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Os limites legais do planejamento tributário no ordenamento jurídico brasileiro

Os limites legais do planejamento tributário no ordenamento jurídico brasileiro

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Complexidade do sistema tributário brasileiro, principais diferenças entre elisão, elusão e evasão fiscal e os conceitos básicos interpretados conforme a doutrina majoritária.

RESUMO: O Planejamento Tributário é uma ferramenta de gestão empresarial utilizada para estruturar a vida econômico-fiscal de uma empresa, a fim de possibilitar a redução da carga tributária dentro da legalidade, visando, ao mesmo tempo, medidas proporcionais ao aumento dos investimentos e dos lucros. O presente artigo faz uma breve abordagem sobre a complexidade do sistema tributário brasileiro, examina as principais diferenças entre elisão, elusão e evasão fiscal, tomando por base, seus conceitos básicos interpretados conforme a doutrina majoritária. Desde a publicação da LC 104, a elisão fiscal tem sido objeto de grande debate na esfera tributária, tendo em vista a dificuldade em se conhecer seus limites legais no ordenamento jurídico brasileiro, com base nas mais diversas opiniões doutrinárias. O que se busca com esse trabalho acadêmico, é dar uma singela trilha a ser seguido por aquele que pretende estudar o assunto mais a fundo, tomando por base conceitos já consagrados no Direito Tributário.

Palavras-chave: Planejamento Tributário. Sistema Tributário. Limites Legais. Ordenamento Jurídico Brasileiro.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO 1.1 DEFINIÇÃO, OBJETIVO E FINALIDADE 1.2 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO x SONEGAÇÃO FISCAL 2 A ELISÃO, ELUSÃO E EVASÃO FISCAL 2.1 ELISÃO E EVASÃO FISCAL 2.2 ELUSÃO 3 OS LIMITES LEGAIS DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO 3.1 A LEI ANTIELISÃO (LC 104/2001) 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Uma pesquisa do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário[3] mostra que o país atingirá a marca de R$ 1,7 trilhão em pagamento de impostos, segundo o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). O valor equivale a todo o dinheiro pago pelos brasileiros aos cofres da União, dos estados e dos municípios em tributos (impostos, taxas, contribuições, multas, juros e correção monetária) desde o início deste ano.

A carga tributária brasileira é muito similar ao de nações desenvolvidas, estando o país no 14º lugar do ranking mundial. “Conforme os indicadores divulgados em 2017, no Brasil a carga tributária equivale a 32% do PIB. Já no Reino Unido, o índice é de 32,5%”[4]. Giambiagi e Além (2000, p. 37) já diziam que o sistema tributário brasileiro sofre de sérios problemas, dentre os quais o elevado nível da carga tributária, a falta de equidade e a forte presença de impostos cumulativos.

O empresário brasileiro conhece muito bem a realidade da carga tributária, um dos maiores entraves para o crescimento. E em virtude disso, as empresas passaram a enfrentar cenários cada dia mais exigentes, com poucos meios de sobrevivência, minimização de riquezas e grande concorrência. Ao se depararem com essa situação, os empresários buscam várias maneiras de economizar seus impostos.

Assim, alguns empresários agem pelo bom senso, sobretudo pela continuidade da empresa, e adotam caminhos lícitos para organizar seus negócios de forma legalmente mais econômica – elisão. Outros enveredam pela sonegação, cujo artifício/manobra está desprotegido dos princípios da legalidade tributária – evasão, inclusive contribuindo para construir uma organização sem memória, pela falta de registro dos atos negociais ocorridos decorrentes da atividade operacional, infringindo as leis tributárias.

Levando em consideração o planejamento tributário, que representa um conjunto de medidas e atos tomados pelas empresas, com o objetivo de estruturar sua vida econômico-fiscal, a fim de possibilitar a redução da carga tributária dentro da legalidade, visando, ao mesmo tempo, medidas proporcionais ao aumento dos investimentos e dos lucros, o tema proposto nesse trabalho é, a análise dos limites legais do planejamento tributário no ordenamento jurídico brasileiro, com base nas mais diversas opiniões doutrinárias.

Apoiado nesse tema surgem algumas questões: o que é o planejamento tributário? Quais são seus objetivos e sua finalidade? Qual a importância em distinguir as práticas fiscais (elisão, elusão e evasão)? E por fim, qual o limite legal do planejamento tributário no ordenamento jurídico brasileiro? Ou seja, quais ações os empresários podem executar para maximizar suas receitas sem enfrentar problemas com a ilegalidade.

 O presente trabalho será um levantamento bibliográfico, que é um mecanismo que contempla todo o material já tornado público quanto ao tema que se realizará o estudo. No desenvolvimento deste procedimento de pesquisa, se utilizará de revistas, livros, pesquisas, monografias, teses e ainda todos os materiais resultantes dos meios de comunicação. Além disso, serão alvo de análise a Constituição Federal, o Código Tributário Nacional e o Código Civil.

Com a adoção desta metodologia de pesquisa, pretendem-se correlacionar as opiniões existentes sobre o tema proposto, para ao fim concluir sobre a eficiência do planejamento tributário dentro dos limites legais do ordenamento jurídico brasileiro.


1 O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

O Brasil possui o sistema tributário mais caro e complexo do mundo.  Segundo dados do IBPT[5], no que diz respeito à matéria tributária, foram editadas 363.779 normas, o que representa mais de 1,88 normas tributárias por hora em um dia útil, a maioria com cobranças em excesso, e responsável por dificultar a vida dos contribuintes, confundindo-os e exigindo das pessoas (jurídicas ou físicas) a ajuda de outros profissionais a fim de compreender e realizar o cumprimento de todas as regras sem maiores problemas com o Fisco.

Em virtude dessa complexidade do sistema tributário nacional, as empresas procuram definir sua estrutura organizacional em sintonia com o seu meio, para identificar sua capacidade de maximizar os resultados e competir no mercado. Neste sentido, um dos ambientes que os empresários identificam maior custo para a empresa é o tributário. Os tributos decorrem a partir do desenvolvimento da atividade econômica da empresa e, diante de uma carga tributária elevada, os empresários buscam várias maneiras de economizar seus impostos.

A redução de gastos é fator importante para que uma empresa se mantenha no mercado competitivo. É sob esse contexto que se insere o planejamento tributário, pois a partir dele, as empresas buscam desenvolver suas atividades, sem que disponham de grande parte de seu patrimônio para pagar tributos e sem que deixem de cumprir com suas obrigações tributárias. 

1.1 DEFINIÇÃO, OBJETIVO E FINALIDADE

Para Latorraca (2000, p.58), “O Planejamento tributário é a atividade empresarial que, desenvolvendo-se de forma estritamente preventiva, projeta os atos e fatos administrativos com o objetivo de informar quais os ônus tributários em cada uma das opções legais disponíveis.”

Tomamos também por planejamento tributário, em seu sentido mais amplo, as lúcidas palavras de Marins (2002, p.33-34):

Denomina-se planejamento fiscal ou tributário lato sensu a análise do conjunto de atividades atuais ou dos projetos de atividades econômico-financeiras do contribuinte (pessoa física ou jurídica), em relação ao seu conjunto de obrigações fiscais com o escopo de organizar suas finanças, seus bens, negócios, rendas e demais atividades com repercussões tributárias, de modo que venha a sofrer o menor ônus fiscal possível. O planejamento tributário pode se dar através da adoção de variadas formas. Pode ser meio do uso de mecanismos administrativos próprios como o redirecionamento de atividades, a reorganização contábil e a reestruturação societária, ou por intermédio de mecanismos fazendários de elisão induzida ou permitida, como a utilização de opção para regimes fiscais mais benéficos, e também o aproveitamento de prerrogativas e incentivos fiscais gerais ou setoriais, como imunidades, isenções, zonas francas, incentivos estaduais ou municipais, ou até mesmo através da escolha de tratados internacionais (treaty shopping).

Já para Oliveira (2001, p.35), o planejamento é:

Conceituado como uns processos desenvolvidos para o alcance de uma situação desejada de um modo mais eficiente, eficaz e efetivo, com a melhor concentração de esforços e recursos pela empresa. Assim sendo, planejamento não é um ato isolado, porque ele visualiza um processo composto por ações inter-relacionamentos e interdependentes, que alcançam um objetivo comum.

Em síntese, pode-se dizer que o Planejamento Tributário caracteriza um conjunto de medidas preventiva de negócios, visando a possibilidade de economia de tributos, através de uma via lícita, independentemente de quaisquer consequências dos atos projetados. E para que uma empresa consiga alcançar os resultados almejados é necessário que trace amplamente objetivos, metas e ações que serão adotados para que a organização atinja o alvo perseguido e esses interesses só serão alcançados através do planejamento. Latorraca (2000, p.58) se reporta ao objetivo do Planejamento Tributário da seguinte maneira: “O objeto do planejamento tributário é, em última análise, a economia tributária. Cotejando as várias opções legais, o administrador procura orientar os seus passos de forma a evitar, sempre que possível, o procedimento mais oneroso do ponto de vista fiscal”.

O objetivo do planejamento tributário é o caminho menos oneroso que a empresa escolhe a partir de diversas opções apresentadas pela legislação tributária. Cabe aos gestores observar as limitações previstas em lei e delinear as estruturas formais legítimas para a sua atividade econômica. Logo, modelar o fato gerador com o propósito de impedir uma prestação tributária superior, utilizando a prática de uma correta administração dos tributos, fornece meio e instrumentos legítimos no processo de gestão estratégica empresarial competitiva.

O planejamento tributário tem como finalidade a diminuição legal da quantidade de recursos repassados ao governo. Portanto, o planejamento tributário é de uma relevância fundamental, com capacidade de proporcionar à empresa a diminuição de seus custos tributários em tempos de economia turbulenta, é imprescindível a adoção de um sistema de economia legal. O planejamento tributário é a revitalização dos recursos para a empresa, pois representa maior capitalização do negócio, possibilidade de menores preços e ainda facilita a geração de novos empregos, uma vez que os recursos economizados poderão possibilitar novos investimentos. Neste sentido, a finalidade do planejamento tributário é ser uma ferramenta de desafio no processo de gestão empresarial, influenciando assim na competitividade das empresas, levando-as a diminuir seus custos, proporcionando-lhes condições de sobrevivência no mercado.

1.2 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO X SONEGAÇÃO FISCAL

É evidente que há uma deficiência na estrutura tributária brasileira, eclodindo em cargas tributárias altíssimas, sem a devida contrapartida dos serviços públicos oferecidos (GIAMBIAGI e ALÉM, 2000, p. 38), considerando esses problemas apontados e a oportunidade por parte das empresas brasileiras em praticar sonegação fiscal para conseguir um meio de fugir das altas cargas tributárias, é que se faz necessário a distinção entre sonegação fiscal e o planejamento tributário.

O estudo da legislação tributária, suas leis e hierarquias proporcionam para a empresa alternativa de um planejamento tributário. Este é uma forma legal de se pagar menos imposto, garantindo à empresa uma confiabilidade no futuro, além de diminuir os custos tributários. Não há que confundir Planejamento tributário com sonegação fiscal. Sonegar, por sua vez, é utilizar meios ilegais, como fraude, simulação, dissimulação etc., para deixar de recolher o tributo devido. Entende-se ainda por sonegação, toda a ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou a retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária da ocorrência do fato gerador da obrigação principal.


2 A ELISÃO, ELUSÃO E EVASÃO FISCAL

São termos utilizados para designar as condutas que geram economia de tributos, podendo ser lícitas ou ilícitas, as ilícitas seriam a prática de atos com violação de regra jurídica ou de eficácia jurídica. Quando se trata da licitude ou ilicitude da conduta do contribuinte, a doutrina são se mostra unânime na distinção desses critérios. Vejamos.

Hugo de Brito Machado (2010, p. 285) pugna pela seguinte definição, evasão como a conduta lícita e elisão à conduta ilícita, já que para ele “elidir é eliminar, ou suprimir, e somente se pode eliminar, ou suprimir, o que existe. Assim, quem elimina ou suprime um tributo, está agindo ilicitamente, na medida em que está eliminando, ou suprimindo a relação tributária já instaurada”.

Por sua vez, Ricardo Lobo Torres (2012, p. 08) defende igualmente o sentido de que a evasão seria sempre composta de atos lícitos, sendo “a economia de imposto obtida ao se evitar a prática do ato e o surgimento do fato jurídico ou da situação de direito suficientes à ocorrência do fato gerador tributário”. Já a elisão seria “a economia de imposto obtida pela prática de um ato revestido de forma jurídica que não subsumi na descrição abstrata da lei”.

Diante das divergências conceituais existentes, adotaremos no presente estudo como terminologia para a economia de tributos de forma lícita, a “elisão fiscal”, enquanto a economia de tributos mediante o descumprimento frontal da legislação, será tratada como “evasão fiscal”.

O que distingue esses critérios tradicionalmente utilizados para determinar a legitimidade ou ilegitimidade da economia de tributos, são, principalmente, a licitude dos atos praticados pelos contribuintes, avaliado ao lado do critério cronológico, o qual busca verificar se os atos foram praticados antes ou depois da ocorrência do fato gerador.    

2.1 ELISÃO E EVASÃO

Para um melhor entendimento acerca da diferença entre elisão e evasão fiscal, faz-se necessário conhecer o significado do termo “fato gerador”.   O artigo 114 do Código Tributário Nacional (CTN), define que: “Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.”

Trazendo à baila a definição da lei, entende-se que, o fato gerador é uma situação prevista na lei, que se concretizada, faz nascer a obrigação de pagar um tributo[6]. Esta situação é determinante para caracterizar-se a elisão ou a evasão fiscal. Quando se realiza um planejamento adequado, evitando a ocorrência do fato gerador e, portanto, o surgimento da obrigação tributária, estamos diante da elisão fiscal. Porém, quando o fato gerador já ocorreu e há uma tentativa de modificar a incidência sobre o que já foi definido no momento de sua ocorrência, estaremos diante da evasão fiscal.

Segundo Sabbag (2013, p. 2020), a elisão fiscal tem o objetivo de impedir a ocorrência de um determinado fato gerador sendo por exclusão do contribuinte ou somente pela redução do montante tributário a ser pago, referindo-se as condutas lícitas do planejamento do imposto ou economia deste.

Roque Carrazza (2011, p.349) assim define: 

A elisão fiscal pode ser definida como a conduta lícita, omissiva ou comissiva, do contribuinte, que visa impedir o nascimento da obrigação tributária, reduzir seu montante ou adiar seu cumprimento. A elisão fiscal é alcançada pela não realização do fato imponível (pressuposto de fato) do tributo ou pela prática de negócio jurídico tributariamente menos oneroso, como, por exemplo, a importação de um produto, via Zona Franca de Manaus. Tais manobras, embora beneficiem o contribuinte, não são condenadas por nosso direito positivo.

Face ao exposto, podemos concluir que a elisão fiscal é a economia lícita de tributos, adotada por uma pessoa (física ou jurídica) com a finalidade de impedir que uma obrigação tributária surja ou, se surgir, que resulte numa menor onerosidade, objetivando o impedimento da ocorrência do fato gerador de uma obrigação tributária.

Diferentemente, a evasão fiscal, também conhecida como sonegação fiscal, é caracterizada pela economia fiscal após a incidência do fato gerador do tributo. O contribuinte, valendo-se de métodos escusos, não paga o devido. O objetivo é ocultar uma obrigação já nascida.

A Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, em seus artigos 1º e 2º, define:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; 

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Sob esse aspecto, Sacha Calmon Navarro Coêlho expõe as diferenças entre a evasão fiscal e a elisão fiscal:

Na evasão os meios são sempre ilícitos (haverá fraude ou simulação de documento, fato ou ato jurídico - quando mais de um agente participar dar-se-á o conluio); já na elisão os meios são lícitos porque não são vedados pelo legislador. Na evasão, a distorção da realidade ocorre no momento em que ocorre o fato jurígeno-tributário (fato gerador) ou após sua ocorrência; na elisão fiscal, a utilização dos meios ocorre antes da realização do fato jurígeno-tributário (COÊLHO, 1998, p. 174)

No mesmo sentido é o entendimento de Rubens Gomes de Souza:

[...] o único critério seguro (para distinguir a fraude da elisão) é verificar se os atos praticados pelo contribuinte, para evitar, retardar ou reduzir o pagamento de um tributo foram praticados antes ou depois da ocorrência do respectivo fato gerador: na primeira hipótese, trata-se de elisão; na segunda, trata-se de fraude fiscal (apud COÊLHO, 1998, p. 174).

É possível observar que, a elisão fiscal busca a economia lícita de tributos, evitando a ocorrência do fato gerador, já na evasão, ou sonegação, ocorre a caracterização de um crime, uma vez que o fato gerador ocorreu e o tributo foi suprimido ou reduzido através de uma informação falsa, inexata ou fraudulenta.

2.2 ELUSÃO           

Entre a legítima economia de tributos (ilusão) e a prática de atos em frontal descumprimento às normas (evasão) existe uma espécie de “zona cinzenta”. Trata-se daqueles atos ou negócios que, embora não representem um descumprimento frontal da legislação, são praticados pelo contribuinte mediante a utilização de “artefatos” tendo como resultado a diminuição da carga tributária. A este mecanismo é dado o nome de “elusão fiscal”.

Elusão fiscal, segundo Ricardo Alexandre (2010, p. 287) é uma forma que aparentemente não se trata de uma forma ilícita de isenção de tributo, mas adota-se meios artificiosos e atípicos, para não pagá-lo, também conhecido como elisão ineficaz, pois possibilitaria que o fisco descobrisse a ação e lançasse o tributo que era para ser isento.

É também conhecida como abuso das formas e ocorre quando o contribuinte simula um negócio jurídico, com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador. É considerado pela doutrina como uma maneira perigosa de economizar impostos, embora não necessariamente seja ilícita.

Esse tipo de conduta ocorre muito como Imposto de Transmissão de Imóveis (ITBI[7]), onde o artigo 156, parágrafo 2º, inciso I da Constituição Federal (CF) diz o seguinte:

§ 2º - O imposto previsto no inciso II:

I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil; (grifou-se)

Ocorre, por exemplo, quando duas pessoas formam uma sociedade para se beneficiar da imunidade de não pagar imposto sobre a aquisição onerosa de bens imóveis, contida no artigo 156, parágrafo 2º, inciso I da CF.

Isso posto, é possível observar como a elusão difere da evasão e elisão fiscal pelo fato de utilizar negócios jurídicos atípicos ou indiretos com a intenção de simular ou driblar a lei para evitar a incidência de norma tributária. Na linha dos ensinamentos de Alexandre Rossato da Silva Ávila (2005, p. 187), que:

[...] o contribuinte tem o direito de economizar no pagamento de tributos. Ele não é obrigado a adotar a forma mais onerosa para conduzir os seus negócios. O contribuinte pode estruturar seus atos ou negócios de maneira a pagar menos, ou nenhum, tributo. Se o ato pode ser praticado por duas formas, sendo uma tributada e outra não, é evidente que o contribuinte tem o direito de escolher a que melhor atenda aos seus interesses. Ninguém é obrigado a adotar a forma mais onerosa para os seus negócios [...].

No entanto, é preciso reconhecer que as hipóteses em que é facultado ao particular realizar negócios sem ter de contribuir para o fisco são restritas e pressupõem a atuação dentro de limites impostos pela lei, não havendo espaço para hipóteses de simulação, fraude ou dolo.

Isso porque, havendo simulação, fraude ou dolo o caso caracteriza evasão fiscal, que é uma forma ilícita de afastar a incidência tributária. Dentro da evasão fiscal se encontram todas as manobras ardilosas que, depois de ocorrido o fato gerador, visam a desviar a regra de incidência tributária, abrangendo as mais diversas formas de falsificação (“notas-frias”, “notas-calçadas”), bem como todas as formas de simulação.


3 OS LIMITES LEGAIS DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

Conforme restou demonstrado nos tópicos anteriores, a elisão e a elusão fiscal decorrem da prática de atos lícitos, anteriores à ocorrência do fato gerador e do dever de recolher o tributo. Já a evasão corresponde à realização de atos ilícitos, de forma simultânea ou posterior ao fato gerador.

Apesar de essas regras serem claras e pacíficas na doutrina, os limites da conduta lícita e ilícita no campo da economia tributária são controvertidos. A estruturação de negócios jurídicos com fulcro de arcar com o menor ônus tributário possível, através do uso de formas não vedadas pelo Ordenamento Jurídico, é prática rotineira de pessoas jurídicas e físicas.Nesse diapasão, é imperioso trazer uma discussão mais aprofundada dos limites legais para o planejamento tributário, e para isso analisaremos acerca do estudo realizado por Marco Aurélio Greco (2008, p. 126-135), que divide em três fases:

1) liberdade salvo simulação;

2) liberdade salvo patologias dos negócios jurídicos;

3) liberdade com capacidade contributiva;

Vejamos cada uma delas detalhadamente, segundo as lições deste autor. A primeira fase do debate — liberdade salvo simulação — se caracteriza, segundo Greco (2008) pela defesa de uma ampla liberdade do contribuinte de poder organizar seus negócios da maneira que bem entender. Nesta fase, têm-se os requisitos clássicos da elisão — anterioridade em relação ao fato gerador, realização de atos lícitos e sem simulação.Greco afirma que as características da forma de pensar desta primeira fase decorrem de uma visão particular de relacionamento entre cidadão e Estado. Segundo ele, “o tema central é o significado da tributação para o contribuinte e como ela deve se comportar perante ela” (Greco, 2008, p. 127). A visão aqui é, portanto, de que o tributo é uma invasão ao patrimônio privado e individual e em face desta invasão o contribuinte teria ampla liberdade de se defender da maneira que bem entendesse, sendo a elisão uma das maneiras de defesa possível. A máxima desta primeira fase é “tudo o que não é proibido é permitido”, ou seja, tudo o que não está expressamente previsto de maneira proibitiva pela lei, pode ser feito pelo contribuinte no sentido de escapar da incidência da norma tributária. Marco Aurélio Greco expressa neste sentido a visão desta primeira fase:

[...] se o Fisco só pode cobrar mediante tipicidade fechada e legalidade estrita, então tudo aquilo que não estiver a elas submetido será uma área não alcançada pela lei tributária, portanto de lacuna. Assim, quando o contribuinte se conduzir dentro de uma área de lacuna poderá agir tranquilo, pois o Fisco nada poderá objetar” (Greco, 2008, p. 131).

A segunda fase - liberdade salvo patologias dos negócios jurídicos - se inicia com a ampliação dos limites ao planejamento tributário, ao se considerar outras figuras como o abuso de direito e a fraude à lei como elementos que tornariam o planejamento tributário não oponível perante o fisco.

Greco (2008) defende que a consideração de outras limitações ao planejamento tributário é reflexo de uma nova concepção de relação entre cidadão Estado, consequência principalmente de novos valores de ordem social trazidos pela Constituição Federal de 1988. Se até então os valores que prevaleciam neste campo eram o do individualismo, direito à propriedade, liberdade de organização dos negócios e segurança jurídica; a CF/88 trouxe ao ordenamento jurídico valores como o da igualdade (artigo 5º, caput), solidariedade (artigo 3º, I) e justiça social (artigo 3º, I). Assim, o tema do planejamento tributário passa a ser analisado “não apenas sob a ótica das formas jurídicas admissíveis, mas também sob o ângulo da sua utilização concreta, do seu funcionamento e dos resultados que geram à luz dos valores básicos da igualdade, solidariedade social e justiça” (Greco, 2008, p.194).

O primeiro destes limites é a figura do abuso de direito. O abuso de direito encontra-se previsto no art. 187 do Código Civil de 2002, nos seguintes termos: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Destarte, além do abuso do direito, a segunda fase de discussão sobre o planejamento tributário também apontou para a importância da figura da fraude à lei, prevista no art. 166, VI do Código Civil: “É nulo o negócio jurídico quando: VI — tiver por objetivo fraudar lei imperativa; é o abuso de formas.” Trata-se da utilização abusiva de formas jurídicas lícitas com a finalidade de se obter redução do imposto a ser pago. A terceira fase - liberdade com capacidade contributiva - se insere dentro de uma transição de modelos e de nova concepção de Estado, trazidas principalmente pela CF/88, ao trazer expressamente em seu texto valores como da solidariedade, capacidade contributiva e igualdade/isonomia. Greco (2008) sublinha que, ao contrário da primeira fase do debate, o tributo passa a ser visto não mais como uma agressão do Estado ao patrimônio individual, mas como uma contribuição de cada um nas despesas públicas. Passa-se, assim, de um formalismo fiscal, em que se dá maior relevância às formas lícitas dos negócios jurídicos, a um realismo fiscal, em que se procura levantar o conteúdo, motivo e finalidade destes.

A essência desta terceira fase se encontra no princípio da capacidade contributiva, que seria um limite às operações de planejamento tributário. Assim, da perspectiva da capacidade contributiva, a lógica passa a ser a de que mesmo que os atos praticados sejam lícitos e não padeçam de nenhuma patologia ou invalidade — nem assim contribuinte pode agir da maneira que bem entender (Greco, 2008). O princípio da capacidade contributiva está previsto no art. Art. 145, § 1° da CF nos seguintes termos: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Considerar o planejamento tributário sob a ótica da capacidade contributiva, tal como encampado nesta terceira fase, significa dizer que todos que apresentarem mesma capacidade contributiva devem ser tributados da mesma maneira, independentemente de terem realizados atos e negócios lícitos ou sem defeitos. Assim, a possibilidade de planejamento tributário passa a ser muito restrita, na medida que não importará se o negócio “alternativo” foi realizado licitamente, sem abuso de direito, de forma ou fraude à lei. O que importará é o fato de denotar ou não capacidade contributiva de quem o realizou. Neste caso, em nome no princípio da isonomia e da capacidade contributiva, o indivíduo deverá ser tributado.

3.1 A Lei ANTIELISÃO (LC 104/2001)

Em 10 janeiro de 2001, foi publicada a Lei Complementar nº 104, alterando o Código Tributário Nacional em vários dispositivos, dentre eles o artigo 116, criando a chamada norma antielisiva geral, assim disposta:

Artigo 116 [...] Parágrafo único - A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária (grifou-se).

A intenção do legislador com essa norma não é atacar a conduta do sujeito passivo (contribuinte) da obrigação tributária, mas a vontade do sujeito no momento da ocorrência do fato gerador, ou seja, coibir a vontade daqueles que tentam encontrar uma forma de economizar o pagamento de tributos antes da ocorrência do fato gerador (elisão).

Para tentarmos desvendar o escopo desta norma, cumpre inicialmente verificarmos o projeto de Lei Complementar n. 77/1999, apresentado pelo Ministério da Fazenda e que deu origem à Lei Complementar n. 104, trazia a seguinte justificativa com relação à inserção do parágrafo único do artigo 116 do CTN:

A inclusão do parágrafo único do artigo 116 faz-se necessária para estabelecer, no âmbito da legislação brasileira, norma que permita à autoridade tributária desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com finalidade de elisão, constituindo-se, dessa forma, em instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma ou de direito.

A propósito da natureza do parágrafo único do artigo 116 do CTN, há muita discussão na doutrina, existem três correntes de pensamento defendidas que consistem no que segue. A primeira corrente atribui à lei antielisão (parágrafo único do artigo 116 do CTN) nenhum efeito, por entender que este dispositivo não inovou na "Ordem Tributária". Para esta corrente se a interpretação da expressão “dissimulação” é o mesmo que “simulação”, o que equivale a fraude, não haveria razão para a edição da LC 104, já que a hipótese de simulação tem previsão expressa no artigo 149, inciso VII, do CTN. Note-se:

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

[...]

VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

 Isto é, o artigo 116, parágrafo único, do CTN possuiria mera função de reforçar aquilo que a administração tributária já há muito efetuava na prática da fiscalização, sendo assim, a nova norma não alcançou o fim a que se destinava (proibir a elisão). Através dessa corrente doutrinária, o que se observa é que o legislador não é jurista e, às vezes, ao editar as leis, ficam essas brechas de interpretação.

A segunda corrente, defendida por Ives Gandra da Silva Martins (2001, p.126) entende que a norma antielisão é incompatível com o sistema constitucional brasileiro porque:

[...] nenhum contribuinte terá qualquer garantia, em qualquer operação que fizer, pois, mesmo que siga rigorosamente a lei, sempre poderá o agente fiscal, à luz do despótico dispositivo, entender que aquela lei não vale e que o contribuinte pretendeu valer-se de uma "brecha legal" para pagar menos tributo, razão pela qual, mais do que a lei, a sua opinião prevalecerá. Se não vier a ser suspensa a eficácia dessa norma pelo S.T.F., em eventual exercício de controle concentrado, o direito tributário brasileiro não mais se regerá pelo princípio da legalidade, mas pelo princípio do "palpite fiscal".

Alberto Xavier (2001, p. 157) também é defensor dessa corrente e alega que uma norma geral antielisiva em tais moldes não seria possível no ordenamento jurídico brasileiro, por diversas razões. As principais seriam que a norma geral antielisiva feriria o direito à propriedade e à liberdade econômica constitucionalmente previstos, vez que não permitiriam ao indivíduo disporem de seus negócios da maneira que mais lhes convém. Tais princípios são a base de outros como o da legalidade estrita, previsto pelo art. 150, I da CF e o da tipicidade fechada. Todos estes princípios, segundo Xavier (2001), devem ser considerados cláusulas pétreas da Constituição, tendo em vista se referirem à direitos fundamentais dos contribuintes e, por este motivo, só poderiam sofrer eventuais limitações pelo próprio texto constitucional. Além disso, a cláusula geral antielisiva traria ao ordenamento uma possibilidade de tributação por analogia, não permitida pelo artigo 108, §1° do CTN. Por fim, norma desta natureza estaria ferindo princípios como da certeza e segurança jurídica.

Esta corrente considera uma violação ao princípio da legalidade estrita[8], instaurando-se uma completa insegurança nos negócios praticados pelos contribuintes. Preconiza a tese de que se esta norma for considerada constitucional, ela estaria autorizando a interpretação econômica no direito brasileiro, deferindo ao fisco o dever de tributar duas situações jurídicas distintas, reveladoras de mesmo conteúdo econômico e de igual capacidade contributiva.

A terceira linha de pensamento adota posições menos radicais e mais ponderadas, embora a maioria dos doutrinadores não admita uma cláusula geral antielisão no ordenamento jurídico brasileiro, essa corrente não vê qualquer falha de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 116 do CTN, pois vislumbra nesse dispositivo apenas mais uma cláusula anti-simulação, ou seja, antievasão, e que complementa a disciplina já existente sobre a matéria no artigo 149, VII, do Código Tributário Nacional.

MARINS (2002, p. 57) assevera que o artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional, ao cuidar da dissimulação, “(...) restringiu seu plexo de incidência à conceituação material e à disciplina formal da simulação, simulação relativa, conhecida pela doutrina como dissimulação”.   De igual sentir é a opinião de Cesar A. Guimarães Pereira (apud BOGO, 2005, p. 236-237), para quem a disciplina do artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, nada trouxe de novo em relação à interpretação que já era possível extrair do disposto no artigo 149, VII, do Código Tributário Nacional. A alteração trazida pela Lei Complementar ao artigo 116, portanto, atinge apenas os atos ou negócios simulados, disciplinando, assim, a “elisão tributária ineficaz”. Este posicionamento ainda aponta para dois regimes de antielisão: o primeiro consiste na previsão de norma antielisiva geral disposta no CTN associada à legislação ordinária meramente procedimental dos membros da Federação. E o segundo regime dispõe a norma antielisiva de forma genérica no CTN e deixa ao legislador de cada ente federativo a elaboração da norma antielisiva específica que contenha a lista dos negócios imponíveis ao Fisco.

O primeiro regime, considera a norma antielisiva geral constitucional desde que cumulada com os seguintes critérios: a) o intérprete faça uso da técnica de ponderação de interesses na solução do conflito; b) a justificativa para a intervenção do fisco seja bem clara e definida, usando de critérios objetivos, à luz da transparência que deve existir nas relações fisco e contribuinte; c) obedeça à lei ordinária de cada ente federativo exigida em seu texto (lei meramente procedimental); d) exista uma ampla defesa, contraditório e controle do ato de desconsideração, sob pena de se atribuir um poder sem sua contrapartida (checks and balance).

No segundo regime, só será considerada constitucional desde que a lei ordinária exigida de cada ente federativo contenha a lista de situações antielisivas (lei contendo norma antielisiva específica), acrescentando-se, ainda, as condições de letras 'a', 'b' e 'd' acima citadas. Presumida a constitucionalidade da norma antielisiva geral, o fisco poderá desconsiderar os efeitos do negócio praticado pelo contribuinte, dentro dos estreitos limites elencados pela terceira corrente.

Sobre a natureza e alcance do parágrafo único do artigo 116, fica evidenciado que, cada uma das correntes doutrinárias comporta ampla análise, desde a busca do significado do termo utilizado (por exemplo, saber se ‘dissimular’, no contexto de um lei brasileira, equivale ou não a ‘simular’), até o exame funcional do dispositivo em sua aplicação prática. Além do mais, o parágrafo único do art. 116 do CTN atribuiu um enorme poder à autoridade administrativa, mas, para que a autoridade administrativa possa agir, faz-se necessário que lei ordinária posterior defina claramente o modo e as condições a serem seguidas pela autoridade fiscal.

Destarte, o dispositivo deu um instrumento para que a autoridade fazendária exigisse o pagamento de impostos mesmo nos casos em que ele foi evitado pelo planejamento tributário com a chamada elisão fiscal, mas não basta apenas a inclusão do parágrafo único do artigo 116, como o próprio artigo traz: “observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”, isto quer dizer que, a norma ainda precisa ser regulamentada por lei para ter eficácia plena e aplicabilidade imediata e com esta regulamentação, ficará claro as distinções entre elisão, evasão e elusão fiscal.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS     

Diante dos estudos realizados para a elaboração desse trabalho, considera-se que a insatisfação com o sistema tributário brasileiro e a falta de contrapartida dos serviços públicos, são as grandes causas que motivam os empresários adequar os seus negócios de forma a obter economia tributária, que é dada através do planejamento tributário. Para evitar, retardar ou diminuir o pagamento de tributos, os empresários podem adotar o caminho da licitude ou ilicitude, os atos que são praticados amparados pela lei ou, pelo menos, que não são proibidos por ela (lacunas da lei), caracterizam os atos lícitos, que denominamos de elisão e elusão fiscal. Estes atos são praticados anterior à ocorrência do fato gerador e do dever de recolher o tributo. Já a evasão corresponde à realização de atos ilícitos, que ocorrem de forma simultânea ou posterior ao fato gerador.

O crivo da legitimidade de qualquer planejamento tributário está em sua conformidade com os ditames do Estado Democrático de Direito. A elisão fiscal não é em si fato antijurídico, diferentemente da sonegação e da fraude contra a lei, condutas que são repelidas pelo nosso ordenamento jurídico. Vale ressaltar que, não havendo ilegalidade na conduta do contribuinte, tendo ele legitimamente afastado ou diminuído a obrigação tributária, sua conduta deve ser respeitada pelo fisco, que não poderá lhe cobrar qualquer valor a maior, tampouco aplicar-lhe sanção.

Contudo, com o objetivo de impedir as práticas elisivas, foi criada a LC n.º 104 que incluiu o parágrafo único no art. 116 do CTN, denominado este dispositivo como ‘Norma Geral Antielisão’, mas não houve êxito, uma vez que até o momento, não há um entendimento uníssono acerca do dispositivo acrescentado ao Código Tributário Nacional, cujo atestam que fere os princípios da legalidade, da tipicidade fechada e da segurança jurídica.

Além de dar poderes a uma autoridade administrativa (fazendária) para adentrar numa esfera de poder que, em princípio, não lhe compete. O agente fiscal seria o verdadeiro legislador, pois possui o poder de desconsiderar o ato praticado, aplicando a lei que, a seu entender, melhor se enquadra no caso, qual seja, aquela que traga maiores vantagens ao Fisco. Fazendo isso, a autoridade administrativa estará criando normas, o que fere explicitamente os princípios constitucionais da estrita legalidade e da tipicidade fechada, pois nenhum tributo pode ser cobrado caso não esteja estritamente previsto em lei.  Tal dispositivo, traz ainda outra discussão. Teria ele o objetivo de evitar práticas elisivas ou evasivas? O dispositivo fala em “desconsiderar atos com o objetivo de dissimular [...]”. Considerando o termo ‘dissimular’ como espécie de simulação [relativa], com o objetivo de ocultar algo que realmente aconteceu, o dispositivo veio tratar de algo que já possuía previsão legal, que é a evasão fiscal. Considerando que a intenção do legislador ao utilizar o termo ‘dissimular’ quis evitar práticas legais com o único objetivo de obter uma economia tributária, também surge um questionamento. Pode um dispositivo vedar práticas lícitas? Parece-nos uma contradição.

Por fim, em sua parte final, o dispositivo remete à lei ordinária a competência para determinar os procedimentos pelos quais se dará a desconsideração dos atos dissimulados pela autoridade administrativa. A Constituição Federal, em seu art. 146, III, b determina que cabe à lei complementar estabelecer normas de caráter tributário, ou seja, não pode uma lei ordinária tratar de normas gerais tributárias.

São vários os argumentos que põem em dúvida a constitucionalidade da “norma antielisão”. Para finalizarmos nossa exposição sobre o árduo tema, que tomamos em análise sem a pretensão de esgotar, conclui-se que, mesmo após a criação da norma geral antielisiva, o planejamento tributário continuou a ser admitido, visto que a norma não foi clara o suficiente a vedá-lo, e mesmo que o fosse, não pode uma norma impedir a prática de ato legal.


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Notas

[3] País bate marca de R$ 1,7 tri em pagamento de impostos nesta segunda. Publicado em 02 out. 2018. (Disponível em: https://ibpt.com.br/noticia/2680/Pais-bate-marca-de-R-1-7-tri-em-pagamento-de-impostos-nesta-segunda. Acesso em 06 nov. 2018).

[4] Gráficos: A carga tributária no Brasil e em outros países da OCDE e América Latina. Publicado em 08 de ago. 2017. (Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/na-base-dos-dados/post/graficos-carga-tributaria-no-brasil-e-em-outros-paises-da-ocde-e-america-latina.html. Acesso em 06 nov. 2018).

[5] Brasil edita cerca de 800 normas por dia, somando 5,4 milhões desde a Constituição de 1988. Publicado em 04 jul. 2017. Disponível em: https://ibpt.com.br/noticia/2603/Brasil-edita-cerca-de-800-normas-por-dia-somando-5-4-milhoes-desde-a-Constituicao-de-1988. Acesso em: 03 dez. 2018.

[6] De acordo com o Art. 3º do Código Tributário Nacional, tributo é toda prestação pecuniária [representada por dinheiro] compulsória [obrigatória], em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito [o tributo não é pena], no qual somente a lei pode instituí-lo e cobrada mediante atividade administrativa [atividade privativa, não podendo ser exercida por nenhuma outra pessoa] plenamente vinculada [de acordo com a lei].

[7] “É um tributo municipal que deve ser pago na aquisição do imóvel e a oficialização do processo de compra e venda só será feita após o seu acerto”.

[8] Princípio da Legalidade ou Estrita Legalidade Tributária – previsto no art. 5º da Constituição Federal, especificamente do seu inciso II que determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.”


Autores

  • Emily Di Giantomasso

    Formada em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Pós graduada em Direito de Família e Sucessões pela Damásio Educacional. Pós graduanda em Direito Previdenciário.

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  • Ricardo Simões Xavier dos Santos

    Advogado. Fundador do escritório Ricardo Xavier Advogados Associados. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Mestre e Doutorando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Especialista em Direito do Estado pelo Jus Podivm/Unnyahna e em Direito Tributário pelo IBET. Professor da Universidade do Estado da Bahia - UNEB , da Universidade Católica do Salvador - UCSal e da Escola Superior da Advocacia - ESA - Seccional da OAB/BA; Coordenador Curso de Pós-graduação em Direito Empresarial da Universidade Católica do Salvador - UCSal. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Tributação e Finanças Públicas - NEF da Universidade Católica do Salvador - UCSal

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIANTOMASSO, Emily Di Giantomasso ; XAVIER, Ricardo Simões Xavier dos Santos. Os limites legais do planejamento tributário no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5669, 8 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71203. Acesso em: 18 abr. 2024.