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O compliance no sistema de franchising

O compliance no sistema de franchising

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A implantação da política de compliance em redes de franquias deve ser desmistificada e vista como ferramenta de governança corporativa.

Houve alterações legislativas no Brasil entre 2012 e 2013, destacando-se a Lei nº 12.683/2013, que garantiu a efetivação de inúmeras mudanças na Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998), estabelecendo-se normas, punições e mecanismos mais rígidos para combater esta prática.

No mesmo período, e ao encontro do objetivo das legislações supracitadas, fora sancionada a Lei nº 12.846, de 1º agosto de 2013, a qual ficou vulgarmente conhecida como “Lei Anticorrupção”, a qual representa importante avanço ao prever a responsabilização objetiva de empresas, no âmbito civil e administrativo, por atos lesivos praticados.

Em face destes novos parâmetros legais relacionados ao combate à corrupção e lavagem de dinheiro, o compliance passou a ter cada vez mais relevância no Brasil. Sendo, no início, algo ainda muito turvo e visto de forma míope pelas empresas e gestores, no entanto, aos poucos, foi sendo desbravado, entendido e implementando nas corporações.

Veríssimo (2017, p. 27), ao introduzir sobre compliance e a Lei Anticorrupção narra que: “As pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas pela prática de crimes cometidos por seu intermédio ou em seu benefício de distintas formas, nos diferentes sistemas jurídicos. A opção da Lei Anticorrupção brasileira foi pela responsabilização civil e administrativa, em razão da prática de atos lesivos à Administração Pública – sendo que muitos desses atos podem caracterizar, também, ilícitos penais.”.

Neste sentido, os artigos 1º, 2º e 3º da Lei 12.846/2013, in verbis:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.

Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.

Art. 3º A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

§ 1º A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput.

§ 2º Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade. (BRASIL, 2013).

Assim, a lei se aplica tanto para as sociedades empresárias, quanto para as sociedades simples, personificadas ou não, independente da forma organizacional ou modelo societário adotado.

Desta feita, o que se denota é que a legislação preocupou-se em estabelecer, de maneira clara, as punições às pessoas físicas por trás das pessoas jurídicas, assim como, e, em especial, às próprias pessoas jurídicas, pela prática de ações que se distanciam da legalidade.

Destaca-se que, em apertada síntese, compliance é o conjunto de diretrizes e políticas em âmbito institucional e corporativo que busca fazer que os envolvidos cumpram as normas legais, estejam e atuem em conformidade com a legalidade, evitando, detectando e tratando qualquer desvio ou inconformidade.

Sendo que o termo compliance tem origem no verbo em inglês to comply, que significa agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou um pedido.

Vale ressaltar que os programas de compliance são originários dos Estados Unidos, assim como o sistema de franchising, ou sistema de franquias. Este sistema, resumidamente, consiste em replicar modelos negócios já experimentados em outros locais através de terceiros.

No Brasil, o sistema de franquias é regulado pela Lei 8.955/1994, o qual é definido através do seu artigo 2º:

Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.

Assim, como se verifica, as franquias se consolidam através de uma franqueadora, a qual possui expertise em um negócio e uma marca registrada e, através de um contrato com direitos e obrigações, fornece o direito a um terceiro/franqueado de utilizar sua marca e aplicar seu modelo de negócio de maneira replicada.

Consequentemente, têm-se nesta relação dois negócios e dois objetos comerciais. Para a Franqueadora o negócio é vender sua imagem, sua marca, seu know how e seu bussiness plan. Já para o Franqueado, o negócio é implantar a unidade franqueada, replicando os conhecimentos e os layouts repassados pela Franqueadora, a fim de que, no varejo, desenvolva seu negócio e prospere na venda dos seus produtos/serviços ao consumidor final.

Então temos que, para o sucesso e atingimento dos objetivos comerciais, tanto do Franqueado, quanto da Franqueadora, algumas premissas são imprescindíveis, sendo que a manutenção do respeito à imagem da marca da Franquia se trata de algo indispensável e que refletirá para ambas as partes.

Isto porque, maculando-se a imagem da marca e, consequentemente da franquia, criam-se obstáculos para a Franqueadora promover sua expansão e, para o Franqueado, na ponta, executar sua atividade de varejo, pois a rede estará desacreditada.

Sendo que o sucesso do Franqueado é o que garante o sucesso da Franqueadora, tratando-se de um ciclo, pois, em primeiro turno, cases positivos de Franqueados é o que trará confiança para o ingresso de novos interessados na rede, permitindo, assim, a monetarização da Franqueadora através da expansão e cobrança da Taxa de Franquia.

Por outro lado, o êxito na unidade Franqueada também garante resultados financeiros positivos para a Franqueadora, já que a grande maioria das redes faz cobrança de royalties com base no faturamento da unidade (ROQUE, 2012, p. 51) e, assim, quanto maior o faturamento, maior o recebimento por parte da Franqueadora.

Sem esquecer, obviamente, que a sustentabilidade do negócio da Franqueadora está diretamente relacionada à sustentabilidade dos seus franqueados.

E para manutenção deste respeito e credibilidade à marca, uma importante ferramenta é exatamente garantir que toda a rede (franqueados e franqueadora) esteja em conformidade com os dispositivos legais, exatamente o que se busca com a criação e implantação de sistemas e políticas de compliance em uma empresa.

Sendo válido salientar que se costuma falar em criação de políticas de compliance, principalmente em empresas que fornecem à Administração, sendo, inclusive, exigência de alguns editais de processo licitatórios. E, neste viés e contraponto, vemos o compliance como uma alternativa voluntária a ser utilizada pelo mundo do franchising.

Vemos que, mesmo com as “novas” disposições legais, poucas empresas adotaram efetivamente programas de compliance, em especial em face da baixa probabilidade de aplicação efetiva da lei e a sensação de impunidade que nos permeia. (VERÍSSIMO, 2017, p. 271).

É exatamente neste contraponto que buscamos bater, pois, para o sistema de Franquias, por ser a marca – e todo o seu escopo - o principal valor de uma franqueadora (ROQUE, 2012, p. 72/73), tê-la maculada por infrações legais pode representar uma grande perda institucional, de forma que a implantação de políticas de compliance deve ser encarada tão somente como uma ação que trará automática e naturalmente benefícios à rede, tanto financeiramente quanto em quesitos de sustentabilidade.

Vale ressaltar outro benefício indireto que o compliance pode trazer à uma rede, bastando trabalhar o marketing em cima disso, que é a divulgação de que aquela FRANQUEADORA possui políticas de governança, estando menos exposta aos riscos, erros e escândalos e, assim, mais propensa ao sucesso e sustentabilidade.

Por fim, se analisarmos por outra ótica, o sistema de franchising, na verdade, está diretamente relacionado e ligado ao compliance, pois a ideia das redes de franquias é exatamente garantir que todas as unidades estejam em conformidade (“in compliance with”) com os padrões estabelecidos pela rede, replicando-se perfeitamente o negócio. Sendo que esta verificação, em regra, já é realizada pela consultoria de campo, no entanto, talvez, fica aqui um insight no sentido de que nunca tenha sido encarado como uma ação de compliance, podendo ser renomeada.

Então, a conclusão lógica que se chega é que a reputação de uma rede/marca é oriunda das boas práticas, tanto da franqueadora, quanto dos franqueados, de forma que a desconformidade praticada por um franqueado ou pela franqueadora poderá macular e prejudicar, de maneira imensurável, toda a rede e, nesta toada, é que se verifica a importância de criação e implantação de políticas de compliance organicamente nas redes de franquias.


Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 11 de janeiro de 2019.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.

______. Lei Nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9613.htm>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.

______. Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994. Dispõe sobre o contrato de franquia empresarial (franchising) e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8955.htm>. Acesso em: 12 de janeiro de 2019.

______. Lei nº 10.846, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso: 10 de janeiro de 2019.

______. Lei nº 12.683, de 09 de julho de 2012. Altera a Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12683.htm>. Acesso: 10 de janeiro de 2019.

______. Lei nº 12.846, de 01 de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12846.htm>. Acesso: 12 de janeiro de 2019.

ROQUE, Sebastião José. Do contrato de franquia empresarial. 1 ed. São Paulo: Ícone, 2012.

VERÍSSIMO, Carla. Compliance: incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2017.


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