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A escola de frankfurt e o pensamento liberal e o neoliberal: do idealismo ao materialismo

A escola de frankfurt e o pensamento liberal e o neoliberal: do idealismo ao materialismo

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Reflete-se sobre as bases filosóficas necessárias ao estudo da questão do chamado "politicamente correto" e o marxismo cultural.

I – As origens da escola

Por que a turma da escola de Frankfurt, de 1923, e seus sucedâneos é tão antipatizada pelo novo pensamento capitalista?

Horkheimer, junto com Jürgen Habermas, Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse e Erich Fromm, para citar apenas alguns, criaram a Escola de Frankfurt e seu Instituto para Pesquisa Social, uma instituição que moldou o pensamento cultural do Ocidente como um todo e da Alemanha em particular. Eram judeus-alemães de pensamento de esquerda que fugiram da Alemanha durante o nazismo e se alojaram nos Estados Unidos. Seu objetivo era uma revolução cultural.


II – A tendência da escola para o marxismo

A escola inicialmente consistia de cientistas sociais marxistas dissidentes que acreditavam que alguns dos seguidores de Karl Marx tinham se tornado "papagaios" de uma limitada seleção de ideias de Marx, usualmente em defesa dos partidos comunistas ortodoxos. Entretanto, muitos desses teóricos admitiam que a teoria marxista tradicional não poderia explicar adequadamente o turbulento e inesperado desenvolvimento de sociedades capitalistas no século XX. Críticos tanto do capitalismo e do socialismo da União Soviética, os seus escritos apontaram para a possibilidade de um caminho alternativo para o desenvolvimento social.

Apesar de algumas vezes apenas espontaneamente afiliados, os teóricos da Escola de Frankfurt falaram com um paradigma comum em mente, compartilhando, portanto, os mesmos pressupostos e sendo preocupados com questões similares. A fim de preencher as percebidas omissões do marxismo tradicional, eles solicitaram extrair de outras escolas de pensamento, por isso usaram ensaios de sociologia antipositivista, psicanálise, filosofia existencialista e outras disciplinas. As principais figuras da escola foram solicitadas a aprender e sintetizar os trabalhos de variados pensadores, como Immanuel Kant, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Karl Marx, Sigmund Freud, Georg Simmel, Georg Lukács e, sobretudo, Max Weber e seus estudos sobre a burocracia e o Estado e sua influência das religiões sobre a sociedade.


III – O fenômeno e as ideias de Husserl

No estudo do fenômeno, Husserl considerava a questão da consciência pura.

A esse respeito disse bem Domingos Faria.

Na análise eidética da consciência pura, consciência está atingida mediante a epoqué fenomenológica, distingue Husserl dois momentos estruturais pertencentes a toda a vivência intencional: a noesis e o noema, ou seja, a componente “real” e a componente “irreal” ou “intencional”.

A análise “real” da vivência evidencia duas componentes de toda a noesis: as não intencionais, materiais ou hiléticas (os dados da cor, taco, som, etc., bem como as sensações do prazer e de esforços) e as componentes intencionais que animam as anteriores. Estes dados hiléticos, tornados intencionais, são polarizados em ordem à designação imediata do objeto, surgindo assim a vivência orientada objetivamente, ou noema, que transcende, em certo sentido, a vivência, não pertencendo às suas componentes reais, mas sim constituindo a sua componente irreal ou intencional. Os momentos noéticos e os momentos noemáticos mantêm entre si um paralelismo rigoroso, de tal modo que as formas das multiplicidades noéticas da consciência e as do sentido noemático podem ser construídas em correspondência.

Noema é um vocábulo de origem grega que significa pensamento como objeto do pensar ou objeto enquanto pensado.

Husserl utiliza este termo na análise da vivência pura, para designar a componente irreal-intencional. O noema comporta dois aspectos funcionais: o de sentido imanente, que especifica a noesis como consciência de, e o propriamente cognitivo, de relação ao objeto, mediante o sentido.

No noema a análise descobre, antes de mais, um estrato nuclear, o noema em sentido estrito. Em torno deste situa-se uma mutiplicidade de caracteres noemáticos: modalidades de presentação, caracteres de ser e de valor que formam, com o estrato nuclear, o noema completo.

Por outras palavras: no ato cognoscente e ideatório, isto é, noético, a noesis é o aspeto subjetivo do elemento noético, e o noema, o aspeto objetivo deste mesmo elemento. Donde a possível direção de duas indagações: a das noesis, ou seja a fenomenologia orientada para o sujeito (Fenomenologia da consciência), e a dos noemas, ou seja a fenomenologia orientada para os correlatos da intencionalidade (Perceção fenomenológica do ser). Noesis e noemas são, assim, os polos extremos entre os quais se move a análise fenomenológica de Husserl, pois jamais se deve deixar de ter presente que o noema não é o objeto ou a coisa extramental, mas o ato noético enquanto se reporta a um objeto. A Fenomenologia de Husserl é ciência do que aparece à consciência, e do que esta intui, e não ciência de factos ou de realidades do mundo espácio-temporal, no sentido das ciências naturais.

Assim situado, a análise mostrou-lhe que o noema, quanto ao conteúdo, contém um «significado» e uma «posição», sendo a congruência destes dois elementos que formam a «proposição»; e quanto à estrutura, implica a existência como que escalonada de níveis diversos. Na base, um «dado”da experiência sensível; depois, as «essências hiléticas», ou essências eidéticas materiais, ou sejam as formas que exprimem a lei constitutiva das regiões do mundo empírico (círculo, azul, homem, etc.) e as essências eidéticas « formais » (igualdade, relação, etc.) ou categorias, que exprimem a correlação dos conteúdos conscientes com a estrutura formal da consciência cognoscente. As essências, hiléticas ou formais, são objetivas, porque, ao contrário de Kant, que viu nas categorias puras formas do entendimento, Husserl admitiu que, embora seja o entendimento que apreende as essências, elas são apreendidas como objetivas, isto é, como estruturas do ser. Daqui, a existência do a priori material, em contraste do kantiano a priori formal.


IV – O pensamento de Heideger

Com essa tendência afastou-se a escola das doutrinas que tinham apoio no nazismo como o existencialismo de Heideger, de quem se afastaram.

Para pensar é preciso ser.

O ponto de partida do pensamento de Heidegger, principal representante alemão da filosofia existencial, é o problema do sentido do ser. Heidegger aborda a questão tomando como exemplo o ser humano, que se caracteriza precisamente por se interrogar a esse respeito. O homem está especialmente mediado por seu passado: o ser do homem é um "ser que caminha para a morte" e sua relação com o mundo concretiza-se a partir dos conceitos de preocupação, angústia, conhecimento e complexo de culpa. O homem deve tentar "saltar", fugindo de sua condição cotidiana para atingir seu verdadeiro "eu".

As bases de sua filosofia existencial foram expostas em 1928, na obra inacabada Ser e Tempo, 1927, publicada em Marburgo, que o tornou célebre fora dos meios universitários. Oriundo de uma família humilde, Heidegger pôde completar sua formação primária graças a uma bolsa eclesiástica, que lhe permitiu também iniciar estudos de teologia e de filosofia. Profundamente influenciado pelo estudioso de fenomenologia Edmund Husserl, de quem foi assistente após a Primeira Guerra Mundial (até 1923), começou então seus estudos no seio da corrente existencialista.

Embora sempre tenha vivido em Friburgo, exceto nos cinco anos em que foi professor em Marburgo (recusou uma proposta para Berlim), cedo se tornou um dos filósofos mais conhecidos e influentes, influência essa que se estendeu mesmo à moderna teologia de Karl Rahner ou Rudolf K. Bultman. Sua disponibilidade para colaborar com o regime nazista, após a tomada de poder por Hitler, em 1933, aceitando o lugar de reitor em substituição a outro vetado pelos nazistas, abalou seu prestígio. Também contribuiu para isso o fato de equiparar o "serviço do saber" na escola superior ao serviço militar e funcional. Em 1946, as autoridades francesas de ocupação retiraram-lhe a docência, que lhe foi restituída em 1951. Outras importantes obras suas são "Introdução à Metafísica", 1953, "Que Significa Pensar?", 1964, e "Fenomenologia e Teologia", 1970. A obra completa de Heidegger foi editada na Alemanha em 70 volumes.

Na célebre carta que Heidegger dirige a Husserl em 22 de outubro de 1927, ano de publicação de Ser e tempo, lemos

:Estamos de acordo sobre o seguinte ponto: que o ente, no sentido em que você o denomina “mundo”, não poderia ser esclarecido em sua constituição transcendental pelo retorno a um ente do mesmo modo de ser. Mas isso não significa que o que constitui o lugar do transcendental não é absolutamente nada de ente – ao contrário, o problema que se põe imediatamente é o de saber qual é o modo de ser do ente no qual o “mundo”.

Tal é o problema central de Ser e tempo – a saber, uma ontologia fundamental do Dasein..

Esse texto consiste em um dos principais e mais conhecidos documentos da divergência entre Husserl e Heidegger quanto ao sentido e ao propósito da fenomenologia. Da leitura da passagem citada, podemos concluir (i) que a di-vergência se ergue de um solo comum a ambos, a orientação transcendental da investigação fenomenológica; (ii) que, para Heidegger, o problema da constituição transcendental do “mundo” é um problema de natureza ontológica, o qual só poderia ser resolvido através do esclarecimento do modo de ser de um ente outro que o “mundo”; e (iii) que, para Husserl, a problemática transcendental teria outra natureza, completamente diversa da investigação ontológica, porque, supostamente, o “transcendental” não se localizaria na constituição de ser de um ente, fosse ele o “mundo” ou outro que o “mundo”.

O que é dasein?

Dasein é o termo principal na filosofia existencialista de Martin Heidegger.

Na sua obra Ser e tempo, Heidegger se põe a questão filosófica do ser. Que é ser? Heidegger afirma que o ser humano é um "ente destacado": o ser humano é capaz de questionar o ser, possui uma compreensão do ser. Este ente é o homem, que Heidegger chama de ser-aí, o homem enquanto um ente que existe imediatamente no mundo. É capaz de entender todas mazelas de sua existência, no tempo, e conviver com a ideia perene da morte. .

Para investigar o ser-aí, enquanto possui sempre uma compreensão de ser, impõe-se uma analítica existencial, que tem como tarefa explorar a conexão das estruturas existenciais que definem a existência do ser-aí.

O pensamento de Heideger passou por um profundo envolvimento com o nacional-socialismo o que contribuiu para o seu ostracismo.

Como corrente de extrema-direita se distanciava totalmente das ideias da Primeira Escola de Frankfurt.


V – O Pensamento de Horkheimer

Horkheimer a opôs à "teoria tradicional", que se refere à teoria no modo positivista, cientificista, ou puramente observacional - isto é, do qual derivam generalizações ou "leis" sobre diferentes aspectos do mundo. Baseando-se em Max Weber, Horkheimer argumentou que as ciências sociais são diferentes das ciências naturais, visto que generalizações não podem ser feitas facilmente supostas experiências, porque o entendimento de uma experiência "social" em si é sempre moldada por ideias que estão nos pesquisadores. O que o pesquisador não percebe é que ele é capturado em um contexto histórico cujas ideologias moldam o pensamento; portanto, a teoria estaria em conformidade com as ideias na mente do pesquisador mais do que na própria experiência:

Para Horkheimer, abordagens para o entendimento nas ciências sociais não podem simplesmente imitar aquelas das ciências naturais. Apesar de várias abordagens teóricas tornarem-se próximas de romper as restrições ideológicas que as restringem, como o positivismo, pragmatismo, neo-Kantianismo e fenomenologia, Horkheimer argumentaria que elas falharam, porque todas estavam sujeitas a um prejuízo "lógico-matemático" que separava a atividade teórica da vida real (significando que todas aquelas escolas tentaram encontrar uma lógica que sempre permaneceria verdadeira, independentemente de e sem consideração pelas atividades humanas correntes). De acordo com Horkheimer, a resposta apropriada para este dilema é o desenvolvimento de uma teoria crítica.

O problema, Horkheimer argumentou, é epistemológico: nós não deveríamos meramente reconsiderada o cientista, mas o conhecimento individual em geral. Diferente do marxismo ortodoxo, que meramente aplica um "padrão" não original a tanto crítica quanto ação, a teoria crítica procura ser uma autocrítica e rejeita quaisquer pretensões de uma verdade absoluta. A teoria crítica defende a primazia nem da matéria (materialismo) nem da consciência (idealismo), argumentando que ambas as epistemologias distorcem a realidade para o benefício, afinal, de algum grupo pequeno. O que a teoria crítica tenta fazer é colocar ela mesma fora de estruturas filosóficas e do confinamento das estruturas existentes. Entretanto, como um modo de pensar e "recuperar" o autoconhecimento da humanidade, a teoria crítica frequentemente se inspira no marxismo pelos seus métodos e ferramentas.

Horkheimer sustentou que a teoria crítica deveria ser direcionada para a totalidade da sociedade na sua especificidade histórica (i.e. como veio a ser configurada em um específico ponto no tempo), assim como ela deveria melhorar o entendimento da sociedade integrando todas as maiores ciências sociais, incluindo a geografia, economia, história, ciência política, antropologia e psicologia. Enquanto a teoria crítica deve em todas as vezes ser autocrítica, Horkheimer insistiu que uma teoria é somente crítica se é explicativa. A teoria crítica deve portanto combinar pensamento prático e normativo para que possa "explicar o que está errado com a realidade social corrente, identificar atores para mudá-la e fornecer normas claras para o criticismo e finalidades práticas para o futuro." Visto que a teoria tradicional pode apenas refletir e explicar a realidade como presentemente é, o propósito da teoria crítica é mudá-la; nas palavras de Horkheimer, o objetivo da teoria crítica é "a emancipação dos seres humanos das circunstâncias que os escravizam".


VI – A Influência dos trabalhos de Karl Marx

Os teóricos da Escola de Frankfurt foram explicitamente associados com a filosofia crítica de Immanuel Kant, na qual o termo crítica significou reflexão filosófica nos limites de reivindicações feitas por certos tipos de conhecimento e uma conexão direta entre crítica e a ênfase na autonomia moral - como oposta às tradicionais deterministas e estáticas teorias de ação humana. Em um contexto intelectual definido pelos dogmáticos positivismo e cientificismo em uma mão e o dogmático "socialismo científico" em outra, teóricos críticos pretenderam reabilitar as ideias de Marx através de uma abordagem filosoficamente crítica.

Já que pensadores ortodoxos marxista-leninistas e social-democratas viam Marx como um novo tipo de ciência positiva, os teóricos da Escola de Frankfurt, como Horkheimer, preferencialmente basearam o seu trabalho na base epistemológica do trabalho de Karl Marx, que apresentava ele mesmo como crítica, como em O Capital. Eles, assim, enfatizaram que Marx estava tentando criar um novo tipo de análise crítica orientada em direção à unidade de teoria e prática revolucionária mais do que um novo tipo de ciência positiva. Crítica, no senso marxista, significa tomar a ideologia de uma sociedade - e.g. a crença na liberdade individual ou no livre mercado sob o capitalismo - e criticá-la comparando-a com a realidade social daquela mesma sociedade - e.g. desigualdade social e exploração. A metodologia na qual os teóricos da Escola de Frankfurt fundamentaram essa crítica veio a ser o que foi antes sendo estabelecido por Hegel e Marx, nomeadamente o método dialético.


VII – O método dialético e as lições deixadas por Hegel e Marx

Adotava a Escola de Frankfurt um método dialético, com origem em Hegel, segundo há uma tese a que se contrapõe uma antítese para se ter uma síntese.

A Escola da Frankfurt criou o dogma de que "liberdade e justiça" são termos dialéticos, o que significa que eles estão em completa oposição um ao outro, em um jogo de soma zero, em que "mais liberdade significa menos justiça" e "mais justiça é igual a menos liberdade". Baseado nessa dialética, a liberdade era a tese e a justiça era a antítese.

Essa interessante abordagem dialética foi adotada das ideias e obras de Friedrich Hegel. A Escola de Frankfurt, no entanto, distorceu o núcleo deste conceito e desnaturou sua lógica consequencial. Em suma, a principal diferença entre as abordagens dialéticas de Hegel e Horkheimer está em suas respectivas conclusões: Hegel, um idealista, acreditava, assim como Kant, que o espírito cria a matéria, ao passo que, para Horkheimer, um discípulo de Marx e de sua teoria do materialismo, é a matéria o que cria o espírito.

Segundo os autores, George Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831) nunca concebeu a razão de maneira abstrata, separada dos dados empíricos; ao contrário, o que distingue a filosofia de Hegel é o desejo de levar a posição oriunda de Kant até as que lhe parecem ser suas últimas consequências, partindo da ideia fundamental do espírito como “síntese a priori”, como força sintética constitutiva da realidade cognoscível”.

Hegel em sua Fenomenologia não se contentou com uma adequação estática entre o empírico e o racional, mas desenvolvendo o pensamento crítico em função da afirmada “força sintética” do Espírito, levou a cabo uma fusão entre o real e o racional.

Para Hegel “o que é real é racional e o que é racional é real”.

Era o idealismo.

Para Hegel, história é filosofia.

Para Joaquim de Carvalho (Hegel e o conceito de história da filosofia), "a historicidade apresenta-se, pois, como condição categorial do pensamento historiográfico, e foi à luz deste descobrimento fundamental que pôde ver-se com nitidez a existência de épocas cegas para o objeto próprio da indagação histórico-filosófica, cuja cegueira aliás ainda afeta contemporâneos nossos que creem historiar filosoficamente quando acarretam materiais biográficos e bibliográficos, imprescindíveis, sem dúvida, mas cujo lugar é, por assim dizer, vestibular.

Essas épocas, que acima designamos de proto-história da História da Filosofia, caracterizam-se, pois, pela inapreensão do objeto histórico-filosófico, assentam no pressuposto a-histórico da existência de verdades filosóficas atópicas e acrónicas, e exprimem a atitude historizante, isto é, o apelo ou a compreensão do passado, pelo comentário glosante de um texto ou pelo registo das variações das opiniões, e em particular dos erros e deturpações da verdade."

A Escola de Frankfurt, fundada na Alemanha, do primeiro pós-guerra, se afasta das ideias de Hegel e das de Kant, fundadas no racionalismo puro e dogmático.

Essa Escola aproximava-se das ideias de Marx, em seu Capital.

Marx afirmava que o mundo, a realidade objetiva, podia ser explicado por sua existência material e por seu desenvolvimento, e não pela concretização de uma ideia divina absoluta ou como resultado do pensamento humano racional, que é a postura adotada pelo idealismo.


VIII – A contribuição de Marcuse

Marcuse entendia que o operariado, adaptado no mundo capitalista, ali encontraria seu paraíso, com os direitos que iria adquirir.

Marcuse absorve a tese de que a sociedade se fundamenta na repressão dos instintos individuais -em particular pela substituição do princípio do prazer pelo princípio da realidade. Para sobreviver, o homem troca a satisfação imediata de suas necessidades por uma satisfação postergada: o jogo cede lugar ao trabalho, a liberdade cede lugar à segurança. A repressão é o princípio que instaura a civilização.

Mas, enquanto para Freud essa repressão era inerente a toda civilização, para Marcuse a repressão é historicamente determinada. Na sua opinião, o progresso técnico sob o capitalismo criaria as condições para a libertação do indivíduo em relação ao trabalho, permitindo a emergência de uma sociedade não-repressiva, fundada no princípio do prazer.

O problema para Marcuse era que o proletariado -o agente dessa transformação, segundo o marxismo- estava totalmente integrado à sociedade industrial. Por isso concentrava suas esperanças revolucionárias nos setores não-integrados, como os marginalizados, os desempregados -e os estudantes. Daí sua influência nos acontecimentos de 1968, onde foi um dos maiores ícones daquele movimento de contestação que enfrentou o governo De Gaulle.

Consequentemente, para a Escola de Frankfurt, colocar limites sobre o mundo material, colocar regras externas e diretrizes sobre o ambiente no qual os indivíduos vivem, pensam e operam, seria uma medida que, na visão deles, seria suficiente para moldar a experiência cognitiva dos indivíduos e, com isso, confinar seus espíritos aos parâmetros "desejados".


IX – Justiça e liberdade e o politicamente correto: as ideias de Adorno

Esse é o ponto-chave que liga a Escola de Frankfurt àquilo que hoje conhecemos como o "politicamente correto". No cerne do politicamente correto está a crença de que menos liberdade garante mais justiça e, consequentemente, mais segurança. Este mantra é regurgitado por meio de instituições acadêmicas e discursos políticos, inserido em valores sociais e plantado nas mentes das gerações mais jovens (futuros eleitores) por meio das escolas e faculdades, exatamente como era intenção da Escola de Frankfurt.

No cerne do politicamente correto está a crença de que menos liberdade garante mais justiça e, consequentemente, mais segurança. Este mantra é regurgitado por meio de instituições acadêmicas e discursos políticos, inserido em valores sociais e plantado nas mentes das gerações mais jovens (futuros eleitores) por meio das escolas e faculdades, exatamente como era intenção da Escola de Frankfurt. A liberdade é a tese, a justiça, a síntese.

Em vez de criar uma plataforma que estimule o desenvolvimento do indivíduo por meio do raciocínio lógico, do questionamento e dos diálogos estimulantes, o sistema institucional funciona como uma linha de montagem mecanizada, que tem o objetivo de padronizar e homogeneizar os indivíduos, condicionando-os a se submeter ao status quo, sempre dizendo 'sim' e jamais questionando. Esta é a lógica da Teoria Crítica da Sociedade e o elemento central do "politicamente correto"

Em vez de criar uma plataforma que estimule o desenvolvimento do indivíduo por meio do raciocínio lógico, do questionamento e dos diálogos estimulantes, o sistema institucional funciona como uma linha de montagem mecanizada, que tem o objetivo de padronizar e homogeneizar os indivíduos, condicionando-os a se submeter ao status quo, sempre dizendo 'sim' e jamais questionando. Esta é a lógica da Teoria Crítica da Sociedade e o elemento central do "politicamente correto".

Adorno, que fazia parte dessa Escola, condenava as formas de mercado que “bitolavam” o sujeito a ter esse ou aquele gosto, a “andar nessa ou naquela moda”. Condenava a ditadura do mercado.

Em um texto clássico escrito em 1947, "Dialética do Iluminismo", Adorno e Horkheimer definiram indústria cultural como um sistema político e econômico que tem por finalidade produzir bens de cultura - filmes, livros, música popular, programas de TV etc. - como mercadorias e como estratégia de controle social. A ideia é a seguinte: os meios de comunicação de massa, como TV, rádio, jornais e portais da Internet, são propriedades de algumas empresas, que possuem interesse em obter lucros e manter o sistema econômico vigente que as permitem continuarem lucrando. Portanto, vendem-se filmes e seriados norte-americanos, músicas (funk, pagode, sertaneja etc) e novelas não como bens artístísticos. Observe-se que a Escola de Frankfurt denunciava um"totalitarismo eletrônico", em que diversão e assuntos importantes são "mixados" num só produto; em que representantes políticos são escolhidos como se fossem sabonetes. Ao assim pensar encontravam o caminho para o politicamente correto.

Trata-se de uma tentativa de controlar a inerente entropia das ideias humanas e todo o tipo de pensamento independente; de controlar o fluxo das ideias humanas e de conformar as experiências humanas a um imobilismo anti-natural. Em última instância, trata-se do objetivo de quebrar o espírito do indivíduo e deixar sua mente de joelhos perante os ditames dos filósofos.


X – O marxismo cultural e a defesa das minorias e direitos sociais

Daí vem o termo "marxismo cultural": os marxistas praticamente abandonaram a velha retórica da "luta de classes", que envolvia as classes capitalistas e proletárias, e a substituíram pelas classes opressoras e oprimidas. As classes oprimidas incluem as mulheres, as minorias, os grupos LGBT, e várias outras categorias mascotes. Já a classe opressora é formada por homens brancos heterossexuais que não sejam ideologicamente marxistas, como os próprios fundadores da Escola de Frankfurt. Observe-se como esse atual governo, nas ideias de Olavo de Carvalho, guru do presidente, consideram que não se deve dar atenção prioritária às minorias.

O marxismo cultural nada tem a ver com a liberdade, com o progresso social ou com um suposto esclarecimento cultural. Ao contrário, e como o próprio Horkheimer deixou claro, tem a ver com a criação de indivíduos idênticos que não se confrontem entre si e que não troquem ideias, operando como máquinas automáticas e sem emoção.

Diferente do liberalismo e do neoliberalismo que adotam as regras de mercado como objetivo, a Escola de Frankfurt defende a defesa impostergável dos direitos sociais, como cláusula pétrea a ser defendida no sistema jurídico.

Daí porque se entende que a corrente de pensamento em que se baseia o atual governo não convive com o “politicamente correto”, prega a liberdade do uso de armas (como que seguindo a Emenda 2, americana), prega a liberdade de locomoção das estradas, sem os limites sancionatórios próprios. Dá, pois, prioridade a liberdade ao politicamente correto, daí porque aceitam ideias como a extração de minerais e da pecuária em área indígena, como forma de conduzir o índio ao meio social  e não se atrelam aos parâmetros ambientais, que consideram afrontar a liberdade de produzir e se desenvolver. Além disso, como próprio do liberalismo, defende, de forma ampla, a propriedade privada e sua preservação em prol dos interesses da sociedade. Por fim, dir-se-á que o atual governo combate o que se chama de "maxismo cultural", em defesa de valores como a familia, a liberdade, a propriedade.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A escola de frankfurt e o pensamento liberal e o neoliberal: do idealismo ao materialismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6078, 21 fev. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79330. Acesso em: 24 abr. 2024.