Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/7100
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

União estável e contratos de namoro no Código Civil de 2002

União estável e contratos de namoro no Código Civil de 2002

Publicado em . Atualizado em .

Proliferam novas formas contratuais de quem não deseja se enquadrar na união estável, como os contratos de namoro, cuja validade é relativa e sucumbe ante preceitos de ordem pública indisponíveis e perante os terceiros de boa-fé.

Sumário: 1. Introdução – 2. A Família – 3. Dos requisitos para a configuração da união estável – 3.1. Convivência pública e notória, sob o mesmo teto – 3.2. Convivência estável contínua e duradoura – o problema do prazo – 3.3. A estabilidade da relação e a intenção de constituir família – 3.4. A dualidade dos sexos – 4. A questão terminológica e o novo Código Civil – 5. Contratos de namoro – 6. O renascer do concubinato – 7. A questão patrimonial – 8. Houve revogação das Leis 8.971/94 e 9.278/96 pelo novo Código Civil? – 9. Notas conclusivas.


1. Introdução

O Direito de Família encontra-se em processo de reconstrução, embalado pelos ideais de despatrimonialização e repersonalização que orientam o novo modelo de Direito Civil.

Todo reconstruir passa por um desconstruir, que não é sinônimo de destruir mas de desagrupar, fragmentar, desagregar (1). Primeiro se fragmenta, desagrega, para depois se reagregar, reconstruir, com uma nova forma, sobre novos alicerces. Isto vem ocorrendo desde o advento da Constituição Federal em 1988, que trouxe para seu bojo, na forma de dispositivo objetivado, o princípio da dignidade da pessoa humana, guindado ao status de fundamento da República (art. 1º, III).

A dignidade da pessoa humana é um dado ôntico, que está no mundo do ser; um valor fundante do ordenamento jurídico e de todas as demais ciências que têm o homem como centro de referência. Transposta ao plano deôntico, como o foi, através da Constituição, passou a inspirar todo o sistema positivo brasileiro e trouxe, para o Direito de Família, em especial, profundas modificações estruturais, ampliando o conceito de igualdade.(2)

É justamente esse princípio, da dignidade da pessoa humana, que veio lastrear as grandes inovações em matéria de direito civil, servindo de norma de estrutura para todo o ordenamento jurídico brasileiro e exigindo uma releitura e reinterpretação dos institutos.

A mesma Constituição que agasalhou o princípio da dignidade da pessoa humana, abriu precedente histórico ao disciplinamento da família brasileira, reconhecendo e chancelando a união estável como forma legítima de constituição da entidade familiar não-matrimonial formada por homem e mulher.

A Carta Cidadã de 1988 tratou de forma ímpar os direitos fundamentais e, em especial, a proteção das relações da pessoa em sociedade. Na parte atinente ao Direito de Família, trouxe profundas e necessárias alterações, pelas quais se ansiava havia décadas.

E sob sua ótica, iniciou-se nova releitura crítica do Direito, que já não pode limitar-se à reprodução de saberes, mas deve enveredar-se por novas fontes de investigação, de forma independente, como assevera Luiz Edson Fachin.(3)

Alguns textos legais, que sucederam a Constituição vigente, influenciados pela nova diretriz da dignidade da pessoa humana, pacificaram muitos dos conflitos sociais até então existentes, e.g. as Leis 8.971, de 1994 e 9.278, de 1996, que disciplinaram a união estável.

Com o novo Código Civil, visivelmente inspirado nessa nova ordem de idéias, que priorizou a pessoa humana e os direitos da personalidade, a função social, a boa-fé, e tantos outros institutos voltados à garantia da dignidade da pessoa, faz-se necessário reinterpretar o Direito Civil, reler suas disposições sob uma ótica diferenciada, reconstruída sobre novos e mais sólidos fundamentos basilares.

Nossa abordagem, enfocada na união estável, procurará evidenciar algumas das mudanças mais importantes que se verificaram ao longo dos últimos anos, as prescrições doutrinárias e tendências jurisprudenciais que se confirmaram ou se modificaram.

Procuraremos analisar, atendendo a brevidade deste enfoque, alguns aspectos que têm merecido a atenção da doutrina e que sofreram alguma influência com a edição do Código Civil de 2002, iniciando com um rápido resumo histórico da noção de família e apontando os elementos caracterizadores da união estável, o que foi mantido e o que foi alterado pela nova legislação.


2. A Família

A família existe desde tempos imemoriais, constituída sob as mais variadas formas, segundo os costumes de cada povo e influenciada pelos valores sócio-culturais, políticos e religiosos de cada época.

Em algumas sociedades não-ocidentais os parceiros conjugais são escolhidos pelos pais, só vindo a conhecer-se no momento da celebração das núpcias. No Egito antigo, como exceção à regra universalizada que veda o casamento entre membros da mesma família, o casamento entre irmãos era admitido, para assegurar a manutenção da pureza do sangue da família do Faraó.

Na China tradicional, ao contrário, a proibição do casamento no meio familiar estende-se a vários graus de parentesco.

Algumas culturas, como a brasileira e praticamente todo o resto do ocidente, só aceitam um casamento (monogamia); outras, permitem vários casamentos concomitantes (poligamia). No Islã, os muçulmanos têm o direito de possuir até quatro esposas ao mesmo tempo. Trata-se da forma de poligamia conhecida como poliginia, onde há duas ou mais mulheres.

Também ocorrem hipóteses de poliandria (uma mulher com dois ou mais maridos), situação bastante comum nas fronteiras entre o Tibet e o Nepal. Em Mustang, uma dessas localidades, a terra fértil é muito escassa e se os homens de uma mesma família se casarem com mulheres diferentes, terão que dividir a propriedade, que se tornará insuficiente para o sustento de todos. A solução comumente aceita e institucionalizada é casarem-se dois ou mais irmãos com uma mesma mulher. Compartilham-se a terra e a esposa, que passa um certo número de noites com cada um dos maridos, convivendo o grupo familiar em perfeita harmonia. Não se sabe quem é o pai das crianças. Portanto, o irmão mais velho é chamado de pai e o mais novo de tio.(4)

Em Roma, as pessoas componentes da família encontravam-se sob o patria potestas do ascendente masculino mais velho. Assim, se um casal só tivesse filhas mulheres adultas e um menino, de qualquer idade, este seria o pater famílias, caso o pai viesse a faltar.

Não havia correlação direta com a consangüinidade. O pater familias tinha poder sobre todos os descendentes não emancipados e sobre as mulheres casadas com manus com os descendentes.(5)

Havia em Roma dois tipos de parentesco. A agnação, consistente no vínculo entre pessoas sujeitas ao mesmo pater, mesmo que não fossem consangüíneos e a cognação, que era o parentesco sangüíneo sem sujeição ao mesmo pater.

Narrando a vida dos cidadãos na Roma antiga, Fustel de Coulanges explica que o casamento fazia parte do contexto religioso da família. Cada grupo familiar possuía sua própria religião, suas próprias orações e formulações, em torno do fogo doméstico e dos antepassados.(6)

Mas o casamento tinha um caráter de certo modo traumático. A jovem esposa, criada sob a religião paterna, adorava o fogo doméstico e participava de todas as celebrações diárias. Ao casar-se, renunciava ao fogo doméstico da casa paterna para aderir ao fogo doméstico da casa do marido. Era como se mudasse de família, passando a ser como que uma filha de seu marido, sob orientação religiosa deste. Para o marido, o ato de casar também tinha a sua gravidade, pois importava em aproximar do fogo doméstico uma pessoa estranha e com ela celebrar as cerimônias misteriosas do seu culto, revelando-lhe os ritos e as fórmulas que eram patrimônio exclusivo de sua família.

A jovem era conduzida à casa do esposo e após se lhe apresentar o fogo e a água, que simbolizavam o emblema da divindade doméstica e também a água lustral, para uso nos atos religiosos, o marido deveria tomá-la nos braços, simulando o rapto, e carregá-la através da soleira da porta, sem que os pés da moça a tocassem. Depois a conduzia até o fogo doméstico e juntos comiam um bolo de farinha-flor, na presença e sob os olhos das divindades domésticas. A partir daí estavam casados e a mulher passava a ter os mesmos deuses, as mesmas orações e as mesmas festas do marido.(7)

Além da simulação do rapto (na confarreatio), também era conhecido o casamento pela simulação da compra da mulher pelo marido (coemptio) e aquele que decorria do transcurso de um ano de coabitação, sem interrupção pela ausência do lar conjugal por três noites seguidas (usus).

Na antiguidade, em quase todos os povos, a união se dava geralmente por uma cerimônia de cunho religioso, celebrada pelo pater e sem qualquer participação do Estado. Aos olhos da sociedade, esta união de um homem e uma mulher atendia aos imperativos culturais e a família era reconhecida como tal.

Álvaro Villaça Azevedo, em palestra proferida na 16ª Reunião do Fórum Permanente sobre o Direito de Família, realizada em 31/05/1999, teve suas observações registradas em ata, nos seguintes termos:

O casamento de fato existiu no Direito Romano. Em 450 a.C., já dizia-se que havendo posse continuada entre homem e mulher, esta passava, após um ano de convivência ininterrupta, a fazer parte da família de seu marido, sob o poder protetivo deste ou do pai deste, conforme fosse um ou outro o pater familias. O casamento era um fato, apesar das teorias contrárias. O elemento da coabitação romana era a coabitação física. Quando o marido ficava separado mais de 5 anos da mulher, sem que esta soubesse de seu paradeiro, havia o divórcio bona gratia, que era automático. (...) No Direito Romano, como visto, nunca houve necessidade de celebração para haver o matrimônio; nas Ordenações nós encontramos três tipos de união matrimonial: o casamento religioso católico, o casamento de fato (usus romano), e o casamento por escritura, que não era casamento civil, mas realizado por documento ad probationem tantum. Estes institutos têm quase 4.000 anos e foram torpedeados pelo nosso legislativo, no Decreto 181 de 1890. Com este decreto secularizou-se o casamento, passando a existir, somente, o casamento civil, reconhecido pelo Estado. Na Constituição de 1967, mesmo depois da emenda de 1969, o artigo 175 dizia que a família era constituída pelo casamento, certamente civil, tendo a proteção do Poder Público. Um texto constitucional não pode cometer esta discriminação, dizendo como um povo deva constituir sua família. Não pode fechar os olhos à realidade. O projeto de lei de 1988, antes da edição da Constituição, teve o intuito de acabar com essa discriminação. A par da Constituição de 1967, a jurisprudência tentou equilibrar a situação dando direitos à concubina. Até hoje existem decisões tentando ajudá-la, como: participante de relações domésticas, prestadora de serviços do lar etc. A lei de Previdência Social equipara a concubina no concubinato adulterino à esposa, com o mesmo direito desta à pensão. O STF criou a súmula 380, que diferiu o concubinato da sociedade de fato. Além da convivência era necessária a aquisição de patrimônio comum, com esforço de natureza econômica, o que era muito difícil provar. Surgiu a Lei Nelson Carneiro, em 1994, e a lei de 1996, que é uma síntese do projeto originário do palestrante.(8)

Com esse breve passeio pela história, percebe-se que houve uma grande transformação no conceito de família em todo o mundo, até chegarmos à Família contemporânea, especialmente aquela que se encontra disciplinada nos moldes do Direito Brasileiro, com uma amplitude nunca antes reconhecida pela lei.

Com o disciplinamento da "União Estável", como forma de constituição familiar, nosso ordenamento abriu ensejo a uma nova era de direitos da personalidade, reafirmando a dignidade da pessoa humana como valor fonte. Tudo passa a convergir para a pessoa, que é a razão de ser do próprio Direito.


3. Dos requisitos para a configuração da união estável

A união estável, como forma de constituição da entidade familiar não comporta um rito específico, como se dá com o casamento. É fruto da constatação, ao longo do tempo, da existência de alguns requisitos elementares, que somados, a caracterizam.

Inicialmente, há que se destacar que não é toda e qualquer união entre homem e mulher que poderá ser reconhecida como entidade familiar. De plano, se excluem do conceito as uniões adulterinas e aquelas que envolvem pessoas proibidas de casar entre si, por impedimentos absolutos, pois, a despeito de preencherem os demais requisitos legais, não poderão ser consideradas como convivendo sob a égide da união estável.(9)

É por tal razão que o Código Civil assinalou como condição à caracterização da união estável a ausência dos impedimentos matrimoniais de que trata o artigo 1.521, excepcionando, porém, os separados judicialmente e de fato, que a despeito de (ainda) não poderem se casar, podem viver em união estável, já que desfeita a sociedade conjugal e passível de ruptura o vínculo matrimonial, em face de sua dissolubilidade (art. 1.723, § 1º).

Assim, a união estável somente poderá ser apreciada no plano jurídico quando se referir a companheiros que não possuam impedimento para casar entre si, caso fosse esta sua opção de constituição familiar.

Conforme esclarece Maria Helena Diniz, para que se configure a relação concubinária, é mister a presença dos seguintes elementos essenciais: 1) Diversidade de sexos; 2) ausência de matrimônio civil válido e de impedimento matrimonial entre os conviventes (excepcionado o inciso Vi do art. 1521); 3) notoriedade de afeições recíprocas; 4) honorabilidade, reclamando uma união respeitável entre os parceiros; 5) fidelidade ou lealdade entre os amantes; 6) coabitação, uma vez que o concubinato deve ter a aparência de casamento, com ressalva à Súmula 382 e 7) a colaboração da mulher no sustento do lar.(10)

Com relação à fidelidade, que no passado era apontada por alguns autores como sendo exigência em relação à mulher, firmou-se o entendimento de que se trata de uma condição recíproca, envolvendo também a fidelidade do homem à companheira, visto que na relação concubinária ou na união estável, essa premissa é primordial ao princípio da isonomia, salvo quando se trata de concubinato (antigamente dito "impuro", denominação já não mais aceitável frente às novas disposições legais), onde um dos parceiros já é casado, não sendo, pois, de se lhe exigir fidelidade, já que sabidamente divide o leito com a mulher ou com o marido legítimo.

A jurisprudência, por sua vez, tem dispensado especial atenção aos elementos fáticos presentes em cada caso concreto posto a julgamento, examinando se restou demonstrado que os conviventes postulantes ao reconhecimento da união estável: a) mantiveram pública convivência, longa e duradoura, de forma intermitente e notória, sob o mesmo teto, com vistas à constituição de família; b) demonstrando estabilidade e vocação de permanência, ou seja, compromisso e claro propósito de continuidade da vida em comum; c) estando desimpedidos legalmente para o matrimônio (muito embora, em não estando, serem reconhecidos direitos patrimoniais); d) amealharam patrimônio após a união, pelo esforço comum, que se presume; e) constituindo prole, ou não; f) com afetividade, fidelidade, respeito e mútua assistência, material e moral, dentre outras particularidades.

É claro que todos esses fatores comportam uma gama elastecida de variações, podendo ser flexibilizados em muitos aspectos, sem que isso desnature a união estável.

Tratam-se tais requisitos, do conteúdo mínimo da relação a que faz referência Rainer Czajkowski.(11)

Veremos mais detidamente alguns desses requisitos, que suscitavam questionamentos na vigência das Leis 8.971/94 e 9.278/96 e que, com o advento do novo Código Civil, continuam a comportar peculiaridades que diferenciam cada situação.

3.1. Convivência pública e notória, sob o mesmo teto

A publicidade de uma relação afetiva more uxorio reside na exposição dos companheiros perante o grupo social ou familiar em que vivem, apresentando-se como um casal, partilhando os problemas comuns, prestando auxílio mútuo, moral e materialmente, dispensando-se respeito e afeição. Não caracterizará a união estável, portanto, o relacionamento às ocultas, típico das uniões adulterinas ou censuradas pelo meio social. Não serão elemento de prova para a união estável os encontros casuais, mesmo que para fins de manutenção de relações sexuais, se o casal não ostentar a convivência e, com ela, a existência de um vínculo psicológico e afetivo que os une com a finalidade de constituir um núcleo familiar.

Mas, se são conhecidos perante sua comunidade como um casal que habita o mesmo lar, dispensando-se mútuo respeito, tal requisito estará atendido, mesmo que seu grupo de relação seja reduzido.

A notoriedade, portanto, não exige que todos saibam do relacionamento, mas sim que muitos saibam, ou pelo menos alguns, que com eles convivam.

Tem prevalecido na doutrina a inclinação pelo entendimento que aponta a desnecessidade de convivência dos companheiros sob o mesmo teto, admitindo a possibilidade de os mesmos já residirem em locais separados antes de tornar-se a união estável e continuarem a assim viver por todo o tempo, seja por razões de ordem profissional (que mesmo no casamento muitas vezes impõem a vivência dos cônjuges apenas parcialmente sob o mesmo teto), seja de ordem pessoal, como no caso em que ambos possuem filhos resultantes de relacionamento anterior e com estes residam parte do tempo, sem prejuízo de sua vida a dois.(12)

Nada impediria que essa convivência em moradias diversas viesse a ocorrer em momento posterior, quando já caracterizada a união estável e após ter-se tornado duradoura a convivência sob o mesmo teto.(13)

Tal situação também ocorre no casamento. A vida moderna tem exigido a separação física dos casais. É comum a mudança do marido para outra cidade, para exercer profissão, permanecendo a mulher e os filhos na cidade de origem, para onde aquele retorna nos finais de semana.

A conquista do mercado de trabalho pela mulher, que não pode dar-se ao luxo de abrir mão de seu emprego para acompanhar o marido e que já não raro percebe maior remuneração que aquele, tem imposto situações dessa mesma ordem.

Muito comum, ainda, o deslocamento da mãe para acompanhar os filhos, quando estes atingem a adolescência e vão cursar faculdade em cidades distantes, sem que tal afastamento provisório do lar importe em ruptura do casamento ou da união estável.

O que não se pode conceber, portanto, é um distanciamento tal que importe na quase total desvinculação do casal, em termos sexuais e afetivos, pois então não haveria razão para falar-se em união estável e sim, quando muito, de mero namoro ou relação descompromissada. Mesmo nesse caso, a situação fática mereceria apurada análise antes de se tomar posição pela inocorrência da entidade familiar, especialmente quando existirem filhos comuns.

3.2. Convivência estável contínua e duradoura – o problema do prazo

Conforme se pode observar, a Lei nº 8.971/94, que primeiro tratou do companheirismo, impunha um interstício mínimo de 5 anos de convivência contínua e estável para sua caracterização. Mas o que vai ditar a estabilidade da união não é necessariamente o tempo ou a quantidade de noites que o casal passa junto, nem a quantidade de relações sexuais que mantenha. Sob tal ótica foi suprimida a exigência dos cinco anos de convivência pela Lei nº 9.278/96. Em seu lugar figurou a necessidade de comprovação de "convivência duradoura, pública e contínua" entre o homem e a mulher.

Quando tal disposição começava a se delinear, veio o Projeto do Código Civil falar novamente na exigência dos cinco anos, o que foi corrigido a tempo, antes de sua publicação e vigência, suprimindo-se aquela previsão.

Atualmente, pela regra do artigo 1.723 do novo Código Civil, é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem que seja exigido qualquer prazo de convivência pré-estabelecido.

Duradoura é a que se prolonga no tempo. Pública, a que se revela ao grupo social abertamente. Contínua, a que não sofre interrupções, enquanto durar, ou, se as sofre, que não sejam suficientemente numerosas ou prolongadas a ponto de desnaturar o caráter de relação estável.

Pode-se, então, retomar os questionamentos que já se formulava antes do Código Civil de 2002, após a regulamentação da matéria pela Lei nº 9.278/96: quanto de convivência é preciso para que uma união seja considerada estável e duradoura? Os mesmos cinco anos? Ou poder-se-ia falar em quatro anos, três anos e meio, dois, um ano? A se admitir que um ano é tempo de convivência duradoura, não bastariam onze meses e meio, dez meses, ou quem sabe oito?(14)

Ao que parece, o legislador deixou um amplo espectro de liberdade para o juiz interpretar a norma na sua atividade judicante. Isso porém pode gerar outro problema, que é a desigualdade, caso nossos tribunais confiram tratamento não-isonômico à matéria, valorando subjetivamente cada caso. O que para um juiz é tempo insuficiente, para outro pode ser mais que suficiente ou vice-versa. E não é difícil imaginar situações em que um curto espaço de tempo seja invocado para fins de reconhecimento da união estável, especialmente em caso de morte de algum dos companheiros ou mesmo no rompimento da relação afetiva, quando adquiridos bens na sua constância. Haverá de prevalecer o bom senso e a força do conjunto de provas produzido em cada caso concreto.

3.3. A estabilidade da relação e a intenção de constituir família

O requisito da estabilidade da relação é outro que suscita alguns questionamentos. Quando uma união se torna estável? Um casal já pode iniciar um relacionamento determinando, de antemão, que o mesmo é estável? Tal hipótese não se afigura lógica. A união não nasce estável. Ela se torna estável, no transcorrer do tempo, em um ambiente fático que se opera no plano ôntico.

É evidente que a idéia de estabilidade não pode ser concebida a priori, mas sim após razoável decurso de tempo, que firme a presunção de seriedade e solidez no compromisso assumido pelo casal. Sua constatação, portanto, dar-se-á em momento posterior ao início do relacionamento. E se este, por injunções da vida, vier a dissolver-se antes de caracterizada a convivência duradoura e estável, de união estável não se tratou, mas de namoro, ou mera tentativa fracassada de convivência, uma união instável.

Por tal razão, não vemos como pode um relacionamento nascer estável, mesmo com a prévia disciplina em contrato, do regime de bens e outras cláusulas para reger a vida a dois. O natural é que o contrato, se existir, seja celebrado a certo momento, no caminho da vida a dois, quando os propósitos se intensificam e o objetivo de constituir família se torna comum. Então, da união que já se tornara estável, origina-se um contrato para regular o futuro. Podem os companheiros, inclusive, dispor sobre o patrimônio já adquirido em comum, ou por um só deles, antes da celebração do contrato.

Mas, e se depois de terem se conhecido há apenas um mês, em que namoraram, o apaixonado casal resolver que vão passar a morar juntos e firmarem um contrato de união estável? Tratar-se-á, tal documento, de mera intenção de constituir relacionamento estável. Ausente o requisito "duradoura", tornar-se-á estável a união com o passar do tempo, se assim se conservar.

É preciso observar, portanto, que a estabilidade é uma condição que ocorre ao longo de certo tempo, mas que não está unicamente vinculada ao tempo; exige outros fatores comportamentais que independem do tempo de convivência. Assim, se um dos companheiros leva vida desregrada, apresentando-se com outra pessoa publicamente, a intervalos regulares, não se poderá considerar estável a relação afetiva com qualquer delas. Os rompimentos e separações constantes, igualmente, podem ser um fator impeditivo para tal verificação de estabilidade, especialmente quando nos intervalos entre um reatar e outro, um ou ambos desfrutem da liberdade afetiva, ostentando-a em público, reiteradamente.

Já a intenção de constituir família, ao contrário, parece não deixar dúvidas quando se faz presente e se revela, principalmente, através da prole, ou da programação da mesma.

É necessário observar, no entanto, que a filiação não pode ser tomada como uma condição essencial ao reconhecimento da união estável, até porque casais há que se unem depois de superada a fase adequada à reprodução, como é o caso de idosos ou de pessoas de meia idade que já tiveram filhos de relacionamento anterior e que se unem pela afeição recíproca, mas sem a intenção de gerar novos descendentes.

Há, ainda, os casos de pessoas impossibilitadas de gerar, seja pelo advento de restrição de ordem biológica (como a cessação de ovulação, após a menopausa) ou mesmo de ordem clínica (resultante de intervenção cirúrgica – remoção de ovários, laqueadura das trompas ou vasectomia).

Embora a ocorrência de relações sexuais seja um dos fatores caracterizadores da união entre homem e mulher, pode se dar que pela idade do casal tal aspecto seja irrelevante, dispensando-se, ao invés de sexo, carinho e companhia, compreensão e auxílio mútuo, o que leva a inferir que sequer a prática sexual é condição indispensável ao reconhecimento da união estável.

Muito embora o advento de filhos não seja fato impositivo da permanência em convívio, em isto ocorrendo, a intenção de constituir família reveste-se de forte presunção. Com muito mais razão se o casal adquire moradia com esforços patrimoniais comuns, se assume o relacionamento perante o grupo familiar, passando a residir sob o mesmo teto ou quando anuncia a intenção de gerar filhos, antes que a gravidez venha a ocorrer. Trata-se, como se vê, de matéria de prova, aferível caso a caso.

3.4. A dualidade dos sexos

A dualidade de sexos tem sido apontada pela lei, com o aval da doutrina e da jurisprudência, como requisito indispensável para a ocorrência da união estável, o que impede falar-se em união entre pessoas do mesmo sexo.

Qualquer outra espécie de relacionamento que não o composto por homem e mulher traduziria, segundo a doutrina majoritária, uma sociedade de fato, sem o escopo de constituição de família.

Aliás, é este o primeiro passo em direção à sua regulamentação. O mesmo se deu, é de se lembrar, com as uniões livres ou concubinárias, que eram reconhecidas como sociedades de fato, onde os bens pertenciam a ambos os parceiros em condomínio e em partes iguais. Depois veio a legitimação da entidade familiar, com o disciplinamento constitucional e infraconstitucional da união estável, que hoje integra título próprio no Código Civil Brasileiro.(15)

Mas há quem defenda o reconhecimento imediato de famílias homossexuais, propondo inclusive o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não foi outra a bandeira levantada pela sexóloga e então Deputada Marta Suplicy, quando defendeu, em polêmico projeto de lei, a legalização do casamento entre homossexuais.

Porém, nem as leis 8.971/94 e 9.278/96, nem o Código Civil de 2002, abriram ensejo a tal possibilidade, dispondo expressamente que o reconhecimento da entidade familiar, na forma de união estável, era restrito ao relacionamento entre homem e mulher.

Tal previsão nos parece razoável. Afinal, o intuito do legislador foi regular uma espécie definida de relacionamento, que sem fugir da normalidade, apenas opta pela união fora dos moldes tradicionais do casamento.

Qualquer outra forma de conjunção de vida afetiva deve receber sua denominação própria, seu tratamento adequado, de acordo com as peculiaridades que envolve, não sendo de se lançar na vala comum da união estável tipos de relacionamentos aos quais em nada se aplicarão grande parte de suas previsões, especialmente aquelas que envolvem a pessoa dos filhos, já que mesmo as implicações patrimoniais na união estável levam em consideração a existência destes, bem como o fato de serem comuns ou unilaterais, dentre outros aspectos.

Com efeito, relacionamento homossexual não se confunde com união estável e deve ser tratado com regras próprias.

O legislador, no entanto, furtou-se de registrar qualquer dispositivo legal regulando as relações homossexuais, talvez por não encontrar resposta clara para algumas questões vitais, que não podem ser ignoradas. Como poderiam ser influenciados os "filhos" de um par homossexual (obviamente adotados ou concebidos por um deles em relacionamento heterossexual anterior), criados num ambiente ímpar e inusitado, presenciando cenas de afeto entre os dois "pais" (ou duas "mães") e convivendo com um exemplo de comportamento diferenciado daquele que apresentariam todas as demais crianças de sua faixa etária? Sentiriam a falta da presença paterna ou materna, ausente no par do mesmo sexo? Estariam inclinados a seguir o exemplo, ou seriam mesmo estimulados ao homossexualismo? Sentir-se-iam ridicularizados pelos comentários dos colegas na escola? Não sofreriam qualquer tipo de discriminação?

São indagações para as quais não há respostas concludentes. Por outro lado, é de se perguntar: isso já não ocorre? Quantos casos já existem, de crianças vivendo em meio a relacionamento homossexual de um dos pais? Portanto, se o fato existe e não é caso isolado, não se faz necessário regê-lo por lei?

E ainda, considerando os avanços da Medicina e da Biologia, que propiciam, desde hoje, proceder a inseminação artificial do óvulo de uma mulher, fecundando-o in vitro, para ser gerado no corpo de outra mulher, sua companheira, não seria um filho de ambas?

E no caso da clonagem humana, já anunciada aos quatro ventos por laboratórios de genética como feito consumado e que aguarda confirmação? Não permitiria a existência de um novo tipo de família, onde a presença e colaboração do homem se fazem desnecessárias até para a reprodução? Não poderia, sob tais possibilidades científicas, uma mulher homossexual gerar um filho a partir da clonagem de uma célula de sua companheira, sem qualquer participação masculina?

Nossa legislação sequer possui regramento para tais hipóteses, fato este deveras criticado pela doutrina, uma vez que a novel codificação passou ao largo de tais assuntos, conhecidos e polêmicos, já que contemporâneos ao período de elaboração do próprio Código.

Francisco Cox aborda este fato que começa a tomar corpo no ambiente social, mas conclui que tal possibilidade artificial de procriação não implica na possibilidade de falar-se em casamento entre pessoas do mesmo sexo, muito embora possam estas estabelecer mútua convivência através de instrumento contratual, distinto da celebração de núpcias.(16)

Imagine-se ainda hipótese mais comum, de homossexual do sexo masculino que adota filho e passa a viver em companhia de outro homem, ou, ainda quando uma pessoa (homem ou mulher) que já tem filhos de um casamento heterossexual, dissolvido pela separação, divórcio ou morte do ex-cônjuge e que com eles viva, constituindo uma família monoparental, vem a assumir um relacionamento homossexual e integrar o companheiro ou companheira do mesmo sexo ao grupo doméstico. Não estará consolidando mais um membro à família pré-formada e transmudando-a para uma família formada por homossexuais?

O certo é que o Direito Civil está em processo de reconstrução e não poderá ignorar os problemas sociais para sempre. Chegará o momento em que nosso legislador terá que enfrentar essas e outras questões e disciplinar os direitos e deveres daquelas pessoas humanas dignas que necessitam da proteção do Estado, apesar de suas opções diferenciadas e não tradicionais.

Dessa forma, percebe-se que a entidade familiar, para ser reconhecida como tal e conferir aos companheiros os direitos e deveres inerentes ao instituto da união estável, precisa atender a todos os elementos previstos no novo Código Civil, bastando que falte apenas um deles para obstar tal reconhecimento e os efeitos jurídicos dele decorrentes.


4. A questão terminológica e o novo Código Civil

O próximo ponto a examinar diz respeito à denominação recebida pela união de duas pessoas de sexos diferentes à margem do casamento ao longo do tempo e confrontá-la com o tratamento recebido pelo legislador de 2002.

O Direito se faz através da linguagem. Os signos expressam os significados e os significantes e a questão terminológica é relevante para o tecnicismo científico do Direito.

Antes do advento da Constituição Federal de 1988 e das Leis 8.971/94 e 9.278/96, havia uma multiplicidade de denominações aplicadas à relação afetiva desenvolvida fora dos liames do matrimônio civil.

Ao referir-se à pessoa que com outra vivia sem ser casada, falava-se em concubina, convivente, companheira, amásia, namorada, amante, etc.

Para designar o instituto, as expressões concubinato, companheirato, companheirança, amasiamento, dentre outras.(17)

A expressão "concubina", largamente utilizada por milênios, passou a ser evitada, pela carga negativa que encerrava. Concubina era a mulher que se deitava com um homem para fins carnais. A conotação era sempre sexual e de ordem quase sempre ilícita.

A CF/88 trouxe uma nova definição jurídica para a família constituída à margem do casamento e referiu-se a essa espécie de relação afetiva duradoura, notória e continuada, com objetivo de constituição de família usando o termo "união estável".

A Lei 8.971/94, disciplinando os alimentos e o regime de bens, denominou de companheiros os componentes da relação afetiva.

A Lei 9.278/96, definiu os contornos do conceito de união estável e denominou-os de conviventes, passando a ser chamada de "Lei dos Conviventes".

Parecia estar resolvida a polêmica dissidência terminológica que tanto ocupou a doutrina. Seis anos decorreram, de 1996 a 2002, quando se fez publicar o novo Código Civil, O projeto que o originou apresentava-se recheado de problemas no Título que cuidou da união estável e trazia sério retrocesso legislativo, extremamente danoso à sociedade, mas foi corrigido a tempo, sanando-se a maior parte das imperfeições.

No que diz respeito à terminologia utilizada, entretanto, o legislador de 2002 fez retroceder o texto normativo, voltando a adotar a expressão "companheiros", para nominar os conviventes, restabelecendo expressão já abandonada pela lei especial.

Difícil precisar se tal retorno aos termos da lei ultrapassada se faz merecedor de críticas, pois ao que parece o legislador tentou resgatar uma expressão de cunho mais popular e difundido. Realmente parece soar melhor falar-se na companheira de um homem e no companheiro de uma mulher, do que na convivente de um homem e no convivente de uma mulher, a despeito de, em nossa obra, termos sugerido a criação de novo estado civil, com esta denominação (conviventes), o qual nos parece muito mais adequado para tal finalidade.(18)

Ocorre que o termo "companheiro", por sua natureza polissêmica, expressa muitos significados diferentes e já consolidados em nosso vernáculo. São companheiros o amigo, o colega de trabalho ou o simples acompanhante em jornada. Usa-se o termo companheiro para designar integrantes de um mesmo partido político, ou como simples vocativo para se dirigir a um desconhecido, dentre tantos outros exemplos que se poderia enumerar.

Não obstante, o Código Civil restabeleceu a nomenclatura da Lei 8.971/94 e a consolidou. São, portanto, companheiros, os que vivem em regime de união estável. O termo "conviventes" pode estar fadado ao desaparecimento. Ou, quem sabe, aguardará o momento propício para ressurgir, em nova legislação.


5. Contratos de namoro

Entre tantas designações aplicáveis aos que convivem sem casamento, há uma dúvida que tem sido levantada por alguns autores em sede de argumentação e que diz respeito a como devem ser denominadas as pessoas que preenchem apenas alguns dos itens necessários ao reconhecimento da união estável, no período que antecede a caracterização completa desse estado, especialmente quando o que falta para tal configuração é o decurso razoável do tempo para que se possa ter na relação o aspecto de "duradoura".

Tratam-se apenas de namorados? Podem ser chamados de companheiros a partir do momento em que passam a coabitar, ou haverá uma denominação intermediária que os designe? Até quando são namorados e quando deixam de sê-lo para tornarem-se companheiros? Qual o momento ou o fator especial que marca essa mudança e onde se transpõe essa linha limítrofe? E se um deles não possui em relação ao outro qualquer intenção de estabelecer união estável, mas sim de simples namoro prolongado? Poderá mesmo assim ser denominado companheiro? Poder-se-lhe-á impor o regime da união estável, mesmo contra sua vontade?

A propósito desse exemplo, o que se tem observado e já começa a ser objeto de análise pela doutrina e pela jurisprudência, é a prática da elaboração de "contratos de namoro", para assegurar-se a um ou ambos os namorados, que de sua relação afetiva não resultará reconhecimento da condição de companheiros e muito menos efeitos patrimoniais próprios da união estável.

Tal preocupação parece ter-se intensificado após o advento do novo Código Civil, encampando as legislações pretéritas que disciplinavam a união estável. A razão disso, aparentemente, foi a maior divulgação pela mídia das inovações do Código Civil. Muitas pessoas ainda desconheciam a existência das Leis 8.971/94 e 9.278/96. Outras, que delas já haviam ouvido falar, só passaram a emprestar maior importância às suas disposições quando souberam que essas previsões agora estavam "no Código", o que denota quão pouco se conhece de legislação em meio à grande massa da população brasileira.

Mas como ficam tais contratos? Possuem validade? A vontade das partes deve ser respeitada, entendendo-se como contratos de namoro, independentemente de estarem os contraentes, faticamente, vivendo em comunhão de vidas e interesses e preenchendo todos os requisitos exigidos para a caracterização da união estável?

E se houver o rompimento da relação, caberá algum direito à mulher, se na constância da mesma se adquiriu bens apenas em nome do namorado, com quem já vivia publicamente, dividindo o mesmo teto de forma duradoura? E como ficará a avença se do relacionamento advier um ou mais filhos?

A questão não se afigura de simples solução. Alguns dos questionamentos formulados são facilmente resolvidos à luz da própria lei, não possuindo tais contratos nenhum valor legal ante certas situações, por contrariarem preceitos de ordem pública. Outros exigem solução diversa, especialmente quando ausente alguma das condições exigidas para o reconhecimento pleno e inconteste da união estável.

É claro que a vontade manifestada pelas partes deve ser respeitada, mais porque, se ambos os contratantes insistirem na ausência de qualquer vínculo senão o de simples namoro, consoante pactuaram, tal conduta conduzirá a uma forma de desistência tácita dos direitos que poderiam advir a um ou outro de tal relação continuada.

Se a predisposição de ambos é estabelecer relacionamento afetivo sem qualquer vinculação, valerá o avençado, especialmente porque nenhum deles demandará contra o outro. Se essa predisposição for de apenas um, fatalmente poderá o outro questionar a validade do contrato de namoro, especialmente em face das transformações naturais operadas no relacionamento, que porventura tenha evoluído para um estado de nítida união estável, que antes não existia.

Aliás, nenhuma união nasce estável. Ela se torna estável. Nenhuma união nasce duradoura, mas torna-se tal, se persistir no tempo. Mesmo os namoros mais "moderninhos", que já começam íntimos, regidos pelo sexo, possuem grande possibilidade de desfazimento, só se tornando efetivos, estáveis e duradouros com a superação dos desencontros naturais da personalidade dos parceiros, ao longo do tempo.

Alguns fatores imprevistos, como o nascimento de filhos, que a rigor tenderiam a efetivar e estabilizar o relacionamento, nem sempre conduzem a tal desfecho, podendo ser até causa de separação.(19)

Mas não se pode perder de vista que tais acontecimentos, uma vez verificados, geram efeitos jurídicos independentemente da vontade das partes. Nascido um filho, nascem com ele a obrigação alimentar e os direitos sucessórios, dentre outros.

Da mesma maneira, em convivendo um casal, de forma pública e notória, continuada e estável, adquirindo patrimônio, operam-se direitos que podem vir a ser reconhecidos independentemente de disposição contrária em contrato escrito, que afirme tratar-se de simples namoro.

Assim, pode-se dizer que a validade do contrato de namoro é relativa, perdurando até que um dos companheiros sinta-se prejudicado e venha a questioná-la.

Tal problemática também é visualizada por Luiz Kignel, quando discorre: "Ao conferir à união estável direitos e obrigações que antes apenas poderiam ser exigidos dos formalmente casados, o legislador preocupou-se com acerto em conferir segurança àqueles que optaram em viver como companheiros. Mas existe uma diferença. Porque quando duas pessoas vão juntas ao Cartório Civil para celebrar seu casamento, está claramente configurada a vontade de estabelecimento de uma vida conjugal. Nas uniões estáveis, o trauma ocorre quando no mesmo casal uma parte acha que está vivendo como se casada fosse e a outra continua a imaginar estar apenas namorando. Isto porque a união estável não incorporou apenas o conceito de informalidade, mas o próprio estilo de vida dos companheiros".(20)

Nada incomum, portanto, que o viver sob o mesmo teto, dormir na mesma cama, compartilhar a convivência familiar, sejam para uma pessoa sinônimo de compromisso sério, próximo do estado de casado e, para outro, mero namoro, já que seu estilo de viver, sem hipocrisias e desfrutando da máxima liberdade, modela tal relacionamento como fruto de maturidade psicológica e não de comprometimento social.

Em coexistindo tal diversidade de interpretação, que se faz plenamente possível e até comum nos dias atuais, os conflitos serão inevitáveis. Talvez para garantir o entendimento claro das intenções e do modo de ser e pensar, é que tais contratos estejam sendo utilizados em maior escala.

Sob tal cotejo, não será de se estranhar se a jurisprudência vier a atestar a validade de tais contratos, como também não será surpresa se vier a desconsiderá-los, em função do cumprimento fático dos requisitos reveladores do estado de união estável, caso algum interesse maior esteja em jogo, suplantando o interesse dos parceiros.

Conceba-se a hipótese de terceiros, que de qualquer modo sintam-se prejudicados com tal espécie de contrato, que poderia vir a ser utilizado como forma de dissimulação da união estável, especialmente no que diz respeito ao patrimônio adquirido na constância dessa relação.

Imagine-se a hipótese de um credor da mulher, que a julgava casada ou pelo menos convivendo maritalmente com o parceiro fixo, habitual, com o qual mantinha relação estável, notória e continuada, mas ante o inadimplemento desta, descobre que todo o farto patrimônio apresentado e ostentado no momento da concessão do crédito pertence tão-somente àquele, que agora se intitula mero "namorado" e exibe contrato escrito para comprovar tal estado.

Certamente caberia a postulação da ineficácia das disposições do contrato de namoro pelo credor, em face das obrigações contraídas pela devedora, buscando, na comunicação do patrimônio adquirido na constância da união, a satisfação de seu crédito. Observe-se que não se trataria de nulidade do avençado entre os companheiros, mas de ineficácia da avença em relação ao terceiro de boa-fé.

Vale dizer que de nada valerá exercitar toda a criatividade na elaboração de contratos tendentes a contradizer a lei. Melhor será, em havendo interesse na preservação do patrimônio, que os companheiros (ou até mesmo os namorados cujo relacionamento esteja evoluindo para a união estável) firmem contrato característico, prevendo o regime de bens que deverá ser observado, circunstância que a própria lei autoriza, já que em não o fazendo, prevalecerá o regime da comunhão parcial de bens, inovação trazida pelo novo Código Civil, em substituição às disposições genéricas sobre condomínio e partilha previstas na legislação pretérita.

Outra medida não menos interessante para o meio social, e sobre a qual temos insistido, seria a criação do estado civil de conviventes ou companheiros, com assento no Registro Civil, em livro próprio, o que viria em socorro de tais situações-problema.

Frente às novas disposições de lei, inseridas no Código Civil vigente, far-se-ia de bom alvitre, pelo menos, retomar as propostas legislativas que obrigam os companheiros a declarar seu estado de mútua convivência, no momento da assunção de qualquer obrigação, para resguardar os interesses de terceiros.


6. O renascer do concubinato

Quando, em 1996, optou o legislador pelo uso da expressão "conviventes", procurou criar um neologismo jurídico, uma expressão nova que resolvesse o problema crônico da multiplicidade de termos e, principalmente, da carga negativa da palavra concubinato. De concubinato, pois, já não mais haveria de falar-se. O termo, pela sua conotação pejorativa deveria dar lugar a uma nova concepção de família, que em 1988 recebera a chancela legitimatória pela Carta Magna, com o nome de "união estável".

Justamente quando se pensava estar sepultado em definitivo, pelo advento das Leis 8.971/94 e 9.278/96, eis que ressurge, como a mitológica fênix, de suas próprias cinzas, a figura do concubinato, desta vez impresso e conceituado no novo Código Civil, porém desprovido de regulamentação quantos aos efeitos, especialmente patrimoniais, que possa gerar.

Talvez se tenha perguntado o legislador: – como chamar, agora, aquelas relações que apresentam características de união estável, mas que não o configuram, por impedimento incontornável? Que espécie de figura jurídica estará em tela, quando se tratar da companheira de homem casado, que com ele conviveu anos a fio, teve filhos e adquiriu patrimônio, muitas vezes sem nem imaginar que o companheiro possuísse família legítima, hipótese esta tão comum e repetidamente trazida à apreciação judicial? Poderá haver união estável concomitante ao casamento? A própria lei objeta tal idéia e ao que parece, a única resposta que surgiu ao legislador foi a de estar perante a velha figura do concubinato, que muitos autores denominavam "concubinato impuro" para diferençá-lo da união estável propriamente dita, que a doutrina chamava de "concubinato puro".

O novo Código, então, ante a encruzilhada semântica, optou por dar formatação ao concubinato, já que a situação fática e jurídica que ele expressava, na verdade nunca desapareceu.

Assim, o novo Código ressuscitou o concubinato, dando-lhe, inclusive, definição legal.(21)

Não cuidou, porém, de dar tratamento jurídico aos efeitos dele decorrentes, razão pela qual deve o Poder Judiciário continuar proferindo decisões reguladoras para essa figura jurídica incômoda, mas sempre presente, cuja existência não pode ser ignorada.

Após o novo Código Civil, descabe falar-se em concubinato puro ou impuro, com ou sem impedimentos, adulterino, etc. Em não estando presentes os requisitos para a configuração da união estável, tratar-se-á de concubinato. Pura e simplesmente concubinato, sem qualquer qualificativo, sem qualquer complemento nominal.

A extensão dessa previsão legal de incerta utilidade, e que já figurava no Projeto de Lei nº 634/75, ainda não se apresenta muito clara, mas certamente vai desembocar em um amplo debate doutrinário, abrindo nova brecha na milenar hegemonia do casamento, já tão abalada com o reconhecimento da nova expressão da família, constituída nas modalidades união estável e monoparental.(22)

O certo é que, ante o novo regramento pelo Código Civil, permanece o problema patrimonial para os concubinos, sem que tenha sido apontada nenhuma diretriz a seguir.


7. A questão patrimonial

Há que se examinar a quantas andam as opiniões doutrinárias e as decisões de nossos Tribunais, referentes aos processos relativos à partilha de bens e indenização à concubina ou à companheira, que se originaram após o advento das Leis 8.971/94 e 9.278/96, presentemente revogadas pelo novo Código Civil.

Carlos Alberto Menezes Direito afirma que, com a nova disciplina constitucional, a sociedade concubinária, que tinha lastro nas regras da sociedade de fato, passou ao patamar de união estável, reconhecida pela Constituição Federal de 1988 como entidade familiar e como tal, regulada pelo Direito de Família. E conclui:

Assim, não se deve mais falar em concubinato, em sociedade de fato. São termos que têm de ser arquivados, assim porque quis o constituinte que seja a união estável entre o homem e a mulher considerada como entidade familiar. Como conseqüência, o tratamento de todas as questões relativas à união estável deve ser nas varas especializadas de família, não mais nas varas cíveis. Com isso, também, estão superadas tanto a necessidade da prova do esforço comum, como a indenização por serviços domésticos. No primeiro caso é de ser reconhecida a comunhão de bens adquiridos na sua constância e, no segundo caso, deve ser facultado o pensionamento.(23)

Mas não é o que ocorre. A jurisprudência dos Tribunais continua apontando a necessidade de demonstração do esforço comum, como elemento probante indispensável à partilha de bens e ainda há acórdãos deferindo à concubina ou companheira, indenização por serviços prestados.

Em 02.04.2003, a mídia eletrônica divulgou decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu "o direito de uma dona de casa a receber indenização pelo período de convivência com um homem casado: o valor final corresponde a meio salário mínimo para cada mês dos 36 anos de duração do relacionamento, só interrompido com a morte dele.  A condenação chega, assim, a 516 salários mínimos - hoje R$ 127.680,00.  O homem mantinha uma vida dupla: morava com a mulher e, alguns dias e noites da semana, passava com a concubina. No entanto, o STJ reformou decisão da Justiça paulista, segundo a qual a concubina detinha o direito a morar no imóvel depois da morte da esposa. ‘Neste caso haveria uma apropriação de bem de espólio’ - registra o julgado. Segundo o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do processo no STJ, o entendimento do Tribunal aponta para o pagamento de indenização à concubina durante o período de vida em comum: "a concubina faz jus a uma indenização por serviços domésticos prestados ao companheiro, o que não importa em dizer que se está a remunerar como se serviçal ou empregada fosse, mas, sim, na sua contribuição para o funcionamento do lar, permitindo ao outro o exercício de atividade lucrativa, em benefício de ambos".(24)

A despeito dessa justificativa final, a recente decisão do STJ contraria todo um conjunto de julgados de outros Tribunais, e dele próprio, que atestavam a indignidade do deferimento de indenização por serviços prestados, já que o postulado da dignidade da pessoa humana reclama solução sob outros fundamentos.

Não há como indenizar o carinho, o afeto, o desvelo. Não se tarifam o amor e o prazer entre pessoas que se amam, especialmente quando tal sistema indenizatório não é aplicável sequer à esposa, no regime de casamento.

Mas o que poderia fazer o Tribunal, ante a ausência de previsão sobre a partilha de bens na hipótese de concubinato, quando o homem concubino é casado com outra? Talvez seguir a orientação do TJRS, que reproduzimos em nota acima.

Já os Ministros da 3ª Turma do STJ, asseveraram que a simples coabitação não é bastante para determinar a partilha do patrimônio, havendo necessidade de a companheira demonstrar que colaborou economicamente para sua aquisição, afastando a divisão dos bens que, segundo o autor da ação, não teriam sido amealhados na constância de união estável, mas antes dela.(25) Trata-se de outra decisão do STJ que causou polêmica nos meios de divulgação do Direito e que foi reproduzida em diversas revistas eletrônicas e boletins de notícias na Internet.

Com efeito, em sendo hipótese de bens havidos antes do início da relação, nada há de alarmante na decisão, uma vez que no próprio casamento não há comunicação dos bens adquiridos anteriormente, exceto no regime da comunhão universal. Mesmo os bens amealhados por um dos companheiros no curso do namoro, mas antes da coabitação efetiva, continuada e pública, a rigor não se comunicam, pois ainda não se faz existente a união estável.

Mas a fundamentação do acórdão foi além e asseverou que o STJ entende ser necessário o esforço comum, comprovado, para que haja comunicação do patrimônio adquirido na vigência da união estável, o que parece contrariar o entendimento que se consolidou sobre o tema.

Eis aqui um outro ponto decorrente do caso citado que merece análise mais detida: adquiridos bens ao longo de certo tempo e vindo a ser reconhecida a união estável, a partir de que momento passa a gerar efeitos patrimoniais? Retroage à data dos primeiros encontros? Alcança o período de namoro, quando o rompimento da relação, caso ocorresse, descaracterizaria a entidade familiar em vias de construção?

Falta previsão para esse tipo de questionamento. Mas uma reflexão calcada no direito induz resposta limitativa à comunicação do patrimônio.

O raciocínio é simples e não pode destoar do bom senso, especialmente tendo-se como elemento de comparação o casamento, figura mais próxima da união estável, embora não se lhe equipare. A comunicação dos bens, no regime legal instituído pela lei civil (comunhão parcial de bens), só ocorre após o início da vigência da sociedade conjugal, ou seja, depois de cumpridas todas as formalidades exigidas para a constituição do vínculo conjugal. Tudo o que se adquire na constância do namoro e até do noivado, pertence individualmente aos futuros cônjuges, sem comunicação.

Por igual raciocínio, os bens adquiridos por qualquer dos companheiros, na constância do namoro e até do noivado, se este tiver existido, somente a ele pertencem, não havendo que se falar em divisão. Somente o que advier de patrimônio, na constância da união estável, pertencerá a ambos, salvo disposição em contrário em contrato, através do qual podem os companheiros dispor regime de bens diferente, estabelecendo as regras de divisão e partilha.

A solução pode parecer simples e lógica, mas tem suas antíteses. Não há dúvida quanto ao momento da celebração do casamento. O ato fica inclusive registrado oficialmente nos cartórios do registro civil.

Já a união estável, como analisado no corpo deste trabalho, é estado que se forma ao longo do tempo e pela verificação cumulativa de diversos requisitos. Assim, nem sempre é possível delimitar, com precisão, o momento em que uma relação deixou de ser um namoro estável e continuado, para converter-se em uma união estável e, como decorrência da ausência de um marco inicial, pode tornar-se muito difícil definir o termo a quo para o início da comunicação do patrimônio. Difícil, mas não impossível! Há certos atos e comportamentos da vida a dois que podem ser tomados como elementos, no contexto probatório, para a determinação do início de uma união estável.

São exemplos disso a determinação da época aproximada em que o casal passou a residir sob o mesmo teto (diferenciando o conviver do namorar, tornando os encontros casuais e furtivos, públicos e notórios); a chegada de filho comum, assumido, registrado, educado e mantido por ambos os pais; o momento da comunicação aos familiares e amigos da decisão de morarem juntos; ou a festa em comemoração a este momento; a abertura e administração conjunta de conta corrente bancária, dentre outros.

São elementos relativos, mas que podem dar solução satisfatória à questão patrimonial, quando analisados em conjunto, mais porque far-se-ia injusto obrigar um dos companheiros à partilha dos bens que adquiriu com esforço exclusivamente seu, em período de namoro, sem qualquer comprometimento ou auxílio do outro, pela simples retroação da união estável ao início do relacionamento.

O certo é que, se a união se torna estável ao longo de certo tempo, o reconhecimento da estabilidade, quando presente, deve ter efeito retroativo ao início do período de convivência more uxorio! Assim não fosse, muitos bens adquiridos no início da convivência pertenceriam apenas a um dos conviventes, em nome do qual tenha sido adquirido, a despeito da união corrente, com objetivo de constituir família e, muitas vezes, com o esforço comum.

Outra solução satisfatória para a questão patrimonial, possível em caso de elaboração de contrato escrito, consiste em os companheiros, de comum acordo, instituírem uma data como marco, a partir do qual a relação tenha adquirido os contornos de compromisso definitivo na constituição de família.

Presentemente, a matéria patrimonial encontra-se tratada superficialmente pelo artigo 1.725 do Código Civil, que dita aplicarem-se, na ausência de disposição contratual entre os conviventes, as regras do regime da comunhão parcial de bens, sem qualquer outra especificação temporal para a comunicação dos aqüestos.

Por tal regime, afastam-se os bens pessoais havidos antes do casamento ou do momento em que a relação afetiva se converteu em união estável, e comunicam-se os adquiridos na sua constância, por qualquer dos cônjuges ou companheiros, presumindo-se o esforço comum.

Do mesmo modo restaram disciplinados os alimentos, que são devidos por qualquer dos companheiros ao outro, atendendo ao binômio necessidade do alimentado / possibilidade do alimentante, perdurando o direito até que venha o alimentado credor contrair casamento, nova união estável ou passe a viver em concubinato.


8. Houve revogação das Leis 8.971/94 e 9.278/96 pelo novo Código Civil?

Finalmente, para concluir esta análise acerca da união estável, examinaremos uma questão que nos parece não bem definida pela doutrina e que diz respeito à vigência das leis que disciplinaram a união estável até a entrada em vigência do novo Código Civil, já que há autores que pregam a continuidade de vigência concomitante entre este e as Leis antigas, dizendo-as apenas derrogadas (revogação parcial).

Esta, pois, a indagação: as Leis 8.971/94 e 9.278/96 foram total ou apenas parcialmente revogadas pelo novo Código Civil? Ou não foram revogadas, dado serem leis especiais e o Código lei geral?

Para responder a tal questionamento, faz-se necessário estabelecer um cotejo entre as novas e antigas previsões, para constatar se todas as matérias foram reproduzidas, modificadas ou se restam previsões inalteradas, já que o Código não ditou a revogação expressa dessas leis.

Primeiramente há que se recordar que prevalecia o entendimento doutrinário no sentido de que a Lei 9.278/96 não havia ab-rogado a Lei 8.971/94, o que propiciou a vigência conjunta das mesmas até a data da entrada em vigor do novo Código Civil.

Após tal momento, a previsão quanto aos alimentos entre os companheiros foi transposta textualmente para o Código pelos artigos 1.694 e seguintes.

O regime de bens e a sucessão foram disciplinados pelos artigos 1.790 e seguintes. Todas as disposições quanto aos bens e quanto à participação do companheiro na herança receberam tratamento. O que se estranha, apenas, é que embora participe da sucessão como herdeiro, o companheiro não tenha figurado como herdeiro necessário na inclusão efetuada pelo legislador no artigo 1.845, quando trata da sucessão legítima, onde só fez referência ao cônjuge.

É de se observar que o capítulo do Código Civil que trata dos herdeiros necessários está inserido no Título que trata da Sucessão Legítima.

Terá por acaso o legislador ordinário deslegitimado a família constituída sob os moldes da união estável? É claro que não, pois não poderia fazê-lo. A família constituída nesses moldes foi legitimada pela Constituição Federal.

O que fez o legislador foi situar os companheiros em posição distinta, discriminando-os. Insiste em tratar como legítima apenas a sucessão referente à família oriunda do casamento. É este o equívoco maior que nos parece ter sido cometido, afrontando o texto Constitucional e maculando o princípio da dignidade da pessoa humana, tão presente na nova lei.

É de se perguntar se os companheiros também não são agora herdeiros necessários. Se forem, deveriam ter sido arrolados nos artigos 1.829 e 1.845, a despeito da previsão contida no artigo 1.790 atribuir-lhes a sucessão um do outro. Ora, se os companheiros têm direito à herança, em concorrência com os filhos, comuns ou apenas do outro (art. 1.790), e na falta de outros parentes herdam a integralidade da herança (art. 1.790, IV), sabendo-se que são co-proprietários dos bens, cuja divisão deverá obedecer ao regime da comunhão parcial, na falta de disposição distinta em contrato, há que se lhes reservar a parcela de bens que constitui a "legítima" de que trata o artigo 1.846 do novo Código Civil.

Tanto é assim que, se um dos companheiros, em nome de quem estão os bens comuns, deles começa a desfazer-se, poderá o outro pleitear judicialmente contra a alienação, resguardando sua meação e a legítima, que será destinada aos filhos e a ele próprio.

Quanto à conversão da união estável em casamento, que antes deveria ser requerida diretamente ao Oficial do Registro Civil, em procedimento não regulamentado e que causava inúmeras dúvidas, o novo Código determina que deva agora ser postulada ao juiz e assentada no Registro Civil.

Parece-nos que tal solução vai dificultar ainda mais o já polêmico procedimento de conversão, além de onerar os companheiros com custas processuais, antes inocorrentes. Outras dúvidas devem tomar o lugar das já existentes, após tal previsão. Que ação deverá ser ajuizada? Qual a natureza jurídica do provimento judicial a ser nela proferido? Trata-se de ação declaratória, ou a decisão será constitutiva? Seus efeitos serão ex tunc ou ex nunc? Se forem ex tunc, até qual momento retroagirão? Haverá necessidade de constituição de advogado para o pleito? Não bastaria um procedimento de jurisdição voluntária, para alcançar o objetivo da lei? Por que transferir ao Poder Judiciário a conversão da união estável em casamento, se o próprio casamento a dispensa? Não estará o legislador onerando com formalismo excessivo o que antes era marcado justamente pelo aspecto informal?

O último ponto a examinar, concernente a este assunto, diz respeito ao direito real de habitação, previsto pela Lei 9.278/96 para a companheira, sobre o imóvel da residência do casal (parágrafo único do artigo 7°).

O novo Código Civil também previu tal direito... mas o fez somente para o cônjuge! Cochilo do legislador, ao elaborar o artigo 1.831, esquecendo-se de acrescentar o companheiro sobrevivente, para dar guarida ao dispositivo legal esparso, que ficou sem correspondência na codificação? Pode-se, por acaso, considerar excluído tal direito em relação ao companheiro sobrevivente?

Não nos parece ser possível tal entendimento, mais porque o Código de 1916 já previa o que diz o artigo 1.831, que inclusive sofreu alteração ampliativa para ser aplicado o direito real de habitação a qualquer regime de bens. Porém, em relação ao cônjuge sobrevivente! Não haveria motivo legítimo para que tal direito fosse afastado do companheiro, especialmente após ter constado da Lei 9.278/96.

O mesmo se diga em relação à previsão de administração do patrimônio comum, embora a remissão expressa pelo artigo 1.725 ao regime da comunhão parcial de bens possa solucionar a lacuna existente no artigo 1.663, desde que, ante a ausência de contrato disciplinando o regime de bens, se possa ler naquele dispositivo o termo companheiro ao invés de cônjuge, por analogia extensiva.

Isso não ocorre, entretanto, em relação ao direito real de uso, que não se encontra capitulado no regime de comunhão parcial (o art. 1.831 está no título das sucessões), daí porque o artigo 7º, parágrafo único, da Lei. 9.278/96, poderia ser interpretado como não revogado, continuando tal lei a viger apenas para disciplinar esse pormenor.

Ocorre que a alteração da redação do artigo 1.831 trouxe uma inovação que poderia ser alcançada pela mesma regra interpretativa, pois estendeu o direito real de uso, que antes era restrito apenas ao regime da comunhão universal de bens, para todos os outros regimes catalogados no Código, inclusive o da comunhão parcial.

Ora, se na falta de contrato escrito entre os companheiros se aplica, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens previsto no Código para o casamento, também para a hipótese de reconhecimento do direito de uso real por parte do companheiro sobrevivente será possível reler o artigo 1.831, aplicando-o, indistintamente, ao cônjuge ou ao companheiro.

O problema ocorrerá apenas se houver regime contratual e caso este não preveja o direito real de uso, o que deixaria o companheiro sobrevivente em desigualdade de condições. E o intuito do legislador não foi, ao que parece, retirar os direitos e vantagens já deferidos pelas leis supramencionadas.

Mesmo assim, poder-se-ia entender que aquele direito foi suprimido da união estável, pela ausência de previsão no novo Código Civil, que privilegiou o cônjuge sobrevivente.

Se tal vier a ocorrer, certamente veremos a jurisprudência agindo para conferir interpretação analógica ao preceito e restabelecer a previsão legal que ficou sem paralelo com a lei anterior, no novo Código.

Como conclusão resultante dessa análise, chegamos a defender em trabalho anterior que o novo Código Civil teria, efetivamente, revogado por inteiro as leis 8.971/94 e 9.278/96, não tendo, entretanto, conferido à união estável tratamento consentâneo ao disposto naquelas leis, deixando lacunas a preencher. Esse posicionamento, que conta com o respaldo de outros doutrinadores, presentemente, tem merecido nossa reflexão em atenção ao critério da especialidade, que mesmo conflitando com o da anterioridade, deveria prevalecer àquele.(26)

Assim, revendo nossas convicções, por ser o Código Civil lei geral e por não ter revogado expressamente as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96, nem ter tratado integralmente da matéria, faz-se possível defender a sobrevivência destas ao advento daquele, sobretudo por haver certas previsões de direitos modificadas ou que restaram lacunosas, em detrimento do espírito repersonalista da nova Codificação.


9. Notas conclusivas

O Direito Civil como um todo e em especial o Direito de Família, passam por um processo de reconstrução, após a implementação das profundas e substanciais mudanças operadas pela Constituição de 1988, exigindo releitura das normas à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, erigido a patamar constitucional e que opera como norma de estrutura do ordenamento jurídico positivo.

Com o advento do Código Civil, vigente desde 11/01/2003, restaram quase totalmente reproduzidas as disposições das Leis 8.971/94 e 9.278/96, as quais, em face do critério da especialidade, prevalente na averiguação dos conflitos de leis no tempo e no espaço, permanecem em vigência, operando efeitos naquilo em que restou lacunoso, já que o Código Civil, lei geral, não disciplinou a integralidade das matérias nelas previstas.

O legislador optou por abandonar a designação "conviventes" terminologia que se havia consolidado a partir da Lei n. 9.278/96, voltando a tratar os casais que vivem em união estável como "companheiros", nos moldes da revogada Lei n. 8.971/94.

O concubinato, figura que havia sido sepultada com as leis disciplinadoras da união estável, foi ressuscitado pelo Código Civil, recebendo conceituação, mas sem que se disciplinasse seus efeitos jurídicos, abrindo ensejo a novas discussões doutrinárias e posicionamentos jurisprudenciais.

Permanecem os mesmos requisitos exigidos para a caracterização e reconhecimento da união estável, que exige convivência pública e notória, estável, duradoura e continuada, entre homem e mulher, com o objetivo de constituição de família.

As uniões entre pares homossexuais continuam sem qualquer previsão legal, não tendo sido enfrentadas pelo novo Código Civil, não se lhes aplicando as normas atinentes à união estável. Constituem sociedades de fato, com possibilidade de partilha de bens adquiridos em comum, que devem ser administrados em condomínio e sua regulamentação exige lei própria.

Cedo ou tarde, porém, haverá de ser reconhecida como entidade familiar, haja vista a existência de agrupamentos com tais características, onde filhos de um dos parceiros afetivos se congregam em torno do par formado por pessoas do mesmo sexo.

Trata-se de realidade social, a exigir regulamentação e proteção do Estado, por força do princípio da dignidade da pessoa humana.

Proliferam novas formas contratuais para disciplinar as relações afetivas entre pessoas que não desejam ver-se enquadradas nos moldes do revogado "estatuto dos conviventes" e do novo Código Civil, como os contratos de namoro, cuja validade é relativa e sucumbe ante preceitos de ordem pública indisponíveis e perante os direitos de terceiros de boa-fé.

As questões patrimoniais tornaram-se mais definidas após o novo Código Civil, que prevê a partilha dos bens, admite o regime contratual e, na sua falta, manda aplicar as regras da comunhão parcial de bens. O mesmo Código tornou os companheiros herdeiros do patrimônio um do outro.

A entidade familiar constituída sob a égide da união estável, finalmente se consolidou, muito embora ainda persistam algumas impropriedades na legislação, que revelam resquícios de discriminação, dando preferência à formação da família pelo casamento, os quais, certamente, irão desaparecer com o tempo, conforme se cristalize a aceitação da nova regulamentação, dessa realidade milenar.


NOTAS

1 Comparativamente, a reconstrução do Direito se opera como o replante de um vaso de orquídeas. Primeiro se retira toda a planta, desfaz-se o interior do vaso, retirando todo seu substrato deteriorado. Depois podam-se as raízes mortas, retira-se da planta a parte inservível, conservando os bulbos novos e mais fortes. Recolocam-se no vaso as pedras de fundo, para drenagem, carvão ativado, xaxim, substrato nutriente novo e a mesma planta, reformada, volta para seu interior, prendendo-se as raízes no substrato e deixando espaço para que a planta cresça e se desenvolva. Note-se que se trata da mesma planta. Não se destrói o direito, apenas se remodela o direito, adaptando-o às novas realidades para que seus novos parâmetros o impulsionem para desenvolvimento em substrato fértil.

2 Daí porque a necessidade de "reinterpretar o sistema constitucional em favor do homem, que passa a ser o maior beneficiado com tal reanálise, posto que é o protagonista de toda a vivência social, voltando a ser o centro de todas as atenções, corolário de uma clara interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana e de sua aplicação às demais searas do Direito Civil", conforme assinala Popp (POPP, Carlyle. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e a liberdade negocial – A proteção contratual no direito brasileiro. In: Direito civil constitucional. Coordenação Renan Lotufo. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 152).

3 Afirma o autor que a crítica ao Direito Civil "deve ser a introdução diferenciada a estatutos fundamentais, na explicitação de limites e possibilidades que emergem da indisfarçável crise do Direito Privado. É uma busca de respostas que sai do conforto da armadura jurídica, atravessa o jardim das coisas e dos objetos e alcança a praça que revela dramas e interrogações na cronologia ideológica dos sistemas, uma teoria crítica construindo um modo diverso de ver. E aí, sem deixar de ser o que é, se reconhece o ‘outro’ Direito Civil. E, se essa proposta escala montanhas epistemológicas, voa em rotas mal percorridas e mergulha em águas turbulentas, não despreza as planícies, os caminhos bem torneados, muito menos o flúmen tranqüilo de cognição adquirida. Crítica e ruptura não abjuram, tout court, o legado, e nele reconhecem raízes indispensáveis que cooperam para explicitar o presente e que, na quebra, abrem portas para o futuro" (FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 4-5).

4 RAFAELLE, Paul. No reino proibido de mustang. In Seleções do Reader´s Digest, julho/98, p. 67 apud DAL COL, Helder Martinez. A família à luz do concubinato e da união estável. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 21-22.

5 Arnoldo Wald relata que a mulher, ao casar, podia continuar sob a autoridade paterna no casamento sem manus ou entrar na família marital no casamento com manus. O que não se admitia é que pertencesse simultaneamente a duas famílias. (WALD, Arnoldo. Direito de família. Curso de Direito Civil Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1973, p. 24).

6 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. (Tradução Edson Bini). 2. ed. São Paulo: Edipro, 1999, p. 41.

7 Cf. Fustel de Coulanges, ob. cit., p. 44.

8 A abordagem pelo palestrante, dos principais temas em discussão à época, justifica a continuidade da transcrição: "A lei de 1994 teria sido revogada pela lei de 1996? No ponto de vista do Dr. Álvaro Villaça, não revogou, ficando revogado apenas o artigo 1º. Hoje, não pode haver uma lei que diga que se duas pessoas viverem 5 anos juntas estarão casadas. Tem que haver convivência more uxorio, a vontade de viver como se casados fossem, para existir união estável. Quanto aos alimentos, diz a lei de 1996 que só existe pagamento com a ruptura da sociedade concubinária, se houver culpa. Tem que haver o intuito de abandonar, de deixar o companheiro sem assistência. O sentido do palestrante sempre foi o de dar responsabilidade aos que vivem em união estável. A lei de 1994, com o fim da união estável por morte de um dos companheiros, confere ao outro direito a herança. A lei de 1996 concede o direito real de habitação, criando seu artigo 5º presunção relativa de condomínio, quanto aos móveis e imóveis adquiridos na vigência da união estável, a título oneroso. O projeto de nova lei sobre o assunto, em que se pretende a unificação das duas leis, a 8971/94 e a 9278/96, não foi integralmente apoiado pelo palestrante. Este projeto tem, em seu bojo, artigo que caracteriza a união estável sob o regime da comunhão parcial de bens. O palestrante questiona a dificuldade de saber se a união terminou, como impedir que um dos companheiros venda o bem do casal antes de dissolvida a união, se não há qualquer controle estatal, registro, processo judicial, certidão de que há uma união estável entre o companheiro proprietário, com registro do bem em seu nome, e o companheiro sem esse registro. O projeto é chamado pelo palestrante de Jobim/Wald. Segundo ele, este projeto tem um ponto positivo: obriga aos companheiros que mencionem a existência da união estável, quando da feitura de contrato com terceiros, sob pena de não ter efeito em relação a este. Por outro lado, o projeto de autoria da Deputada Marta Suplicy, que regula a união dos homossexuais, tem dispositivo semelhante. Neste caso, não há união estável. O artigo 1363 do Código Civil já ampara os homossexuais, quando cuida das sociedades em geral. Quanto à prova de esforço comum no concubinato adulterino, a súmula 380 do STF ainda tem eficácia. Não pode a esposa locupletar-se com o esforço da concubina de seu marido. Esta última terá que provar o esforço comum" Na Internet: http://www.emerj.rj.gov.br/forum/forum_dire_fam/ata_16.htm (coletado em 02.05.2003).

9 A despeito da liberdade que caracteriza a união estável, há um conteúdo ético e moral que deve ser respeitado no que tange à formação da entidade familiar e que não pode ser flexibilizado, sob pena de aceitar-se uniões incestuosas como famílias constituídas validamente à margem do casamento.

10 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 5. Direito de Família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 336-343.

11 CZAJKOWSKI, Rainer. União livre. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2000, p. 73.

12 Esta mesma posição foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal, quando editou a Súmula 382: "A vida em comum sob o mesmo teto more uxorio não é indispensável à caracterização do concubinato". É de se lembrar que à época, o termo concubinato expressava todas as formas de união entre casais, que conviviam sem serem casados, abrangendo tanto a união estável quanto os relacionamentos concubinários propriamente ditos.

13 A propósito, a jurisprudência: "Concubinato – Sociedade de fato. Partilha de bens. Não se exige morada comum à tipificação do concubinato, bastando relacionamento material e afetivo prolongado, notório e em caráter de fidelidade recíproca. Requisitos comprovados. Partilha de todos os bens adquiridos durante o período de vigência do concubinato, com direito à meação à autora. CF/88, art. 226, § 3º. (TJRS – Ac. 592.094.171 – 7ª C. – Rel. Des. Alceu Binato de Moraes – J. 04.11.1992) (RJ 188/96 - in Juris Síntese - 101536)."

14 Oportuna, a propósito, a lição de Lenzi: "Muito embora a nova legislação não estabeleça o tempo da convivência duradoura, nem se refira à fidelidade recíproca, nem a vida em comum sob o mesmo teto, entendo que cada caso concreto deve ser analisado pelo julgador, admitidos todos os meios probantes para se constatar se realmente fica tipificado o concubinato, que implica nas considerações acima expostas, observado, fundamentalmente, o conjunto probatório categórico da convivência duradoura, pública e contínua entre o homem e a mulher, com o objetivo de constituição de família, se possível. Estes princípios deverão ser observados, a fim de que não se valham os aventureiros das chamadas "relações abertas", na dedução de pretensões estapafúrdias a abarrotarem as já congestionadas Varas de Família do Judiciário nacional" (LENZI, Carlos Alberto Silveira. Regulamentado o concubinato. In: Boletim Informativo Bonijuris. Ano VIII. N. 272. 20 de julho de 1996. Curitiba. Bonijuris. p. 3218). N.A.: a fidelidade recíproca foi prevista no Código Civil de 2002.

15 Consoante esclarece Arnoldo Wald, houve uma evolução dialética na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: "Inicialmente, os tribunais negavam qualquer direito à concubina. Em seguida, considerou-se que o concubinato, por si só, justificava o direito da companheira à meação com base na teoria do enriquecimento sem causa. Com a Súmula 380, temos a síntese na qual se distinguem as relações pessoais e patrimoniais, considerando que somente a prova da efetiva contribuição da concubina na formação do patrimônio comum justifica o seu direito à meação ou a outra fração do patrimônio comum" (A união estável. In TEIXEIRA, Sálvio Figueiredo (org.). Direitos de família e do menor: inovações e tendências. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 109). Diz a Súmula 380, do STF: "Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos é cabível a sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum".

16 Afirma o autor: "El Codigo Civil señala: ‘El matrimonio es un contrato solemne por el cual un hombre y una mujer se unen actual e indisolublemente, y por toda la vida, con el fin de vivir juntos, de procrear, y de auxiliarse mutuamente’. Aun me parece que se puede discutir que la diferencia de sexo sea un elemento de la esencia del contrato. Algunos podrán plantear que dos personas de un mismo sexo no pueden procrear, pero lo mismo es aplicable para ciertas parejas de distinto sexo, significa esto que esas personas no podrían contraer matrimonio. Además hoy en día por medio de la inseminación artificial dos lesbianas podrían tener un hijo. Pero ese no es el tema del presente artículo, lo que yo señalo no es que homosexuales celebren matrimonio, sino cosa distinta, que celebren un contrato innominado el cual se regiría, en subsidio, por las normas del matrimonio establecidas en el Código Civil y la Ley de Matrimonio Civil, en cuanto sean aplicables" (COX, Francisco. El matrimonio entre homosexuales. In: Revista de la Academia de Derecho. N. 3. Julio de 1994. Santiago. Escuela de Derecho de la Universidad Diego Portales. p. 24).

17 Vejamos como tal multiplicidade terminológica grassava, analisando pequeno trecho extraído da obra do Prof. Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade civil, Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 330), que em um único parágrafo utilizou nada menos que três expressões distintas para nominar a mulher não casada, que pleiteava indenização pela morte do companheiro, verbis: "Questão que tem desafiado os tribunais consiste na indagação se a concubina tem legitimidade para pleitear a reparação de danos pela morte do companheiro. Embora a relação concubinária não seja reconhecida senão para certos e determinados efeitos e em face de situações especiais (e.g. investigação de paternidade, dissolução da sociedade conjugal, proteção previdenciária), pode a reparação ser concedida à concubina. Nesse caso inocorre a presunção de dano, ao contrário do que se dá em relação ao cônjuge e aos filhos. Para que seja reconhecida a legitimatio à amásia, é mister demonstre ela que o desaparecimento da vítima importa em efetivo prejuízo, privando-a do amparo, do socorro ou do auxílio que lhe prestava. O Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro reconheceu direito a ser indenizada (ADCOAS, 1985, n. 104.469). No julgamento da Apelação n. 38.602, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu indenização à companheira da vítima".

18 DAL COL, Helder Martinez. A família à luz do concubinato e da união estável. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

19 Na prática, o que se percebe é que os filhos já não são motivo para sustentar nem os casamentos, que se desfazem com muito mais facilidade que no passado, quanto menos impor que se assuma ou mantenha relacionamentos. É bastante grande o número de mulheres que optam pela chamada "produção independente", gerando filhos sem comprometimento afetivo, embora não tanto quanto os casos de mulheres que, após constatarem a gravidez, eram abandonadas pelos namorados, arcando solitárias com a missão de criar e educar os filhos. Há casos de mulheres que sequer revelam aos parceiros casuais a paternidade, pois abominam a idéia de ter que dividir a guarda e a atenção do filho com o pai, fazendo-os conviver com a dúvida. Não é, pois, de se estranhar que ocorram ações de investigação de paternidade ajuizadas pelo homem, não com o propósito de negá-la, mas de confirmá-la e, assim, reclamar seus direitos de paternidade e a regulamentação de visita ao filho.

20 KIGNEL, Luiz. Contrato de namoro A validade jurídica do acerto para evitar obrigações legais. Internet: www.cliponline.com.br/~sitesearch/History/online/ 2_2003/assunto1/noticia14_dia24_pagina3.html

21 Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

22 Exemplo do que acabamos de afirmar é a recente prolação do acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Processo n. 70004306197), que em interpretação totalmente inusitada, calcada na nova Codificação, gizou que apesar de não se aplicar o novo Código Civil diretamente, a situação concubinária é prevista no artigo 1.727 e não pode ser ignorada. O acórdão da 8ª Câmara Cível, teve por Relator o Desembargador Rui Portanova, que em decisão inédita mandou repartir 50% dos bens do falecido entre a esposa e a concubina, destinando o restante aos filhos advindos de ambos os relacionamentos. Versou o processo sobre partilha de bens instigada pela concubina de homem casado, contra sua esposa e filhos, provando que com o mesmo manteve relacionamento público e notório durante 28 anos, colaborando para a aquisição do patrimônio. O de cujus manteve, durante todos esses anos, a família legítima em uma cidade vizinha àquela em que mantinha a concubina, com a qual inclusive tinha filho. Para o relator, o novo Código Civil não proibiu o concubinato. "Agora é possível dizer que o novo sistema do Direito de Família se assenta em três institutos: um, preferencial e longamente tratado, o casamento; outro, reconhecido e sinteticamente previsto, a união estável; e um terceiro, residual, aberto às apreciações caso a caso, o concubinato".

Trata-se, sem nenhuma intenção de erigir trocadilho, de uma nova porta aberta pelo Judiciário, para onde devem convergir muitos dos casos de união contínua, pública e duradoura, da qual resultam filhos, aquisição de bens e muitas vezes a conotação típica de qualquer outra família, mas que possuem como protagonistas pessoas impedidas de casar e mesmo de constituir união estável (já que os impedimentos para casamento e união estável diferem entre si, sendo os do primeiro mais amplos e numerosos).

23 DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Da união estável. In: O direito na década de 1990: novos aspectos. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1992. p. 136.

24 Na Internet: http://www.espacovital.com.br/asmaisnovas02042003c.h

25 No processo em tela, o advogado ajuizou uma ação litigiosa para dissolver a sociedade de fato com sua companheira, bancária, afirmando que "a ex-companheira não contribuiu em nada para a aquisição dos bens, que já existiam quando o casal decidiu morar junto". O juiz julgou procedente a ação e determinou que o pai pagasse a pensão alimentícia ao filho menor. A ex-companheira apelou do entendimento ao TJRS, que reformou a sentença. "Basta a convivência estável, como se fosse um casamento, para que haja partilha. Não há necessidade de demonstração para a formação de patrimônio comum de parte dos conviventes", salientou o acórdão de segundo grau. O advogado recorreu, então, ao STJ, contestando, inclusive, o valor da pensão alimentícia. O Ministro Castro Filho, relator do processo, proferiu voto vencido, prevalecendo o entendimento do revisor, Ministro Ari Pargendler, que ressaltou que a jurisprudência do STJ afirma que "é necessária a comprovação do esforço comum dos companheiros na aquisição do patrimônio durante o tempo de convivência comum". O Ministro votou pelo conhecimento do recurso especial e lhe deu provimento para restabelecer a sentença de primeiro grau, sendo acompanhado pelos demais Ministros da 3ª Turma (Processo em segredo de Justiça - Com informações do STJ) Internet: http://www.emerj.rj.gov.br/forum/forum_dire_fam/ata_16.htm

26 Invoca-se, por esclarecedor, o artigo 2º da LICCB: "Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga (salvo se houver incompatibilidade) nem modifica a lei anterior. § 3º. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência".


Referências

AZEVEDO, A.V. Palestra proferida na 16ª Reunião do Fórum Permanente sobre o Direito de Família, realizada em 31/05/1999. Internet: http://www.emerj.rj.gov.br/forum/forum_dire_fam/ata_16.htm

COX, F. El matrimonio entre homosexuales. In: Revista de la Academia de Derecho. Santiago. Escuela de Derecho de la Universidad Diego Portales. N. 3. Julio de 1994.

COULANGES, F. A cidade antiga. Tradução Edson Bini. 2. ed. São Paulo: Edipro, 1999.

CZAJKOWSKI, R. União livre. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2000.

DAL COL, H. M. A família à luz do concubinato e da união estável. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 5. Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2004.

DIREITO, C. A. M. Da união estável. In: O direito na década de 1990: novos aspectos. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1992.

FACHIN, L. E. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

KIGNEL, L. Contrato de namoro – A validade jurídica do acerto para evitar obrigações legais. www.cliponline.com.br/~sitesearch/History/online/ 2_2003/assunto1/noticia14_dia24_pagina3.html

LENZI, C. A. S. Regulamentado o concubinato. In: Boletim Informativo Bonijuris. Ano VIII. n. 272. Curitiba, Bonijuris, 20 de julho de 1996.

PEREIRA, C. M. S. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

POPP, C. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e a liberdade negocial – A proteção contratual no direito brasileiro. In: Direito civil constitucional. Coordenação Renan Lotufo. São Paulo: Max Limonad, 1999.

RAFAELLE, P. No reino proibido de mustang. In Seleções do Reader´s Digest, julho de 1998.

WALD, A. A união estável. Apud TEIXEIRA, Sálvio Figueiredo (org.). Direitos de família e do menor: inovações e tendências. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.

________. Direito de família. Curso de Direito Civil Brasileiro.3. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1973.


Autor


Informações sobre o texto

Artigo alterado e adaptado a partir de texto anteriormente publicado na Revista Brasileira de Direito de Família (IBDFAM), Porto Alegre, Síntese, IBDFAM, v. 6, n. 23, abr./mai. 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COL, Helder Martinez Dal. União estável e contratos de namoro no Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 759, 2 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7100. Acesso em: 25 abr. 2024.