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Aspectos teóricos e empíricos da obrigação constitucional de demissão imotivada

Aspectos teóricos e empíricos da obrigação constitucional de demissão imotivada

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A Constituição, embora tenha-se desenvolvido em relação aos direitos trabalhistas, ainda não é eficaz a ponto de evitar que trabalhadores sejam demitidos sem justificativa, em razão da crise econômica, como ferramenta para reduzir custos salariais.

1 Introdução

Desde 1988, a Constituição brasileira protege a relação de emprego contra a demissão sem justa causa. Porém, não há normativa a regulamentar o dispositivo constitucional, que continua sem aplicabilidade, principalmente após a denúncia do país à Convenção 158, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a obrigatoriedade de expor uma justificativa para o término da relação de emprego.

Esclarecendo: não é o caso de transformar todo término de emprego em demissão por justa causa, mas de apenas apresentar o motivo da dispensa, com um cunho educativo, para que ao trabalhador seja dada a oportunidade de ajustar sua conduta. Trata-se, portanto, de uma prática de gestão de pessoas com o objetivo de melhorar a qualidade de vida do trabalhador e do trabalho prestado para os empregadores.

A retração no crescimento econômico brasileiro, que retornou ao patamar verificado entre o final dos anos 1990 e o início da década de 2000 (DIEESE, 2016), ocasionou uma deterioração forte e rápida dos principais indicadores de mercado de trabalho. Segundo a Pnad Contínua do IBGE, a taxa de desocupação no Brasil, que chegou a mínima de 6,2% no final do ano de 2013, foi de 12,7% no trimestre móvel (janeiro, fevereiro e março) de 2019, tendo subido 1,1 p.p. (pontos percentuais) em relação ao trimestre móvel de outubro a dezembro de 2018, em que a taxa foi de 11,6%. Mas em relação ao trimestre móvel de janeiro a março de 2018 (13,1%), houve queda de -0,4 p.p. (IBGE, 2019).

A alta taxa de desemprego, decorrente do período de recessão, e consequentemente, a alta taxa de demissões sem justa causa trazem impactos negativos para as empresas também. Estas ficam sujeitas a arcar com custos decorrentes do processo de seleção, treinamento e avaliação do novo trabalhador, além da perda de “capital intelectual”. (DIEESE, 2011)

A crise econômica, financeira e política em que o país se encontra e a consequente continuidade e intensificação da prática da demissão sem justa causa imotivada no Brasil devido à inexistência de uma legislação adequada para sua inibição justificam a realização deste trabalho, principalmente quando verificada a determinação constitucional ainda vigente contra a despedida arbitrária e a pendente discussão judicial acerca da possibilidade de denúncia da Convenção 158, da OIT.


2 Problema de Pesquisa e Objetivo

A pesquisa se preocupa em averiguar a percepção que têm tanto empregados quanto empregadores sobre a influência da obrigação de motivar as demissões (determinação da Convenção 158 da OIT) e seus reflexos sobre o dia a dia das pessoas comuns e das organizações. A hipótese de pesquisa, tendo em vista a denúncia da Convenção pelo país, é de que esses atores (empregados e empregadores) rejeitam esse direito expresso na Constituição Federal e consubstanciado pelo texto internacional. Sendo assim, este trabalho avalia o cenário da obrigatoriedade, prevista na Constituição Federal, de motivação para a demissão sem justa causa no Brasil, tanto sob o prisma dos empregadores, como sob o prisma dos empregados e ainda sob o prisma dos acadêmicos. Para isso, inicialmente, aponta-se o quanto a demissão imotivada tem sido abordada nos artigos científicos por meio de uma pesquisa bibliométrica para, em seguida, apresentar-se a percepção de trabalhadores e empregadores a respeito do tema.


3 Fundamentação teórica

O termo “demissão sem justa causa” é utilizado porque a demissão é realizada sem uma justificativa considerada pela legislação como legítima ou fundamentada (Silva, 2011). 2 De acordo com um levantamento de dados pelo Dieese (2016), do total de demissões no Brasil, as maiores porcentagens são rescisões de contrato sem justa causa por iniciativa do empregador, representando 51,9% do total em 2015. Já as demissões por justa causa são responsáveis por menos de 2% do total. Com isso, a demissão sem justa causa é utilizada com frequência e em grande escala, favorecendo a rotatividade de mão de obra. Conceitualmente, a rotatividade representa a substituição do ocupante de um posto de trabalho por outro, ou seja, a demissão seguida da admissão, envolvendo vários trabalhadores (DIEESE, 2011). Taxas elevadas de rotatividade geram insegurança aos trabalhadores e afetam o funcionamento do mercado de trabalho. Não raro, trabalhadores são substituídos por outros com mão de obra mais barata, a fim de reduzir custos e, sequer são notificados do motivo dessa demissão. A Constituição, embora tenha-se desenvolvido muito em relação aos direitos trabalhistas, ainda não é eficaz a ponto de evitar que trabalhadores sejam demitidos sem justificativa. Também não há ainda uma cultura para que as organizações entendam que esta também pode ser uma ferramenta a lhes ajudar a alcançarem seus objetivos. Essa facilidade jurídica dada aos empregadores para dispensarem seus empregados causa, além de uma grande rotatividade da mão de obra, a qual favorece a insegurança das relações trabalhistas e impulsiona o desemprego, a fragilização da situação do empregado, ocasionando condições precárias de trabalho (MAIOR, 2008). É claro, portanto, que o poder empregatício está centrado na figura do empregador, o qual consiste em prerrogativas relacionadas à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna e dos serviços prestados pela empresa (DELGADO, 2007). Dessa forma, o empregador tem o poder organizativo e de comando, de fixar as regras gerais da organização, de acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e ainda, de imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento das normas estabelecidas em contrato. O poder concentrado nas mãos do empregador o autoriza a desconsiderar “o caráter social do trabalho, sua importância para a sobrevivência do trabalhador, seu papel na sociedade e o resume a uma espécie de commodity” (Silva, 2011, p. 17).

Antes da atual Constituição, em 1966, ocorreu a criação do FGTS (Fundo de Garantia de Tempo de Serviço). Até então, o trabalhador adquiria estabilidade no emprego após 10 anos de trabalho na mesma empresa. Essa situação gerava a dispensa sem justa causa de vários trabalhadores que estivessem em vias de alcançar tal período, de modo a impedir a implementação desse direito. Assim, foi criada a hipótese de o trabalhador optar entre a estabilidade ou uma indenização consubstanciada em valores depositados regularmente no Fundo. A partir da criação da Constituição de 1988, a única opção para o trabalhador passou a ser o FGTS, conforme o artigo 7º, inciso III, tendo eliminado a estabilidade empregatícia após os 10 anos de trabalho. Ainda hoje, porém, adota-se a informação “optante” pelo FGTS e a data do primeiro registro do trabalhador, como resquício dessa circunstância histórica. O inciso I do artigo 7º da Constituição Federal prevê uma indenização compensatória como forma de proteger a relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, que atualmente se configura como uma multa incidente sobre o valor depositado no FGTS. Porém, essa indenização deve ser definida em Lei Complementar, conforme a própria indicação constitucional, mas essa lei ainda não existe. Para suprir essa lacuna, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, regulamenta as determinações do artigo 7º em seu artigo 10, com importantes previsões: limita-se a proteção referente ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista (art. 6º, “caput” e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966); veda-se a dispensa arbitrária ou sem justa causa ao empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato e da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (Lei Complementar nº 146, de 2014). É necessário interpretar o inciso I para se assentar que se trata da multa de 40% sobre os depósitos existentes no FGTS no caso de uma demissão sem justa causa. Trata-se de uma determinação constitucional provisória que já dura desde 1988, aguardando regulamentação adequada até hoje.

Não se pode alegar, porém, a falta de interesse dos senhores deputados e senadores na regulamentação do tema, como comprovam os muitos Projetos de Lei Complementar que tramitaram no decorrer de todos esses anos. No Senado, todos os projetos de lei a respeito do tema foram arquivados sem votação ao final da legislatura (PL 94/1988, PL 165/2001, PL 152/1992, PL 292/2004, PL 232/2003, PL 274/2012). Na Câmara dos Deputados, o tema é tratado no Projeto de Lei Complementar (PLP) 33/1988, retomado por vários outros projetos que, no decorrer dos anos foram a ele apensados (PLP 4/1995, PLP 66/1995, PLP 93/1996, PLP 112/1989, PLP 162/2000, PLP 59/2011, PLP 212/2001, PLP 179/2004, PLP 385/2006, PLP 289/2008, PLP 414/2008, PLP 127/2015).

Em fevereiro de 2019, houve um pedido de desarquivamento da proposta e o projeto encontra-se pronto para pauta no plenário, dependendo da vontade política dos deputados para tramitação. Em 2011, projeto sobre tema semelhante (PLP 08/2003) foi rejeitado na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público e na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, sob o argumento do relator, deputado Silvio Costa (PTBPE), defendeu a rejeição da proposta porque, segundo ele, “a tentativa de se aprovar uma lei para impedir a despedida arbitrária ou sem justa causa em nosso País pode trazer como consequência o efeito contrário ao pretendido, com uma drástica redução na contratação de mão de obra” (HAJE, 2019).

É exatamente este o aspecto que este trabalho aborda. Os resultados permitem refutar a afirmação. Atualmente, a demissão sem justa causa não precisa apresentar qualquer motivação e concede uma série de compensações ao empregado, conforme elencados pela Constituição Federal de 1988 e pela CLT: saldo de dias trabalhados; 13o salário proporcional; férias mais ⅓ proporcionais; aviso prévio; 40% de multa sobre o valor depositado no FGTS do trabalhador; direito a saque do FGTS; seguro desemprego, caso tenha trabalhado por período igual ou maior que 6 meses na mesma empresa. Ao trabalhador demitido com justa causa, conforme as hipóteses previstas no no artigo 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas, garante-se apenas o saldo de dias trabalhados, as férias mais ⅓ proporcionais e o 13º salário proporcional. É importante frisar que a motivação não alteraria o regime atual de demissão sem justa causa, que continuaria existindo nos mesmos moldes.

A própria declaração do deputado acima mencionado aponta para essa confusão. Trata-se apenas de apresentar ao trabalhador o motivo do seu desligamento, sem que haja alguma vinculação com as indenizações devidas. Não se trata de transformar toda e qualquer dispensa em demissão com justa causa. Trata-se de, com intenção educativa, apresentar uma justificativa para a necessidade daquela demissão.

A assinatura no Brasil, em 1995, da “Convenção sobre o término das relações de trabalho por iniciativa do empregador” ou Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) poderia ter marcado o fim dessa prática, já que o texto poderia cumprir o papel de regulamentar a previsão constitucional. No entanto, o decreto número 2.100 de dezembro de 1996 denunciou a Convenção 158, e ela foi sobrestada, facilitando a demissão sem justa causa. Em 1997, a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e a CUT (Central Única dos Trabalhadores) propuseram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.625, de 17.06.1997) sobre o decreto que a denunciou, sob a alegação de que o Presidente da República não tem legitimidade para denunciar um Tratado Internacional sem aprovação do Congresso Nacional. Desde então, o texto se encontra em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente suspenso desde 2016 em razão de um pedido de vista do Ministro Dias Toffoli, de modo que, as demissões imotivadas continuam sendo realizadas, com amparo legal e constitucional. Segundo Neumann (2016), pelo Caged, foram desligados 10,8 milhões de trabalhadores sem justa causa em 2015 e pela Caixa, passaram de 19 milhões. 

Na relação “empregado x empregador”, é evidente a prevalência econômica do empregador em face do empregado. A própria história mostra como aqueles que detêm os meios de produção têm preponderância econômica e, consequentemente, social e política sobre aqueles que são a força produtiva (MOITA, 2012). Além da disparidade econômica, a disparidade jurídica se verifica no atual contexto legislativo brasileiro, que permite ao empregador demitir o trabalhador a qualquer momento, a fim de reduzir custos ou de cortar pessoal, sem a necessidade de apresentar qualquer motivação.

A medida utilizada para amenizar e compensar o trabalhador ocorre de forma financeira por meio do adicional de 40% sobre seus depósitos no FGTS e do direito de resgate imediato do saldo depositado. Tais medidas são paliativas, uma vez que não resolvem o problema. A ideia de proibir a dispensa imotivada se centra na possibilidade de aperfeiçoar o trabalhador e formar um conjunto de mão de obra melhor qualificada. Não se trata de proibir a demissão, muito menos impedir que o empregador a faça sem justa causa, mas de explicar ao trabalhador o motivo pelo qual ele está sendo demitido.

A demissão seria a última atitude do empregador, após passar por uma série de outras medidas para instruí-lo sobre a melhor forma de desenvolver sua atividade, sempre no intuito de aprimorar o trabalho executado. Não se trata de menosprezar o lucro buscado pelas empresas, mas de alcançá-lo a partir da colaboração com os trabalhadores, tornando o ambiente laboral mais saudável para todos.


4 Metodologia

A primeira fase do estudo constituiu em uma coleta bibliográfica a respeito do tema. Em seguida, foi realizada uma revisão bibliométrica, ou seja, “a aplicação dos métodos estatísticos ou matemáticos sobre o conjunto de referências bibliográficas” (ROSTAING, 1996, p. 17), tendo como foco a quantidade de vezes em que determinados termos aparecem nas publicações ou a quantidade de publicações contendo os termos rastreados. Para esta pesquisa, os termos utilizados foram: “convenção 158 OIT”, “convention 158 ILO”. Para chegar a esses resultados, as bases de dados utilizadas foram: Scopus, Mendeley, Google Acadêmico e Scielo.

Estabelecido o pano de fundo teórico a respeito do tema e com o objetivo de se iniciar um mapeamento sobre a aceitação de uma nova regulamentação no mercado de trabalho no Brasil, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com empregados e empregadores de microempresas (o setor que mais emprega trabalhadores) do setor calçadista de Franca, dada sua importância para a economia brasileira. Segundo dados do Caged, Franca foi a cidade brasileira que mais gerou empregos no primeiro semestre de 2016. A cidade é responsável por 4% da produção nacional de calçados (OLIVEIRA, 2016).

De acordo com dados divulgados pelo SindiFranca, no estudo “Mapeamento do Setor Coureiro-Calçadista de Franca/SP e Região” (2011), o número total de indústrias de calçados é 467, das quais 212 são microempresas, 195 de pequeno porte, 54 médias e 6 grandes. Lamentavelmente, não foi possível encontrar dados mais recentes sobre o número de empresas existentes. O próprio sindicato não os tem atualizados e o Sebrae também não tem um levantamento a respeito. Sabe-se que, devido à crise pela qual passa o país, o número dessas empresas reduziu, mas não é possível estabelecer um parâmetro mais confiável que os dados de 2011.

A elaboração do roteiro levou em conta a necessidade de um instrumento que não fosse muito longo e fosse suficientemente específico para se buscar a percepção dos dois públicos a serem entrevistados. A elaboração das perguntas também diligenciou por não influenciar as respostas, de modo que nem a previsão constitucional nem a existência do Tratado foram mencionadas. Outra preocupação foi em se coletar informações comparáveis, portanto, as questões são espelhadas em ambos os questionários. As perguntas são as seguintes:

Roteiro para os empregados: 

1. Se você já foi mandado embora alguma vez, alguém te contou o motivo da demissão?

2. O seu superior já te chamou alguma vez para uma conversa para ajustar o seu comportamento?

3. Você já viu algum caso de alguém que foi mandado embora por justa causa?

4. O que você acha se o patrão tiver sempre que contar o motivo ao mandar o funcionário embora?

Roteiro para os empregadores:

1. Ao mandar um funcionário embora, você tem o hábito de contar o motivo?

2. Quando você pensa em mandar um funcionário embora, faz algum procedimento para ajustar a conduta antes?

3. Quantos funcionários você já mandou embora por justa causa?

4. Qual a sua opinião se você precisar justificar todas as demissões?

A quantidade de entrevistas foi definida levando-se em consideração os aspectos amplitude do universo, nível de confiança estabelecido, erro máximo permitido e percentagem com que o fenômeno se verifica (Gil, 2008).

A fim de estabelecer uma quantidade viável de visitas e de entrevistas, foi considerado grau de confiança de 80% e margem de erro de 15%, chegando-se ao total de 18 empresas a serem visitadas. Em cada uma dessas 18 empresas, foram entrevistadas cerca de 4 pessoas: o proprietário, que é o empregador e geralmente o único diretor da empresa, por se tratar de microempresa; 1 funcionário administrativo e 2 funcionários da produção. Dessa forma, a pesquisa pretendia atingir, ao seu final, aproximadamente 72 pessoas.

Foram coletados, de fato, 67 depoimentos, visto que algumas empresas não tinham funcionários administrativos e outras, puderam disponibilizar apenas dois funcionários para serem entrevistados. O procedimento de análise dos dados garante o sigilo a respeito de quais empresas foram visitadas e quais pessoas foram entrevistadas.

A análise das entrevistas foi realizada por meio da categorização dos dados coletados, por se tratar de perguntas abertas. As respostas que apresentassem características em comum ou que estivessem relacionadas foram separadas em categorias, a fim de chegar a conclusões significativas, que possibilitassem alcançar o objetivo da pesquisa.


5 Resultados

5.1 Pesquisa bibliométrica

Poucos artigos foram encontrados sobre o tema, com as palavras-chave buscadas, conforme mostra o quadro abaixo. Tendo em vista que os resultados encontrados são escassos, eles serão analisados em conjunto, sem levar em consideração a base onde foram encontrados. Ao desconsiderar artigos que aparecem mais de uma vez nas bases dados, somaram-se 53 resultados. 

Com relação aos termos referentes à convenção 158, o tipo de texto científico predominante é o artigo, com 31 resultados, seguidos pelas monografias, com 12 resultados, e a dissertação, com 7. Em seguida, os textos foram categorizados de acordo com o conteúdo em relação a Convenção 158 da OIT. Com isso, constatou-se que 7 textos não guardam nenhuma relação com a convenção; em 14 dos resultados, ela foi apenas mencionada; em 15, foi utilizada como exemplo; e 17 dos resultados traziam conteúdo mais aprofundado sobre a Convenção 158.

Os resultados classificados como “texto aprofundado”, os quais somam 17 textos, foram subdivididos de acordo com a posição a respeito da denúncia da Convenção 158 da OIT. Com base nessa análise, pode-se perceber que 1 texto não considera a denúncia inconstitucional, por concluir que “no Brasil o ato de denúncia sempre foi objeto de ação unilateral do Poder Executivo, dispensada a audiência do Congresso Nacional” (LUPI, 2010). Porém em 12 textos, a denúncia é considerada inconstitucional e em 4 textos, o posicionamento favorável ou desfavorável em relação à denúncia não fica claro. É importante ressaltar também os artigos que apresentam os impactos econômicos da Convenção. São apenas dois e ambos oferecem posicionamento contrário à aplicabilidade da Convenção 158 no território nacional.

5.2 Entrevistas

A categorização das respostas dos empregados e dos empregadores possibilitou uma avaliação das opiniões sobre a previsão constitucional brasileira de motivação para a demissão sem justa causa. As entrevistas realizadas com os empregadores apontam que 56% dos entrevistados já têm o hábito de contar o motivo ao demitir um funcionário e 44% dos empregadores disseram não ter esse hábito. Ou seja, para a maior parte dos entrevistados, a inserção de uma eventual obrigação para motivar a demissão não mudaria os procedimentos já adotados.

A intenção da motivação é que o trabalhador tenha a oportunidade de ajustar sua conduta em vez de simplesmente ser demitido, e 83% dos entrevistados disseram que já adotam algum tipo de procedimento no trabalho antes de optar pela demissão e 17% disseram não realizar nenhum procedimento. A demissão por justa causa já foi utilizada por 56% dos empregadores entrevistados,, mas a maioria o fez em apenas um caso. Um deles informou ter tido oportunidade de demitir nessas condições, porém optou pela demissão comum e apenas por uma conversa com o funcionário demitido.

A última pergunta do roteiro para empregadores centrava-se em extrair, ainda que indiretamente, a percepção dos entrevistados em relação à Convenção 158 da OIT e a obrigatoriedade de justificar as demissões. Sobre uma eventual obrigatoriedade de justificar todas as demissões, 47% dos empregadores disseram ser neutros em relação a contar o motivo ao demitir um funcionário, alegando que não traria prejuízos à empresa; 29% se posicionaram contrários à obrigatoriedade de justificar as demissões, destacando-se o motivo de gerar possíveis ônus trabalhistas para as empresas; e 24% dos entrevistados são favoráveis em relação à exigência de contar o motivo ao realizar uma demissão.  Esses resultados, com relação aos empregadores, permitem concluir que no atual estado de coisas não há uma grande rejeição da obrigação de motivar a demissão, como era previsto na hipótese inicial do trabalho.

O ponto de vista dos empregados contou com entrevistas a 17 funcionários administrativos e 32 funcionários da produção. A maior parte dos empregados administrativos disseram nunca terem sido demitidos, sendo 53% dos entrevistados. Do grupo que já foi demitido, 29% dos empregados relataram que nunca lhes foi contado o motivo e 18% afirmaram ter sido informados sobre o motivo da demissão. Ao contrário, a maior parte dos funcionários da produção disseram já ter sido demitidos e informaram-lhes o motivo, representando 44% dos entrevistados; 31% dos funcionários disseram que foram demitidos, mas nunca souberam o motivo; e 25% informaram que nunca foram demitidos. É notável a diferença entre os dois grupos de trabalhadores, tanto no que se refere ao fato de terem sido demitidos quanto com relação a saberem o motivo. Porém, o número de funcionários demitidos sem conhecerem o motivo é curiosamente semelhante: 29% e 31%.

Na comparação entre empregados e empregadores, é mais alto o número dos empregadores que não informam os motivos da demissão (44%) em comparação ao número de empregados que não receberam a motivação (29% e 31%). Entre os empregadores, não foi encontrada a resposta a respeito de não demitirem empregados, mas há empregados que nunca foram demitidos, o que leva a supor que ou tenham solicitado o desligamento (essa resposta não apareceu entre os empregadores) ou que trabalhem na mesma empresa há muito tempo. Entre os empregadores, 56% afirmaram ter o hábito de explicitar o motivo da demissão, enquanto apenas 18% dos empregados administrativos receberam essa informação contra 44% dos empregados de produção.

Uma quantidade muito maior de funcionários administrativos nunca foi demitida, talvez por ser necessário um maior nível de instrução para ocupar o cargo. Já para os funcionários da produção, é mais comum que lhes seja informado o motivo da demissão. Seria interessante que aprofundar melhor os motivos para estes resultados. A maior parte dos funcionários administrativos, 71% dos entrevistados, disseram que nunca foram chamados para uma conversa para ajustar comportamento; dentre eles, 3 disseram que já foram chamados para ajuste de tarefas diárias. E 29% disseram já ter sido chamados para ajustar algum comportamento. Seguindo a mesma linha dos funcionários administrativos, 63% dos empregados da produção disseram que nunca foram chamados para conversas para ajuste de comportamento; entre eles, 3 relataram que já foram chamados para corrigir tarefas diárias e 3 para ajustar a equipe de trabalho. E 38% dos funcionários disseram que já foram convocados para conversas para ajustar comportamento. Neste quesito, portanto, não se mostra grande diferenciação entre os diferentes tipos de trabalhadores das empresas pesquisadas.

Mas a comparação com a resposta dos empregadores é intrigante, afinal 83% deles afirmam solicitar algum ajuste de conduta. Talvez ocorra algum problema de comunicação entre empregados e empregadores: enquanto o empregador acredita estar fazendo uma solicitação de alteração de conduta, o empregado não entende que essa seja uma solicitação.

De todos os empregados administrativos entrevistados, 65% já tomaram contato com pessoas demitidas por justa causa e 35% falaram que nunca viram. Por outro lado, a maior parte dos empregados da produção, 56% dos entrevistados, informaram nunca terem visto casos de demissão por justa causa. É intrigante a diferença de percepção entre os dois grupos de empregados e não é possível encontrar, nas respostas ou na literatura, um motivo que explique essa diferença. A partir das respostas de entrevistados que revelaram já terem visto casos demissão por justa causa, foi realizada uma nova pergunta para identificar os principais motivos que ocasionam essa condição para demissão. Totalizaram 35 respostas, porém 8 preferiram não citar o motivo, tendo sido desconsideradas. Destaca-se como principal motivo para demissão 8 por justa causa a indisciplina, com 52% das respostas; seguida por roubo, com 30%; atestado médico falso com 15%; e por último, o racismo, com uma única resposta. Por fim, a última pergunta para os empregados também visou identificar a percepção deles em relação à dispensa imotivada.

A maior parte dos empregados administrativos são favoráveis à obrigatoriedade de justificar a demissão, 14 (82%) dos entrevistados; 1 funcionário se posicionou contra a exigência de contar o motivo ao demitir; e 2 ficaram na dúvida sobre a necessidade de justificar a demissão. De modo semelhante, os empregados da produção também se posicionaram, em sua maioria, favoráveis à obrigatoriedade de contar o motivo ao demitir, sendo 28 (88%) dos entrevistados; 2 empregados se posicionaram de forma desfavorável; e por fim, 2 ficaram na dúvida sobre essa questão.

Em contraposição às respostas dos empregadores, percebe-se que os empregados são mais favoráveis a conhecer o motivo de sua demissão que os empregados estejam dispostos a informar, mesmo que apenas 29% deles tenha se mostrado contra isso. Percebe-se, portanto, que tanto a Convenção quanto uma Lei Complementar que determinasse a obrigatoriedade de motivação da demissão sem justa causa teria mais apoio da classe trabalhadora que da classe empregadora, o que já era esperado.


6 Conclusão/ Contribuição

Embora tenham sido encontrados poucos artigos científicos relacionados ao tema, foi possível traçar um panorama sobre a produção acadêmica, identificando os principais aspectos tratados. As análises das entrevistas realizadas apontam que empregados e empregadores, em sua maioria, possuem a mesma posição em relação à obrigatoriedade de justificação para a demissão sem justa causa, ou seja, são favoráveis à incorporação da Convenção 158 da OIT no ordenamento jurídico brasileiro ou à regulamentação da previsão que já existe na Constituição Federal desde 1988. Ou mostram-se neutros ou favoráveis à obrigatoriedade de justificar todas as demissões, ainda que o número de empregadores que são contrários aproxime-se de um terço dos entrevistados.

Conclui-se, portanto, que seria positivo que a previsão constitucional voltasse a ter aplicabilidade no território brasileiro, principalmente pelos benefícios acarretados aos empregados e por não afetar as atividades da empresa. Deve-se ressaltar, no entanto, o impacto que a divulgação desse tema na mídia pode ter, a depender da forma como for tratado. Tendo em vista que, apesar dos vários projetos de lei existentes no decorrer dos anos desde 1988, e apesar da pendência de discussão sobre a validade da denúncia da Convenção 158 da OIT, não se discute muito sobre esse tema, acredita-se que há uma visão generalizada negativa sobre essa obrigatoriedade, como se coleta da fala do deputado no momento da rejeição a um projeto de lei regulamentador em 2011.

A pesquisa empírica demonstrou, com perguntas que não induziam a resposta, que os entrevistados, em sua maioria, aceitam a obrigatoriedade de motivação para a dispensa sem justa causa. Foi mencionada repetidas vezes a importância de o funcionário ter conhecimento sobre o motivo ao ser demitido para o seu aprendizado e crescimento profissional, o que conduz à conclusão de que a implantação da obrigatoriedade de apresentação de uma justificativa quando da demissão do empregado seria muito positiva para o mercado de trabalho em geral, tendo em vista seu fator educativo.

Respondido o problema de pesquisa no sentido de verificar uma percepção positiva sobre a implantação do conteúdo da Convenção 158 da OIT, a hipótese de pesquisa surpreendentemente foi afastada, já que tanto empregados quanto empregadores mostraram-se favoráveis à implementação da justificativa para a demissão sem justa causa, ainda que apenas 24% dos empregadores tenham-se mostrado de fato favoráveis.

A situação do Brasil atualmente, porém, ainda mais após a Reforma Trabalhista implantada em 2017, segue na contramão dos resultados desta pesquisa e entende-se que a conjuntura não se apresenta favorável e nem a sociedade madura para que esta discussão volte à baila. Para novas pesquisas, fica a sugestão de realizar o mesmo tipo de questionamento em um número maior de empresas, para que se confirmem os resultados e subsidie o Supremo Tribunal Federal com informações relevantes para a decisão acerca da validade da Convenção estudada. Também seria importante avaliar o motivo de serem informados os motivos da demissão mais frequentemente aos trabalhadores da produção que aos da área administrativa.


7 Referências

Consolidação das Leis do Trabalho. (1943). Decreto-lei n.º 5.452. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União. Brasília, DF: Planalto.

Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Diário Oficial da União. Brasília, DF: Planalto.

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GRACE, Carolina Engler. Aspectos teóricos e empíricos da obrigação constitucional de demissão imotivada . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6509, 27 abr. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77495. Acesso em: 23 abr. 2024.