

Zaffaroni trouxe luz ao tema quando assegurou que:

A tese central dessa corrente pode ser definida, em termos muito gerais, pela afirmação de que cada um de nós se torna aquilo que os outros veem em nós e, de acordo com essa mecânica, a prisão cumpre uma função reprodutora: a pessoa rotulada como delinquente assume, finalmente, o papel que lhe é consignado, comportando-se de acordo com o mesmo. Todo o aparato do sistema penal está prepadado para essa rotulação e para o reforço desses papéis. (ZAFFARONI, 1996, p. 60)

Faz-se importante solidificar o contexto social onde os momentos em que os delitos são cometidos. Nesse passo, para Penteado Filho:

Sustenta-se que a criminalidade primária produz a etiqueta ou rótulo, que por sua vez produz a criminalização secundária (reincidência). A etiqueta ou rótulo (materializados em atestado de antecedentes, folha corrida criminal, divulgação de jornais sensacionalistas etc.) acaba por impregnar o indivíduo, causando a expectativa social de que a conduta venha a ser praticada, perpetuando o comportamento delinqüente e aproximando os indivíduos rotulados uns dos outros. Uma vez condenado o indivíduo ingressa numa “instituição” (presídio), que gerará um processo institucionalizador, com seu afastamento da sociedade, rotinas de cárcere etc. (PENTEADO FILHO, 2014, p. 74)

É por esse motivo que a efetividade das políticas públicas são a condição essencial para a redução dos índices de criminalidade no país, sobretudo para impedir o potencial infrator de cometer o primeiro delito e ficar, ao longo de sua existência, estigmatizado pela sociedade, cuja consequência natural será a reincidência delituosa e toda uma vida voltada à criminalidade. É preciso, antes de mais nada, proporcionar a essa parte da sociedade, oportunidades de desenvolvimento das potencialidades para o crescimento nacional.

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Sobre as autoras
Luci Mendes de Melo Bonini

Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Professora de Filosofia e Pesquisadora no Mestrado em Políticas Públicas da Universidade de Mogi das Cruzes. Área de interesse: Direitos Humanos e Políticas Públicas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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