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A possibilidade de penhora do salário por dívida não alimentar.

Como a Corte Superior tem decidido acerca dos pedidos de penhora de salário para débitos não alimentares?

A possibilidade de penhora do salário por dívida não alimentar. Como a Corte Superior tem decidido acerca dos pedidos de penhora de salário para débitos não alimentares?

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Apontar a posição do Superior Tribunal de Justiça que, ao mitigar a regra de impenhorabilidade constante no art. 833, inciso IV, do CPC/15, vem consagrando a possibilidade de constrição de salários, vencimentos e outras verbas de caráter semelhante.

Historicamente e em consonância ao texto legal vigente, a jurisprudência reconheceu o salário como bem impenhorável, cujo caráter seria mitigado apenas diante de débitos de natureza alimentar.

Malgrado a legislação atual mantenha a disposição tocante à aludida impenhorabilidade, uma singela mudança em seu texto vem alterando o entendimento acerca da possibilidade de constrição do salário, já deferida em diversas ocasiões pelo Superior Tribunal de Justiça.

 

Isto porque o Código Buzaid (CPC/73) indicada como absolutamente impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários remunerações e outras prestações de caráter semelhante, ao passo em que o diploma legal atual retirou o termo “absolutamente” da disposição, que passou a se redigir da seguinte forma:

 

Art. 833. São impenhoráveis:

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ; [...]

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º , e no art. 529, § 3º .

 

Esta pequena alteração, no atual momento de maturação da legislação processual civil, foi suficiente a alterar o entendimento de diversos ministros do Superior Tribunal de Justiça, que vêm defendendo que a intenção legislativa era de abrir espaço para que os julgadores pudessem, examinado o caso concreto e desde que respeitada a essência protetiva da norma, promover mitigações à mesma.

 

Em miúdos, o entendimento que se tem exposto é de que a regra de impenhorabilidade pode ser mitigada nos casos em que o percentual não constrito se mostrar suficiente para garantir a subsistência digna do devedor e de sua família. Importante ressaltar que, para a valia de tais precedentes, é essencial que se evidencie nos autos que a penhora não impossibilitará a mencionada subsistência.

 

Para fins de exemplificação, dispõe a recente jurisprudência que:

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AÇÃO DE DESPEJO COM COBRANÇA DE ALUGUÉIS RESIDENCIAIS. PENHORA SOBRE PERCENTUAL DA REMUNERAÇÃO DO DEVEDOR. POSSIBILIDADE (CPC, ART. 833, § 2º). AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE PROVIDO COM PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. O Novo Código de Processo Civil, em seu art. 833, deu à matéria da impenhorabilidade tratamento um tanto diferente em relação ao Código anterior, no art. 649. O que antes era tido como "absolutamente impenhorável", no novo regramento passa a ser "impenhorável", permitindo, assim, essa nova disciplina, maior espaço para o aplicador da norma promover mitigações em relação aos casos que examina, respeitada sempre a essência da norma protetiva. Precedente: EREsp 1.582.475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe de 16/10/2018. 2. Descabe manter imune à penhora para satisfação de créditos provenientes de despesa de aluguel com moradia, sob o pálio da regra da impenhorabilidade da remuneração (CPC, art. 833, IV, e § 2º), a pessoa física devedora que reside ou residiu em imóvel locado, pois a satisfação de créditos de tal natureza compõe o orçamento familiar normal de qualquer cidadão e não é justo sejam suportadas tais despesas pelo credor dos aluguéis. 3. Note-se que a preservação da impenhorabilidade na situação acima traria grave abalo para as relações sociais, quanto às locações residenciais, pois os locadores não mais dariam crédito aos comuns locatários, pessoas que vivem de seus sempre limitados salários. 4. Agravo interno parcialmente provido para modificar a decisão agravada e, em novo exame do recurso, conhecer do agravo e dar parcial provimento ao recurso especial. (AgInt no AREsp 1336881/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 27/05/2019)

 

Veja-se que tal entendimento também é assente em outras turmas, e.g.:

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE 30% DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.

EXCEPCIONAL POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DA TEORIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. REQUERIMENTO DA PARTE AGRAVADA DE APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 4º DO ART. 1.021 DO CPC/2015. NÃO CABIMENTO NA HIPÓTESE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

1. O Tribunal de origem adotou solução em consonância com a jurisprudência do STJ, segundo a qual é possível, em situações excepcionais, a mitigação da impenhorabilidade dos salários para a satisfação de crédito não alimentar, desde que observada a Teoria do Mínimo Existencial, sem prejuízo direto à subsistência do devedor ou de sua família, devendo o Magistrado levar em consideração as peculiaridades do caso e se pautar nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. [...] (AgInt no AREsp 1386524/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/03/2019, DJe 28/03/2019)

 

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO. DÍVIDA DE CARÁTER NÃO ALIMENTAR. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. [...] 4. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. [...] (EREsp 1518169/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, DJe 27/02/2019)

 

Isto posto, é verdade que o tema já vem se mostrando controvertido há alguns anos, mas não se pode olvidar que os posicionamentos recentes de nosso Tribunal Superior têm se consolidado, cada vez mais, no sentido de oportunizar a mitigação da impenhorabilidade, desde que analisado o caso concreto à luz da razoabilidade.

 

A conclusão, por conseguinte, é pela possibilidade da constrição do salário, vencimentos, aposentadorias e outras verbas de caráter semelhante, desde que observada a garantia de subsistência digna do devedor e seus familiares com base em prova existente nos autos em que a penhora é pleiteada.


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