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Da reforma processual civil na execução

Da reforma processual civil na execução

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Nota de Atualização do Editor:
O projeto referido neste artigo foi convertido na Lei nº 11.232, de 22/12/2005.


1. DA TEORIA GERAL DA EXECUÇÃO

            1.1 OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

            Sabe-se que a obrigação por si só não é capaz de fazer com que todos os responsáveis cumpram os preceitos normativos de direito material. Desta forma, o Estado-juiz sub-roga-se no direito do credor, dando efetividades às normas substanciais contidas no título executivo.

            No processo de conhecimento, a principal atividade exercida é a análise das alegações e provas, tendo em vista a definição da existência ou não do direito afirmado pelo demandante. Por outro lado, no processo de execução, a atividade que predomina é a satisfação forçada de um direito de crédito.

            Assim, a execução pode ser definida como um conjunto de atos processuais que visam efetivar o direito de crédito com a invasão do patrimônio do devedor. Essa invasão, porém, deve ser aquela que não vai além do indispensável à plena satisfação do credor.

            Os meios executivos são utilizados no intuito de invadir o patrimônio do devedor e concretizar o direito substancial do credor. Nesse ínterim, há sanções de direito material que dão efetividade aos preceitos jurídicos, tais como as astreintes e a prisão civil do devedor de alimentos, colocando o executado em verdadeiro dilema. Esses meios de execução, apesar de não terem natureza executiva, são utilizados dentro do processo de execução, mas não integram o conceito técnico-processual da execução forçada.

            Todas essas possíveis medidas tendem a agravar a pressão psicológica que incide sobre o devedor, obrigando-o a solver sua dívida perante o credor.

            No que diz respeito à autonomia do processo de execução, constata-se que, em tese, há independência entre o processo executivo, o cognitivo e o cautelar. Entretanto, deve-se fazer uma ressalva para a atual situação vivenciada nas execuções das obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa, pois essas modalidades de execução descortinam a execução apenas com um prolongamento do processo de conhecimento. Assim leciona CÂMARA sobre essa matéria,

            "Sempre nos pareceu que, por ser só uma a pretensão do demandante (receber o bem jurídico que lhe é devido), deveria ser um só o processo, dividido em duas fases, uma cognitiva e outra executiva. A Lei nº 10.444/2002 modificou o modelo anteriormente existente (ressalvadas, apenas, as obrigações pecuniárias, em relação às quais continuou a existir o binômio processo de conhecimento + processo de execução). A partir da entrada em vigor do aludido diploma legal, a condenação não é mais capaz de exaurir o processo (quando se tratar de condenação a fazer, não fazer ou entregar coisa diversa de dinheiro). A execução é um prolongamento do processo, que não é mais nem puramente cognitivo nem puramente executivo, mas um processo misto, sincrético, em que as duas atividades se fundem. Além da simplificação trazida para o sistema executivo brasileiro, a obtenção da tutela jurisdicional plena pode ser alcançada mais rapidamente." [01]

            Diante das reformas processuais que vêm sendo realizadas no processo de execução, este tende a ser uma mera continuação do processo que produziu a condenação, o que efetiva o disposto no artigo 262 do Código de Processo Civil, que preconiza que o processo começa por iniciativa das partes, mas se desenvolve por impulso oficial.

            1.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA EXECUÇÃO

            O processo de execução possui princípios comuns a todo processo de cognição, tais como o princípio do devido processo legal, da isonomia e do contraditório. Há, ainda, outros princípios, próprios do processo de execução, que desvendam características marcantes desse tipo de atividade jurisdicional.

            A doutrina não é homogênea ao destacar os princípios fundamentais da execução. Entretanto, cumpre trazer à baila os de maior expressividade, quais sejam:

            - Princípio da efetividade da execução forçada

            - Princípio do menor sacrifício possível do executado

            - Princípio do desfecho único

            O princípio da efetividade da execução forçada parte do pressuposto de que o processo deve dar, a quem tenha o direito, na medida do possível, exatamente aquilo que o indivíduo tenha o direito de conseguir. Os atos executórios têm o único objetivo de satisfazer o credor.

            O processualista ASSIS estabelece que: "Toda execução, portanto, deve ser específica. É tão bem sucedida de fato, quanto entrega rigorosamente ao exeqüente o bem perseguido, objeto da prestação inadimplida e seus consectários." [02]

            A execução deve ser capaz de propiciar ao credor aquilo que ele obteria, caso a obrigação fosse cumprida voluntariamente pelo devedor.

            Há casos tais, porém, em que é impossível que o credor obtenha, especificadamente, o bem almejado nas condições que lhe seria devido. Isto se dá em virtude dos limites impostos à execução, até porque ninguém poderá ser coagido a prestar um fato que não é mais possível de ser realizado. Trata-se das obrigações de fazer e não fazer, em que se permite a substituição da prestação pelo equivalente em dinheiro, uma vez verificada a impossibilidade na prestação do fato.

            Em situações como essas, em que não se pode obrigar o devedor de uma prestação de fazer ou não fazer cumprir sua obrigação, será inevitável que se transforme a obrigação em perdas e danos.

            De fato, a conversão da obrigação deve ser encarada como uma exceção, pois "em regra, o que prevalece é a inviabilidade, seja de o credor exigir, seja de o devedor impor prestação diversa daquela constante do título executivo, sempre que esta for realizável in natura." [03]

            Deduz-se, portanto, pela execução específica, assegurando ao titular do direito exatamente aquilo a que faz jus. A execução genérica só pode ser admitida em quadros excepcionais, levando o credor a aceitar um substitutivo pecuniário, como é o caso das perdas e danos.

            Quanto ao princípio do menor sacrifício possível do executado, observa-se que este decorre da própria evolução histórica da execução, pois, nos tempos antigos, a execução incidia sobre o próprio corpo do devedor, podendo este se tornar, inclusive, escravo ou ser morto em decorrência de suas dívidas.

            Com a evolução da civilização, essa situação se tornou inadmissível, razão pela qual foi totalmente abolida a execução que recaía sobre o próprio corpo do devedor, com exceção para a prisão civil do devedor de alimentos.

            Pois bem, o artigo 620 do Código de Processo Civil dispõe que "quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo meio menos gravoso para o devedor."

            Assim, toda execução deve ser econômica, no sentido de propiciar a satisfação do credor, mas, ao mesmo tempo, ser o menos prejudicial possível ao devedor.

            É de se considerar que o artigo 620 do Código de Processo Civil impõe limites à invasão patrimonial perpetrada pela execução, como é o caso das impenhorabilidades, que não permitem a penhora dos bens necessários à sobrevivência do devedor e de sua família. Nesse sentido, pode-se destacar o seguinte ensinamento,

            "Além disso, deve o princípio do menor sacrifício possível ser observado ainda quando se pretenda fazer a atividade executiva incidir sobre parcela do patrimônio do executado que esteja, em linha de princípio, sujeita a ela. Assim, por exemplo, se a penhora incide sobre um bem que é capaz de garantir a satisfação do crédito, e o devedor tem outro, também capaz de garantir tal satisfação, mas que – uma vez apreendido – traria a ele menor gravame, deverá a penhora incidir sobre este, e não sobre aquele primeiro bem.

            É bom lembrar que nem todo devedor é desidioso, nem deve ser tratado como vilão. É certo que há devedores assim, mas estes maus elementos não podem ser considerados como parâmetros para definir todos os devedores. Há devedores que chegam à situação de inadimplemento que normalmente se identifica na execução em razão das dolorosas vicissitudes da vida, e é principalmente por causa destes devedores que se exige a observância do princípio aqui estudado, buscando-se um equilíbrio entre os interesses do exeqüente e do executado." [04]

            Sendo assim, quando o credor tiver várias possibilidades para promover a execução, o juiz irá determinar que essa seja procedida pelo modo menos gravoso para o devedor.

            Por fim, trazendo à tona o princípio do desfecho único, observa-se que a finalidade do processo de execução é a satisfação do direito do credor. O único fim normal da execução é a satisfação do crédito exeqüendo. Entretanto, a execução pode ser encerrada de outras formas que não a satisfação do crédito, firmando-se que, nesses casos, há o desfecho anômalo do processo. Decorre daí que o único desfecho normal do processo de execução é a realização concreta da vontade do Direito Substancial.

            O princípio do desfecho único do processo gera algumas conseqüências no caso da desistência da execução. No processo executivo, o devedor não precisa consentir para que a desistência acarrete a extinção do processo, mesmo que o executado tenha oferecido embargos à execução, porém os efeitos da desistência irão variar de acordo com a matéria alegada nos embargos. Assim, se os embargos estiverem alicerçados em matéria de cunho processual, a desistência da ação acarretará a extinção dos embargos, sendo que o credor assumirá, obviamente, o ônus das custas.

            Por outro lado, se os embargos versarem sobre matéria de mérito, a desistência só surtirá efeitos com a anuência do executado, que poderá ter interesse no prosseguimento da execução, almejando ver anulado o título executivo ou a declaração de extinção do débito nele documentado, tratando-se, a partir desse momento, não mais de embargos, mas de uma ação declaratória autônoma.

            1.3 REQUISITOS PARA REALIZAR QUALQUER EXECUÇÃO

            Sendo a execução uma ação, verifica-se que, como tal, subordina-se aos pressupostos processuais e às condições da ação, como ocorre com as ações de conhecimento. Nesse ínterim, pode-se afirmar que os requisitos específicos, indispensáveis para que qualquer credor possa iniciar e realizar a execução, são dois: o formal, que é o título executivo; e o prático, traduzido no inadimplemento por parte do devedor.

            Tanto o inadimplemento do devedor como o título executivo devem estar conjugados no intuito de tornar viável o manejo do processo de execução e se aplicam, indistintamente, a todas as espécies de execução, não importando se é uma obrigação de fazer, não fazer, dar ou pagar quantia.

            Quanto ao título executivo, pode-se afirmar que ele é um ato jurídico ao qual a lei atribui eficácia executiva. Ademais, observa-se que sem ele não é possível a execução forçada, aplicando-se a regra geral de que nulla executio sine titulo (nula a execução sem o título), devendo o título, além de autorizar a propositura da ação, definir o fim e os limites da execução. A doutrina tem se expressado sobre o tema,

            "A primeira constatação, portanto, que há de se fazer é a de que não basta que o credor se veja privado da realização de seu crédito, por haver o devedor permanecido inadimplente; e mais, também não lhe bastará a obtenção de uma sentença qualquer, diversa da condenatória, por meio da qual o juiz declare realmente existente o crédito e a obrigação do réu de satisfazê-lo. É necessário algo mais do que essa simples declaração – seja ela pronunciada em sentença meramente declaratória ou constitutiva – para que o credor se legitime a promover a execução forçada. A lei exige, para tal, que ele disponha de um documento denominado título executivo, criado justamente pela sentença condenatória ou formado negocialmente por ato de natureza privada, a que a lei outorgue a eficácia de uma sentença de condenação." [05]

            Ao título executivo cabe transmitir uma prévia certeza sobre o direito do credor, podendo ser judicial, que decorre de uma sentença condenatória (ou outro título executivo judicial a ela equiparado), ou extrajudicial, que emana de negócios jurídicos privados, expressos em documentos com eficácia de título executivo, e que estão dispostos no artigo 585 do Código de Processo Civil, senão veja-se,

            "Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:

            I – a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;

            II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;

            III – os contratos de hipoteca, de penhor, de anticrese e de caução, bem como de seguro de vida e de acidentes pessoais de que resulte morte ou incapacidade;

            IV – o crédito decorrente de foro, laudêmio, aluguel ou renda de imóvel, bem como encargo de condomínio desde que comprovado por contrato escrito;

            V – o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial;

            VI – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, Estado, Distrito Federal, Território e Município, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

            VII – todos os demais títulos, a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva."

            Nesses casos enumerados no artigo 585 do Código de Processo Civil é criado um documento em que a lei reconhece a força de título executivo, o devedor assume uma obrigação ciente de que poderá vir a sofrer uma invasão patrimonial em caso de descumprimento da ordem contida no título.

            Insta ressaltar que o título executivo deverá ser certo, líquido e exigível, dando abertura para a atividade executiva. O título será certo quando sobre sua existência não pairar controvérsia; será líquido, quando o valor da prestação estiver determinado; e será exigível, quando o seu pagamento não estiver sujeito a nenhuma condição.

            Assim ensina THEODORO JÚNIOR acerca da matéria,

            "Em suma, diante da exigência legal de que o título executivo seja sempre líquido, certo e exigível, um de seus requisitos substanciais é o de ser completo, tanto objetiva como subjetivamente. Isto, porém, não impede que se agregue ao documento originário outros posteriormente obtidos para se realizar o aperfeiçoamento do título em seus requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade. O importante é que estes requisitos emanem de prova documental inequívoca e não estejam ainda a reclamar apuração e acertamento em juízo por diligências complexas e de resultado incerto (Cf., por exemplo, a regra do art. 615, inc. IV, que autoriza o credor a executar obrigação derivada de contrato bilateral, mediante prova de já ter adimplido a contraprestação a seu cargo)." [06]

            Por outro lado, no que diz respeito ao inadimplemento do devedor, enquanto não vencida a dívida, não há que se falar em descumprimento da obrigação. Do mesmo modo que o simples vencimento do título é prova suficiente para propositura da execução.

            Desta forma, aquele que dispõe de um título executivo certo, líquido e exigível, poderá remediar a crise de adimplemento que o leva a requerer a prestação da tutela jurisdicional.


2. DA EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE ENTREGA DE COISA

            Ultrapassada essa primeira etapa de análise da teoria geral da execução, passa-se a discutir acerca das diversas espécies de execução que são: execução para entrega de coisa, execução das obrigações de fazer e não fazer e execução por quantia certa.

            Quando a obrigação consistir na entrega de algum bem (que não seja dinheiro), no exercício de uma atividade ou a omissão na prática de algum ato, a execução é tida como específica. E foi basicamente na tutela jurisdicional específica que os legisladores procederam às mais significativas reformas processuais da atualidade, sendo que nas obrigações de pagar quantia, mudanças estão sendo elaboradas no intuito de tornar essa espécie de execução mais eficaz.

            Pois bem, a execução para entrega de coisa diz respeito às obrigações de dar em geral. Antes da reforma processual de 1994, essa espécie de execução só poderia fundar-se em título executivo judicial, mas com a atual redação dada ao artigo 621, há, também, a possibilidade de a execução ser procedida com base em título extrajudicial.

            Na execução para entrega de coisa com base em título executivo judicial, o processo de execução não é autônomo em relação àquele em que se constituiu o título, sendo apenas uma outra fase do processo.

            As ações de conhecimento, nesses casos, dispensam o ajuizamento de posterior execução, pois o seu comando é executado automaticamente, sem necessidade de propor ação executiva. Como exemplos mais comuns, pode-se citar as ações possessórias e as ações de despejo, em que compete ao magistrado expedir, tão logo tenha a sentença transitado em julgado, o mandado de reintegração de posse ou de despejo.

            Acrescenta THEODORO JÚNIOR,

            "Assim, no despejo, o locatário após a sentença de procedência será simplesmente notificado a desocupar o prédio e, findo o prazo da notificação, será de logo expedido mandado de evacuando, sem sequer haver oportunidade para embargos do executado.

            Da mesma forma, na reintegração de posse, a execução da sentença faz-se por simples mandado e não comporta embargos do executado.

            Trata-se, como já ficou dito, de ações executivas, lato sensu, de modo que sua execução é sua força, e não só efeito de sentença condenatória.

            Como não há embargos nessas execuções, o direito de retenção que acaso beneficie o devedor haverá de ser postulado na contestação, sob pena de decair de seu exercício." [07]

            Todavia, após a promulgação da Lei nº 10.444/2002, a forma de execução adotada nas ações possessórias e de despejo passou a ser a regra e não mais uma exceção. Conforme apresenta CÂMARA,

            "A partir do momento em que a sentença começa a produzir efeitos, o que se dará com o seu trânsito em julgado ou, antes disso, com o recebimento de recurso sem efeito suspensivo, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do interessado, determinará a intimação do demandado para cumprir a sentença no prazo que lhe tenha sido assinado. Não sendo a coisa entregue ao demandante no prazo, começa a incidir a multa, que atua como meio de coerção, a fim de que o demandado se sinta pressionado a cumprir a condenação e, além disso, determinará o juiz a expedição de mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse (conforme se trate de coisa móvel ou imóvel).

            Vê-se, pois, que a sentença que condena a entregar coisa certa é auto-executável, pois pode ser executada de ofício pelo juiz dentro do mesmo processo em que foi proferida, independentemente do ajuizamento de demanda executiva e da instauração de processo de execução ex intervallo. Este modelo, antes da Lei nº 10.444/2002, já era conhecido do direito brasileiro, que o empregava em alguns procedimentos especiais, como o da ação de despejo e o da ação de reintegração de posse. Com a segunda etapa da reforma do CPC, porém, este passou a ser o modelo comum, a ser empregado ordinariamente." [08]

            De fato, a Lei nº 10.444/2002 trouxe várias inovações no âmbito das execuções de entrega de coisa, inclusive com a possibilidade de aplicação das multas astreintes nessa espécie de execução, aumentado, assim, as chances de se obter efetividade na prestação da tutela jurisdicional específica.

            Sendo impossível a entrega da coisa, o exeqüente estará imbuído do direito de exigir o valor do bem acrescido das perdas e danos, que deverão ser apurados em liquidação incidente. Em outras palavras:

            "Não sendo encontrada a coisa, quer em poder do executado quer em poder de terceiro, sujeito à execução, torna-se impossível a execução específica. Neste caso, não haverá alternativa senão a transformação da obrigação de entregar coisa certa em execução monetária, de modo que o obrigado seja levado a satisfazer o credor com o equivalente em dinheiro da coisa originariamente devida. Idêntica solução deverá ser adotada quando a coisa se tenha deteriorado, caso em que o credor evidentemente não poderá ser compelido a aceitá-la." [09]

            Frise-se, ainda, que várias inovações foram trazidas à execução para entrega de coisa, todavia, essas mesmas mudanças também foram perpetradas nas execuções de fazer e não fazer.


3. DAS EXECUÇÕES DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER

            A obrigação de fazer é a que tem como fim a realização de um ato do devedor. De outra banda, a obrigação de não fazer requer o dever de inércia do obrigado, ou seja, que este não pratique determinado ato.

            Como se pode perceber, a execução específica nessas modalidades de obrigações é mais complicada, sendo que os meios executivos, muitas vezes, são incapazes de levar ao resultado que se chegaria caso a obrigação tivesse sido cumprida voluntariamente. Daí porque o Direito Romano preconizava que o inadimplemento das obrigações de fazer e não fazer resolver-se-ia sempre em indenização.

            Tendo em vista essa dificuldade em obter-se a execução específica nas obrigações de fazer e não fazer, estabeleceu-se, então, a distinção entre as obrigações só exeqüíveis pelo devedor e aquelas que, em tese, podem ser cumpridas por terceiros.

            As obrigações em que o fato pode ser prestado por terceiro, se o credor assim optar, até porque não é obrigado a aceitar, são as fungíveis. Por outro lado, há certas obrigações – infungíveis – que jamais poderão ser prestadas por terceiro, em virtude de sua própria natureza pessoal.

            Assim, pode-se afirmar que, em termos gerais, pintar o muro de uma casa é uma obrigação fungível, pois se o devedor recusa-se a fazê-lo, outro pintor poderá ser contratado para, às expensas do devedor, realizar a obrigação. Ao contrário disso, a confecção de uma obra de arte por artista renomado não poderá ser efetuada por outra pessoa que não esse mesmo artista, por tratar-se de uma obrigação infungível.

            O Código de Processo Civil regula o procedimento a ser adotado no caso de prestação de fato por terceiro, contudo, na prática, esse procedimento não tem sido muito utilizado, uma vez que o referido procedimento acaba sendo muito oneroso para o próprio credor que terá que adiantar as despesas para cumprir a prestação.

            Em todas essas hipóteses, em que se torna impossível ou até mesmo inviável a execução específica da prestação, ter-se-á conversão em perdas e danos, levando-se à inevitável substituição da execução das obrigações de fazer ou não fazer pela execução por quantia certa.

            As execuções das obrigações de fazer e não fazer podem ser propostas tanto com base em título judicial como extrajudicial.

            Assim, merece destaque a seguinte observação feita por CÂMARA,

            "Tratando-se de execução fundada em título judicial, será ela mero prolongamento do mesmo processo em que a condenação foi proferida. Sendo fundada em título extrajudicial, ter-se-á um processo de execução, e o procedimento será dividido (como soem ser os procedimentos executivos) em três fases: postulatória, instrutória e satisfativa. Trata-se, porém, de procedimento extremamente complexo, o que se deve à própria natureza da prestação devida, e sendo certo que ninguém pode ser coagido a prestar um fato." [10]

            Nas execuções com base em título executivo judicial, a partir do momento em que a sentença transitar em julgado, o juiz mandará intimar o executado para cumprir a prestação dentro do prazo estabelecido, sob pena da incidência de multa pelo atraso no cumprimento da obrigação. Trata-se da multa astreinte, que será melhor explanada no próximo tópico.

            3.1 MULTAS ASTREINTES

            Tendo em vista a impossibilidade de se constranger o devedor a prestar um fato, o Código de Processo Civil prevê, como meio de fazer atuar a vontade do direito nas obrigações de fazer e não fazer, a utilização de meios de coerção aptos a exercer pressão psicológica que incidirá sobre o executado, como forma de conseguir o cumprimento da prestação.

            Um desses meios de coerção, de incidência específica nas obrigações de fazer e não fazer, chama-se multa astreinte, que pode ser definida com uma multa periódica pelo atraso no cumprimento da obrigação.

            Com efeito, buscando dar ao processo civil maior efetividade, tendo em vista o fato de que a execução tem caráter estritamente patrimonial, não há como empregar a coerção pessoal, recorrendo-se, então, ao meio de coerção possível de provocar pressão psicológica sobre o devedor, que é a multa astreinte.

            Corroborando esse entendimento, DINAMARCO diz,

            "Essas medidas todas, dispostas abstratamente, visam a agravar a pressão psicológica incidente sobre a vontade do sujeito, mostrando-lhe o dilema entre cumprir voluntariamente o comando contido no direito e sofrer os males que elas representam.

            A boa compreensão do objetivo com que instituídas as astreintes no direito brasileiro leva a excluir o absurdo de considerá-las substitutivas da própria obrigação, considerando-se extinta esta quando pagas aquelas, ou ditando-se a inadmissível extinção do processo executivo nesse caso." [11]

            A multa é uma forma de coação patrimonial do executado, que se sentirá desestimulado a descumprir a obrigação. A execução tanto pode estar fundada em título judicial como em extrajudicial.

            Constata-se, pois, que as astreintes punem as violações a deveres no intuito de conduzir ao cumprimento de outras normas. O objetivo das astreintes não é o de obrigar o devedor ao pagamento da multa, mas sim cumprir a obrigação específica.

            Essas multas possuem natureza inibitória, não se prestando a fixar perdas e danos, uma vez que têm por fim compelir o devedor a realizar a obrigação de fazer e não fazer, seja ela fungível ou não.

            Pode-se afirmar, também, que as astreintes não têm propriamente caráter executório, pois não há nelas a presença da sub-rogação do Estado.

            As astreintes deverão ser arbitradas na própria sentença condenatória e sua fixação independe de requerimento do interessado, cabendo ao juiz fixá-la de ofício.

            Nada obstante o arbitramento da astreinte na sentença, não há óbice para que esta seja modificada no curso da execução, seja porque se tornou excessiva, seja porque se mostrou insuficiente, podendo o juiz reduzi-la ou aumentá-la quando entender necessário.

            As astreintes não guardam relação com o valor da obrigação principal. Todavia, cabe ao magistrado verificar se a multa não se tornou demasiadamente elevada, tendo em vista que esta será revertida em favor do credor. Em outras palavras, as astreintes não podem ser fonte de enriquecimento sem causa para o exeqüente.

            É notória a possibilidade de fixação das multas astreintes nas obrigações de fazer e não fazer, contudo, existe também essa possibilidade nas obrigações de entrega de coisa, surgida a partir da vigência da Lei nº 10.444/2002, ao passo que tornou insubsistente a Súmula 500 do Supremo Tribunal Federal que enunciava a impossibilidade de compelir o devedor da obrigação de dar a cumprir a prestação.

            No entanto, quanto às obrigações de pagar quantia, a restrição permanece. Nesse sentido, é interessante trazer a seguinte observação:

            "Com efeito, se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa (CPC, art. 287), poderá ser fixada a multa cominatória pelo juízo, de ofício ou a requerimento. Não se vê, dentre as providências requeridas, o pagamento de soma em dinheiro, não sendo possível, portanto, fixar astreintes para forçar tal adimplemento.

            Seria, aliás, meio ilógico condenar o réu ao pagamento de uma multa pecuniária para que se convença a pagar quantia certa. Nesse caso, a decisão que assim determinasse somente estaria majorando o valor da dívida. Para cobrir o prejuízo decorrente do atraso no pagamento, já existem a multa e os juros moratórios." [12]

            A fixação das astreintes deve atender aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para que não se tornem nem muito excessivas, nem muito irrisórias, bem como, que induzam aquele devedor em particular a cumprir voluntariamente a obrigação.

            Desde a promulgação da Lei nº 8.953/94, observa-se que as astreintes podem ser estabelecidas, também, nas execuções que têm por base título executivo extrajudicial. Nesses casos, sendo o título omisso, o juiz fixará a multa e a data a partir da qual ela é devida, podendo, inclusive, reduzir o valor se considerá-lo excessivo, porém não poderá elevá-lo.

            Segundo CÂMARA, a doutrina assim tem se pronunciado sobre o tema:

            "Utiliza-se, aqui, sistema bastante semelhante ao estabelecido pelo CPC para as astreintes na execução fundada em título judicial. Em princípio, a fixação da multa se dá no próprio título executivo, hipótese em que será lícito ao juiz reduzir o valor da mesma. Note-se que a lei processual permite ao juiz da execução reduzir a multa excessiva, mas não o autoriza a aumentar a multa que considere insuficiente. Nesta hipótese, deverá ser respeitado o valor estabelecido extrajudicialmente pelas partes, que consideraram que aquele valor seria capaz de exercer sobre o espírito do devedor a pressão psicológica necessária a obter o cumprimento da obrigação devida. Em suma, na execução fundada em título extrajudicial, multas excessivas podem ser reduzidas, mas multas insuficientes terão seu valor mantido." [13]

            Sendo cumprida a obrigação com atraso, ainda assim será devida a multa que tenha incidido até então, mesmo que a obrigação específica venha a ser substituída por uma obrigação genérica, com conversão em perdas e danos.

            Por fim, é imperativo destacar que o principal objetivo das astreintes é desestimular o devedor ao não cumprimento da obrigação, possuindo nítida índole de responsabilidade decorrente de um inadimplemento eventual.

            3.2 NOVA SISTEMÁTICA PARA CUMPRIMENTO DA SENTENÇA

            Antes da primeira etapa da reforma processual, as obrigações de fazer e não fazer que não fossem cumpridas voluntariamente eram, constantemente, convertidas em indenização, tendo em vista que o Estado-juiz não dispunha de meios processuais para compelir o devedor a cumprir o comando específico da sentença.

            Com a evolução do processo, verificou-se que a conversão das obrigações de fazer e não fazer em perdas e danos, na verdade, frustrava a pretensão do credor, devendo, desta forma, ser encarada não como uma regra, mas sim como exceção.

            De início, a Lei nº 8.952/94 armou o juiz de poderes capazes de proporcionar a satisfação específica e efetiva do direito do autor, introduzindo, no artigo 461 do Código de Processo Civil, uma série de medidas destinadas a garantir o cumprimento das obrigações de fazer e não fazer na forma devida, conforme se observa o teor do artigo 461 do Código de Processo Civil,

            "Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

            § 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

            § 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).

            § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

            § 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

            § 5º Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

            § 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva."

            A tutela específica, como já foi dito, confere ao credor exatamente aquilo que ele obteria caso a obrigação fosse cumprida espontaneamente pelo devedor. Por outro lado, quando o artigo 461 do Código de Processo Civil menciona o resultado prático equivalente, o faz em referência à tutela equivalente, que só poderia ser admitida quando a tutela específica tiver se tornado impossível ou inviável.

            Assim, o artigo 461 do Código de Processo Civil privilegia a concessão da tutela específica da obrigação, só permitindo a adoção da tutela equivalente em situações excepcionais. Ressalte-se, por oportuno, que essas regras são igualmente empregadas nas execuções das obrigações de entrega de coisa.

            Com a promulgação da Lei nº 10.444/2002, a execução autônoma das obrigações de fazer e não fazer ficou restrita aos títulos extrajudiciais. A referida lei instituiu também a tutela específica das obrigações de entrega de coisa, sujeitando-as aos mesmos institutos processuais empregados nas obrigações de fazer e não fazer.

            A sentença proferida nessas ações terá, ao mesmo tempo, efeito mandamental e executivo. Considere-se a hipótese de determinada indústria que despeja seu lixo em certo rio, poluindo-o e, conseqüentemente, impossibilitando o consumo daquela água pela população. O juiz irá decretar que essa indústria adquira meios de despejar o seu lixo em outro local, que seja apropriado, sob pena de multa diária. Caso não seja obedecida essa determinação judicial mesmo com a incidência da multa, sucessivamente, poderá ser ordenado o fechamento daquele estabelecimento. Trata-se do binômio condenação-execução.

            Por meio do artigo 461 do Código de Processo Civil, o juiz terá a seu dispor vária medidas em prol da tutela específica e, quando for o caso, da tutela equivalente também. Essas medidas estão previstas no § 5º do aludido artigo, podendo ser determinadas pelo juiz de ofício ou a requerimento do autor, exercendo, sobre a vontade do obrigado, pressão psicológica no sentido de que cumpra a obrigação específica.

            Todavia, além dessas medidas dispostas no § 5º do artigo 461 do Código de Processo Civil, outras medidas podem ser decretadas visando efetivar a prestação da tutela jurisdicional pelo julgador.

            Excursionando acerca da matéria,

            "O juiz prescinde da vontade do devedor e promove a execução da prestação por outros meios. O § 5º do artigo 461 autoriza o juiz a determinar a busca e apreensão da coisa, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras, o impedimento de atividade nociva, bem como quaisquer outras medidas necessárias à efetivação da tutela específica ou à obtenção de resultado prático equivalente.

            Conforme já assinalei, a realização prática do direito do credor à pretensão constante do título justifica o uso de qualquer meio executório, ainda que não previsto expressamente em lei, para assegurar a efetiva tutela jurisdicional do direito do credor. A variabilidade e a atipicidade dos meios sub-rogatórios não violam o princípio da legalidade, porque assentam no direito do credor, constitucionalmente assegurado, à tutela jurisdicional efetiva." [14]

            Contudo, deve-se fazer uma ressalva no que concerne às obrigações de fazer infungíveis, uma vez que nessas obrigações as medidas dispostas no § 5º do artigo 461 e a multa do § 4º do mesmo artigo apenas são aptas a coagir o devedor para que ele próprio cumpra a prestação, isto é, não há como o juiz substituir a atividade que o próprio devedor deveria ter cumprido por atividade realizada por terceiro, sendo que o único resultado prático equivalente seria a conversão da prestação em perdas e danos.

            Por não serem meios sub-rogatórios, os meios coativos não podem variar nem serem atípicos como os primeiros, pois importam em intimidação pessoal. Tanto os meios coativos como os sub-rogatórios não podem contrariar os direitos da personalidade ou outros direitos indisponíveis do devedor.


4. DAS EXECUÇÕES DAS OBRIGAÇÕES DE PAGAR QUANTIA

            4.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

            Quando um indivíduo assume uma obrigação, contrai para si uma dívida e para seu patrimônio uma responsabilidade. Essa dívida deverá ser solvida espontaneamente. A responsabilidade patrimonial só surge a partir do momento em que o obrigado se torna inadimplente, sujeitando seus bens à execução forçada, que ocorre através do processo judicial.

            Essa busca pelo cumprimento forçado de uma obrigação de pagar dinheiro se realiza por meio da execução por quantia certa.

            Nos dizeres de THEODORO JÚNIOR: "Consiste a execução por quantia certa em expropriar bens do devedor para apurar judicialmente recursos necessários ao pagamento do credor." [15]

            A expropriação de bens mencionada no conceito do ilustre jurista pode ser feita com a alienação de bens do devedor, com a adjudicação em favor do credor ou mediante outorga de usufruto de imóvel ou empresa.

            A execução por quantia certa será diferenciada de acordo com a capacidade econômica do executado, conforme seja ele solvente ou insolvente, isto é, tenha ou não, em seu patrimônio, bens suficientes para garantir a execução.

            No caso de devedor solvente, o ato expropriatório executivo inicia-se pela penhora e se limita aos bens necessários ao pagamento da dívida. Já na situação do devedor ser insolvente, será requerida sua falência, procedendo-se a uma arrecadação geral de todos os seus bens penhoráveis para satisfação da universalidade dos credores.

            Assim, de qualquer modo, a execução por quantia certa tem por objetivo expropriar os bens do devedor inadimplente que sejam necessários à satisfação do direto do credor.

            Essa espécie de execução tanto pode se basear em título judicial (sentença condenatória) como em título extrajudicial. Há, ainda, a possibilidade de ocorrer a substituição da obrigação de fazer ou não fazer e de entrega de coisa pela obrigação de pagar quantia quando a tutela específica almejada nessas obrigações não puder mais ser alcançada, caso em que serão convertidas em perdas e danos.

            Atualmente, o Direito Brasileiro estabelece quatro diferentes procedimentos para a execução por quantia certa contra devedor solvente:

            - o procedimento padrão;

            - a execução fiscal;

            - o procedimento específico contra a Fazenda Pública;

            - o procedimento específico contra o devedor de alimentos.

            Todos esses procedimentos, porém, utilizam, em alguns aspectos, as regras do procedimento padrão.

            Não cumpre, no momento, trazer os aspectos diferenciados de cada um desses procedimentos, até porque o tema central ora abordado trata das mudanças que serão feitas no processo de execução como um todo, tendo-se por base o procedimento padrão atual, que exerce função paralela à exercida pelo procedimento ordinário no processo de conhecimento, com fase postulatória, instrutória e satisfativa, mas que deverá sofrer importantes mudanças de modo a tornar a execução forçada mais célere, menos formal e com mais chances de ser eficaz.

            4.2 ANÁLISE DO PROJETO DE LEI Nº 3.253/04

            O Projeto de Lei nº 3.253/04 originou-se do Anteprojeto de Lei elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual visando modificar os artigos do Código de Processo Civil que dizem respeito ao cumprimento da sentença que condena ao pagamento de quantia certa, possibilitando que a execução da sentença ocorra na mesma relação processual cognitiva.

            Além dessa fusão entre o processo de conhecimento e execução, há ainda outras mudanças marcantes trazidas pelo aludido projeto de lei, tais como a substituição dos embargos do devedor pela chamada impugnação que, em regra, não suspenderá a execução, como ocorre nos embargos.

            Quase todas as matérias que podem ser articuladas nos embargos à execução podem ser conhecidas de ofício pelo juiz, com exceção das matérias que dependem de provocação e comprovação pela parte interessada, estando previstas no artigo 741, inciso VI do Código de Processo Civil. Assim, não haverá prejuízo à defesa do patrimônio do executado, uma vez que todas essas matérias que seriam alegadas nos embargos poderão ser trazidas pelo devedor por meio da impugnação mencionada no Projeto de Lei 3.253/04.

            Frise-se, por oportuno, que caberá ao juiz conceder ou não o efeito suspensivo a essa impugnação, devendo analisar a relevância de seus fundamentos, bem como, se o prosseguimento da execução não causará dano de difícil reparação ao executado. No entanto, ainda assim, o credor poderá requerer a continuidade da execução, desde que preste caução suficiente, arbitrada pelo magistrado, nos autos da execução.

            Da decisão que concede o efeito suspensivo à impugnação, cabe agravo de instrumento, salvo quando essa decisão acarretar a extinção da execução, pois nesse caso o recurso cabível será a apelação.

            Desta forma, percebe-se que mesmo com a celeridade processual imbuída pelo Projeto de Lei nº 3.253/04, não haverá qualquer tipo de restrição ao direito das partes, que terão à sua disposição meios processuais aptos à defesa de seus interesses.

            Não há que se negar que a dicotomia atualmente existente no sistema processual provoca o engessamento da prestação jurisdicional evidenciado na prolação da sentença e posterior necessidade de instauração de um novo procedimento para que, só assim, o credor possa tentar impor ao devedor o comando inserto na decisão judicial.

            Com a provável aprovação do Projeto de Lei nº 3.253/04, a execução da sentença não será autônoma, clamando por nova citação, mas sim, uma nova etapa da ação que originou a decisão transitada em julgado. Em sendo assim, não será possível a propositura de dois recursos de apelação nesse processo sincrético. O inconformismo com a decisão emanada da execução deverá ser viabilizado por meio do recurso de agravo de instrumento.

            O fim da autonomia do processo de execução dos títulos judiciais (sentença condenatória) não reflete nos títulos extrajudiciais, pois estes ainda requerem um processo autônomo. Todavia, a execução autônoma dos títulos extrajudiciais também será alvo de alterações no sentido de aperfeiçoar tal procedimento, tornando relativo o efeito suspensivo dos embargos à execução, que não deverá ser mais a regra, desde que não implique em transferência de propriedade e, conseqüentemente, prejuízo para o executado.

            Outra alteração que aqui merece ser destacada é a descaracterização da liquidação da sentença como uma ação incidental. Pelo Projeto de Lei nº 3.253/04, a liquidação de sentença será um mero procedimento incidental, impugnável por intermédio do agravo de instrumento e não mais da apelação.

            Assim é que, com todas essas modificações, o Projeto de Lei em questão põe fim à atual dicotomia existente entre o processo de conhecimento e o processo de execução, criando um processo sincrético.

            Quando da apresentação de seu relatório sobre a aprovação do Projeto de Lei nº 3.253/04 na Comissão Especial da Reforma do Judiciário, o Deputado ABI-ACKEL assim se manifestou,

            "O projeto moderniza a execução. Dá-lhe rapidez compatível com a necessidade de erradicar atos e termos cuja complexidade propicia oportunidades procrastinatórias. Não há, nessa maior celeridade de andamento processual, limitação do direito das partes, devidamente armadas, no curso da execução, de instrumentos perfeitamente adequados à defesa de seus interesses. O parecer é, portanto, favorável à aprovação do projeto, dada a inexistência de vício de inconstitucionalidade e de defeitos de técnica legislativa. Sua adequação ao sistema jurídico é por todos os títulos evidente, não se lhe podendo recusar também quanto ao mérito a devida aprovação." [16]

            Dessa maneira, é inconcebível que, após toda discussão jurídica a respeito das mais variadas teses trazidas por autor e réu no processo de conhecimento, possa o devedor, mediante nova ação, estagnar a eficácia da sentença fundada em cognição exauriente.

            4.3 A NATUREZA DA SENTENÇA PELA REFORMA

            Não se tratará aqui de toda discussão doutrinária acerca da classificação da sentença. Importa agora considerar que as tutelas mandamental e executiva lato sensu são admitidas no ordenamento jurídico brasileiro e é por meio delas que se pode conceber o sincretismo processual.

            A tutela mandamental traz uma ordem judicial que forçará o réu a cumprir a prestação devida por meio da utilização de medidas coercitivas. Ao passo que a tutela executiva se caracteriza pela adoção de medidas executivas de forma incidental no processo cognitivo, independente da atuação do réu.

            As normas vigentes no Código de Processo Civil preconizam que as sentenças que condenam ao pagamento de quantia certa devem ser concretizadas através de um processo de execução autônomo, deixando a tutela mandamental e a executiva lato sensu para o cumprimento dos deveres de fazer, não fazer e entrega de coisa. Sobre o tema, pode-se destacar:

            "Aliás, dizer que o legislador não pode alterar a carga de eficácia de determinadas decisões judiciais, ou, diríamos melhor, que não pode outorgar ao juiz, mediante mudança na lei instrumental, técnicas de tutela diferentes da mera condenação para determinadas situações, é ignorar que, até pouco tempo atrás, as sentenças que condenavam à entrega de coisa eram, por mais óbvio que isso possa parecer, condenatórias, meros juízos de reprovação, demandando a iniciativa do autor e um novo e autônomo processo, de execução, para a satisfação do demandante. Hoje, em face única e exclusivamente das mudanças na legislação processual, proporcionadas pela Lei 10.444/02, as sentenças proferidas com base no artigo 461-A, como visto, podem ser classificadas como executivas, ou mesmo como mandamentais em alguns casos. Mas, o que é certo: nunca ensejarão mera condenação, juízo de reprovação, providência mediata e dependente, em sua definição tradicional, de processo autônomo de execução.

            De outra parte, esta extremada preocupação com o réu condenado a pagar quantia, privilegiando-o em comparação àqueles a que são impostas ordens de fazer ou de abstenção, e mesmo àqueles que sofrem a busca e apreensão de coisa em seu poder, não se justifica sob nenhum argumento." [17]

            Pois bem, a elaboração do Projeto de Lei nº 3.253/04 fez ressurgir a dúvida acerca da extinção ou não da sentença condenatória, considerando que esta já não existe mais nas obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa.

            É de se verificar que a sentença condenatória é título executivo, mas não possui eficácia executiva. Em outras palavras, se o réu não cumprir a sentença espontaneamente, o autor terá que propor o processo de execução que trará consigo todas as fases já vencidas no processo cognitivo. E mais, após ultrapassar todas essas fases novamente, chegando ao início dos atos executórios propriamente ditos, o executado ainda possui a seu dispor uma série de incidentes e agravos.

            A condenação não se constitui de uma ordem para que o réu sofra a execução. Ela apenas autoriza o autor a promover o processo de execução. Assim, a sentença condenatória é ato mediato, juízo de reprovação sem, contudo, conter ordem de cumprimento da obrigação, exigindo, de acordo com as Leis de Processo Civil atual, um processo de execução para a satisfação do credor.

            Após toda essa explanação, cumpre analisar a natureza da sentença do artigo 475-J, trazido pelo Projeto de Lei nº 3.253/04, que bem pode ser elucidada nas palavras de AMARAL,

            "Muito embora tenha sido eliminada a necessidade de um processo de execução autônomo para a sentença em referência, não vemos como afastar por completo o caráter mediato da mesma, dado que, como deixa bastante claro o dispositivo em referência, será necessário ainda requerimento do credor para a expedição de mandado de penhora e avaliação. Remanesce, portanto, a disponibilidade do autor quanto aos atos posteriores à prolação da sentença e, portanto, o mediatismo característico da tutela condenatória, em oposição ao imediatismo das tutelas mandamental e executiva." [18]

            Apesar dessa concepção inicial de que a sentença do artigo 475-J é de cunho condenatório, existe uma característica estranha à tutela puramente condenatória, qual seja, a multa de dez por cento, aplicada ao devedor que deixar de pagar o valor devido no prazo de quinze dias.

            Esse meio coercitivo possui conteúdo imediato ao passo que a tradicional sentença condenatória é mediata, por isso se diz que a sentença prevista no projeto de lei em comento não possui idêntica relação com a tradicional sentença condenatória, não obstante o conteúdo condenatório prevalecente evidenciado no juízo de reprovação e na dependência de nova iniciativa do autor (simples requerimento) para obter sua satisfação.

            Com efeito, o Projeto de Lei não acolheu veementemente as técnicas de tutela mandamental e executiva para as sentenças proferidas nas obrigações de pagar quantia, pois a sistemática processual não admite a fixação de multa periódica por atraso no cumprimento dessas obrigações, nem tampouco a determinação de medidas coercitivas para a efetivação da tutela específica nesses casos.

            A sentença proferida nas obrigações de pagar quantia se limitará a reprovar o réu, com fixação de multa de dez por cento em caso de manutenção do inadimplemento e, após requerimento do autor, dar início à fase executiva com a expropriação de bens do executado.

            4.4 A ELIMINAÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO AUTÔNOMO

            O processo, analisado como um todo, não comporta divisão, tendo em vista que é o método mediante o qual a jurisdição desempenha suas atividades. Entretanto, o diploma processual civil distingue três espécies de processos conforme a natureza da tutela jurisdicional pleiteada, quais sejam: processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar.

            A função jurisdicional se fundamenta basicamente em duas espécies de atividades diferentes entre si: a cognitiva e a executiva. Na primeira, todo o esforço gira em torno da investigação dos fatos e da interpretação e aplicação da norma legal adequada ao caso concreto. Já a atividade executiva visa produzir o resultado proveniente do processo de conhecimento. Essa dicotomia (cognição-execução), porém, não é absoluta.

            Mirando a instrumentalidade do processo, a concepção em estudo está sendo alvo de profundas mudanças, considerando-se a concessão das tutelas jurisdicionais de cognição, de execução e cautelar numa única ação, sem necessidade de distinção, pois os processos diferenciados, na verdade, se tornariam meras fases de uma mesma ação.

            Em face das reformas que vêm sendo perpetradas no sistema processual civil ao longo da última década, tendo por fim a otimização do trâmite processual, eis que ressurge a discussão acerca da autonomia do processo de execução originado da prolação de uma sentença condenatória.

            Os defensores da eliminação do processo de execução autônomo, quando emanado de sentença condenatória, consideram a execução como um mero prolongamento do processo cognitivo do qual derivou a sentença condenatória, formando apenas uma fase da mesma ação.

            A promulgação da Lei nº 10.444/2002, repita-se, trouxe a desnecessidade de propositura de um processo de execução autônomo nas obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa diversa de dinheiro, não sendo mais a execução um processo autônomo, mas simples complemento do processo principal, que já não pode mais ser definido como cognitivo ou executivo, mas sim um processo misto, sincrético, em que as duas ações se fundem.

            Apesar da junção dos processos de conhecimento e execução nas obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa, observa-se que nas obrigações de pagar quantia o sistema continua o mesmo, favorecendo o devedor inadimplente que tem ao seu dispor muitos instrumentos processuais para furtar-se da constrição judicial, prolongando indefinidamente a demanda.

            No entanto, essa situação não deve perdurar por muito mais tempo, considerando a elaboração do Projeto de Lei nº 3.253/04, que insere no texto do Código de Processo Civil o artigo 475-J, refletindo a principal mudança que será realizada pelo referido projeto, caso o mesmo seja aprovado em definitivo, qual seja: a total eliminação do processo de execução autônomo nas obrigações de pagar quantia.

            Não se diga com isso que a autonomia do processo de execução estará completamente abolida do ordenamento jurídico pátrio. Não é isso. O processo de execução autônomo permaneceria a existir para as execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais.

            A proposta do Projeto de Lei nº 3.253/04 é a quebra da unidade do processo de execução. Num mesmo processo será decidido o mérito, na sentença, bem como serão concretizados os atos executórios necessários ao cumprimento dessa decisão.

            Nos dizeres de AMARAL: "Reúnem-se, assim, em apenas um processo (de conhecimento) o juízo de reprovação, a extornação ao pagamento e, a requerimento do autor (agora credor), a tomada de atos executivos em caso de recalcitrância do réu (agora devedor)." [19]

            Desta forma, na ratificação de todos os termos contidos no Projeto de Lei em comento, o cumprimento forçado da sentença condenatória será efetivado como fase final do processo de conhecimento, em homenagem à eficiência na prestação da tutela jurisdicional.


CONCLUSÃO

            Ante tudo que foi exposto, percebe-se a plena consciência do legislador de que o processo tem fins relevantes a serem alcançados, tendo em vista a busca pela efetividade do provimento judicial.

            É daí que se conclui que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV, não procura apenas garantir o formal acesso ao Judiciário, mas procura também propiciar ao cidadão a prestação da tutela jurisdicional de forma efetiva, adequada e tempestiva.

            Nesse ínterim, a reforma do Código de Processo Civil busca inserir instrumentos processuais capazes de fornecer o direito pretendido da maneira mais eficaz possível. As mudanças que já foram procedidas nas tutelas específicas se tornaram aparelho particularmente importante no acesso à Justiça.

            Conclui-se, pois, que a reforma processual civil na execução pode ser dividida em três etapas. A primeira etapa foi marcada pela introdução do instituto da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pela Lei nº 8.952/94, que permitiu o início dos atos executivos antes mesmo de estabelecido o contraditório.

            A segunda etapa da reforma, que foi inaugurada em função da Lei nº 10.444/2002, inovou pela desnecessidade de um processo de execução autônomo para promover a execução da tutela específica das obrigações de fazer ou não fazer, bem como, pela inserção do artigo 461-A do Código de Processo Civil, que eliminou, também, a execução autônoma para as sentenças que determinassem a entrega de coisa diversa de dinheiro.

            Por outro lado, apesar das significativas mudanças já concretizadas nessas espécies de execução (fazer, não fazer e entrega de coisa), a terceira etapa da reforma há de trazer modificações ainda mais marcantes de acordo com o explanado no presente trabalho. Trata-se do Projeto de Lei nº 3.253/04 que aguarda aprovação em definitivo pelo Congresso Nacional.

            O aludido Projeto evidencia a fusão do processo de conhecimento e execução no tocante à tutela das obrigações de pagar quantia, dentre outras inovações.

            Com isso, no que diz respeito às mudanças na sistemática processual da execução, o objetivo almejado é a efetividade do processo refletida na plena e específica satisfação do credor.


NOTAS

            01 Alexandre Freitas Câmara. Lições de Direito Processual Civil. 2004, p. 151.

            02 Araken de Assis. Manual do Processo de Execução. 2002, p. 116.

            03 Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil. 2000, p. 12.

            04 Alexandre Freitas Câmara. Op. Cit. p. 154 - 155.

            05 Ovídio A. Baptista da Silva. Curso de Processo Civil. 2000, p. 37.

            06 Humberto Theodoro Júnior. Op. Cit. p. 31.

            07 Humberto Theodoro Júnior. Op. Cit. p. 141.

            08 Alexandre Freitas Câmara. Op. Cit. p. 240 - 241.

            09 Ovídio A. Baptista da Silva. Op. Cit. p. 126.

            10 Alexandre Freitas Câmara. Op. Cit. p. 250.

            11 Cândido Rangel Dinamarco. Execução civil. 2002, p. 102.

            12 Leonardo José Carneiro da Cunha. Algumas questões sobre as astreintes (multa cominatória). Revista dialética de direito processual. 2004, p. 96.

            13 Alexandre Freitas Câmara. Op. Cit. 2004, p. 267.

            14 Leonardo Greco. Tutela jurisdicional específica. Revista dialética de direito processual. 2005, p. 74.

            15 Humberto Theodoro Júnior. Op. Cit. p. 159.

            16 Ibrahim Abi-Ackel. Relatório no parecer na comissão especial da reforma do judiciário (Câmara dos Deputados). 2004.

            17 Guilherme Rizzo Amaral. As astreintes e o Processo Civil Brasileiro. 2004, p. 61.

            18 Guilherme Rizzo Amaral. As astreintes e o processo civil brasileiro. 2004, p. 61.

            19 Guilherme Rizzo Amaral. Op. Cit. p. 84.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Caroline Maria Pinheiro. Da reforma processual civil na execução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 951, 9 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7936. Acesso em: 25 abr. 2024.